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domingo, 10 de maio de 2015

Secretary III - Capítulo 25

Redenção
(Músicas do capítulo: To Build a Home do The Cinematic Orchestra, Chasing Cars do Snow Patrol, Lullaby do Nickelback, Do You Mind do The xx, Sky's Still Blue do Andrew Belle, Kiss Quick do Matt Nathanson, Belief do Gavin DeGraw eNever Let Me Go da Florence + The Machine. (Esse é o maior capítulo da história de S., então peço que leiam com calma, efetuando pausas. Caso contrário, a leitura pode vir a ficar cansativa e vocês perderão detalhes importantes.)




Demetria's P.O.V

(Coloque a primeira música para tocar e deixe repetindo até o final do P.O.V da principal)
A brisa gelada me envolveu como um abraço amigo, apesar de não se mostrar tão amigável no instante seguinte, quando jogou mecha por mecha de meus cabelos para o lado de forma brusca, impedindo que eu continuasse a aproveitar a pouca visão que tinha. O farfalhar das folhas de árvores que emolduravam a região onde eu permanecia inerte era o único som capaz de aguçar minha audição. Não havia mais nada, exceto pela estranha percepção de que eu não estava completamente sozinha ali. Ergui a mão antes amparada pelo acento do banco de madeira que sustentava meu corpo e levei meus dedos gélidos até os fios em minha face, afastando-os o suficiente para que pudesse reconquistar minha visão impecável. Antes desfocada, a região agora parecia adquirir mais cor e formas mais definidas. Encarei o céu com relutância, semicerrando os olhos quando um sol repentino brilhou acima de minha cabeça, seus raios aquecendo-me como pensei não ser possível durante dias tão escuros. Por que eu não conseguia sair dali? E aquela estranha sensação de vazio que não me permitia sequer manter pensamentos positivos? Congelei novamente ao ouvir o riso de uma criança, paralisando meus globos oculares na direção da simples grama recém aparada que continha orvalho. Detalhes simples e insignificantes para o mundo, mas que conseguiam capturar brilhantemente minha atenção. O som adquiriu mais proximidade, e eu temia erguer novamente meu rosto para desvendar de quem se tratava. Porém, senti-me forçada a fazer isso quando constatei dois pares de passos cessarem bem a minha frente. Incerta, fixei meus olhos opacos nos rostos de duas pessoas que sorriam abertamente, sorriam exatamente como aquele dia passou a fazer assim que o sol saiu de seu esconderijo.
O homem revelou o que escondia atrás de seu corpo, fazendo com que a pequena garota a sua frente arregalasse os olhos e levasse as mãos até a boca em sinal de uma surpresa positiva, abrindo um bonito sorriso em seguida.
Seu pai, provavelmente, lhe entregou um balão cor de rosa preso por um barbante. A garota não hesitou antes de esticar seu braço e segurar a linha firmemente, aproximando-se do homem quando o mesmo ajoelhou-se para receber um beijo em sua bochecha em forma de agradecimento. Ao grudar os lábios no rosto do homem, a pequena acabou por permitir que seus dedos se abrissem por uma fração de segundo cruel o suficiente para que o balão rosa escapasse da proteção daqueles pequenos dedos frágeis, sobrevoando seu rosto de repente aborrecido, flutuando pelo ar enquanto subia para ficar cada vez mais próximo do céu totalmente azul. Azul como os olhos de um certo alguém.
Em seguida, o homem a abraçou, como se quisesse confortá-la, e ele sabia que conseguiria. Ela não precisava de um mero balão quando tinha seu pai por perto para aliviar qualquer tristeza, certo?
Com esse pensamento mesclando entre a alegria e a melancolia, levantei-me sem perceber, um ato automático. Caminhei sem destino por aquele parque, deixando pai e filha para trás, apesar de acabar por me sentir obrigada a virar o rosto para encará-los por uma última vez. Agora seus rostos pareciam mais familiares, eu quase pude me encontrar nas feições angelicais daquela garotinha.
Percebi o significativo aumento da população a se concentrar na região, expandindo meus passos a uma velocidade maior quando parecia impossível seguir livremente sem ter de me esbarrar em alguém. Em meio a rostos desconhecidos, apagados e amargos, disparei a correr. Novamente sem pensar, novamente sendo controlada por impulsos automáticos de meu corpo. Sentindo uma espécie de formigar em minhas costas, eu virava o rosto diversas vezes para me certificar de que não havia alguém vindo atrás de mim. Congelei meus movimentos no exato instante em que vi um rosto disfarçado graças a área abarrotada de pessoas, engolindo a seco quando pude, enfim, identificá-lo. De tantos rostos, tantas formas e expressões, aquele era o que eu menos esperava ver. Um dos que mais me fazia mal. Então, dessa vez, girei em meus calcanhares e corri por vontade própria na direção contrário. Ofegante, sentindo o coração acelerar em meu peito, desisti de procurá-lo e cessei meus movimentos quando percebi que alguém me esperava ao final daquele parque. Pensei em desviar, visto a semelhança com o rosto anterior, mas dessa vez minha mente apenas aconselhava que eu não tivesse medo. Os rostos eram iguais, mas de fato não eram as mesmas pessoas. O ser de antes, aquele que me deixou amedrontada, desaparecera. Arthur. O outro, aquele que deixava um sorriso calmo e aconchegante nascer em seus lábios, despertou apenas algo como uma súbita segurança, o tipo de paz e conforto que apenas alguém que tem sua total confiança e amor pode fornecer. Então eu simplesmente sabia que aquele era Quentin, o meu pai.
Nunca pude vê-lo, nunca pude chamá-lo de pai, mas não me privei de agilizar os movimentos de minhas pernas, impulsionando meus pés a trabalharem rápido o suficiente para que logo eu estivesse fazendo algo tão simples, tão comum e, para mim, tão impossível: abraçando meu pai.
Infelizmente, eu sabia que era um mísero sonho. Na verdade, muito parecido com o que tive na noite anterior. Então ficara finalmente evidente o motivo de acordar com aquela sensação de calmaria envolvendo meu corpo como um abraço. Era o abraço que Quentin acabara de desfazer. Olhei seu rosto em silêncio, imóvel, queria analisá-lo, procurar por semelhanças entre nós, feliz por logo encontrá-las.
- É bom te ver novamente, filha. - ele disse em um tom brando, calmo e angelical demais para pertencer realmente a um ser humano. As batidas aflitas de meu coração pareceram receber uma ordem naquele exato momento, diminuindo até que se normalizaram completamente. Pouco a pouco, senti a ardência em meus olhos elevar-se até que não foi mais possível impedir que uma lágrima quente escorresse por meu rosto frio, provocando um pequeno choque de temperaturas.
Sem esperar que eu respondesse alguma coisa, o homem vestido de forma simples, onde o branco predominava, começou a caminhar despreocupadamente, parando e virando apenas o rosto quando percebeu que eu não o seguia. Entendi seu olhar firme e ao mesmo tempo carinhoso como uma sugestão para que eu o fizesse. Assim feito, escolhi ficar a alguns poucos passos de distância. Não era medo, era só uma sensação estranha. Olhar para o rosto dele me lembrava do que nunca pude ter.
- Quentin... Digo, pai? - chamei-o hesitante assim que ele decidiu que não queria mais caminhar, encostando-se a uma das poucas árvores de uma área agora livre de toda a agitação. Ele sorriu sem mostrar os dentes em resposta a minha falta de firmeza ao chamá-lo por aquela palavra, aproximando-se para apoiar uma mão sobre meu ombro.
- Não precisa ficar assim, Demetria. Eu sei que você nunca teve a chance de me chamar de pai, mas é quem eu sou. Mesmo que você não tenha me conhecido, isso não muda nada. Quer dizer que só porque não podemos ver uma pessoa, não podemos amá-la? O fato de que ela irá partir para uma jornada desconhecida não a torna menos alcançável. Eu nunca deixei de olhar por você. - suas palavras foram pronunciadas de uma vez, sem pausa. Talvez ele deduzisse - ou soubesse - que era exatamente o que eu mais precisava ouvir. Por saber que se tratava de um sonho, senti uma angústia se instalar em meu peito. De que adiantaria conversar com ele, perguntar coisas e responder coisas quando tudo não passava de minha imaginação recorrendo a alguém que já não fazia parte do mundo em que eu vivia como uma única forma de esperança? Apesar disso, escolhi fazer o desabafo seguinte.
- Eu não sei o que dizer, mas preciso dizer alguma coisa. Eu preciso que você responda minha pergunta.
- Farei o possível para responder! - ele avisou alegremente, voltando a sorrir de forma pacífica. Soltei o ar com calma e fechei meus olhos, abaixando o rosto para ter um ponto fixo a encarar no instante em que começaria a me expressar.
- Eu serei feliz como costumava ser? Eu vou conseguir me libertar desse estado de angústia que parece tão fixo a mim a ponto de se tornar parte de quem eu sou? - elevei meus olhos a sua direção, ouvindo minha voz se tornar mais embargada a cada nova sílaba pronunciada. - Há um sinal, qualquer sinal de que ele vai voltar para mim?
Quentin não respondeu de imediato, na verdade, duvidei que ele o faria eventualmente. Afastando-se de mim, o homem confirmou com a cabeça, deixando-me em dúvida se era um gesto em resposta a minha pergunta ou não. Esperei pacientemente antes de questioná-lo outra vez. Era um sonho, eu poderia acordar a qualquer momento e perder tal chance. Apesar de saber que ele diria apenas o que meu subconsciente determinasse, e não a verdade almejada.
- Você sabe a resposta para todas essas perguntas, procure dentro de si mesma. - ele falou ainda de costas. Antes que meu pai pudesse virar-se em minha direção novamente, um som incompatível com a atmosfera calma daquele parque chocou-se com minha audição, fazendo-me levar um susto e cobrir meus ouvidos com as palmas de minhas mãos. O alívio se fez presente quando o som pareceu desaparecer, mas foi inundado por uma nova onda de pavor quando o mesmo voltou a reverberar pelo céu, castigando meus tímpanos que logo não aguentariam mais.
- Pai, por favor, não vai embora! - pedi desesperada quando notei que Quentin se afastava cada vez mais, sem nem mesmo dizer adeus. - Por favor, não me deixe aqui, eu preciso de uma resposta, qualquer uma! Papai!
- Não estou indo embora, filha. Nunca irei, você sabe disso. - o conforto que ele tentou me transmitir com suas mais sinceras palavras funcionou apenas por breves instantes.
O som contínuo passou então a ser insuportável e eu nem sequer conseguia mais distinguir suas pausas. Caí sobre meus joelhos e fechei os olhos fortemente como se não quisesse nunca mais abri-los.
Eu sabia que logo acordaria.


Encontrei-me diante da parcial escuridão do quarto que me recebeu assim que meus olhos se abriram em um susto. Elevei meu tronco sem nem mesmo esperar estar totalmente lúcida e levei a mão até meu peito, tentando silenciar minha respiração ofegante que escapava por meus lábios entreabertos, assim como diminuir os movimentos rápidos de meu tórax que subia e descia. Encarei Matthew ainda dormindo ao meu lado, apesar de revelar um sono leve devido a seu rostinho e mãozinhas que mantinham movimentos esporádicos. Só então pude perceber que continuava a ouvir o som anterior, porém nem de longe parecia tão abominável. 
Era apenas o telefone tocando na sala.
Não sabia quanto tempo havia se passado desde que adormeci enquanto contemplava o soninho gostoso de Matt, não obtendo outra saída senão esperar por qualquer notícia. Insegura de meus próprios movimentos, levantei-me trôpega e logo procurei pela parede mais próxima para que pudesse encontrar sustento, tateando pela maçaneta da porta, virando apenas o rosto antes de puxá-la para confirmar que meu pequeno continuava a dormir. Saí às pressas pelo corredor escuro, sentindo um malévolo arrepio já habitual percorrer minha espinha. Descendo degrau por degrau com uma rapidez cuidadosa, senti a esperança se alastrar e amenizar minhas preocupações, apesar de lutar contra o pessimismo miserável que tentava me prender novamente àquela agonia. Certamente eram notícias de Joseph, de um modo inquestionável eu conseguia prever isso. Mas será que eram notícias boas?
Firmei meu pé direito sobre o chão encarpetado do cômodo, banhado apenas pela claridade natural da lua que alcançava e se infiltrava pelas frestas das cortinas de cor aconchegante que escondiam as grandes janelas de vidro. Uma eternidade parecia ter transcorrido, meus movimentos insuportavelmente lentos, mas a verdade era que eu corria em direção àquele telefone, apesar de me irritar com a distância sempre tão curta que, naquele instante de ansiedade, revelava-se gigantesca. 
Retirei o aparelho da base, ainda com receio de levá-lo ao meu ouvido. Eu estava entorpecida, não conseguia sentir nada a não ser aquele conflito interno. Uma espécie de batalha entre o bem e o mal. Pensamentos iluminados me puxando para uma direção, enquanto pensamentos mórbidos me puxavam para outra. Busquei pelo máximo de ar que meus pulmões suportavam e cedi ao peso que pareceu atingir minhas pálpebras, mantendo os olhos fechados enquanto mentalmente fazia uma prece, sabendo que a decisão final seria decretada ali. Ou ele estava vivo e voltaria para os meus braços... Ou não estava
Aproximei o aparelho de minha orelha e contemplei o silêncio, pelo menos não havia lamentos ininterruptos, muito menos choro. O silêncio foi reconfortante, apesar de logo eu passar a desprezá-lo quando perguntei de quem se tratava. Não obtendo resposta, mas sabendo que havia alguém do outro lado da linha, visto o som de uma respiração entrecortada, voltei a pedir. 
- Por favor, diga quem é. - segurei meu lábio inferior fortemente, firmando ainda mais o telefone naquela região de meu rosto, pois não queria perder nenhum indício do responsável por aquela ligação repentina e tão tarde da noite. O silêncio continuou a gargalhar de meu nervosismo, então pensei em desistir e me livrar daquela sensação. Devolveria o telefone a base e retornaria ao meu quarto. Talvez sonhos melhores aguardassem por meu estado de inconsciência.
Mas ainda bem que escolhi não concluir tais planos monótonos. 
Espero que não tenha se acostumado a viver sem mim. - a voz manifestou-se simplesmente, quase como um sussurro. Prendi minha respiração e notei um alerta de minhas pernas. Um alerta de que talvez não conseguissem sustentar o peso de meu corpo a partir daquele instante, depois de uma estrondosa surpresa. Uma tremedeira atingiu a mão que segurava com perseverança o aparelho, precisei me esforçar para não deixá-lo cair. Meus olhos estagnados a um canto qualquer do cômodo se arregalavam aos poucos. Meu coração palpitou por entre minhas costelas, levando meu ar embora. 
Contraditório era sentir a vida me abranger no exato instante em que o ar pareceu faltar. 
Era ele. Era o homem responsável pela milagrosa alegria que cobriu cada mísera parte de meu ser. Era ele, meu Joseph. Vivo, provavelmente bem... Devolvendo-me a vida. 
Meus joelhos finalmente cederam, deixando-me sentada ao chão, satisfeita por ter encontrando sustento para meu corpo fraco. Meus olhos arderam o suficiente para que eu implorasse às lágrimas que escapassem logo de meu interior. O nervosismo me impedia de perder a consciência e ceder àquela tontura que se apossava poderosa de mim. Mas nada me impediria de comprovar não estar sonhando. Nada. 
Joseph... Joseph, é você mesmo? Por favor, eu... - desesperada, comecei a atropelar palavras, minha voz tão embargava provavelmente logo estaria incompreensível. Eu não podia vê-lo, mas para quem fora obrigada a enfrentar longos dias da mais incerta e atroz distância, aquele simples presente a minha audição significou o mundo. Não era apenas minha mão que tremia, todo o meu corpo rendeu-se àquilo. - Eu não posso acreditar que estou ouvindo sua voz... - não aguentei prosseguir, um soluço potente roubou a vez de escapar por minha garganta. 
Ei, Demi, tudo está bem agora. Estou voltando para você agora. Eu sei, também cheguei a pensar que esse momento não chegaria, mas que bom que essa parte pessimista de mim estava errada. - foi como ser atingida por uma nova remessa de paz ao ouvi-lo por uma segunda vez. Eu não sabia se me entregava totalmente àquele choro ou se criava forças para levantar dali e acabar com todo aquele tormento, não sabia como provar a mim mesma que aquela era de fato a minha realidade. 
- Onde você está, meu amor? - pedi com urgência, aos poucos conseguindo ficar de pé outra vez, lutando contra a musculatura de minhas pernas que parecia inútil, ambas tão bambas que precisei me segurar no primeiro móvel que surgiu pela frente. - Diga onde está e eu vou te encontrar agora! - sorri ao pronunciar tais palavras, radiante com a possibilidade de poder estar ao seu alcance novamente, encarando o teto com olhos marejados e, provavelmente, maravilhados. Nunca me senti tão sortuda em toda a minha vida. 
Estou no Hospital de St. Mary... - sua explicação breve, porém, brotou medo novamente em meu interior. Tentei questionar o motivo de meu marido estar em um hospital, mas sua voz cortou a minha e calmamente ele se dispôs a explicar, alegando que estava bem. Pude respirar normalmente outra vez. - Aconteceu uma coisa e eu não posso sair daqui agora, mas o Dominic falou com a Jennifer e ela está indo te buscar. Demetria, por favor, saia de casa apenas se estiver bem, eu não quero te expor a perigo algum, meu amor, por favor... - agora o desespero parecia estar ao lado dele, e eu era quase capaz de absorver a sensação de senti-lo falar tudo aquilo exatamente a minha frente, olhando fundo em meus olhos. Meu coração era forte, caso contrário já teria perdido a capacidade de lidar com sua atividade tão frenética. 
- Tem certeza que está bem? - não tentei justificar que ele não tinha motivos para se preocupar com o meu bem estar, afinal, a única coisa que me importava naquele momento era o seu. Joseph respirou fundo do outro lado da linha, como se ponderasse para responder. O cansaço era entregue em sua voz. Sua inconfundível e sublime voz, o som mais bonito do mundo. 
Vou ficar assim que te ver e ver nossos filhos. - concordei com um murmúrio, tocando minha barriga no instante em que pude ouvi-lo tão convicto e ansioso por tal momento. - Agora preciso desligar... Mas não se preocupe, mulher, essa noite você estará em meus braços novamente. Não é um palpite, é uma certeza. - eu não queria encerrar aquela chamada, praticamente implorei a ele que continuasse conversando comigo, mas não podíamos perder tempo. Estávamos a um passo de acabar com todo o martírio, estávamos a um passo de pertencer novamente um ao outro. Eu estava a um passo de tocá-lo, saber que poderia sorrir sem culpa, sem pesar. Sorrir da forma mais sincera possível, como há dias havia sido impedida de fazer. 
Parcialmente livre da fraqueza anterior, assim que depositei o aparelho sobre a base, tive um estalo e disparei a correr pelas escadas, procurando com olhos aflitos pela porta do quarto onde mamãe provavelmente dormia. Girei a maçaneta de maneira sutil, não sabendo mais como controlar aquela ansiedade que me consumia a cada novo segundo. Logo Jennifer chegaria e eu poderia abraçar fortemente meu Joe, inalar seu cheiro, sentir meu corpo se aconchegar ao seu para, juntos, eliminarem toda a saudade que sentiam um do outro. 
- Mãe! - chamei-a, subindo na cama feito uma criança empolgada que acorda os pais na manhã de Natal para abrir seus presentes. Não queria ter que tirá-la de seu descanso, mas não encontrei outra saída. - Mãe, acorde! - pedi mais alto, vendo-a abrir os olhos rapidamente e erguer seu tronco, me encarando com um misto de surpresa e susto. Não conseguindo conter lágrimas que deixavam meus olhos e esbarravam em um sorriso ainda aberto, passei meus braços por seus ombros sem aviso prévio. - Ele está bem! Ele está vivo... Mamãe, eles encontraram o Joe! Eu acabei de falar com ele e logo poderei vê-lo! - escondi meu rosto em seu ombro, sentindo seus dedos acariciarem meus cabelos. Não podia vê-la, mas sabia que sorria. 
- Você não imagina como é bom saber disso, minha filha. - afastei-me e desfiz nosso abraço para que pudesse olhá-la. Uma de suas mãos se ergueu o suficiente para que tivesse a chance de tocar minha bochecha, secando ternamente uma lágrima presa ali. - Agora desfaça essa carinha e sorria, pois você merece. Chega de dias escuros, o sol está brilhando para você novamente... E eu sei que não existe ninguém que mereça mais. - suas palavras não me acalmaram, pelo contrário, elevaram meu choro, porém não era um choro sufocante, longe disso. Expliquei a ela o que estava acontecendo, disse que Jennifer logo estaria ali. Mamãe, compreensiva e ao mesmo tempo receosa, afirmou que cuidaria dos meninos, contanto que eu respeitasse os limites impostos pelo meu próprio corpo. Após ouvir mil e uma recomendações que no fundo fiquei feliz por receber, tive apenas tempo de procurar um casaco qualquer, calçar o primeiro par de sapatilhas que encontrei e me lançar na direção da saída de minha casa, encarando através da intensa chuva que caia - apesar do céu estar calmo - o restante da rua revelada atrás do portão, procurando por qualquer indício de Jennifer. 
Sem temer os pingos que aos poucos, um a um, marcavam minha roupa, cabelos e a pouca pele desprotegida, dei alguns passos adiante e abandonei completamente a proteção da soleira, caminhando apressada pelo jardim até onde meu carro me esperava. Feliz por encontrar as chaves dentro do bolso, desliguei o alarme e adentrei o veículo, impaciente o suficiente para desistir de esperar por Jennifer. Eu sabia perfeitamente bem a localização do hospital em que meu marido se encontrava. Minhas mãos ainda trêmulas seguraram com firmeza o volante, enquanto eu encarava o portão aos poucos se abrindo, possibilitando minha passagem. Após tentativas falhas, finalmente consegui girar a chave na ignição, manobrando até sair completamente do jardim e encontrar a rua inabitada. Não havia nada em minha mente que não fizesse referência ao reencontro que estava prestes a acontecer. Logo os cantos de meus lábios começariam a doer devido a sorrisos constantes e imensamente sinceros. 
Quando girei o volante e acreditei que poderia dirigir até Joseph e eliminar a distância de uma vez por todas, ouvi o som de uma buzina soar logo ao meu lado, juntamente com a luz forte de um farol que me obrigou a virar o rosto para sua direção contrária. Após me certificar de que o mesmo fora desligado, esforcei minha visão para enxergar o veículo, sendo obrigada a deixar o meu para que pudesse confirmar de quem se tratava. Jennifer saiu apressadamente do carro e, quando estava prestes a me repreender por ter tomado uma atitude tão impulsiva, percebeu meu semblante mesclando entre a perplexidade latente e a alegria imutável, desistindo de qualquer coisa que pudesse vir a desfazer aquele sorriso pintando meus lábios. Ao invés de uma bronca, recebi um abraço. 
- Onde é que você pensa que vai sozinha? - Jen ralhou elevando seu tom devido ao barulho da água chocando-se contra o asfalto, passando um braço por entre o meu para que pudesse me conduzir até seu carro. 
- Eu já esperei mais do que minhas resistências permitem. Não tenho mais forças contra a tristeza... Não posso esperar mais. - desabafei, vendo-a concordar e ainda assim emitir um resmungo, deixando-me sozinha para retornar ao outro lado da rua onde minha Range Rover permanecia. Sem hesitar, aliviada por não ter que enfrentar aquele trajeto sozinha, pois tinha medo de passar mal durante o mesmo, acomodei-me no interior quente do carro de Jen e a observei adentrar o meu, levando-o novamente para dentro do jardim, retornando após se certificar de que o portão estava fechado. 
Trocamos um olhar repleto de expectativas assim que senti a rua onde estávamos passar diante de mim como flashes borrados de luz. Minhas duas mãos estavam juntas sobre meu colo, inquietas. Eu tentava esconder aquele incontrolável frisson que me dominava, mas falhava na maioria das tentativas, e Jennifer certamente percebera todas. Apesar de manter os olhos fixos no caminho, ela não deixava de demonstrar sua felicidade por mim.


Joseph's P.O.V

Finalmente pude voltar a me sentir vivo.
Não totalmente, afinal, minha Demetria ainda não estava em meus braços, eu ainda não podia envolver seu corpo com o máximo de intensidade que o meu implorava. Ainda não era possível sentir seu cheiro maravilhoso e seu abraço tão característico, olhar em seus olhos brilhantes e capturar os lábios que eu tanto sentia falta e vontade de beijar. Mas saber que ela finalmente havia tido a chance de se livrar de toda a preocupação que armazenou durante dias já era o suficiente para que eu conseguisse respirar aliviado, sem tanta preocupação impregnada. Sua voz pareceu tão desolada no instante em que me atendeu, como se não aguentasse mais simplesmente manter a esperança de que me encontraria, como se não aguentasse segurar firme em apenas possibilidades. Desde o segundo em que adentrei o carro conduzido por Caleb, tentei insistentemente ligar para Demi, mas não estava conseguindo obter sorte, já que a tempestade em Brighton ainda parecia longe de se afastar e o sinal de todos os aparelhos era nulo. Após chegarmos a Londres, depois que a transferência de Joseph para o hospital local fora realizada, meus amigos se ofereceram para telefonar para ela, mas eu neguei antes que sequer pudesse pensar a respeito. Era a minha voz que ela necessitava ouvir, ela tinha que ouvir de mim que nossa história não tinha acabado. Aliás, uma história que entrava em um novo capítulo... Esse menos angustiante. Foi como se eu nascesse de novo ao me ver livre do incompreensível fato que, ainda assim, continuava a me deixar desnorteado. 
Entreguei o celular a Dominic, que andava de um lado para o outro do corredor branco e praticamente vazio do hospital, provavelmente tentando se comunicar com Jennifer. Olhei impaciente para uma porta que há vários minutos tinha sido fechada após as palavras incertas de um médico plantonista: faremos o que for possível, apesar de não ser muito. 
Eu não ponderei antes de me arriscar para salvá-lo. Não vacilei na decisão de que não existia outra saída senão tirá-lo dali antes que fosse tarde demais. Eu não poderia deixá-lo em meio a tempestade para morrer, por mais que a parte mais obscura e egoísta de meu ser afirmasse que era o que ele merecia. Morrer sozinho, abandonado, sem chances de salvação. Permaneci sentado sobre aquela cadeira, encarando o chão como se pudesse retirar alguma clareza para meus pensamentos dali. A verdade era que eu não queria pensar nele, em meu pai. Principalmente pensar que aquela poderia ser a sua última noite naquele planeta. Seus sintomas eram de um infarto, e talvez suas chances de sobrevivência beirassem a zero. Encarei minhas mãos ainda úmidas e com alguns pequenos ferimentos espalhados, pensando no que tinha feito. Pensando no que ele tinha feito a mim. Foi como se o cansaço grudado a minha carne não importasse mais. Nenhuma dor parecia mais fazer sentido, apenas aquela que não era visível por entre as escoriações que eu sabia que estavam espalhadas por meu rosto e braços.
Enquanto pensava em Demetria, não sabendo mais controlar a ansiedade que me impulsionou a levantar e chegar mais perto da porta que revelava a rua molhada e vazia, respirei fundo e tentei dizer a mim mesmo que parasse com aquele estúpido pensamento consternado. Joseph não merecia que eu estivesse tão preocupado com ele. Filhos choram e perdem a capacidade de raciocínio lógico quando pensam em perder seus pais, é assustador, mas nós não éramos pai e filho. Não na forma correta e natural. Pai e filho era o que eu e Matthew éramos, o que eu e Jamie éramos... O que eu e o pequeno ser em formação no ventre de minha mulher seríamos. 
Não sabia definir bem o que ainda me mantinha de pé, o que ainda me sustentava consciente diante de tanto para assimilar. Não conseguia lembrar direito de quando havia me alimentado bem pela última vez, dormido por uma noite inteira ou simplesmente respirado sem me preocupar com o que aconteceria após esse mero ato necessário ao ser humano. Ao pensar nisso, um mal estar repentino fez com que eu me escorasse na porta de vidro, mantendo os olhos firmes em um ponto vago. Escondi meu rosto sobre meu braço apoiado no material e fechei os fechei, respirando com o máximo de calma que podia. 
O que eu estava fazendo? Não podia perder mais tempo.
Ignorando qualquer sinal emitido por meu sistema de que não aguentaria dar mais de dez passos, afastei-me da porta e procurei por Dominic, pedindo categoricamente pela chave de seu carro. Karlie e Caleb não estavam por perto, então aproveitei para tentar sair dali sem que tivesse que ouvir várias reclamações e protestos.
- Sozinho? Nem pensar! Já viu seu estado? Você está acabado. - ele tentou rir, desistindo quando percebeu meu semblante sério. 
- Eu não vou ficar aqui enquanto a minha mulher está lá fora, aquele homem entre a vida e a morte não merece toda essa atenção. Então me dê logo essa droga dessa chave, Dominic! - vociferei, passando as mãos por meu cabelo a fim de tentar me controlar. Não sabia mais como manter a calma. Apenas Demetria teria a capacidade de me ajudar a respeito disso. Apenas ela. 
Dominic ficou em silêncio e revirou os olhos, retirando as chaves do bolso de seu casaco. Quando pensei que ele as entregaria a mim, o homem deu alguns passos a frente e caminhou em direção a porta, parando para me olhar ainda parado no mesmo lugar de antes. É claro que ele não me deixaria dirigir. 
- Ande logo, Jonas, não faça sua garota esperar! - apesar de aparentemente despreocupado, sendo o único capaz de manter a calma, ele me apressou e empurrou a porta. - Pelo menos um de nós aqui é merecedor do abraço de uma mulher, então não perca tempo. - franzi o cenho em resposta ao seu comentário desproporcional a situação, sabendo que ele falava de Jennifer. A passos firmes, logo fiquei ao seu lado, negando com a cabeça. 
- Acha que se lamentar feito um pobre coitado vai trazê-la de volta para você, meu amigo? - arqueei uma sobrancelha, dando um tapinha em seu ombro. - Dominic, você ainda tem muito a aprender, acredite. - fingi me divertir com o que acabara de dizer, talvez apenas para tentar me enganar por um tempo e realmente acreditar que aquele fisgar no peito estava melhorando.
Encarei pela última vez o corredor por onde levaram meu pai, meneando com a cabeça para afastar os pensamentos que pareciam tão difíceis de me livrar. Sorri sozinho quando senti o vento e a chuva que caia do lado de fora, adentrando o veículo sem olhar para trás. Dominic voltou a tentar falar com Jennifer, provavelmente para avisar que estávamos a caminho de minha casa, avisar que ela deveria nos esperar por lá com Demetria, mas novamente bufou ao não receber resposta. Eu sabia que poderíamos sofrer um desencontro, mas precisava me firmar a possibilidade de que logo a encontraria.
- Eu mal consigo acreditar que finalmente poderei vê-la de novo. - falei mais para mim do que para ele, porém Dominic conseguiu ouvir claramente, sorrindo da forma que sempre antecedia uma de suas piadas idiotas. Bom, eu não me importaria em ouvir tais piadas durante o caminho, desde que no final daquele trajeto, fosse o sorriso de Demetria, o meu anjo, a recompensa. 
- E eu mal consigo acreditar que você deixou essa barba crescer. Cara, você está horrível! - ele zombou, mas eu sabia que não era por mal. Dominic podia ser muito inconveniente quando queria, mas aquele era seu mecanismo de defesa para amenizar situações de risco. Levei minha mão até a região de meu rosto coberta pela barba rala, apesar de já bastante aparente. Não consegui evitar e me permiti rir, pelo menos fingindo que queria. Depois, lancei-lhe um olhar mais do que raivoso e apontei para o volante. 
- Cuide da sua vida e ligue logo esse carro antes que eu te jogue para fora dele e faça o que tenho que fazer, sem a sua ajuda! - ameacei, apesar de não conseguir intimidá-lo. 
- Nervosinho... - ele resmungou e deu de ombros, ligando o carro e acelerando na direção da rua, dirigindo o mais rápido que conseguia, recebendo inúmeras reclamações por sua velocidade ainda longe de parecer alta. Mas eu sabia que havia tirado essa conclusão apenas porque não queria mais enfrentar a espera e a incerteza. 
Encarei a janela, inquieto, não sabendo como lidar com o turbilhão de divagações turbulentas em minha mente. Se por um lado eu estava tão perto de reconquistar a felicidade, por outro ainda tinha que arcar com determinada tristeza. Algo que eu não queria sentir, mas sabia que eventualmente iria. 


Demetria's P.O.V

Levei vários fios de meus cabelos para trás em um sinal de sofreguidão pela demora significativa do tempo ao passar. Por mais que Jennifer se esforçasse ao máximo para contornar as ruas com agilidade, porém tomando precaução o suficiente para que não nos envolvesse em um acidente, parecíamos não chegar a lugar algum. Envolta por uma falsa distração, percebi como os fios, tão leves feito plumas, retornavam agilmente e ameaçavam prejudicar minha visão novamente. Abracei meu próprio corpo ao entregar minha atenção aos limpadores de pára-brisa que se moviam de um lado para o outro, captando o som das gostas grossas de uma chuva aparentemente interminável chocando-se contra a lataria do carro. Suspirei pesadamente, sentindo meu rosto formigar e meu estômago revirar-se dentro de mim. Esfreguei ambas as mãos trêmulas e revestidas por uma camada fina de suor frio, controlando a falta de ar que vinha em conjunto com as batidas desordenadas de meu coração. Quanto tempo mais? Quanto tempo mais eu precisaria esperar?
- Jennifer, cuidado! 
Ela ia indagar o motivo de meu aviso, mas foi interrompida por algo que subitamente entrou em nosso caminho. Pressionei-me contra o banco de couro do carro, por mais que soubesse estar protegida pelo cinto, olhando aflita na direção da loira que girou o volante arduamente, fazendo com que os pneus cantassem contra o asfalto de forma aguda, quase insuportável, escorregando pela pista devido a toda aquela umidade. Após uma freada brusca que impulsionou nossos corpos levemente para frente, ignorei minha respiração descompassada e troquei um olhar atônito com ela. Faróis se tornaram o foco de minha visão assim que meus olhos se arregalaram ao avistá-los tão próximos. Por sorte, ambos os veículos conseguiram parar a tempo. Jennifer esperou até que o vidro da janela abaixasse automaticamente e colocou apenas um pedaço de sua cabeça para fora, fitando o veículo parado a pouquíssimos metros de distância. Continuei imóvel, assustada, porém notando como a atmosfera ao meu redor de repente pareceu menos carregada. Quase como se existisse algo de familiar por perto, apesar de eu ainda não conseguir definir o quê. Uma atmosfera diferente, promovida apenas por uma pessoa...
- Espere ai... Eu acho que aquele é o carro do Dominic! - ela disse alto, acordando-me de meus pensamentos confusos, abrindo a porta para que pudesse sair. Assisti-a fazer isso e caminhar para o meio da rua vazia, então, esforçando um pouco mais minha visão, consegui reconhecer a pessoa que abandonava o outro carro. Dominic. Após receber um menear afirmativo de cabeça, Jen virou o rosto e olhou em minha direção, abrindo um sorriso até então indecifrável por mim. Mas logo, eu soube do que se tratava. Sabia que Dominic não estava sozinho. Então descobri o que ela tentava dizer. 
(Coloque a segunda música para tocar!)
Presa em uma espécie de câmera lenta que tardava até mesmo meus movimentos mais ágeis, coloquei-me para fora do veículo com o máximo de coordenação motora que meu estado debilitado permitia. Ignorando mais uma vez a chuva, já acostumada com minhas roupas molhadas, hesitei antes de dar um novo passo. Jennifer e Dominic - esse agora mais próximo -, me encaravam com expressões ininteligíveis, porém dizendo com o olhar que eu não me arrependeria por ter abandonado a segurança e o calor de onde estava. O som baixo da porta do outro carro sendo aberta atraiu minha atenção. Meus olhos perpassaram por toda a extensão da pista até que pude mirá-los em uma direção específica. 
Então tudo passou a fazer sentido. A vida passou a fazer sentido outra vez.
Ele revelou-se através da parcial escuridão, erguendo aos poucos o rosto que, ao avistar, senti meu corpo inteiro arrepiar-se. Ainda havia algo que não deixava eu me mover, algo que certamente rondava o homem também, visto que ele ainda não tinha ousado dar um passo sequer. Vê-lo, enxergar cada detalhe seu sempre era um presente, mas naquele momento pareceu muito mais. Era uma dádiva.
Olhares vidrados eram trocados, corpos totalmente imóveis. Eu ainda não conseguia acreditar plenamente no que meus olhos cansados enxergavam, e ele parecia sentir o mesmo. Foi como se tivéssemos congelado totalmente por um instante. Um frágil e decisivo instante. O mundo havia parado... Pelo menos o nosso mundo, sim. 
Joseph continuava ali, a cada novo movimento de minhas pálpebras incontroláveis, que tentavam comprovar a realidade.
Então era mesmo verdade. O destino não me tinha como inimiga. Ele estava me presenteando com uma nova chance, estava possibilitando que eu vasculhasse em meu interior pela mulher que costumava ser. Pela mulher que pensei não conseguir mais encontrar ao sorrir... Talvez até mesmo ao olhar no espelho. Lá estava ela, implorando e conquistando forças dentro de mim, impulsionando cada músculo debilitado a se mover e me tirar daquele estado de uma inércia altamente desnecessária e absurda. Lá estava ela, prestes a correr em direção ao amor de sua vida.Seja bem vinda de volta, Demetria. Senti sua falta. 
Um impulso de realidade permitiu a recuperação de nossos movimentos. Totalmente. 
Sendo controlada pelo anseio tão poderoso de matar cada milímetro daquela saudade sufocante que me revestia, eu desprezei qualquer fraqueza física e corri, assistindo-o fazer exatamente o mesmo. A cada passo de distância eliminado, o sangue era bombeado em uma velocidade frenética, correndo veloz por minhas veias, proporcionando a força que eu precisaria para, enfim, chegar aos seus braços. Apesar disso, parecíamos vítimas de uma distância eterna que não nos permitia alcançarmos um ao outro. 
Então, depois de muito tempo, eu pude finalmente respirar, pude voltar a vida. Meu mundo voltou a ter cor, o sol nasceu e pude finalmente dar adeus a escuridão. Seus olhos entraram em um contato infindável com os meus, e eu sabia que não precisava de mais nada. 
Finalmente, pude senti-lo. E tive que me controlar o máximo que pude para não gritar de felicidade. 
Seus braços me envolveram, apenas antes dos meus repetirem o ato, enlaçando seu pescoço úmido, porém ainda assim quente, promovendo um gentil choque entre nós. Seu calor espalhando-se por toda a extensão de meu ser, aquecendo-me como nem mesmo o sol ou meu cobertor favorito poderia ser capaz, contrariando a tempestade fria que caia sobre nós, lavando os medos e levando qualquer dúvida embora. Houve então um encaixe, esse mais necessitado e intensamente preciso. Nada nunca pareceu tão certo. Eu havia sido feita para pertencer a ele, para ser abraçada e amada por ele. 
Pude ouvir um suspiro imensamente aliviado e extremamente próximo de meu ouvido, proporcionando outra corrente de arrepios gratificantes, algo que só ele seria capaz de me fazer sentir. Envolvidos em um contato que logo fundiria nossos corpos, senti o quanto ele demonstrava urgência por mim, sua veemência ao me segurar firmemente em seus braços. Finalmente. Finalmente eu podia tocá-lo, abraçá-lo, beijá-lo... Senti-lo. Finalmente podia sentir a vida correndo por suas veias ao constatar o calor reconfortante emanando de seu corpo, o amor em seus olhos que brilhavam, paralisados e entregues a apenas uma direção: os meus. A vida transmitindo força ao meu interior, que voltara a funcionar perfeitamente. Eu estava viva... Finalmente.
Separamo-nos apenas o suficiente para que um pudesse contemplar o rosto do outro. Falar não era necessário, não por enquanto. Havia ali uma expressão desolada, talvez perdida... Belamente perdida. Seus dedos polegares subiram até as maçãs de meu rosto, acariciando-me com adoração. Estremeci ao sentir seu toque, agora tão vívido, conseguindo ver perfeitamente bem cada detalhe de suas íris. Os diversos pontinhos verdes unindo-se harmoniosamente, formando uma cor única e hipnotizante enquanto lágrimas estagnadas faziam com que aquele brilho presente ali se intensificasse cada vez mais. Olheiras aparentes, no entanto incapazes de eliminar a beleza imortal de seus olhos. Nada seria capaz disso. 
Precisei unir mais nossos rostos, sentindo a forma carinhosa e possessiva como minha cintura era segurada, como se ele tentasse garantir a ambos de nós que jamais seríamos separados outra vez. Deixei que a textura de sua pele entrasse em contato com a minha, sentindo cada pêlo de sua barba rala arrepiar cada poro existente em mim. Queria senti-los contra meu rosto, queria sentir qualquer evidência de sua existência. 
Pensei no que vi e no que fiz durante os dias em que não tínhamos um ao outro. Relembrei por uma última vez de memórias amargas, despedindo-me delas de uma vez. A melancolia também se despedia, adquirindo um aspecto translúcido até que desapareceu por completo, enquanto aproveitávamos um ao outro, da forma mais completa que podíamos. Segundos se passaram, mas em minha mente foram horas. E ainda assim não seria o suficiente. Eu precisaria da eternidade para matar toda aquela saudade. 
Antes de tomar a iniciativa seguinte, Joseph sorriu. Um sorriso que refletia a pura alegria de sua alma ao estar comigo novamente. Aquilo era estar inteira, aquilo era sentir a vida da forma mais digna. 
Seus dedos gelados seguraram meu queixo, depois deslizaram para trás até encontrarem minha nuca frágil a qualquer mísera carícia, então precisei me esforçar para ficar na ponta dos pés ao sentir a pressão que Joseph depositou na região, impulsionando meu rosto para frente, meus lábios sendo capturados pelos seus. Eu sentia sua carência extrema, talvez mais latente que a minha própria. O toque caloroso iniciado em seguida serviu para que eu apagasse qualquer pesadelo de minha mente. Meus lábios lentamente se entreabriram, dando passagem a sua língua que deslizou para dentro de minha boca em uma sincronia perfeita, encontrando a minha que agilmente recebeu a sua em uma massagem carinhosa, a umidade proporcionada por nossas salivas e também graças a chuva constante só contribuía para deixar tudo ainda melhor. Joseph beijava-me de uma maneira só sua, a maneira que me tirava do chão e fazia meu corpo mergulhar em ondas de um amor desenfreado, exalando fervorosidade e necessidade, talvez também superior a minha. Apesar disso parecer tão impossível. Ele queria mais, ele almejava ter meu gosto a qualquer custo enquanto eu inalava seu cheiro e deslizava meus dedos fixos em seus cabelos úmidos, embrenhando os fios curtos o suficiente para que ele não conseguisse se afastar de mim tão cedo. 
Uma felicidade arrebatadora moldava-se ao meu corpo a cada novo movimento de nossas línguas ensandecidas pelo reencontro, abrangendo cada pequena e até então lamuriosa parte de mim, tomando conta de meus movimentos e passando a ser a única coisa que me mantinha de pé, apesar de tão exausta, mesmo sentindo as pernas estupidamente bambas e desistentes. Um alívio estrondoso despertando os mais variados conjuntos de sensações preciosamente bondosas, elevadas ao infinito, capturando cada célula em um abraço caloroso, correndo vívido e quente por minhas veias juntamente com o sangue bombeado por um coração que batia freneticamente afortunado, tão veloz que quase era possível senti-lo se espremendo por entre minhas costelas, proporcionando a imensurável sensação de um grandioso bem estar que, durante aqueles segundos de pura luz repentina na escuridão, pareceu infindável. E provavelmente seria.
Minha pele sensível ao frio, aos seus toques acolhedores e ao mesmo tempo tão cobertos por uma paixão desenfreada arrepiava-se mais e mais, enquanto seus lábios aos poucos soltavam os meus. Joe, ainda de olhos fechados, deslizou-os pelo meu queixo e maxilar, descansando-os em meu pescoço após depositar uma leve mordidinha na região ao prender o pedaço de pele com os lábios, fazendo-me sorrir extasiada quando o ar quente de sua respiração chocou-se com a sensibilidade do local. Depois, afundou seu rosto na curva de meu ombro mais uma vez. Notei o chão ficar mais próximo, mas eu continuava protegida por entre o enlace de seus braços. Joseph provava mais uma vez que jamais deixaria de me amparar, sempre seria minha maior fonte de proteção. Jamais me deixaria cair sem antes se certificar de que me segurava forte o bastante para que a queda não surtisse qualquer mísero efeito doloroso. Eu estava caída sobre o chão, escondida e protegida por entre o corpo daquele homem, que ainda não queria se afastar, queria aproveitar aquele momento como se acreditasse que logo teria fim.
- Meu Deus, acho que não vou mais te soltar. Nunca mais. - ele confessou ao pé de meu ouvido, soando apenas como um sussurro fraco e sôfrego. - Ah, Demi, minha Demi... - sua voz falhou, revelando o choro que ele lutava para conter. As lágrimas sedentas pela liberdade escapavam de meus olhos ardentes, misturando-se com a água da chuva. Parecia impossível cessar aquele choro, como se eu estivesse sendo obrigada a permiti-lo até que não existissem mais indícios de sofrimento. Como se meu corpo estivesse implorando por tal purificação, expulsando de uma vez por todas aquela angústia que derretia em forma de lágrimas salgadas e dolorosas que rolavam por meu rosto cálido e paralisado, deixando de fazer parte de mim. Com tais feições paralisadas em um pânico que aos poucos se desintegrava, permiti-me respirar fundo e lançar meus olhos na direção dos de Joseph, o amor de minha vida. Recebi, então, o olhar mais doce e intensivo já visto. 
Como se agilmente conseguisse se lembrar, ele levou sua mão até minha barriga, investigando meus olhos, indo fundo até minha alma. Eu sabia o que ele, mesmo de forma silenciosa, tentava descobrir. Ele queria saber se nosso bebê estava bem, se mais um fruto de nosso amor ainda habitava seguro meu ventre. Depositei minha mão sobre a sua e revelei um sorriso radiante, sentindo seus lábios se grudarem brevemente aos meus, dessa vez em um selinho, só para que Joseph pudesse senti-los de novo. Queria memorizar a sensação outra vez, vezes o bastante para que pudesse senti-la sempre que desejasse.
- Ele está bem. - afirmei, assistindo um sorriso largo nascer em seus lábios avermelhados. - Os meninos também estão. Com muita saudade do pai, mas bem. - pude vê-lo respirar altamente aliviado, fechando os olhos firmemente para barrar lágrimas que ainda tentavam escapar de seus lindos olhos verdes. 
Demonstrando que nunca estaria cansado o suficiente disso, ele voltou a me abraçar, mas dessa vez depositando força nos músculos das pernas para que pudesse se erguer e me levar com ele.
- Tem ideia de quantas vezes vou te abraçar até ter certeza de que isso é real? - ele comunicou, segurando seu lábio inferior com os dentes antes de se aproximar para me beijar outra vez. Porém, segurei firme em seus ombros e deixei que meu olhar desesperado pedisse a ele que esperasse um pouco mais.
- Espere, me deixe te olhar mais um pouco. - praticamente implorei, olhando-o como se fosse a visão mais bonita que eu já havia tido na vida. E provavelmente era.
- Não posso esperar, preciso te beijar agora. - desviei meu olhar de seus lábios desejosos pelos meus e segurei seu rosto com as duas mãos, olhando-o extremamente e angustiosamente preocupada. Toquei com as pontas de meus dedos frios as singelas escoriações pelo rosto do homem, sentindo meus olhos voltarem a marejar quando por fim pude perceber que ele sofrera durante os dias em que passou longe de nós, não apenas psicologicamente, mas fisicamente também. Joseph respirou fundo e segurou minhas mãos duas, retirando-as de seu rosto. - Não importa mais. - ele assegurou, sabendo exatamente quais eram meus pensamentos e inquietações. Insistente, tentei tocá-lo outra vez, onde havia uma pequena ferida um pouco acima da maçã esquerda de seu rosto, mas ele não permitiu. - Ei, meu amor, não importa mais!
- Honestamente, eu acho que não aguentaria mais um dia sem você. - desabafei com toda a sinceridade de meu ser, assistindo-o depositar carinhos circulares pelas costas de uma de minhas mãos com seu dedo indicador, levando-a até seus lábios, depositando um beijo terno ali enquanto mantinha nosso contato visual. 
- Não há motivos para se preocupar com isso, Demetria. Agora é real, eu voltei para você e não vou a lugar algum. - dito isso, ele ameaçou afrouxar o enlace firme em minha cintura, provavelmente porque acabaríamos adoecendo se continuássemos tão despreocupados a respeito da chuva que caía. Totalmente encharcados.
Mas eu não deixei que ele concluísse o ato, não permiti que seu corpo se separasse do meu, puxando-o para ainda mais perto, afundando meu rosto na curva de seu pescoço, roçando meu nariz pela região, notando como os poros ali se eriçaram. 
- Não, não me solta... Por favor, não me solta! - houve pânico. Pânico ao imaginar ter enlouquecido de vez, acreditar estar admirando um produto de minha imaginação, um devaneio utópico arquitetado por uma mente vulnerável, uma alucinação que requeria apenas um inocente piscar de olhos para que desaparecesse. - Eu sinto que vou acordar logo, então me deixe aproveitar esse abraço maravilhoso só mais um pouquinho. 
- Pode aproveitar o quanto quiser... O quanto quiser, porque não vai acabar. - mas não foi o que aconteceu. Ele não desapareceu de meu campo de visão, pelo contrário, a cada novo segundo parecia mais próximo, mais alcançável, mais real
Temi que a tremura que agitava os nervos espalhados por minhas mãos fosse perdurável, fixando-as veementemente nas laterais do rosto frio e ligeiramente lívido de meu marido, para que pudesse olhá-lo por segundos que pareceram séculos, segundos em que todas as trevas que resumiram minha vida nos dias anteriores desvaneceram ao se depararem com um feixe de luz que aos poucos se elevou a uma imensa explosão de fogos de artifício. Os fogos que vi momentos antes de perder Joseph de vista no primeiro dia daquele ano de aparência tão gélida, o espetáculo que funcionara como um prelúdio para o tormento composto por dias arrastados e escuros, frágeis e maldosos. 
Analisei minuciosamente cada singelo, distinto e belo detalhe em seu rosto castigado por dias difíceis. Porém, apesar de revelar claramente tal estado de esgotamento, ele não reprimiu aquelesorriso. Aquele sorriso esfuziante que sozinho levava qualquer male embora, que fazia do impossível um caminho repleto de possibilidades. O sorriso que registrei na memória após tê-lo visto em datas tão inesquecíveis, incontáveis vezes, porém sempre tão inédito a meu emocional maravilhado. O sorriso jovial, aventureiro e puramente sincero que o lado mais vulnerável de meu ser temeu nunca mais sequer vislumbrar. 
Infelizmente, a hora em que teríamos de romper o contato corporal havia chegado, contudo, ele agarrou minha mão e entrelaçou nossos dedos, deixando claro que não a soltaria tão cedo. Assim que voltamos a nos aproximar de Jennifer, que chorava, e Dominic que... fingia não estar emocionado, notei como Joe parecia lutar para se manter de pé. Ele não precisava resistir, mas parecia querer isso com determinação. Senti seus lábios tocarem minha testa, apenas antes que ele apertasse mais seus dedos contra os meus e fechasse os olhos por um instante, perdendo momentaneamente seu equilíbrio. Assustei-me ao constatar que ele acabaria desmaiando de fraqueza ali, trocando um olhar aflito com Dominic que me ajudou a segurá-lo pelos ombros. 
Joe, o que você está sentindo? - ele sorriu apenas para mim, como se tentasse exclusivamente amenizar minha preocupação.
- Não é nada de mais, só estou um pouco fraco. É só isso, eu prometo. - Joseph afirmou, soltando-se de Dominic, mantendo a palma de uma de suas mãos fixa sobre sua testa, piscando os olhos como se tentasse se livrar da vertigem.
- Vamos voltar para o hospital, acho que você também precisa de atendimento médico. - Dominic determinou, vasculhando pela chave do carro enquanto Jennifer rapidamente o seguia. Pensei em questionar o que estava acontecendo, o motivo de Joseph me telefonar de um hospital momentos antes, mas fiquei em silêncio. Mesmo enxergando medo em meus olhos, Joe abriu outro sorriso, esse enviesado e totalmente sedutor, apesar de não conseguir nem andar direito sozinho. 
- Vou me recuperar logo, Demetria. Sabe por quê? Porque ainda nem pude mostrar o tamanho da saudade que sinto de você. E isso eu pretendo fazer muito em breve. - sua voz, apesar de debilitada, conseguiu soar perigosamente irresistível. Não consegui controlar um sorriso que contraiu minhas feições antes fechadas, muito menos o formigar da pele de meu rosto que esquentou instantaneamente. Olhei-o nos olhos e concordei com um aceno confiante e satisfeito, beijando-lhe os lábios uma última vez antes de adentrarmos o veículo. Tínhamos um ao outro, tudo ficaria bem. E, dessa vez, era a verdade, a mais concreta e bela verdade. Logo o sol nasceria... E não apenas no céu, mas em nossas vidas também. 


Era tranquilizador assisti-lo dormir.
Apesar de meus olhos implorarem por descanso, eu não conseguia e muito menos me permitia fechá-los de uma vez. O simples movimento do tórax de Joseph subindo e descendo calmamente roubava toda a minha atenção. Acomodei-me melhor ao encosto da poltrona cor de creme e apoiei meu cotovelo em seu braço, sustentando meu rosto com a mão fechada em punho pressionada sobre a região da maçã direita de meu rosto. Distraidamente eu fitava as gotas transparentes que pingavam e escorregavam até a mangueira fina através de um tubo de soro, descendo os olhos pela mesma até encontrar seu fim sobre a mão de meu marido, onde havia uma agulha perfurada em sua pele. 
Não demoramos para chegar ao hospital assim que Joseph desistiu de lutar contra a fraqueza que queria dominá-lo. Naquele exato momento, eu esperava ansiosa pelo resultado de alguns exames de sangue realizamos em meu marido, apesar de já ter sido tranquilizada pelo médico que o atendeu, recebendo um diagnóstico que tinha grandes chances de ser autêntico. Provavelmente Joe sofria de uma desidratação. O silêncio revestindo o quarto onde estávamos era tão profundo que, se eu prestasse atenção, poderia ouvir claramente o som da respiração serena do homem adormecido a uma curta distância de mim. O sol ainda não tinha nascido, e provavelmente demoraria, apesar de eu não sentir vontade alguma de encarar o relógio para confirmar, pois isso era o de menos. O fim da tempestade trouxe consigo um clima imensamente gélido que perambulava pelas ruas vazias e escuras, tornando impossível até mesmo chegar perto de uma janela ou porta aberta, então me senti agradecida por saber que minha mãe e meus filhos estavam protegidos em casa, meus amigos pelos corredores daquele hospital e Joseph e eu ali, seguros e juntos. Quando temi ser capturada pela sonolência que quase me levou a um cochilo, esfreguei meus olhos e coloquei meus cabelos para trás, levantando-me da poltrona confortável. Olhei para umJoseph ainda desacordado e abri sorrateiramente a porta, determinada a procurar por um copo de água para aliviar minha garganta seca. Ao deixar o quarto, aproveitei também para ligar para minha casa e agradecer a minha mãe por ter entregado devidamente a Dominic as roupas limpas que eu tinha separado para Joe antes de sair de casa. Pedi a ela que esperasse mais algumas horas para levar os meninos até aquele lugar, caso precisássemos ficar ali por mais tempo. Após encerrar a chamada, prestei atenção no silêncio incômodo e no ar limpidamente triste que ladeava todo o espaço. Hospitais - principalmente quando estavam praticamente vazios - despertavam calafrios por todo o meu corpo, mas não fiz questão de me importar com tal sensação. Fitei o corredor impecavelmente branco, limpo e vazio e encostei-me a uma parede qualquer, encarando as lâmpadas extremamente claras que levavam luz para várias direções daquela extensa área. O peso de meu corpo era arduamente sustentado por minhas pernas, que me imploravam por arrego, como se de repente não estivessem mais acostumadas com o mesmo. E eu realmente pensei em permiti-lo, mas quando planejei me virar e retornar ao quarto onde Joe permanecia, identifiquei o som de passos cada vez mais próximos. Fingi não estar prestando atenção, notando o semblante sério da enfermeira que chegava cada vez mais perto. E, não, ela não pretendia passar reto por mim.
- Você é Demetria Jonas? - um pouco surpreendida pela pergunta, confirmei apenas com a cabeça, vendo-a dar um passo a frente e insinuar que gostaria que eu a acompanhasse. O semblante em seu rosto entregava um cansaço extremo e o tom de azul apagado de seu uniforme me angustiava. 
- Do que se trata? - pedi baixinho, chegando a deduções que não me agradaram. 
- Um dos pacientes internados quer falar com você. - seus olhos examinaram uma ficha. - Joseph Jonas. - arregalei minimamente meus olhos, mas permaneci estática. Eu sabia qual era a condição atual de saúda daquele homem, sabia que ele, provavelmente, estava vivendo suas últimas horas, mas não consegui evitar de sentir a mágoa que se apossou de mim. Eu jamais desejaria a morte de alguém, mas, naquele caso, não conseguia desejar algo bom a ele. Repreendi-me por tal pensamento, acabando por seguir a enfermeira. Minhas mãos voltaram a tremer, mas dessa vez nada que fora despertado por qualquer sentimento benigno. Eu estava prestes a ficar frente a frente com o responsável por meu Joe estar deitado em uma cama de hospital, tão diferente de como estava acostumada a vê-lo. Felizmente, durante muito tempo de convívio, as vezes em que vi meu marido prostrado em uma cama foram poucas... Nulas, eu diria. Ele era forte, saudável, sempre disposto. Mas naquela madrugada mal estava conseguindo se manter de pé sem sentir um enorme desgaste físico. 
Meus olhos marejarem durante o trajeto, então pensei em dar meia volta e fugir daquele monstro, mas a porta de seu quarto surgiu em meu campo de visão antes que eu executasse qualquer movimento contrário ao da enfermeira que permaneceu parada, segurando a maçaneta da porta enquanto me esperava com um olhar sério. Meu estômago estava totalmente embrulhado, mas não era como se eu tivesse que colocar algo para fora. Talvez a sensação fosse psicológica. Tentei manter minha respiração regular, enxergando aos poucos a cama que abrigava um Joseph acordado, apesar de estar visivelmente descontente com o desconforto que demonstrava sentir nas feições contraídas em dor. A enfermeira lançou-me um olhar complacente, fazendo um gesto com a mão para indicar que estaria logo ao final do corredor caso eu precisasse de qualquer coisa. Apenas concordei com um murmúrio e, hesitante, levei meu corpo totalmente para dentro do quarto de um branco desconfortável a minhas retinas exaustas. Esforçando-me ao máximo para não deixar minha visão focar em qualquer mísera parte do corpo do homem, principalmente em seu rosto, encarei alguns equipamentos ligados a Joseph, ouvindo o desconfortável e contínuo som emitido pelo monitor cardíaco. Por mais que minhas tentativas a tardar o momento de um contato visual fossem notáveis, chegara a hora em que não houve mais saída. Ele não estava feliz por me ver... Não em condições deploráveis como aquelas que o envolviam. Principalmente quando meu olhar incriminador pareceu pesar em seu corpo debilitado. Firmei meus pés no chão e encostei-me a parede a frente de sua cama, mantendo a distância mais segura que podia e queria. Joseph tentou erguer os lábios em um sorriso dificultado graças a tosse que logo o fez levar a mão até a boca e fechar os olhos com força. Agora, eu não conseguia desviar meus olhos da cena.
Então era aquela a aparência da total ruína?
- Não deveria ter me chamado. - sentenciei categórica, mantendo um semblante firme e frio, apesar de meu emocional abalado insistir que mais lágrimas ainda precisavam ser liberadas por meus olhos. Que esperassem, pensei. - Eu não quero lidar com a raiva que estou me vendo obrigada a nutrir agora... Olhando para você. E nós não temos o que conversar, você não passa de um estranho para mim. Sua presença não é nada além de ameaçadora. - tentei soar indiferente e talvez até acabei por obter um tom cruel juntamente, apesar de estar sentindo um estranho aperto no peito ao vê-lo naquela situação. Era o pai de Joseph... Senti-me, por um desprezível instante, pressionada a agradecê-lo. Ele era um dos dois responsáveis pela existência de meu marido. Como Elizabeth não pertencia mais àquele mundo, Joseph era a única opção. Sim, uma conclusão totalmente sem lógica. De que adianta ser responsável por uma vida, se você não demonstra interesse em torná-la feliz e completa? Era exatamente isso que maltratava meu coração. Joe não tinha sua mãe... Tinha o direito de poder contar com o pai. Joseph permaneceu imóvel e calado, analisando-me como se procurasse uma forma de se desculpar. Julguei ser terminantemente impossível. Seu olhar proporcionava o efeito de estar recebendo golpes de uma água dolorosamente fria. Seu silêncio fazia com que a raiva lutando para ganhar potência em meu interior latejasse e me forçasse a fechar as mãos em punhos.
- Eu... - ele tentou pronunciar, mas eu não permiti. Dei um passo a frente, ainda longe o bastante da cama. Meu lábio inferior tremia, meus olhos estavam úmidos e eu precisava falar. Precisava atacá-la com as palavras presas em minha garganta, procurando por uma forma de escapar.
- Seu filho está deitado em um quarto desse hospital com uma agulha levando soro a sua veia. - ele apenas desviou o olhar. - Sabe por quê? Porque ele sofreu uma desidratação... Graças a você! - acusei, me controlando para não apontar o dedo em sua direção. Precisava conter minha voz e manter o tom baixo antes que me impedissem de dizer tudo que ele merecia ouvir. - Isso é se reaproximar? Isso é tentar consertar as coisas? Agradeça a Deus por nada grave ter acontecido a ele! - bradei, levando meus cabelos para trás em um sinal de nervosismo, ficando de costas para Joseph quando não aguentei mais fitar sua miséria tão expressa nos olhos.
- Deus deixou de me levar em consideração há muito tempo. - ele comentou simplesmente. Ainda sem olhá-lo, respirei fundo e aos poucos voltei a ficar de frente para o homem, mantendo os movimentos lentos de meu corpo com medo do que poderia acontecer caso eu me exaltasse. Pense por dois, Demetria, pense por dois!, eu ordenava mentalmente a mim mesma. 
- É o que se espera quando você faz exatamente o mesmo consigo: deixa de se levar em consideração. - respondi em um silvo. - Se sua grande pretensão na vida era procurar por um meio de se afundar, deveria ter feito isso sozinho. E ao dizer todas essas coisas, não estou falando por mim. Falo por Joseph. Como acha que está a cabeça dele nesse exato momento? - indaguei, inconformada quando recebi apenas seu silêncio doloroso em resposta. Eu não sabia definir bem se ele não conseguia falar ou se não queria falar. A segunda opção parecia mais certa, menos justa. 
Quando pensei que ele me deixaria falando sozinha, surpreendi-me ao escutar sua voz envolvida por uma rouquidão debilitada.
- Você deve estar desejando a minha morte agora. - pude jurar ter notado um singelo riso escapar juntamente com seu palpite. 
- Não, eu não estou. - respondi segura de minhas palavras. Eu não desejava sua morte, desejava apenas uma explicação para ser tão desumano. Aproveitando o retorno de sua languidez ao manter aquele diálogo, voltei a falar. - Por quê? Só me diga o porquê de ter feito tudo isso. Não seria melhor procurar seu filho e dizer que sente muito? Mostrar a ele que está arrependido e que está pronto para deixar o passado para trás?
- Acha que ele me ouviria? - Joseph arqueou uma sobrancelha, tentando demonstrar sabedoria. 
- Acha que está ouvindo agora? Acha que vai ouvir depois do inferno que você trouxe a vida dele nos últimos dias? Não, ele não vai! Joseph mal consegue chegar perto dessa porta, e olha que ele tentou antes de ser hospitalizado. - Joseph pareceu desconfortável com minha revelação. - As pessoas cometem erros, Joseph, isso é natural. Mas não podem tentar consertar um erro com outro ainda pior. - talvez eu não devesse perder meu tempo ali, tentando convencê-lo de que havia cometido uma atrocidade. Pelo menos aos meus olhos se tratava de uma. 
Demetria... - ele respirou fundo, buscando pelo ar que lhe parecia difícil de encontrar. - Perdoe-me. - neguei prontamente com a cabeça, arriscando dar mais um passo. 
- Não estou preocupada com os meus sentimentos agora, então não é a mim que você precisa pedir perdão. Mas você machucou uma das pessoas mais importantes da minha vida. Então... É difícil não te repudiar com todas as minhas forças. 
- A forma como você se arriscou por ele hoje mais cedo fez com que eu acordasse para a vida... Não sei explicar. - apenas abri um sorriso. Não sabia dizer se ele era alegre ou raivoso.
- Acha que aquilo é o máximo que posso fazer por ele? - flashes de horas antes, quando adentrei um ambiente repugnante em busca de Joseph fizeram com que eu recuasse um passo e sugasse o máximo de ar possível para meus pulmões. Porém, não deixei que ele notasse. - Você não tem ideia do que eu sou capaz por aquele homem. - voltei a sorrir, dessa vez com mais firmeza, sentindo a veracidade de minhas palavras fluir por minhas veias, convertendo-se na força que eu precisava para encará-lo. Mas Joseph não queria brigar, e isso ele tratou de deixar bem claro ao fechar os olhos com força e, ao abri-los novamente, adquirir um semblante abatido. 
Demetria, eu vou morrer. E dessa vez não é uma mentira. - pude perceber que ele estava assombrosamente angustiado com tal fato. Fixei meus olhos através da janela de vidro que dava vista ao corredor vazio. 
- Quer saber se ele vai sentir a sua falta, não quer? Sim, ele vai. E vai ficar triste, vai ficar se perguntando o porquê das coisas não terem sido melhores entre vocês dois. Porque, ao contrário do que você provavelmente pensou durante todo esse tempo, ele tem um coração enorme e sente a sua falta todos os dias. - despejei as palavras, sabia que eram bem verdade. Cada uma delas. 
- Pode fazer um favor para mim? - sem olhá-lo, um pouco incerta, concordei. Talvez eu não soubesse mais como tratá-lo com ódio. Eu não sabia lidar com tal sentimento, não sabia ser assim tão... Fria. Talvez fosse um problema, pelo menos em situações como aquela. Diante de pessoas como aquela. - Cuide dele, cuide da bonita família que você tem. Eu sei que meu filho tem ao seu lado a mulher que merece. - suas palavras incomodaram meu interior. Havia algo tão lúgubre em sua voz que me deixava quase claustrofóbica dentro daquele ambiente. 
- Isso certamente é algo que você precisa me pedir. É como pedir que eu não o ame, quando o mundo inteiro sabe que seria totalmente impossível, para mim, não amá-lo. Esse é um dos meus maiores objetivos de vida. Essa é a minha vida. Já venho fazendo isso há um bom tempo, com toda a minha dedicação, e pode ter certeza que farei até o último dia de minha vida. Não só eu, mas nossos filhos também. Nossos três filhos. - eu tinha a mão firme sobre minha barriga, como se tentasse acalmar meu bebê. 
- Obrigado por salvá-lo. - suas repostas curtas possuíam um peso elevado. 
- Como eu me salvaria se não tivesse salvado a ele? Saiba que o seu filho é a minha força e que ele não é um homem apenas vítima de infortúnios. Ela é uma pessoa admirável. Se existe alguém capaz de mostrar como a vida pode ser maravilhosa, esse alguém é o Joseph. - era incrível como simplesmente falar de Joe me fazia sorrir apaixonadamente, sem me importar com o que qualquer um pensaria. Joseph também sorriu, apesar de estar muito longe de se parecer com um sorriso coberto pela extrema satisfação e felicidade. 
- Essa é a única coisa que me conforta agora, que proporciona um pouco de paz a esse homem velho e amargurado. Meu filho não vai ficar sozinho no mundo. Longe disso. - o homem tentou se erguer um pouco sobre a cama, espalmando a própria mão sobre o peito durante uma nova falta de ar. Aquilo me deprimiu. Ele suspirou derrotado, como um soldado que não verá mais o mundo do lado de fora após uma guerra que o devastou. - Não verei meus netos crescendo. Eles nem sequer saberão quem eu fui. E, caso saibam, não serão informações muito apresentáveis. Pode pedir ao Joseph que não fale de mim? É melhor... Pelo menos eu acho que é. Se você não pode ser motivo de admiração, ou pelo menos de força, é melhor não ser motivo de nada. - meneei minha cabeça positivamente, cobrindo meu rosto com as mãos antes de tentar concluir nossa conversa, precisava urgentemente sair dali.
- Quando chegar a hora, Joseph contará a eles sobre o lado bom ou o lado ruim do avô Joseph. Mas essa decisão pertence somente a ele. E não acho que conseguirá tomá-la tão facilmente. - respondi serenamente, cansada de manter uma postura defensiva. Não havia nada para me defender, aquele homem presenciava seus últimos suspiros.
Pensei em Joe... Em como ele processaria essa informação. 
Joseph não queria dizer mais nada. Ao virar o rosto para a direção contrária de onde eu me encontrava, ele deixou bem claro que não havia mais nada a ser dito. Estava disposto a lidar com minha falta de perdão, pois sabia que não era digno de tal. E, ao contrário do eu deveria sentir, desejei que ele estivesse errado. Desejei que houvesse uma nova chance para aquele homem. Mas infelizmente não havia. 
- Eu não sei odiar alguém, não quero perder tempo em minha vida com esse sentimento... Então o máximo que faço é me manter longe dessa pessoa. Adeus, Joseph. - falei, mesmo sem ter sua atenção. Depois, tudo que fiz fora deixar o quarto a passos lentos, sem ter coragem de olhar para trás, fingindo que a angústia em meu peito não existia. 

Quando voltei ao quarto onde Joseph deveria estar dormindo, um belo par de olhos verdes - agora mais brilhantes e saudáveis - me recebeu calorosamente. Sorri abertamente e eliminei a distância entre nós, sentando-me sobre o pouco espaço vago do colchão e me dispus a distribuir leves carícias pelos fios já secos de seus cabelos curtos e bagunçados. Ele conseguia me deixar desconcertada até mesmo deitado em uma cama de hospital, sem esforço algum. 
- Oi, meu amor. Como se sente? - abaixei-me para lhe dar um selinho, notando a sonolência expressa em seu rosto. Naquele momento, parecia um garotinho frágil. 
- Eu odeio soro! - e aquela fala o deixou ainda mais parecido com um. - Desde criança, sempre odiei. Eu juro. - precisei rir da forma como suas sobrancelhas se uniram, dando um jeito de voltar a me inclinar para que pudesse ficar mais próxima. Qualquer resquício de distância eliminada entre nós seria uma nova conquista. 
- É para o seu bem, Joe! Quero meu marido de pé logo, totalmente saudável, me presenteando com toda a sua vivacidade. - tentei soar o mais radiante que pude enquanto ele rolava os olhos e ria de minhas palavras empolgadas. Não era o momento para revelar minha conversa ainda muito recente com seu pai. Muito menos mencionar o que fiz horas mais cedo, arriscando-me tanto. Ele não merecia esse tormento enquanto deveria apenas se recuperar. 
Joseph permaneceu a me encarar por longos segundos, deixando-me encabulada pela forma como suas íris pareciam dispostas a investigar cada canto de minha alma. Um olhar que me deixava totalmente abobalhada a apaixonada.
- Não sei definir o quanto eu senti sua falta... - ele falou baixo, a voz rouca, esforçando-se para conseguir erguer seu tronco. Levantei-me rapidamente e o impedi de concluir a ação, espalmando seu peitoral coberto pelo agasalho cinza que o mantinha aquecido. 
- Não, não, não... Nem pense em levantar. Nem pense! - lancei-lhe um olhar repreensor, recebendo outro que quase foi capaz de derreter minha convicção de que Joe precisava permanecer deitado. Eu disse quase. Ele encenou um semblante aborrecido, digno novamente de uma criança, mas sorriu em seguida, estendendo sua mão livre do soro para que pudesse me trazer para perto de si outra vez.
- Mandona! - Joe reclamou enquanto brincava com os fios de meus cabelos soltos e, provavelmente, bagunçados.
Respondi-lhe apenas com um dar de ombros e, enquanto ele decidia se queria dormir mais um pouco ou se ficava acordado observando a calmaria da região, voltei a pensar no que estava acontecendo. Era absolutamente normal que ele demonstrasse tristeza e preferisse ficar em silêncio por um tempo. Era totalmente compreensível sua relutância ao tocar em determinado assunto. Eu respeitaria e lhe daria o tempo que fosse necessário para se curar. Tínhamos tanto para conversar, mas, definitivamente, poderíamos esperar um pouco mais. 
Ainda desatenta, olhando para um canto qualquer, pude ter o prazer de ouvir sua voz novamente.
- Ei, mulher distraída, olhe para mim. - após atrair minha atenção, ele levou a mão livre até meu rosto, embrenhando quatro dedos por entre os fios dos cabelos de minha nuca enquanto com o indicador fazia leves carinhos circulares por minha bochecha corada graças ao frio. - Eu amo tanto você, sabia? - eu não podia ver meu rosto, mas sabia que naquele instante meus olhos brilhavam em lágrimas que eu logo não conseguiria mais conter. 
- Você não imagina como é bom poder ouvir isso! - confessei-lhe com urgência, juntando nossos lábios outra vez, essa em um beijo mais apaixonado. Quando pensei que ele já deveria estar precisando de ar, tentei me erguer novamente, mas sua mão firme sobre minhas costas não permitiu que eu o fizesse. Separamos nossos lábios aos poucos, relutantes. - Eu te amo. Muito, muito, muito. - depositei selinhos em seus lábios nas três vezes em que pronunciei a palavra “muito”, e ele riu durante tal demonstração exagerada de carinho. 
Logo o médico responsável pelo atendimento de meu marido adentrou o quarto e nos tranquilizou ao dizer que o resultado dos exames tinha acabado de sair e todos estavam completamente normais. Recomendou apenas que, após receber alta, Joe bebesse muito líquido, se alimentasse bem, não realizasse grande esforço físico por um tempo e descansasse o máximo possível.
- Não se preocupe, Joseph Jonas, ninguém nunca será tão bem cuidado como você será por mim. - fingi uma voz pomposa ao comunicar, vendo Joe simplesmente me olhar nos olhos, sem responder absolutamente nada. Toquei delicadamente a ponta de meu dedo indicador sobre uma quase imperceptível cicatriz em seu rosto e voltei a me perguntar quando seria a hora mais propícia para tocarmos em determinado assunto. - Precisa de alguma coisa? - ignorei meus pensamentos, demonstrando total disposição a ele. 
- No momento só de você. - sorri em resposta e depois me deitei ao seu lado, apoiando minha cabeça em seu ombro e espalmando a mão com a aliança sobre seu peito, enquanto seus lábios repousavam em minha testa. Com os corpos abraçados daquela forma o frio parecia tão distante como a via láctea. - Demi, você já ligou para a nossa casa? - apenas balancei minha cabeça, confirmando. Estava de olhos fechados, absorvendo o cheiro que emanava de seu pescoço, distraída demais para me concentrar o suficiente em qualquer outra coisa e usar minha fala. - Acha que sua mãe pode trazer os meninos aqui mais tarde? Quero tanto ver os dois... - disse a ele que já havia combinado isso com mamãe e que assim que nossos filhos acordassem, ela os traria para o hospital. Não era um ambiente muito propício para o reencontro entre pai e filhos, mas era a única opção no momento. - Ele vai morrer, não é? - após algum tempo em silêncio, Joseph escolheu finalizá-lo com aquela pergunta sobre Joseph. Deixei o silêncio cair, talvez com medo de respondê-lo. 
- Eu sinto muito. - desaprovei completamente minha incapacidade de pensar em termos melhores para revelar o que eu sentia. Joe apenas concordou com a cabeça e soltou o ar bem devagar pelos lábios, permitindo que eu sentisse o mesmo aquecer a pele de minha têmpora esquerda graças a proximidade de seus lábios com a mesma. 
- Não é como se eu já não soubesse disso. Não é como se eu não estivesse preparado para isso. Parte de mim quer sentir alívio, Demi, mas a outra não permite... - Joseph demonstrou uma inquietação que o fez novamente tentar ficar sentado sobre a cama, e conseguiu se acalmar apenas quando, paciente, levei meus dedos até sua nuca e fiquei movimentando-os em um carinho que, visto a forma como relaxou e desistiu de levantar, fora aprovado. 
- Você conheceu quem ele costumava ser e não há nada de errado em sentir saudade dessa pessoa. Agora, tire isso de sua mente. Descanse, não precisa relembrar nada por enquanto. Você voltou para mim, para nossa família, agora podemos conversar o quanto quisermos. Descanse e deixe a dor ir embora primeiro. Mas, caso não consiga, é só me chamar e eu faço o impossível para livrar você dela. 
- Qualquer coisa? - Joe arqueou uma sobrancelha, notavelmente interessado. 
- Nunca perde a oportunidade de me galantear, não é? - investiguei, internamente surpresa com suas habilidades em lidar tão bem com determinadas coisas. Não restavam mais dúvidas... Joseph era um homem incrivelmente forte diante dos obstáculos. 
- E como eu poderia pensar em perder? - ele deu de ombros e, após rirmos maliciosamente, levantei-me e decidi que seria melhor deixá-lo dormir em paz mais um pouco, lhe faria bem. 
- Não se martirize, não faça isso. Nem agora, nem nunca. Descanse o máximo que puder e deixe que o resto vá se ajeitando aos poucos. Promete que vai pelo menos tentar? - arrisquei, desconfiada quando ele desviou o olhar em uma demonstração de que não conseguiria atender meu pedido de imediato.
- Sim, Demetria, eu vou. - Joseph tentou assegurar, por mais que seus olhos denunciassem que não seria nada fácil.


Joseph's P.O.V

Feliz por finalmente conseguir ficar de pé sem me sentir excessivamente fraco, continuei escorado na parede de frente para um corredor vazio, mas que logo revelou uma das pessoas que eu estava totalmente agradecido por poder ver novamente. Meu filho mais velho. Ao me avistar, Jamie imitou o sorriso que eu senti se formar em meus lábios e desistiu de caminhar, correndo em minha direção sem se importar com o fato de que se encontrava em um ambiente que exigia calmaria. Senti-me forte novamente ao avistar aquele garoto, porque ele era uma das provas de que eu sempre teria pelo que lutar. 
- Pai! - abraçamo-nos o suficiente para que eu - mesmo sob ordens médicas de que não deveria efetuar grandes esforços - conseguisse erguê-lo no ar por alguns segundos, fazendo com que meu filho começasse a rir. Ao colocá-lo no chão, Jam não conseguia ficar parado devido a sua empolgação, olhava incessantemente para trás, como se esperasse impaciente por alguém. E eu sabia quem ele esperava. 
- Aqui está meu grande garoto! - saber que Demetria teve a Jamie durante os dias em que precisou enfrentar grandes problemas era reconfortante. Mesmo que o garoto tivesse tão pouca idade, já se mostrava totalmente capaz de ser o homem da casa. Pelo menos por uns dias. 
- Ainda bem que você voltou, pai. Eu não sabia mais o que fazer para ajudar a mamãe a ficar bem. - ele comentou, abaixando o rosto para tentar esconder a decepção que veio sem que pudesse controlar, algo que não deveria sentir de si mesmo. Baguncei seus cabelos e disse que jamais saberia como agradecê-lo por ter sido tão forte. 
- Não se preocupe mais com isso, meu filho. Estou de volta e nunca mais vou deixar vocês, certo? É uma promessa que vou manter a qualquer custo. - elevei meu braço e deixei a palma de minha mãe aberta, sugerindo um high five que ele logo completou. Enquanto conversávamos e Jam me contava o que tinha feito nos últimos dias, precisei erguer meu rosto e contemplar o que havia se materializado bem diante dos meus olhos. 
Demetria vinha sorridente com um Matthew distraído em seus braços. Jamie olhou animado para mim e afastou-se um pouco para que eu pudesse, agora, reencontrar meu outro filho. Eu bem que tentei, mas aquelas lágrimas estúpidas estavam em meus olhos outra vez. Era impossível controlar, e eu sabia que não precisava. Matthew era tão pequeno, não merecia passar pelo que provavelmente passou nos últimos dias. 
O olhar que Demi lançava a mim era tão seguro e feliz que fui apenas capaz de retribuí-lo antes que pudesse abrir os braços para receber um Matt que ainda não havia percebido minha presença, ele estava envolvido com algum de seus brinquedos, um pequeno carrinho.
- Meu ursinho, olha quem está aqui! - Demetria falou para o bebê, depositando um beijo em seu rosto. No exato instante, meu filho ergueu o rosto e logo me encontrou. A princípio, ele não soube bem como agir. Permaneceu me encarando imóvel, logo depois começou a chorar, esticando seus braços em um pedido para ir ao meu colo, desesperado.
- Papai! - ele pediu, e foi então que descobri, pela terceira vez naquela madrugada, que passar pelo que passei chegava até a se tornar gratificante após receber tamanha demonstração de saudade de um ser ainda tão pequeno para conseguir entendê-la. 
- Oi, meu garoto! - olhei em seus olhos e sorri abertamente. Segurei-o e não tardei a depositar um beijo em sua testa, notando como ele continuava a chorar e escondia seu rosto em meu ombro, extremamente feliz por me ver. Ambos chorávamos de saudade. Demi não sabia o que fazer para controlar seu choro, sendo amparada por Jamie, que segurou a mão dela e me encarou como se pedisse ajuda, então acabei trazendo-os para mais perto também, tentando abraçar todos ao mesmo tempo. Como pensar em desistir tendo uma família como aquela? Eles eram a minha vida, significavam o mundo. E eu não abriria mão disso por nada, lutaria até minhas últimas forças se necessário para garantir a segurança de minha mulher e meus filhos. Após conseguir acalmar Matthew o suficiente, chamei sua atenção para que voltasse a me olhar e segurei uma de suas mãos, vendo como seus dedos tentavam prender os meus, exatamente como fez no dia em que nasceu. Ainda era surreal olhar para aquele garoto, pensar que era meu filho e que, juntos, viveríamos grandes momentos. - Cuidou bem da mamãe enquanto eu estive fora, não cuidou? Ótimo, eu sabia que podia contar com você! - ele tentou me responder, mas se perdeu em suas próprias palavras, o que fez Demetria rir enquanto enxugava uma lágrima. Ela parecia tão vulnerável, tão desesperada para me ver bem que eu me sentia motivado a realmente estar. E logo sairíamos dali e eu poderia provar a ela que não havia mais nada a temer. 
Algum tempo depois, enquanto estávamos em uma das mesas da lanchonete do hospital, Demetria desviou o olhar quando percebeu que eu estava a encarando. Algo me dizia que existia uma hesitação por trás daquele ato, como se ela quisesse mencionar algo, mas não tivesse coragem. Então, continuei a olhá-la, sem pensar em desistir, esperando pelo momento em que não resistiria e voltaria a firmar contato visual. Levei minha mão até a sua apoiada sobre a mesa e a cobri, tendo meus pensamentos interrompidos quando o cardiologista responsável por Joseph se aproximou. Tentei conter a raiva momentânea que senti, não dele, mas sim das notícias ou da informação direta que eu sabia que ele trazia. Demetria fingiu focar sua atenção ao biscoito que dava ao filho e percebi como ficou ainda mais apreensiva, mas decidi prestar atenção no que o médico tinha a dizer. 
Ao contrário do que automaticamente deduzi, ele não estava ali para anunciar a morte de meu pai, mas sim para dizer que o mesmo queria conversar comigo. Respirei fundo e apoiei meus cotovelos sobre a mesa, afundando meu rosto nas palmas de minhas mãos. Levantei-me logo após, trocando apenas outro olhar com Demetria antes de seguir por uma direção já conhecida.
Joe! - cessei meus passos quando ouvi Demi me chamar, virando o rosto para poder olhá-la enquanto lhe ouvia. - Eu te amo. - ela não se permitiu dizer em voz alta, mas pude compreender o movimento de seus lábios. Demetria obviamente tentava amenizar minha dor. Então, sorri para minha mulher e voltei e andar, logo chegando ao quarto de Joseph. Antes de entrar, o médico pediu para conversar comigo. 
Suas palavras foram claras... Ele não passaria daquela manhã
Engoli em seco e apenas concordei, indisposto para ouvir qualquer outra coisa que ele pretendesse me dizer. Eu já sabia que aquilo de fato aconteceria, apenas pensei que estaria pronto quando acontecesse. Mas não estava. Era difícil acreditar que aquele resto de homem era meu pai. Parecia tão derrotado, tão desistente e entregue a seu destino mórbido... A pessoa que me deu a vida não era fraca daquela forma. Por que ele não podia lutar? Pelo menos tentar? 
O velho homem virou o rosto assim que notou minha presença, incapaz até mesmo de demonstrar felicidade, espanto ou raiva por me ver. 
Joe, se eu apenas pudesse voltar no tempo... - havia mesmo necessidade de começar um diálogo que não terminaria bem daquela forma tão depreciativa?
- Você não pode! - exclamei simplesmente, evitando chegar perto demais. 
- Meu corpo está em movimento, mas minha alma se perdeu há muito tempo. Eu não estou vivo, Joseph, só hesitante e com medo do que me espera ao aceitar a morte de uma vez por todas. - respondi apenas com um arquear de sobrancelhas. Era melhor que ele enxergasse apenas a minha frieza. Mesmo que ela fosse falsa. - Demetria... - fechei meus olhos com força e me controlei para não esmurrar alguma coisa, a parede mais próxima. Joseph parecia desorientado, despejando vários assuntos ao mesmo tempo. Era muito para lidar.
- Eu não quero ouvir o nome dela sair pela sua boca. - demonstrando ignorar meu tom ameaçador, o homem respirou fundo, parecendo asfixiar-se com o próprio ar exatamente como aconteceu quando conversamos na praia em Brighton. 
Demetria é a prova de que você é diferente de mim. Você é diferente de mim! - Joseph lutava contra seu próprio corpo, determinado a dizer tudo que sentia necessidade. 
- E quem disse que em algum momento da minha vida pensei em ser igual? Você era o meu pai. Você me deu a vida, sim, mas acho que se esqueceu de que isso não é o suficiente. Você tinha que ter passado essa vida que me deu, comigo. - eu não me importava mais em tentar manter frieza alguma, estava ao lado de sua cama e falaria tudo que sentia vontade. - Pode, por favor, parar de fazer com que eu me sinta sufocado e preso nessa situação miserável? Eu só quero uma vida normal, ser um homem normal. Ver meus filhos crescendo, dividir todos os dias comDemetria, fazer o que eu gosto, viajar, ter uma boa vida... Enfim, ser feliz. Minhas ambições terminam nesse ponto. 
- Sinto muito, eu sei que sou uma lástima ambulante. - sua indiferença ao manifestar seu ressentimento por si mesmo me irritava. 
- É fácil dizer que sente muito e continuar a se deteriorar dessa forma quando está deitado em uma cama de hospital, esperando pela morte. E quanto a mim? Eu vou continuar aqui, vivo, lembrando do que você fez a cada novo dia. - exaltado, soltei as palavras, finalmente conseguindo fazer com que ele prestasse atenção no que eu dizia. O homem parecia súbita e estranhamente mais aliviado, como se não sentisse mais a terrível sensação em seu peito, algo que eu não podia e nem queria compreender. 
- Não acho que valha a pena lembrar, garoto. - Joseph sorriu descrente. 
- O meu problema é que eu não quero ficar triste pela sua morte. Não parece justo... - confessei incerto, buscando por meios de amenizar a angústia que não deveria estar comigo. Após tantos dias de luta, como eu ainda podia achar que não era merecedor do que havia conquistado? Como podia me sentir insignificante enquanto olhava para aquele homem que era o exemplo mais vivo do fracasso? 
- Você tem todo o direito de pensar dessa maneira. Todo o direito. - meneando a cabeça, Joseph concordava totalmente com minhas palavras, apesar de continuar desinteressado. Eu tentava arduamente compreender suas ações. Talvez existisse uma explicação desproporcional a meu raciocínio naquele momento, talvez existisse algo bem diante dos meus olhos capaz de explicar os motivos que o levaram a agir daquela forma tão incompreensível. Contudo, não encontrei nada. Talvez não houvesse o que encontrar, afinal. 
Esforcei-me para lembrar remotamente de algum momento em que não fora tão insuportável simplesmente encará-lo. Mesmo depois de tantos anos, mesmo depois de ter amadurecido o suficiente para deixar certas questões do passado enterradas a sete palmos, eu não conseguia aceitar sua rejeição durante minha adolescência. Como um filho poderia ser a alegria de um pai ao nascer, mas se tornar um tremendo fardo com o passar dos anos? Por mais rebelde e desordenado que eu fosse, ele era meu pai, sua função era estar por perto... Mesmo que não pudesse me ajudar, pelo menos tentasse. 
- Você não tirou a vida de ninguém, sempre foi um homem honesto com relação ao seu trabalho... Tanto é que a Empire permanece de pé até hoje. Mas eu simplesmente não posso enxergar nada disso agora. - não me parecia possível fazer boas referências e valorizar qualquer uma de suas qualidades ou conquistas naquele momento. Havia apenas decepção. Uma decepção tão grande que eu não sabia mais até que ponto seria capaz de aguentar e permanecer ali, me importando com Joseph Jonas.
- Pode passar o tempo que quiser apontando meus erros, mas se com isso tem a intenção de me ouvir retrucar e apontar os seus, está perdendo totalmente seu tempo, Joseph. Não acredite se não quiser, mas agora eu percebo que não há o que incriminar quando penso em meu filho. Você foi maior que seus medos. Você superou todos eles. É o homem que deve ser. Você é forte, soube escolher o caminho certo mesmo quando outros pareciam mais fáceis. E me perdoe... - bufei, fazendo com que ele captasse meu pedido para que se calasse, esperando para ouvir o que eu pretendia dizer.
- Não fale em perdão novamente, não perca seu tempo com algo que perdeu o valor entre nós. - cheguei mais perto, o suficiente para que, mesmo prestes a morrer, ele não perdesse uma sílaba sequer do que eu diria em seguida. - Eu nunca vou te perdoar. Não pelo que fez a mim, mas pelo que fez a si mesmo.
- Então perdoe a si mesmo e esqueça o que te atormenta. Seu pai, por exemplo. - precisei rir com tal sugestão, de tão absurda que me pareceu. 
- Eu tenho uma família, a coisa mais valiosa da minha vida. Estaremos sempre juntos. Não apenas nos momentos felizes, mas também quando eu estiver velho e morrendo em um leito de hospital. - foi impossível não comparar a sua situação com a que citei, e aparentemente meu pai também fora capaz disso. - Eles estarão ao meu lado, sei que sim. Você foi meu herói em meus primeiros dez anos de vida. Sinceramente, não posso jogar esses anos fora como se não importassem, porque importam. Aquele Joseph ajudou a moldar meu caráter, porque foi nele que eu pensei quando me vi a beira de um precipício, prestes a sucumbir a tudo de ruim que uma pessoa pode possuir na vida. - no instante em que fui capaz de lhe dizer tudo aquilo, a única imagem em mente fora a de minha família. - Eu não tenho que me perdoar por nada, porque, ao contrário de você, lutei para me redimir com as pessoas que machuquei no passado. Eu lutei para ser uma pessoa direita e para não carregar um peso gigantesco na consciência que me impediria de dormir todas as malditas noites de um, dois, três... De vários anos!
- Insignificantes minutos de conversa com meu filho estão sendo melhores do que anos de pura ignorância de minha parte. - Joseph tossiu, encarando de forma injuriada os aparelhos que o manteriam vivo por mais tempo caso ocorressem complicações em seu quadro clínico. Afastei-me o suficiente para que não fosse possível encarar seu destino, ali, apenas esperando a hora certa de atacar. Então, após alguns insuportáveis segundos de silêncio, ele se dispôs a voltar a falar. E suas palavras me pegaram de surpresa. - Toda noite, apenas depois que eu sabia que você já estava dormindo, ficava te olhando da porta, pensando em como meu filho crescia rápido. Cada vez que você se mostrava corajoso o suficiente para não abaixar a cabeça diante de uma repreensão minha, eu pensava em como você seria uma pessoa forte. Olhando para você agora, eu tenho orgulho. - fingi que nada daquilo obteve efeito em mim, esforçando-me ao máximo para não recorrer a memórias de minha adolescência outra vez. Se existisse um método implacável de eliminá-las completamente, eu faria o possível para consegui-lo. 
- Bem propício dizer tudo isso agora, Joseph, meus parabéns. - sarcasmo não era o que eu procurava, mas encontrei e utilizei sem perceber. 
- É triste querer remediar algo que não tem cura... Infelizmente, eu sei. - ele admitiu, agora sua voz era calma e, mesmo que isso pareça um pouco insano, juro ter reconhecido aquele tom. Um tom utilizado há mais de vinte anos. 
- Quando você era adolescente, eu me lembro bem... - sim, ele pretendia continuar insistindo naquela maldita conversa. - Apesar de toda a ira entre nós, apesar dos olhares rancorosos que trocávamos insistentemente, houve um dia em que as coisas foram diferentes. Foi um dia em que não pronunciamos uma palavra sequer, sem discussões exaustivas. O silêncio foi a melhor coisa que pude descobrir naquela época. Eu lembro que você estava ouvindo música em seu quarto, distraído o suficiente para que não percebesse nada ao redor. A música era Father and Son do Cat Stevens. Você cantou a minha parte favorita, sabia bem qual era, e sorriu, então eu também sorri ao ver tal cena. Eis o que quero dizer... Nós não víamos os sorrisos um do outro, mas sorríamosum para o outro. Aquele foi um bom dia perdido em tantos outros ruins.
Parei de nutrir irritação por um instante para tentar entender suas palavras. Elas continham, sim, certa familiaridade, mas eu não conseguia me lembrar do fato mencionado. E como se buscasse mais explicações, voltei a me virar em sua direção e vaguei meus olhos alarmados por várias direções do quarto, tentando recordar. Desistente, atraí sua atenção e desfiz toda a minha fúria ao pronunciar a pergunta seguinte. 
- Por que eu não consigo me lembrar disso? - Joseph sorriu... Como um pai sorriria ao se deparar com uma dúvida inocente de seu filho ainda muito pequeno. 
- Você também não se lembra dos seus primeiros passos, das primeiras palavras, das primeiras conquistas... Mas eu me lembro. É exatamente isso que um pai faz. Um pai... - riu de si mesmo, aparentemente infortunado. Talvez eu não devesse dizer o que passou por minha mente, mas sabia que, ao contrário do que os fatos recentes sentenciavam, eu precisava dizer algo que o confortasse. Não queria que ele fosse embora com o peso de palavras ditas em um momento de fúria passageira. Porque, sim, era passageira. Eu não tinha mais capacidade alguma de continuar nutrindo aquele ódio. Só me fazia mal. 
- O pai que você foi durante uma época agora distante, mas não esquecida. - repreendi o sorriso amigável que tentou curvar meus lábios. - Eu não consigo me lembrar das coisas que você citou, mas me lembro de várias outras. E sei que nunca vou esquecer. E é isso que um filho faz. Eu sei que disse preferir que você estivesse morto ao invés de me obrigar a vivenciar tudo isso, mas como teríamos essa conversa se as coisas funcionassem de acordo com aquela vontade? - encarei o nada, refletindo a respeito de minha própria frase. Eu havia dito anteriormente que jamais poderia perdoá-lo, mas a palavra perdão parecia estar predominando o vocabulário pronto e preso em minha garganta. Não poderia fazer nada quanto a isso. Eu não era o vilão naquela história, e talvez ele também não fosse. Talvez não existam vilões quando o assunto é família, insegurança, medo... Talvez existam apenas pontos de vista diferentes. E isso pode resultar em algo bom ou ruim. Ou simplesmente em algo incompreensível. - É tarde demais para remediar o que foi errado, mas não é tarde para recordar o que foi certo. E você pode ter certeza que eu não vou me esquecer de tudo de ruim que meu próprio pai me causou... Mas também não vou esquecer das coisas boas. - ergui meu rosto, resignado, sem mais pretensão de atacá-lo com insultos. - ComoDemetria me ensinou... O bem sempre sobrepõe o mal. Talvez de formas estranhas, incompreensíveis, talvez tarde demais, mas, eventualmente, é o que acontece. 
- Eu sei que deveria ser seu herói mais do que nunca quando Elizabeth e eu nos separamos... Acredite, eu sei. No final das contas, o caminho mais fácil acaba se tornando o mais difícil. Estou sendo honesto quando digo que minha raiva nunca foi de você, Joseph, nunca foi de você. Mas esse é o problema com grandes amores que habitam pequenas pessoas, pessoas fracas. Após ser um completo desgraçado com sua mãe, não enxerguei mais recomeço algum. - tentei fingir que a menção a minha mãe não causava danos em minha paciente, e não sabia se estava conseguindo obter sucesso, pois conseguia sentir minhas sobrancelhas se unirem e uma ruga explicitando exasperação surgindo em minha testa. - Eu não tinha forças para melhorar, apesar de querer muito. E com o passar do tempo, ver meu filho se distanciando cada vez mais daqueles restos de homem pareceu gratificante. Então eu me obriguei a me tornar seu pior inimigo. Sim, você ficaria tão decepcionado com o seu pai que não aguentaria ficar por perto. Repudiaria aquela imagem miserável, fugiria dela. Não precisei pensar muito na resposta que resumiria bem meu entendimento de suas confissões. 
- Às vezes, a função de um herói não é te salvar com as próprias mãos, mas sim te mostrar como salvar a si mesmo. Você me mostrou o que eu jamais pretendo ser. E isso, definitivamente, funcionou como um tipo de salvação. - meu pai concordou com a cabeça, dizendo silenciosamente que aprovara minha lógica. Encarei o monitor cardíaco que informava as batidas de seu coração e me perguntei se existia uma remota chance dele escapar. Digo, inexplicavelmente Joseph pareceu mesmo melhorar, então, talvez...
- A respeito de falsificar minha morte e depois retornar daquela maneira... Admito, foi uma decisão pútrida e insensata... Desesperada, com certeza. Mas esse sou eu. E, por um instante, vê-lo tão forte e tão corajoso, exatamente como eu sabia que seria um dia, foi como receber uma facada no peito. Eu podia vê-lo, mas não podia abraçá-lo, parabenizá-lo por tantas vitórias, conversar pacificamente. Não vou implorar por perdão quando não o mereço, volto a repetir. Eu não tenho uma grande explicação para ser quem fui, não tenho palavras o suficiente para conquistar minha redenção, e lamento muito por isso. Minha vida foi constituída por erros, mas houve um acerto, compensando tudo de ruim. O filho que, sim, eu amo e nunca deixarei de amar. - eu queria que ele parasse de falar, porque ouvir o arrependimento escorrer por suas palavras só me deixaria pior. Só contribuiria para que sua partida fosse ainda mais dolorosa. Meu pai levou a mão esquerda até seu peito e a firmou ali, como se quisesse abrandar o próprio coração. Eu continuava imóvel, sem grandes reações, os movimentos cessados graças a percepção de que era, realmente, uma despedida. - Se essa dor insuportável não estivesse castigando meu peito agora, se o coração desse velho não estivesse prestes a parar de uma vez por todas, reinaria apenas orgulho de meu filho aqui. 
O homem tentou conter outro acesso de tosse que deixou seus olhos avermelhados, liberando lágrimas sem que ele pudesse evitar. Notei como seu estado novamente voltara a piorar e pensei em procurar por algum médico, mas meu braço foi fortemente segurado e ele se esforçava o máximo que podia para alertar com o olhar que não queria ajuda. 
- Tudo bem, pai. Tudo bem. - aproximei-me, puxando meu braço para me livrar da mão que ainda o segurava. - Não se esforce mais, não sofra mais, não se castigue mais. Não podemos mudar o que passou, então pode descansar agora. Eu também te amo, apesar de tudo. Apesar de também odiá-lo por ter sido um homem estupidamente fraco e por estar me deixando agora... Apesar de ter escondido e esperado tanto tempo para me deixar rever a pessoa que eu queria ser igual quando crescesse... Eu te amo. Eu te amo pelas boas recordações, pelos vestígios de alguém que ainda consigo enxergar quando olho para você. O que posso fazer quanto a isso, não é? Droga, você é o meu pai!
- Queria ser igual a mim? - Joseph perguntou baixo demais, utilizando de suas últimas forças. - Deus sabe o quanto estou feliz por saber que você é infinitas vezes melhor do que eu jamais poderia ser. - meu pai encarou o teto com olhos vidrados, obrigando-me a fitar o mesmo ponto. Parecia que ele era capaz de enxergar algo além daquela construção. - Agora, garoto, levante a cabeça e vá viver sua vida. Vá ensinar seus filhos sobre a vida, sobre como a integridade faz toda a diferença. Vá amá-los e ser o melhor amigo deles. Aliás, acho que você já faz tudo isso. - pude apenas confirmar com um gesto de cabeça, estagnado devido a manifestações claras de que ele, aos poucos, estava partindo. - Demetria está grávida... - Joseph voltou a apertar os dedos contra o peito, porém, não deixou de sorrir mesmo que aparentasse sentir dor durante o esforço. - Se for uma menina... Ou mesmo que dessa vez não seja, quando tiver uma filha, não deixe que um miserável entre e acabe com a vida dela assim como eu fiz com Elizabeth. Elizabeth... - franzi o cenho pela forma como ele repetiu o nome de minha mãe, seus olhos eram vidrados em algo invisível. - Estou falando sério, Joe, cuide dela, proteja essa garota o máximo que puder, com todas as suas forças. Você será o pai dela, é o que ela vai esperar que você faça. Ela sempre irá buscar proteção em você. Meu filho, você receberá apenas agradecimentos por isso um dia. 
- Pode acreditar que farei tudo isso. - foi o máximo que consegui dizer, fechando meus olhos com força para evitar novas lágrimas. Um filme passou por minha mente, momentos de anos atrás, quando eu era apenas um menino. Acordando de tais memórias, senti sua mão fria procurar pela minha e apertá-la, como um último cumprimento, um adeus
Vou na sua frente, não vou? Se algo tentar nos atacar, algo como um monstro... É certo que vai me atacar primeiro. E então, Joe, você corre! O mais rápido que puder, para bem longe. Estará a salvo.
Arregalei meus olhos, questionando a mim mesmo se era fruto de minha imaginação em consequência de uma lembrança, ou se de fato tinha acabado de ouvir aquele conselho tão antigo e familiar. Só então, pude perceber como fazia sentido.
(Coloque a terceira música para tocar!)
Por um insignificante espaço de tempo, apenas por um breve e inesperado momento, um fraco lampejo daquele que pude um dia idolatrar esteve ali. Exatamente ele, exatamente como antes. 
E depois, restou apenas o som contínuo que substituiu os bips constantes. Havia apenas uma linha reta exibida no monitor, a comprovação de que ele não estava mais ali, restando apenas um corpo vazio. 
Eu não sabia como reagir, não sabia qual iniciativa tomar. Não conseguia me render ao pranto que ardeu meus olhos, não conseguia pensar com clareza. Aos poucos me desesperava mais, dando passos para trás na tentativa de encontrar a porta. Levei as mãos até meu cabelo, afundando-as ali em uma demonstração clara de pânico. Logo, médicos e enfermeiros invadiram o local mesmo que, provavelmente, já soubessem que era tarde demais. E realmente era.
Boa noite, herói. - falei, mesmo que não fosse noite. Falei, mesmo que não acreditasse fielmente na última palavra. Falei, porque era exatamente daquela forma que eu o chamava todas as noites antes de dormir, quando criança. 
Então, não aguentando mais ficar por perto após assistir seu corpo ser totalmente coberto pelo tecido branco, virei-me e disparei a correr pelo corredor agora movimentado. Havia apenas uma coisa em minha mente, algo que eu precisava fazer naquele exato momento. Cessei meus passos quando avistei Demetria com Matthew em seus braços, dentro do quarto onde eu deveria estar descansando. Entrei sem dizer nada, lançando a minha mulher um olhar que ela logo entendeu, levantando-se sem também saber o que dizer. Em silêncio, apenas peguei nosso filho de seus braços e empurrei a porta com a mão livre, voltando a sair em direção aos corredores do hospital. Sabia que Demi entenderia tudo aquilo, ela entenderia minha reação. Eu precisava apenas de um tempo com meu filho. 
Quando finalmente encontrei um corredor vazio, segurei Matthew com cuidado ao me sentar no chão, largando minhas pernas esticadas. Coloquei o bebê sobre elas, na altura de meus joelhos e fitei seu rosto inocente. Respirei fundo, ainda sentindo lágrimas presas em meus olhos, que não queriam sair. Era errado me sentir injustiçado? Tentei atrair a atenção de Matt, por mais que ele demonstrasse mais interesse no doce que havia acabado de ganhar da avó Sue. Mas eu sabia que, de uma forma ou de outra, ele seria capaz de me compreender. Mesmo que viesse a perceber isso somente alguns anos mais tarde. 
Passei minha mão por sua cabeça, fazendo com que ele finalmente me olhasse. Parecia sentir minha tristeza, visto que demonstrou querer chorar também. Trouxe meu filho para mais perto outra vez e deixei sua cabeça apoiada sobre meu peito, encarando um ponto vago do corredor vazio. 
- Você nunca vai se sentir da forma como eu estou me sentindo agora, entendeu? Nunca, meu filho, nunca! Seus irmãos também não! - garanti, depositando o máximo de firmeza possível em minha voz. Não obtive resposta alguma, como esperado. Contudo, quando Matthew tivesse a minha idade, por exemplo, entenderia perfeitamente. Eu não me referia a morte propriamente dita, porque ninguém é imune a ela e um dia a dita cuja viria me buscar... Eu me referia ao fato de que tive que assistir meu pai ir embora com a sensação de que apenas desperdiçamos o tempo que deveríamos ter aproveitado juntos. E essa história não se repetiria
Pouco tempo depois, enquanto eu permanecia largado da mesma forma no chão e fingia que pessoas não me olhavam de forma estranha ao passar por ali, prestei atenção no que meu filho tentava dizer, apontando para a direção onde logo levei meu olhar. Demetria aproximava-se incerta, talvez com receio de chegar perto o suficiente. Se ela soubesse que o que eu mais precisava naquele momento era tê-la extremamente próxima de mim... Aliás, não só naquele momento. 
A mulher sentou-se ao meu lado e sorriu para o filho, capturando o foco de meus pensamentos por um instante. Por que eu estava me entregando àquela tristeza quando tinha tantos motivos para seguir em frente? Foi exatamente o que concluí e decidi que colocaria em prática quando senti a mão de minha esposa se apoiar sobre meu ombro em uma demonstração de apoio tão apreciada por mim. Virei meu rosto na direção do seu, deixando-os bem próximos, nossos lábios apenas se roçaram. 
- O coração dele simplesmente parou de bater. Em um segundo Joseph estava vivo, no outro... Não mais. - Demi permitiu que eu acomodasse minha cabeça em seu ombro, chamando o bebê que caminhava próximo de nós, explorando o corredor como se fosse algo altamente divertido. Bom, para ele era. 
- Vamos sair daqui, Joseph. Vamos para a nossa casa, recuperar o tempo que perdemos separados. - sentindo sua mão afagar meu cabelo na tentativa de me confortar, concordei e tentei sorrir, levantando-me e oferecendo minha mão para ajudá-la a fazer o mesmo. Demi tinha razão. Com meu pai não seria mais possível recuperar tempo, mas com ela e nossos filhos, sim. - Além de que você precisa de um bom e longo banho para relaxar. - como era possível que aquela mulher conseguisse sem se esforçar muito melhorar tanto meu humor?
- Não vai reclamar da minha barba? - indaguei, vendo Demetria analisá-la e arquear uma de suas sobrancelhas, segurando seu lábio com os dentes. Pelo olhar que me lançava, ela não parecia desaprovar nada. 
- Por que eu reclamaria de algo que deixa você incrivelmente sexy? - respondi com um sorriso de canto e balancei a cabeça de forma positiva. Eu sabia que ela não tinha preferência quando o assunto era a minha barba, mas se parássemos para pensar, era melhor retirá-la, já que eu pretendia beijar muito minha esposa... E talvez minha barba pudesse vir a incomodá-la após determinado tempo. 
Apesar da atmosfera daquele lugar ser incompatível com isso, me permiti rir com aquele pensamento. 
- Foram tantos os acontecimentos ruins que eu não tive a chance de dizer como fico embasbacado com o fato de minha esposa ficar mais linda a cada dia. - satisfeito por conseguir deixá-la encabulada, troquei um olhar cúmplice com o bebê que apenas ria de minha expressão. 
Matthew segurou na mão da mãe e eu passei meu braço pelo ombro de Demetria, então saímos dali. Mal podia esperar para estar de novo em minha casa. Havia chegado a hora de depositar toda a minha atenção em minha família, viver minha vida como queria e merecia viver. 
O resto, o que me atormentava, já não importava mais.


Demetria's P.O.V

Vamos embora, pessoal. Esse casal tem muita saudade para matar!
Aquelas foram as palavras de Karlie ao nos deixar em casa, tendo a recomendação totalmente aprovada por Caleb, Jennifer e Dominic, que também nos acompanhavam, mas seguiram em outro veículo. Ao adentrar nossa casa depois de vários dias longe, Joseph parecia querer explorá-la, talvez para matar as saudades que sentia. Após algum tempo assim, voltando a pertencer totalmente ao seu lar, ele achou melhor subir para o nosso quarto. Satisfeita por poder contar com minha mãe para fazer companhia aos meninos, não tardei a seguir os passos de um Joseph distraído em cada detalhe do que via enquanto subia as escadas. A expressão em seu rosto fora nada menos do que maravilhada ao avistar nosso quarto, principalmente nossa cama. Ele não queria tocar em determinado assunto, então não tocaríamos. Gesto que outrora me preocuparia, mas era bom demais vê-lo pelo menos fingir estar livre do tormento, então preferi deixar tudo como estava. Principalmente porque o homem ainda precisaria lidar com determinados processos para a liberação do corpo de seu pai. Joseph seria cremado. Era o que Joseph sabia que ele queria. 
Algo que certamente surpreendeu meu marido fora descobrir que seu pai era um doador de órgãos. Ouvi quando o médico responsável comunicou tal notícia, porém, devido a causa da morte - uma parada cardiorrespiratória -, não seria possível que a maioria de seus órgãos de fato beneficiasse outras vidas. A morte encefálica deveria ser declarada primeiro, antes de seu coração parar completamente, para que o procedimento completo fosse seguido. Todavia, existia a possibilidade da doação de suas córneas, tecidos e alguns ossos. Assisti as feições de Joseph mesclarem entre transtornadas e levemente satisfeitas durante toda a explicação. Longe de parecer feliz, porém conformado. Aliviado por saber que, ao contrário do que acreditava, seu pai fora capaz de procurar por algo para se redimir. Infelizmente seria um plano apenas parcialmente concluído, mas sua intenção de possivelmente salvar vidas ao morrer era o que contava, possuía um enorme significado. Joe não pensou duas vezes antes de comunicar sua autorização. 
Apreciei a calmaria preenchendo o cômodo enquanto ouvia atentamente o som de água caindo que vinha do banheiro. Joe estava lá dentro há um bom tempo, e, apesar de me perguntar o que ainda fazia longe dele, escolhi lhe dar um pouco de privacidade. Sorri sozinha, a ansiedade despertando um calor gostoso em meu estômago e um formigar benigno por todo o meu rosto. Tê-lo em casa novamente era como se deparar com a véspera de Natal, enxergar um caminho de novos recomeços e luzes. 
Movida por esse estímulo, encarei a porta da suíte entreaberta e me levantei, segurando na barra de minha blusa para que pudesse erguê-la, me livrar das mangas, passar a gola por minha cabeça e, por fim, jogá-la no chão. Desabotoei a calça jeans que usava, retirei minhas sapatilhas e fiz o mesmo com a lingerie, roupas não eram necessárias no momento. Completamente nua, ajeitei meus cabelos com os dedos, dei passos lentos até o banheiro e abri a porta com cuidado para não atrair a atenção de meu marido. O box estava aberto e o vidro impregnado com o valor, trazendo um agradável aroma de banho até minhas narinas, que se deliciaram. Joseph já havia eliminado completamente qualquer indício de barba, revelando novamente o rosto liso que minhas mãos adoravam tocar. De costas para mim, ele mantinha os antebraços apoiados em uma das paredes do box, fazendo o mesmo com a cabeça. Os cabelos encharcados caindo por pontos estratégicos de sua testa, assim como as gotas incessantes de água percorriam toda a extensão de seu corpo até encontrar o chão. Pude ver que o homem permanecia de olhos fechados graças a um leve movimento de sua cabeça, revelando apenas uma parte de seu rosto. Apreciei sua nudez extremamente bela aos meus olhos e não hesitei antes de aniquilar a distância de uma vez por todas. Meus interesses não se resumiam a sexo, minha maior vontade era obter contato. Estar em contato com Joseph sem que nem mesmo roupas pudessem impedir que sentíssemos um ao outro sem restrições. 
Finalmente conseguindo alcançá-lo, toquei suas costas largas e molhadas com a ponta de meus dedos, deslizando minha mão até passá-la para a parte da frente de seu corpo, deixando-a descansando em seu abdômen que se contraiu com meu toque, pude sorrir convencida ao perceber. Joe ainda não tinha se virado, mas demonstrava aprovar completamente minha presença. Tracei os dedos de minha outra mão pelo caminho de sua coluna vertebral, levando-os também até o abdômen, juntando ambas as mãos em um enlace. Ele logo fez questão de envolvê-las com as suas, promovendo uma singela carícia com seus polegares nas costas de uma delas. Ouvindo um riso baixo e malicioso escapar por seus lábios, depositei um beijo no início de sua coluna, sentindo o cheiro de sua pele me embriagar, fechando os olhos para aproveitar melhor. Naquele momento eu me encontrava completamente molhada, exatamente como ele. Estávamos quites. 
- Eu já estava impaciente com a sua demora, Demi. - soltei um risinho em consequência de sua demonstração de impaciência e grudei meus lábios na pele quente de sua nuca, ficando ligeiramente na ponta dos pés para conseguir realizar tal ação. 
- Como você está? - pedi, talvez pela milésima vez em horas, mas eu precisava me certificar de que ele, aos poucos, conseguia se sentir verdadeiramente melhor. Joseph ameaçou se virar e ficar de frente para mim, e eu senti um arrepio me cobrir exatamente como a água quente e relaxante. 
- Estou no chuveiro com minha mulher... E ambos estamos nus. Eu poderia querer algo melhor? Quer dizer, existe algo melhor? - virei meu rosto e apoiei minha bochecha em suas costas, permanecendo daquela forma enquanto ria levemente de suas respostas sempre tão ardilosas e certeiras. Ainda era um pouco surreal tocá-lo, principalmente quando nos encontrávamos daquela forma tão íntima.
- Você não faz ideia de como é bom ter você aqui. - arfei quando, em um ímpeto, ele conseguiu se livrar de minhas mãos e deu meia volta, finalmente tendo meus olhos ao seu alcance. Fora a vez de meu corpo ser segurado apaixonadamente por mãos quentes. Primeiro, ele apenas as manteve fixas em minha cintura, mas não se limitou, subindo-as a descendo-as quando bem entendia.
- E você não faz ideia de como é bom estar aqui. - seus olhos intensos desceram vagarosamente até meus lábios, depois escorregaram até meu pescoço, continuando a despencar enquanto eu sentia como se cada parte admirada fosse, na verdade, tocada e apreciada por seus dedos que se encontravam em minha lombar. Eu mantinha meus olhos congelados em seus lábios, cujo inferior fora mordido por seus dentes assim que Joseph obteve uma completa e generosa visão de meu corpo, asfixiando a saudade de cada curva, de minha pele totalmente desnuda e entregue a ele. Após me contemplar minuciosamente daquela forma tão encantada, diferente do que imaginei, ele não me puxou pela nuca para um beijo fervoroso, apenas voltou a levar seus olhos na direção dos meus e sorriu de forma cúmplice, envolvendo seus braços mais uma vez em minha cintura que vibrava com qualquer simples toque seu, abraçando-me de forma carente, escondendo seu rosto na curva se meu pescoço. Sentir cada parte de seu corpo em contato com o meu aos poucos levava minha noção de tempo e espaço para longe, longe o suficiente para que eu demorasse muito a encontrá-la novamente. Correspondi seu abraço, sentindo seus lábios depositarem beijos cálidos e afáveis em um de meus ombros, enquanto uma de suas mãos passeava por minha barriga em inocentes movimentos circulares. No entanto, inocentes eram apenas os movimentos, porque a forma como passou beijar, lamber e mordiscar meu pescoço era tudo, menos inocente. Após prestar atenção nas gotículas de água presas na pele de seu ombro, fechei os olhos com força e embrenhei os cabelos de sua nuca ao sentir seus dedos encontrarem meu seio esquerdo, apenas contornando o revelo, tocando-o como se fosse algo valioso demais. Deslizei as unhas de minha outra mão pela extensão de suas costas, notando como seu corpo impulsionou-se contra o meu em resposta. Ambos erguemos nossos rostos, sentindo as pontas de nossos narizes em um contato inevitável devido a proximidade excessiva. Nossas respirações já descompassadas se chocavam, misturando-se. Entendi o que seu olhar sugeriu. Na verdade, eu seria capaz de entendê-lo até diante de uma multidão. 
- Você precisa descansar, se recuperar... - sussurrei indecisa, sabendo que não teria forças para resistir. Principalmente porque Joseph segurou meu queixo com seus dedos polegar e indicador e me forçou a erguer o rosto, sem saída diante do olhar que derretia meu autocontrole aos poucos, deliciosamente. Minhas estruturas não permitiriam que eu lutasse contra o desejo que me dominava a cada novo choque promovido por seu toque jorrando deleite por todo o meu ser. 
- Você é a minha cura. Demetria, voltei a ser o homem mais sortudo do mundo, porque voltei para os braços da mulher que amo. Nada, escute bem, nada é mais forte do que isso. Eu só preciso te sentir, completamente. Preciso me perder em você agora mesmo, totalmente. Por favor... - disposto a me torturar, precisei depositar mais força em minhas mãos que seguravam seus ombros ao sentir seu dedo ágil encontrar minha virilha, dedilhando a região até encontrar minha intimidade, iniciando um vai e vem vagaroso sobre meu clitóris. Deixei que um frágil gemido escapasse por meus lábios entreabertos, sem conseguir evitar a vontade de me impulsionar contra aquele dedo, na busca por mais. Desci a mão por minha barriga, esbarrando-a com a sua ainda depositada entre minhas pernas, movendo-a o suficiente para que pudesse sentir sua ereção tão próxima de mim, mordendo meu lábio inferior com força ao ser tomada por um arrepio que correu elétrico por minha espinha. A prova maior de sua virilidade estava pulsante e determinada a me enlouquecer, sem nem mesmo tocar minha pele. E incomodada com essa falta de contato, tratei de envolver seu membro, fechando meus dedos sobre ele, exatamente na base, realizando movimentos rápidos de subida e descida, conseguindo agradar Joseph o suficiente para que fechasse os olhos com força, elevando a velocidade de seus toques em mim. Joe tentou falar, argumentar, mas não era mais necessário. Nada mais precisava ser dito. Levei meu dedo indicador até seus lábios, fazendo-o se calar. E só o retirei dali para substituí-lo pelos meus, sendo tão bem recebidos pelos seus, famintos. Sua língua dominou a minha em um contato estimulante, envolvendo-me por completo em sua volúpia que fluía através do beijo. Empurrei-o sutilmente pelo peitoral até deixá-lo com as costas escoradas na parede, voltando a encaixar nossas pélvis em seguida. Mesmo que estivesse desejosa por ele, não queria fazê-lo se esforçar muito, não por enquanto, então aquela posição seria mais do que favorável. Trocamos um olhar que sozinho serviu de comando para nossos instintos, vontades e atitudes, em perfeita sincronia. Retirei meu pé do chão molhado e dobrei minha perna, envolvendo a região que beirava seu quadril com a mesma, sentindo minha coxa ser segurada possessivamente por sua mão que escorregou por toda a extensão dela, retornando e se mantendo firme próxima demais de um de meus glúteos, afundando calorosamente as pontas dos dedos na região. Ajudando-me a manter o equilíbrio. Totalmente trêmula, prestes a explodir em euforia, cedi a sua vontade de me ter, determinada a satisfazer qualquer desejo seu. 
Aos poucos, enquanto era presenteada com um sorriso de tirar o fôlego e um olhar incandescente, senti nos tornarmos apenas um. O paraíso voltara a ser um destino acessível em minha vida. Em nossa vida

(Coloque a quarta música para tocar!)
Era como pisar na areia da praia e afundar os dedos dos pés em sua textura; erguer o rosto e contemplar um dia ensolarado após uma noite de tormenta. Era como sentir a leve brisa com aroma de água salgada acariciar toda a minha pele e agitar a saia de meu vestido leve. Era como dar passos vagarosos por essa mesma areia branca e macia, que faria leves cócegas em meus pés descalços, seguindo a direção de mar banhado em calmaria. Era como parar a beira do mar, assistir um sereno horizonte azul e sentir um arrepio correr por todo o corpo quando pequeninas ondas atingissem meus pés e calcanhares em um encontro reconfortante. Era como olhar para trás e reconhecer uma figura humana ficando cada vez mais próxima, até que cada simples detalhe de seu corpo entrasse em evidência. Era como saber que eu nunca mais estaria sozinha.
Na verdade, eu tinha plena certeza.
Eram aquelas as sensações que resumiam meu corpo e alma. Eu tinha ele marcado em minha pele, tinha seu cheiro impregnado em mim. Ainda havia uma marca de seus lábios famintos em meu pescoço, e eu nem sequer precisava fitar meu reflexo no espelho para saber que ela se encontrava ali, pois conseguia senti-la, conseguia sentir o local mais ardente que o restante de meu corpo. Fechei os olhos calmamente e terminei de colocar meu vestido de lã azul em tricô, deslizando os dedos por todo o cumprimento de meus cabelos já secos, colocando-os para o lado, deixando-os cobrindo apenas um de meus ombros. Eu sabia o que me esperava assim que girasse lentamente em meus calcanhares e minha visão focalizasse primeiro seu rosto, depois seus olhos. E depois eu me perderia em cada parte sua. 
- Se você soubesse o quanto eu preciso aquecer seu corpo com o meu e vice-versa, não estaria tão longe assim da cama. - aquilo fora o suficiente para que eu não resistisse mais. Abrindo um sorriso que, de tão largo, poderia ser considerado exagerado para meu rosto, girei em meus calcanhares mais rápido do que o esperado e precisei pôr fim a meus movimentos antes que aquela visão levasse todo o ar de meus pulmões embora. 
- Meu coração continua a acelerar quando te vejo. - falei baixinho, escolhendo meus ombros como se tentasse conter o frenesi que planejava dominar minha razão. Não era mentira, meu coração acelerou todas as vezes em que vi Joseph após nosso reencontro. E provavelmente continuaria, continuaria, continua... Não era como se eu estivesse preocupada com a duração daquele poderoso efeito sobre mim. Que permaneça pela vida inteira, pensei. Aos poucos, movendo delicadamente meus pés cobertos pela meia-calça preta e grossa sobre o chão encapertado apenas para prová-lo e deixá-lo ansioso, escondi meus dentes ao finalizar um sorriso e juntei meus lábios em uma linha reta, continuando a mirar um olhar curioso em sua direção. Depositei minhas duas mãos espalmadas sobre a cama, inclinando-me até que consegui depositar também meus joelhos, engatinhando em sua direção. Sentado com as costas de encontro a cabeceira da cama, Joe me recebeu com um beijo calmo, diferente daqueles que traçou por diversas partes de meu corpo durante nosso momento de pura paixão no chuveiro, mas não calmo o suficiente para transmitir calma ao meu interior totalmente agitado. Toquei seus dois braços e deslizei minhas mãos pelo tecido macio da blusa azul de mangas longas que ele usava, encontrando suas mãos grandes em seguida, unindo-as com as minhas. Eu ainda não sabia muito bem como lidar com sua presença. Era como uma novidade excitante demais para ser menos aproveitada. - Problema mais do que resolvido. - murmurei ao pé de seu ouvido e depositei um beijo solitário em seu pescoço quente e perfumado, sendo rapidamente puxada para baixo, deixando um soluço surpreso escapar por minha garganta enquanto fitava seu corpo se deitando, ficando igualmente esticado sobre o colchão. Antes que eu pudesse recuperar o fôlego, seus lábios se chocaram contra os meus em um pedido desesperado pela mistura de nossos gostos. Como se já não tivesse me deixado sem ar no banheiro, ele insistia em degustar cada canto de minha boca, deixando claro que nunca se cansaria. Assim que senti a troca de carícias ser encerrada e ele se afastar minimamente, abri meus olhos e apenas apreciei a sensação quente e latejante que cobria lábios, provavelmente avermelhados e inchados. Virei-me de bruços e afundei meus dedos no travesseiro que confortava minha cabeça, fechando os olhos apenas para respirar fundo. Joseph ainda não tinha percebido que nossos travesseiros foram trocados. Eu estava com o dele há noites. 
Bem vindo de volta a sua cama, Matt e eu cuidamos dela para você!” 
Lembrei-me das palavras de Jamie ao passar por nosso quarto mais cedo naquele dia, enquanto Joe e eu apenas conversávamos, comportados e com nossas roupas, antes de trancarmos a porta. Meu marido virou-se de lado e não resisti a levar uma de minhas pernas na direção das suas, passando-a pelo meio delas, sentindo-as prenderem a minha. Isso nos aproximou ainda mais. Ele nada dizia, na verdade ainda parecia aproveitar os vestígios do que havia acontecido minutos antes, esbanjando o sorriso mais cativante já visto por meus olhos tão fascinados. 
- Estou sonhando? - pedi com um semblante sério, desenhando linhas imaginárias pela fronha branca do travesseiro. Preocupava-me com a hipótese dele responder com um decepcionante sim
Não, e eu tenho como provar caso duvide de mim. - respondeu serenamente, apoiando sua mão sobre meu braço, deslizando até alcançar minha mão, entrelaçando nossos dedos. Eu gostava da forma calma como tudo fluía naquele momento. Nossas emoções conectadas e tão palpáveis. 
- Como? - fingi duvidar de suas palavras, franzindo o cenho. 
Joe ergueu-se apenas o suficiente para que pudesse construir uma barreira sobre mim, obrigando-me a ficar de barriga para cima novamente, arrancando-me risos instantâneos e pedidos de socorro enquanto demonstrava querer fazer cócegas por minha barriga e regiões próximas. Seu olhar jovial denunciando suas intenções travessas. Fechei meus olhos com força e tentei segurar suas mãos, encolhendo minhas pernas e puxando-o para que se aproximasse de uma vez, desfazendo o espaço vago entre nós. Cessamos nossos movimentos dignos de dois adolescentes apaixonados e aprimoramos o contato visual que ditava o que nossas almas conversavam, em silêncio. As pequenas cicatrizes já quase extintas em seu rosto agora não passavam de insignificantes marcas do passado, provas de sua coragem ao enfrentar o que não compreendia.
- Você não vai acordar depois disso... - primeiro, senti seus lábios grudando-se em minha têmpora direita. - Dissodisso, ou disso... - houve então uma sequência de outros três beijos. Um em minha testa, outra na têmpera esquerda e outro na ponta de meu nariz. Eu não conseguia evitar que risos cada vez mais descontrolados me tomassem, sentindo cócegas. Provavelmente é isso que acontece quando você não sabe lidar com a felicidade extrema que abrange seu ser. Os movimentos rápidos de seus lábios por toda a pele de meu resto despertavam um formigar gostoso por todas as regiões tocadas, enquanto suas mãos se mantinham concentradas em aproveitar meu tronco, principalmente minha cintura. - E nem disso. - seu último beijo fora depositado em meus lábios, como um selinho longo. - Está vendo? - Joseph saiu de cima de mim, demonstrando satisfação. - Não acordou. - depois voltou a se largar sobre o colchão, puxando-me para que eu pudesse me encaixar a ele, deitando minha cabeça em seu peitoral enquanto passava minha perna dobrada pela região das suas. Meu melhor abrigo. 
Resvalei minha mão por seu braço coberto pelo tecido macio e cheiroso de uma cor que realçava seus olhos, saboreando aquele momento tão nosso, tão típico de nós. Não emiti som algum que indicasse choro, tampouco demonstrei inquietação, mas meus olhos voltaram a marejar enquanto Joseph nem imaginava que ainda existia uma pequena porcentagem de tristeza habitando meu interior. 
- O que foi, Demi? - ele perguntou após se dar conta, sua voz preocupada, como se, mesmo não conseguindo me ver, soubesse que algo me afligia. Eu já deveria estar acostumada com isso, afinal, ele mesmo havia me dito uma vez que não precisava de sua visão para me enxergar. 
- Eu... - vacilei, limpando uma lágrima que quase escorreu por meu rosto e ameaçou tocar o agasalho de Joe. Seus dedos brincavam com os fios de meus cabelos de uma forma que logo me deixaria sonolenta. - Por um instante, eu pensei que nunca mais teria isso. Nós. - eu ainda não tinha forças para contar a ele sobre o fatídico dia em que recebi a informação de que talvez meu marido estivesse morto. Também não tinha forças para contar o que fiz para conseguir descobrir seu paradeiro. Ele se aborreceria comigo, eu tinha certeza. E, naquele momento, era o que eu menos queria. Que a calmaria reinasse enquanto minha sede pela sinceridade resistisse.
- Você disse bem... Pensou. E não entendo por que ainda insiste na hipótese de eu não ser real, de estar apenas sonhando... Será que vou ter que fazer você me sentir da forma como sentiu há alguns minutos? Isso será o suficiente para que você perceba a veracidade do que tem? - escondi meu rosto em seu peitoral em resposta, sentindo suas carícias atingirem também minhas costas cobertas pela lã delicada do vestido. Abracei seu corpo mais forte após isso, realmente não sabendo se minha possessividade ao unir nossos corpos estava o deixando sem ar. Ri sozinha ao pensar nisso.
- Não posso fingir que não estou com medo. - declarei, temendo soar repetitiva e desorientada. 
- Medo de quê? - ele quis saber, paciente.
- De fechar meus olhos para dormir hoje à noite e não te encontrar quando abri-los de manhã. - a simples ideia fazia meu estômago revirar e minhas pernas perdiam suas forças totalmente, deixando-me com uma sufocante sensação de impotência, fraqueza. Joseph voltou a encostar suas costas na cabeceira e me levou consigo, elevando meu corpo para que ficasse aninhado ao seu. 
- É exatamente por isso que você vai dormir nos meus braços, assim, como está agora. E não se preocupe, farei com que sinta a minha presença antes mesmo de pensar em abrir os olhos. - não poderia expressar com palavras o que sentia toda vez que ele tomava qualquer temor meu para si e em seguida o destruía como se não fosse nada. Sempre tão pronto para simplesmente não deixar que eu ficasse na escuridão da incerteza. Suspirei e concluí que existia apenas um benefício que vinha em conjunto com a distância forçada: percebemos o quanto amamos, precisamos e queremos uma pessoa. 
- Tudo bem, chega de divagações desnecessárias. Mas eu vou ficar para sempre abraçada com você. Desse jeito, ninguém vai te tirar de mim outra vez. Onde te levarem, terão que me levar também. Eu sinto muito se não aprova isso, mas eu não me importo nem um pouco. - concluí jubilosa, ouvindo o som de sua risada sincera invadir minha audição, sentindo meu estômago agitar-se novamente em ansiedade. A vida ainda tão frágil e pequena que tinha meu corpo como lar parecia vibrar também, era algo que eu conseguia sentir mesmo que não pudesse explicar como. - Você ficou com medo? - demonstrei interesse àquele assunto, mesmo receosa. Talvez ele não quisesse pensar em nada que estivesse relacionado àquilo. Porém, arrisquei. Existia também a chance de que desabafar o faria bem. Ergui meu rosto para poder fitar o seu, analisando suas feições sérias demais. Joseph umedeceu os lábios e desviou seus olhos o suficiente para que não fossem capturados pelos meus. 
- Sim. - respondeu com a expressão ainda imutável. Completamente fechada. - Mas eu não temi a morte ou qualquer coisa parecida. Meu medo era a possibilidade de nunca mais ver seu rosto, nunca mais ouvir os meninos me chamando de “pai”. Eu sei que vou morrer um dia... - apesar de ser obrigada a concordar com aquela última parte, eu desprezava totalmente o inevitável. Desprezava tocar no assunto da morte quando sua presença ainda parecia rondar minha vida, atiçar meus temores. - Mas ainda quero te amar e te fazer sentir esse amor incontáveis vezes antes disso. - aos poucos, meu marido ia suavizando as feições rígidas e entregava apenas desconforto ao continuar narrando o que viveu. - Quer saber o que era realmente insuportável? Enquanto eu estava preso, nos primeiros dias, ainda sem saber quem era o responsável, eu só conseguia pensar em como você deveria estar se sentindo. Era tão cruel ter na mente a imagem de minhaDemetria chorando e não poder fazer nada, absolutamente nada para ajudá-la! Antes, sempre que eu pensava em você, te tinha ao meu lado para não viver apenas em minha mente... Mas durante os últimos dias, eu precisei me contentar apenas com pensamentos. Viver de memórias e de esperanças. Eu não tinha a mínima ideia do que aconteceria, mas lembrei que você gritaria e se aborreceria comigo se soubesse que eu estava prestes a nutrir pensamentos pessimistas demais. - precisei rir graças a maneira como ele torceu os lábios ao citar sua impressão de como seria minha reação, apesar de logo murchar esse riso. - Então me esforcei para aguentar.
- Eu abraçava o seu travesseiro e dormia acreditando que era você. Funcionava apenas de olhos fechados, é claro, apenas o seu cheiro me guiando, me dando forças. - o fato que revelei não era tão sufocante quanto o seu, mas percebi como Joseph me olhou e quis me proteger, determinado a me fazer esquecer aquelas lembranças o mais rápido possível. A verdade era que esquecer tudo de uma vez, subitamente, como assoprar pó e vê-lo se desintegrar pelo ar, seria humanamente impossível. Enfrentaríamos aquelas lamuriosas recordações aos poucos, um ajudando o outro durante o caminho.
Após algum tempo aproveitando um agradável silêncio, desvencilhei-me do abraço generoso de Joe e me coloquei sentada sobre o colchão, encarando pensativa o espelho de corpo inteiro que mostrava nosso reflexo. Notei como seus olhos não desgrudavam de mim. Era interessante. 
- Até quando pretende me olhar? - investiguei, fingindo não estar interessada.
- Talvez até que meus olhos se desintegrem, nenhum segundo antes disso. - ele disse em um tom divertido, então tive uma ideia. Uma boa ideia que certamente agradaria a ele. Principalmente a seu estômago. 
Aproximei-me novamente e me coloquei em seu colo, enlaçando minhas pernas em seus quadris, passando os braços ao redor de seu pescoço e deixando nós dois completamente enroscados. Reservei uma boa quantidade de tempo para apenas apreciando seu rosto, depois o segurei com minhas duas mãos e uni nossos lábios, permitindo que um beijo tão apaixonado como os anteriores daquela manhã ganhasse intensidade e um ritmo viciante. Após encerrá-lo, olhei firme em seus olhos e arregalei ligeiramente os meus como se tivesse algo interessantíssimo a compartilhar. 
- O que você quer comer? É só dizer e eu vou preparar! - juntei as palmas de minhas mãos, empolgada. Joseph, um pouco inconformado com meus gestos exagerados, revirou os olhos e depois voltou a rir levemente. Ele sabia bem que eu tinha momentos dignos de uma criancinha serelepe, então não tinha o direito de reclamar. 
- Não quero sua comida agora, quero você. - ele tentou me puxar para ainda mais perto, promovendo leves atritos entre nossos troncos nivelados, mas eu o impedi de obter a proximidade que queria, estreitando meus olhos. Depois levei a mão até o peito e fingi estar ofendida. 
- Não quer minha comida? - projetei meu lábio inferior ligeiramente para frente, formando um bico mais do que infantil. Joseph negou com a cabeça e apenas com sua falta de atitude em tentar me consolar entregava que sabia que eu estava apenas fingindo, brincando. 
Demetria, você entendeu! - concordei com um aceno e levei a mão até minha barriga, abaixando o rosto para olhá-la, voltando a erguê-lo na direção de Joe. - Agora eu sei de quem o Matthew herdou aquele bico. - ele deduziu, fingindo estar impressionado pela descoberta, segurando carinhoso meu queixo com dois de seus dedos. 
- Não se esqueça que sua esposa está grávida, no auge da sensibilidade. - expliquei, vendo-o cobrir minha mão com a sua e se aproximar para grudar seus lábios no canto dos meus, movendo-os até que encontraram uma de minhas orelhas, onde depositou um beijo seguido por uma leve mordida no lóbulo.
- Como eu poderia me esquecer de algo que me deixa cada vez mais feliz e ansioso? Mal posso esperar pelo dia em que você vai começar a engordar. - Joseph pareceu analisar suas próprias palavras, notando que eu estava prestes a interpretar de outra forma, divertindo-se com isso. 
- O quê? - pedi surpresa e com o nível de minha voz ligeiramente elevado, unindo minhas sobrancelhas, mas Joe apenas gargalhou.
- Você sabe, quando sua barriga começar a crescer. - ele complementou sua frase, deixando-me insuportavelmente eufórica na espera pelo dia em que seríamos capazes de notar a saliência em minha barriga. 
- Certo. Então... - pensei por um instante. - Que tal um chocolate quente? - sugeri sorridente, torcendo para que ele aceitasse. Eu queria agradá-lo, mimá-lo... Enfim, fazê-lo se sentir totalmente em casa. 
- Parece ótimo. - feliz por sua aprovação, soltei-me de seu corpo e coloquei minhas pernas para fora da cama, ajeitando meu vestido levemente amassado e meus cabelos bagunçados. Joe soltou um risinho interessado enquanto me assistia. Apenas depois de virar apenas meu pescoço em sua direção e lhe lançar um olhar sedutor, deixei nosso quarto. 
Quando duas canecas fumegantes já eram seguradas por minhas mãos firmes que tentavam se acostumar com a temperatura suportavelmente alta, lembrei-me de um detalhe. Um detalhe antes insignificante, mas que naquela exata fração de segundo do dia fez toda a diferença. 
Eu tinha novamente a quem entregar a outra caneca


Joseph's P.O.V

Não era mentira quando eu disse a Demetria, na noite anterior, que faria com que ela sentisse minha presença antes mesmo de pensar em abrir os olhos na manhã seguinte. E apesar disso ter ocasionado um sorriso em seu rosto, ela logo o desfez, pois sabia que dia era aquele. Eu não queria vê-la colocando um vestido preto, não queria que ela precisasse colocá-lo, mas Demetria era determinada em suas decisões e disse que gostaria de me acompanhar ao velório de meu pai. Ele seria realizado na casa de Karen, irmã de Joseph. A mulher não parecia abalada pela morte do irmão, como se já estivesse conformada... Afinal, ela acreditava realmente ter presenciado o enterro do homem uma vez. Então, tinha conseguido se preparar o suficiente. Charlotte olhava para o caixão e não demonstrava mudança alguma em suas expressões. Ele nunca esteve presente em sua vida, não havia motivos para que ela se sentisse comovida a ponto de lamentar e até mesmo chorar. 
A quantidade de pessoas no velório era pouca quando chegamos, e permaneceu assim quando já estávamos ali há bastante tempo. Agradecido por Jamie e Matthew estarem em casa, continuei a caminhar sem rumo pelo jardim da propriedade. Não queria expor meus filhos há algo tão exaustivo. Demetria havia sumido de vista, então deduzi que ela se encontrava dentro da casa, conversando com Charlotte ou com minha tia. Diante dos poucos presentes ali, reconheci um homem que costumava ser um grande amigo de Joseph. Não conversamos, ele apenas acenou após me reconhecer, em uma demonstração de condolência. Agradeci em silêncio, também com um aceno e dei meia volta quando percebi estar novamente perto da porta de entrada, cuja vista interior era exatamente o caixão fechado, porém com um retângulo em vidro bem a altura do rosto do falecido. 
Eu sempre detestei velórios, enterros, qualquer coisa que envolvesse pessoas de preto, expressões angustiadas, choro e luto. Lembrava-me de uma vez em que minha mãe tinha me levado ao velório de um conhecido, quando eu ainda era apenas um garoto inocente. Aquela atmosfera não me agradava, tampouco a falta de esperança expressa nos rostos daquelas pessoas. Ver a terra sendo jogada acima de um caixão até cobri-lo por inteiro me assombrava. Era sufocante, sufocante o bastante para que, já naquela época, eu decidisse que não queria que nada daquilo fosse feito quando eu morresse. Não queria pessoas vestidas de preto, não queria ser enterrado a sete palmos. Eu queria ser cremado e ter minhas cinzas jogadas ao mar, enquanto as pessoas que me amavam permitissem que a lembrança dos bons momentos e o amor que sentiam levasse a dor embora.
Balancei minha cabeça ao me apoiar em uma árvore próxima, aliviado por saber que o ser humano não tinha o dom de ler pensamentos. Principalmente Demetria. Ela não merecia saber que eu deixava aquelas divagações tão desnecessárias e escuras inundarem minha mente. E eu não queria me aproximar da sala principal, não queria ver Joseph. Ou melhor, ver um corpo vazio. Recusei-me a adentrar a casa de Karen naquele dia. Estava ali apenas por respeito e consideração.
Voltei a órbita quando notei Charlotte parada ao meu lado, com uma expressão de tédio que teria me feito rir em qualquer outro dia. 
- Eu nem tive a chance de falar com ele. Ou gritar com ele por ter sido um completo idiota. - ela comentou, cruzando os braços e virando o rosto para encarar a área onde o velório tinha continuidade. Respirei fundo e balancei meus ombros como se dissesse a Charlotte ela que não precisava se atormentar com isso. 
- O melhor que podemos fazer é seguir em frente. Ele foi um idiota, sim, ele foi. Mas agora não vale a pena considerar nada a respeito disso. Deixe-o descansar, encontrar a redenção. Ele não faz mais parte desse mundo, todos os seus erros devem desaparecer, exatamente como seu corpo em algumas poucas horas. - expliquei a minha irmã, relembrando o fato de que ainda teria que dirigir até o crematório e enfrentar a espera durante todo o processo de cremação. - E não podemos dizer que Joseph não nos deixou nada de bom, porque, veja só, você conseguiu o irmão mais velho que sempre quis e eu a irmã problemática que segue todos os meus conselhos e me tem como um exemplo a seguir! - brinquei sorrindo de forma convencida, logo sentindo sua mão estapear meu braço. 
- Você é inacreditável, Joseph! - tentei segurar o riso para evitar que ela me estapeasse de novo, mas não consegui, irritando-a novamente. Notei sua dificuldade em me atingir devido a nossa diferença de altura, então ergui as sobrancelhas e fingi me proteger com as mãos.
- Talvez você tenha mais êxito nessa violência gratuita se subir naquele galho da árvore. - apontei para o galho que ficava localizado a uma altura semelhante a minha, vendo Charlotte bater o pé contra o chão. 
- Cale a boca! - ela ralhou, logo revelando um riso parecido com o meu, empurrando meu braço para que pudéssemos continuar a andar pelo local. 
Ríamos como se não estivéssemos em um velório, porque realmente era o melhor a se fazer. 

- Tem certeza de que quer ir sozinho? - senti a mão de Demetria tocar meu ombro e realizar uma carícia reconfortante na região, olhando em meu rosto como se desconfiasse do que eu tinha acabado de lhe dizer. O corpo de Joseph havia sido encaminhado para a cremação horas antes, e eu diria que estava impressionado com a maneira como aquele dia estava se arrastando, como se houvesse uma mensagem clara de que eu deveria refletir a respeito dos acontecimentos, tendo tempo de sobra para isso. 
- Tenho, meu amor. Não se preocupe, estou bem. - sabia que ela precisava ouvir exatamente aquelas palavras, caso contrário não me deixaria ir. Retirei meus óculos escuros e os coloquei presos na gola da camisa preta, aproximando-me de minha esposa para levar ainda mais certeza com um olhar convicto. - Espere aqui, eu volto logo. 
Após assisti-la concordar cabisbaixa, beijei sua testa e saí do veículo, abrindo a porta de trás para que pudesse pegar a urna que continha as cinzas de meu pai. Segurei-a com firmeza e fechei a porta do carro, encarando o lugar onde estava. Após dirigir por quase uma hora, percebi que não poderia ter tomado decisão melhor. Caminhei sobre as folhas secas e observei o céu mal humorado acima de minha cabeça, sentindo um vento mediano acompanhar meu trajeto até a beira do lago que agora parecia tão diferente. Quando eu era garoto, as folhas das árvores ao redor pareciam mais verdes e a água do lago mais azul. Talvez fosse apenas meu estado de espírito que me permitia enxergar recordações de forma cinzenta. 
Destemido, sem me importar com as consequências, deixei que imagens de minha infância surgissem uma atrás da outra, como fotografias. Meu pai não morreu como um monstro, na verdade nunca foi. Ele era apenas um ser humano infortunado por suas mais temidas e inevitáveis fraquezas. Alguém que aceitou de bom grado o fracasso, sem sequer tentar lutar para afugentá-lo. Algo me dizia que ele estava satisfeito por finalmente ter deixado aquele mundo. Algo me dizia que suas maiores chances de obter redenção estavam concentradas além de sua vida, após sua morte. Sua grande chance de redenção era se livrar da vida miserável que levava.
Retirei a tampa redonda da urna e analisei as cinzas, dessa vez com menos pesar. Encarei novamente o lago e me abaixei o suficiente para que pudesse ver as pedras negras e as plantas aquáticas dentro dele, exatamente como eu me lembrava. Era extenso, mas não tão fundo. Um de meus lugares favoritos quando criança. Foi ali que tive a prova de que podia contar com aquele homem que agora desaparecia diante dos meus olhos, aos poucos, enquanto eu mantinha a urna inclinada para que as cinzas, impulsionadas pelo vento, escapassem e atingissem o ar, caindo sobre a margem do lago, espalhando-se completamente. 
Era desconcertante pensar que um ser humano poderia vir a acabar daquela forma, um punhado de pó levado embora pelo vento. E mesmo diante de tanta insignificância, as pessoas ainda insistiam em se abster e fingir que não enxergavam o que realmente importava, o que deveriam manter e cuidar por toda a vida. Desperdiçavam o pouco tempo - disfarçado de muito - que tinham. Assim como meu pai fez, assim como implorou com um olhar lúgubre para que eu não fizesse. E sua última vontade seria atendida. 
Coloquei-me de pé após esvaziar totalmente a urna e assisti cada fragmento de Joseph Jonas afundar, erguendo o rosto com resignação, pois sabia que não era capaz de lutar contra a inevitabilidade do acaso. Lembrei-me de quando ele me garantiu que monstros não habitavam aquelas águas e, diante de minha incredulidade, afirmou que, caso existissem, não deixaria que me machucassem. Pediu que eu fugisse. 
- Eu consegui fugir do monstro... - precisei encarar a água outra vez, desejando que ele pudesse me ouvir. De onde quer que estivesse. - Gostaria que você também tivesse essa oportunidade. Mas, tudo bem, a luta acabou para você. Até algum dia. - finalizei, não aguentando mais permanecer ali. Virei-me na direção contrária do lago e avistei meu carro, voltando para o mesmo o mais rápido que pude. Eu tinha muito pelo que viver... Muito. Então não iria me abater pelo que havia perdido. Jamais.


Demetria's P.O.V

Dias depois...

Gotas de água para um lado, mais delas para o outro. Água atingindo todas as direções do banheiro de paredes azuis que ecoavam o som de uma risada contagiante. Dessa forma eram definidos os banhos de Matthew. Eu já estava mais do que acostumava, inclusive, considerava aquela uma das horas mais divertidas de meu dia. Meu bebê era perdidamente apaixonado por água, desde seus primeiros meses de vida já demonstrava uma afeição imensa pela hora do banho. Seus dedinhos capturaram o patinho de borracha que boiava na superfície da água de sua banheira azul juntamente com outros pequenos animais marinhos também de borracha, enquanto eu massageava o xampu por seu cabelo que logo precisariam de um corte, visto a forma como crescia e logo alguns fios esconderiam sua testa. Virei bruscamente o rosto quando ele voltou a bater seus bracinhos com força na água, fazendo com que mais gotas me atingissem. Ri de seus gestos animados, por fim enxaguando seus cabelos. Ele fechou apenas um dos olhos, torcendo seu nariz ao sentir a água escorrer por seu rosto, algo que considerei absurdamente adorável. A cada novo dia Matthew ficava mais e mais parecido com Joseph, até mesmo suas feições que estampavam alegria, dúvida, desapontamento e confusão eram semelhantes. 
Outro grito empolgado escapou pelos lábios de meu filho enquanto eu continuava a encher minhas mãos unidas em formato de concha com água para livrá-lo de toda a espuma, mas ele revelou um bico nos lábios quando percebeu que a mesma aos poucos desaparecia. 
Puma! - pediu com o cenho franzido, apontando o dedinho indicador para sua barriga antes coberta por espuma. 
- Logo você poderá brincar com ela de novo, meu amor. Agora vamos terminar esse banho e deixar meu príncipe mais lindo do que ele já é. - anunciei, procurando com os olhos pela toalha sem desgrudar minha atenção de seu corpo ainda na banheira. Fingi surpresa quando assisti o pequeno encher as mãozinhas unidas em formato de concha com a água esbranquiçada devido a espuma desfeita, tentando jogá-la em mim, gargalhando quando percebeu que conseguiu me atingir. - Você gosta muito de água, não é, mocinho?
Auá! - Matt exclamou alegremente, fazendo-me rir, prestes a chamar Joe e pedir que trouxesse a câmera. Sim, minha paixão por registrar momentos como aquele não havia desaparecido. Na verdade, nunca iria. Eu estaria ao lado do altar com minha fiel câmera quando aquele bebê se tornasse um homem prestes a se casar. 
- Água, Matt. - falei pausadamente, corrigindo-o na intenção de que aperfeiçoasse cada vez mais seu vocabulário.
Aga. - tentou novamente, olhando curiosamente para o meu rosto como se esperasse por uma aprovação ou desaprovação. 
- Água. - falei seriamente, apenas para descobrir como ele reagiria, se tentaria mais uma vez. 
Augua. - não consegui segurar outro riso e, após pegar rapidamente sua toalha com capuz de orelhinhas, tirei-o dali e o envolvi com ela. Formando outro bico, esse ainda mais adorável, o pequeno parecia determinado a ficar repetindo a palavra até de fato pronunciá-la corretamente. Matthew sabia pronunciar certas palavras perfeitamente, e também conseguia formular pequenas frases, mas algumas palavras - as mais complexas - simplesmente se embolavam. - ! - estendeu as duas mãozinhas após olhar para o banheiro enquanto eu caminhava cuidadosamente com ele em meu colo, querendo dizer que seu banho infelizmente tinha acabado. 
Tomando precaução em cada passo, já que eu estava molhada e consequentemente deixava que pingos atingissem o chão, coloquei meu filho sobre a cama, satisfeita por já ter deixado suas roupas, uma fralda limpa e outros produtos para sua higiene organizados sobre a mesma. Enquanto eu tentava vesti-lo, o pequeno demonstrava relutância e queria de todas as formas deixar a cama, balançando os pezinhos como se isso pudesse ajudá-lo. Quando encontrou um momento de distração meu, conseguiu descer sozinho, dando alguns passinhos pelo chão. Olhei-o no exato instante, notando seu semblante sapeca amolecer meu coração. Como se estivesse orgulhoso de si mesmo por ter conseguido escapar de mim, ele começou a vagar pelo quarto, empolgado enquanto olhava em minha direção para checar se eu não o seguia. Era uma cena hilária. 
- Ursinho, voltei aqui! Você vai cair e se machucar! - pedi, aproximando-me aos poucos enquanto ele ria da situação. - Não vai deixar a mamãe te vestir? Vai mesmo ficar correndo sem roupas por ai, Matt? Isso é feio! - ajoelhei-me a sua frente e cruzei os braços, vendo-o prestar atenção no que eu dizia. 
- É? - ele perguntou, como se não acreditasse totalmente, novamente adotando uma expressão desafiadora muito semelhante a de seu pai. Concordei e voltei a pegá-lo no colo, deitando-o na cama e arrancando risos seus aos distribuir cócegas por sua barriga gordinha. Logo meu ursinho estava vestido com um suéter azul marinho com uma camiseta pólo azul clara por baixo, calça jeans e um par de tênis adorável. Um homenzinho, perfume e com os cabelos penteados. 
- Vejam só como o meu príncipe está bonito e cheiroso! - falei enquanto ajeitava alguns fios de seu cabelo fininho que caiam por sua testa, admirando-o como não cansava de fazer. Ah, o universo feminino mal podia esperar por Matthew Jonas.
Aos risos por tal pensamento, e reprovando a mim mesma pelo mesmo, já que não queria imaginar meu menino crescendo, notei a porta do quarto se abrir, revelando um Joseph tambémarrumado, seu perfume sempre tão característico e inebriante. Ainda não tinha visto Jamie também arrumado, mas poderia dizer com convicção que os homens de minha vida eram os mais bonitos. Joe olhou sorridente para o filho, divertindo-se com o meu estado. Eu ainda estava de camisola e meu coque havia soltado alguns fios agora molhados. 
Mesmo depois de alguns dias, ainda era maravilhoso e surreal tê-lo por perto. Eu ainda me surpreendia todas as manhãs ao acordar e avistar um belo par de olhos verdes tão fixos em meu rosto, ou até mesmo seu sono tão tranquilo. Provavelmente nunca tínhamos conversado tanto como naqueles últimos dias, sempre com algo novo para compartilhar. Novamente, não existiam mais segredos entre nós. Ele sabia até mesmo do fato de que Quentin Wright era meu pai, e que o homem possuiu um gêmeo que tentou fingir ser quem não era, tomando sua identidade. Ainda tentávamos voltar a nossas vidas normais, ainda tentávamos curar as feridas um do outro porque, exatamente como prevemos, não estava sendo totalmente fácil. Contudo, nada que impedisse os sorrisos que trocávamos todas as manhãs, tardes e noites. Sorrisos que trocávamos até mesmo quando não olhávamos um para o outro.
Deixei meu marido cuidando do bebê enquanto encaminhei-me até o closet na intenção de escolher o que vestir. Antes de pensar em tomar um bom banho, retirei dali algumas peças de roupa que atraíram meu interesse e um par de sapatos Louboutin meia pata, que constava em minha lista de favoritos. Meia hora depois, eu já me encontrava totalmente vestida e pronta para a pequena viagem que faríamos. Joseph e eu tínhamos um compromisso importantíssimo.
Com tudo em seu devido lugar, peguei minha bolsa e deixamos nosso quarto. Joe conversava com o filho em seu colo enquanto eu caminhava na direção do quarto do Jamie, notando a porta fechada. Dei duas batidinhas e esperei, percebendo que nada havia mudado. 
- Jamie, vamos! - ainda sem resposta, preocupei-me ligeiramente. - Ei, Jam, você está ai dentro? - encarei o rosto de Joe, que parecia esconder algo devido a forma como desviou seu olhar para o teto, aparentemente prendendo um riso. Desconfiada, mas sem dizer nada, voltei a bater na porta, dessa vez vendo-a se abrir vagarosamente até revelar um Jamie que tinha a mão sobre a região abaixo de seu ouvido, como se tentasse esconder alguma coisa. O garoto olhou-me em silêncio e depois levou os olhos até seu pai, que continuava fingindo estar desatento. - O que houve, filho?
- Nada, não é nada. Não é nada, mãe, estou falando sério! - explicou-se com urgência, passando rapidamente por mim, como um vulto, então pude ouvir o risinho que Joe soltou, disfarçando quando olhei para trás na intenção de capturá-lo com meu olhar investigativo. O que aqueles dois escondiam? Jamie era novo demais para aderir a mania que adolescentes têm de esconder coisas banais dos pais. Aliás, ele ainda não era um adolescente, era o meu garotinho fã de Harry Potter que enxergava beleza em um mundo considerado desprovido dela por muitos. 
Joseph espalmou sua mão livre no ar e encolheu os ombros como se demonstrasse inocência, falta de conhecimento no assunto que envolvia a inquietação de Jamie. Meu filho mais velho parecia estranho naquela semana, algo que certamente jamais passaria despercebido por meus olhos exageradamente observadores. 
Chegando a conclusão de que não havia o que temer, respirei fundo e voltei a caminhar, logo chegando ao carro. Naquele dia, faríamos uma visita a um lugar que temi de início, mas que acabara por conquistar grande significado e importância em minha vida. O hospital Saving Grace. Finalmente Joe poderia conhecer tudo, e eu já podia imaginar como seus olhos verdes brilhariam feito os de um garoto sonhador no exato instante em que se deparasse com toda a medicina em evidência, com tudo que há tempos vinha sonhando para si. Por mais que ele fingisse não nutrir mais tal sonho. Eu o conhecia bem demais para saber que a esperança e a expectativa relacionada àquele assunto ainda habitava seu ser. 


Saving Grace Children's Hospital

Na última vez em que estive diante daquele imenso e impecável prédio branco, meu coração doía tanto que arrancá-lo de meu peito parecia uma opção absolutamente viável... Mas, dias depois, encarando aquele mesmo ponto, uma árvore em uma das laterais que revelava passarinhos zelando um ninho, tudo que eu mais almejava era aproveitar cada segundo da felicidade que pude voltar a sentir. Porque a vida pode nem sempre ser justa conosco, mas, eventualmente, ela sabe como se redimir. 
E quando essa certeza brilhou juntamente com o sol radiante, segurei a mão de Joseph e olhei em seus olhos, vendo-o sorrir para mim da forma aconchegante como sempre fazia. Havia nervosismo em seu olhar, algo que julguei ser totalmente fascinante. Seu interesse pela medicina se mostrava forte o bastante para que ele demonstrasse ansiedade quando prestes a entrar em um hospital. Sorri-lhe, tentando passar tranquilidade com um carinho que meu polegar depositava nas costas de sua mão cálida.
Nossos meninos estavam se divertindo tanto no lar dos Montgomery, com as outras crianças, que preferimos deixá-los com a família durante nossa visita ao hospital. Regina, David, Lacey e o restante da família não poderiam expressar mais hospitalidade e alegria, principalmente porque Joseph estava bem depois de um excruciante susto que abateu a todos nós. 
Eu havia feito um telefonema para Philip no dia anterior, no intuito de comunicar uma visita que fora totalmente aprovada, ele até comentou que prepararia uma surpresa para nós. Porém, suas palavras cessaram exatamente nesse ponto, ele não disse mais nada, deixando-me totalmente curiosa. Senti Joe apertar minha mão para me livrar dos pensamentos que roubavam toda a atenção do mundo ao redor, então lancei-lhe outro olhar, confirmando com um menear de cabeça que estava pronta para entrar. 
Adentramos o local calmamente, observando o que se passava por ali. Precisei reservar alguns segundos exclusivamente para observar o rosto de meu marido, que aos poucos revelava empolgação. A sensação de entusiasmo que seu corpo emanava parecia atingir o meu, então instantaneamente pude me ver tão animada quanto ele, procurando com olhos atentos por algum vestígio da presença de Philip. E como se soubesse que estávamos por perto, o médico logo se revelou quando as portas de um dos elevadores principais se abriram. Trajava as vestes costumeiras, nas cores azul escuro e branco, o gorro também continuava em sua cabeça, mas naquele dia ele revelava um sorriso no rosto desde o princípio. O homem gentilmente cumprimentou-me com um leve abraço e depois olhou para meu marido, então os dois se cumprimentaram em um amigável aperto de mão. 
- Então esse é Joseph Jonas! - Philip arqueou as sobrancelhas e sorriu ao olhar para mim, fazendo referência a meu marido. - Quantos anos você tem? - ele franziu o cenho, sendo acompanhado por Joe, que hesitou para responder, provavelmente querendo entender o motivo daquela pergunta tão repentina.
- Vinte e seis. Por quê? - Philip concordou com a cabeça e voltou a olhar em minha direção, cruzando os braços. Logo pude compreender o motivo da pergunta. Lembrei-me da conversa que tivemos na primeira vez em que estive no Saving Grace, quando confidenciei a ele a vontade que meu marido tinha se um dia se tornar um médico. Philip estava investigando algo. 
- Só um ano mais velho do que ela. - apontou para mim. - Ainda é um garoto! - disse alto, balançando a mão no ar para reforçar sua afirmação, parecendo divagar por lembranças distantes. Apenas naquele instante pude reconhecer cada uma das várias semelhanças entre ele e meu pai, por mais que eu tenha visto Quentin apenas em uma única fotografia. - Quem me dera ter meus vinte e seis de volta. Agora, com meus cinquenta e dois, parece que foi há tanto tempo... - Joe riu despreocupadamente, dando um leve tapinha no ombro do outro. 
- Espero também estar em forma quando chegar aos cinquenta e dois. - ele comentou, referindo-se a disposição de Philip. Eu havia contado a Joseph como o médico parecia sempre tão disposto e apaixonado por seu trabalho, apesar dos problemas que vez ou outra o cercavam. O mais velho agradeceu aos risos e nos convidou para caminhar pelos corredores do térreo, enquanto conversávamos calmamente. 
- Como eu sabia que você viria hoje, convidei duas pessoas especiais. - após algum tempo de caminhada, quando meu marido já conhecia algumas localizações do Saving Grace e parecia mais entrosado, consegui convencer Philip a me revelar a surpresa mencionada por telefone. - Suponho que se lembre deles... Madeline e William. - sorri inconscientemente, tendo a lembrança daquelas duas crianças adoráveis. Porém, desfiz esse sorriso quando me lembrei que eles não deveriam estar no hospital, afinal, uma solução para seus problemas de saúde já havia sido encontrada. 
- Sim, é claro que eu lembro! - respondi ansiosa, notando que Joe também conseguiu se lembrar dos nomes. Eu tinha contado a ele sobre os dois. - Estão aqui? - procurei por entre algumas pessoas que circulavam pelo local, mas não consegui localizar nenhum rosto familiar. 
- Podem me acompanhar? - o médico pediu, caminhando a nossa frente. Troquei um olhar coberto de expectativa com Joe e seguimos Philip por um caminho que consistiu em dois longos corredores e alguns longos segundos dentro do elevador. 
Chegamos a uma área até então desconhecida por mim, uma região do hospital que nem de longe se parecia com um. Nas salas, cujas portas permaneciam abertas, não foram camas ladeadas por aparelhagem hospitalar que enxerguei, mas sim mesas com cadeiras coloridas, sofás com almofadas coloridas e quadros com fotografias diversas, revelando a essência da infância em sua forma mais genuína. Sem dúvidas, se parecia muito com uma área de recreação. Livre da dor, livre do peso que seres tão pequenos precisam carregar. Livre do medo de que talvez a vida não durasse o suficiente para ser de fato vivida. O lugar era como uma casa na árvore, como um refúgio para aquelas crianças. Ao longe, pude ouvir o som de risos mesclados com conversas diversas e altas. Philip me indicou uma porta ao lado, a poucos passos de distância. Joseph continuou parado ao lado do médico, enquanto o mesmo parecia lhe dizer o que me esperava atrás daquela porta. Enxerguei um sorriso que, apesar de não mostrar dentes, mostrava a satisfação que meu marido demonstrava por mim. Virei-me novamente em direção a porta entreaberta, empurrando-a sutilmente até que me deparei com uma vasta sala repleta de brinquedos, cores e sorrisos. Um dos primeiros rostos que avistei, nem de longe parecia abatido como anteriormente tive o azar de notar. Agora, o par de olhos claros parecia mais brilhante, mais vivo. Seus movimentos, antes tão reduzidos, agora eram jubilosos, dignos de alguém de sua idade. 
(Coloque a quinta música para tocar!)
Ondas de calmaria se instauravam em meu coração com o passar do tempo em que eu dava passos lentos em sua direção, abaixando-me lentamente até que pude me sentar em uma cadeira ao seu lado. William rapidamente ergueu o rosto e me analisou por alguns segundos, voltando a abaixá-lo quando concluiu precocemente que não me conhecia. Porém, voltou a erguê-lo agilmente quando pareceu ser atingido por uma memória.
- Eu conheço você! - o garoto afirmou com expectativa, abandonando o desenho que fazia para que pudesse me olhar melhor.
- Como vai, William? Meu nome é Demetria, não sei se consegue se lembrar, mas eu te visitei dias antes de um coração novinho em folha chegar para você. - ele concordou prontamente com a cabeça, abrindo um sorriso capaz de desintegrar qualquer injustiça no mundo. Naquele momento, percebi que sempre quando assistia uma criança sorrir, era como se o sorriso de meus filhos fosse refletido. Talvez ser mãe seja isso, enxergar os maiores motivos de sua vida em sorrisos alheios e inocentes, enxergar esperança onde antes não parecia existir. 
- Você estava certa, Demetria. - William começou, desligando totalmente a atenção do que fazia, virando-se na cadeira para que pudesse ficar de frente para mim. - Eu pensei que ia morrer, mas agora não penso mais. - seus olhos se perderam pela extensão da sala, como se procurasse por alguém. - Meus pais não precisam mais chorar todos os dias, e essa é a melhor parte. - sem saber como conter um sorriso repleto de gratidão e lágrimas de emoção que tentavam teimosamente inundar meus olhos, aproximei-me mais, erguendo uma de minhas sobrancelhas. 
- E então... Já sentiu o coração acelerar por alguém? - deixei a perguntar pairar no ar, sorrindo com discrição como se compartilhássemos um segredo de melhores amigos. William desviou o olhar e sorriu de forma envergonhada, suas bochechas coraram instantaneamente. Adorável. 
- Meu coração acelerou, sim. Não porque me apaixonei, mas porque fiquei muito feliz. E não doeu nada, acredita? - levei a mão até o peito, maravilhada demais com o que meus olhos enxergavam. Era tão gratificante simplesmente olhar para uma criança como William e perceber como a vida, apesar de tempestuosa, permite que todos possam enxergar um arco-íris em determinado momento. Sua alegria em simplesmente estar vivo fazia um bem imensurável a meu interior. 
- Não imagina como estou feliz por você, Will. - senti uma mão amparar meu ombro, virando o rosto e me deparando com Joseph, que se sentou ao meu lado e esticou a mão para que pudesse cumprimentar o garotinho.
- Você deve ser o William, certo? - o pequeno concordou, incerto, pois não sabia de quem se tratava. - Meu nome é Joseph, eu sou o marido dela. Como você está? - senti um beijo em minha bochecha, notando como William logo desfez seu semblante desconfiado e sorriu para Joe, eu diria que impressionado.
- Estou bem! E você é muito sortudo, sabia? Sua esposa é linda! - sorri agradecida, rindo da forma pomposa como Joseph estufou o peito e arqueou as sobrancelhas, passando um braço por meu ombro na tentativa de me trazer para mais perto.
- Sabe de uma coisa? Um dia você terá uma esposa tão linda quanto a minha. - Joseph garantiu ao garoto, que arregalou os olhos, aparentemente surpreso com a probabilidade.
- Isso é sério? - ele ainda parecia não acreditar, demonstrando entusiasmo.
- Totalmente, meu amigo! - meu marido respondeu convicto, lançando um olhar paternal muito semelhante ao que lançava aos nossos filhos. Seu jeito com crianças era apenas uma das muitas qualidades que formavam o homem pelo qual eu me apaixonava cada dia mais. 
Após algum tempo de conversa com William, Philip adentrou a sala e, ao conseguir minha atenção, apontou para uma garotinha sentada mais ao fundo, que conversava com outra - que deveria ter a mesma idade - e uma mulher. Reconheci rapidamente seu rosto, que agora era realçado por óculos de grau. Disse a Will que nos veríamos logo e pedi a Joe que me acompanhasse, pois eu ainda tinha mais uma pessoa para ver. Parei ao lado da garota, que ergueu o rosto, mas não demonstrou familiaridade alguma. Obviamente não demonstraria, afinal, quando nos conhecemos, ela ainda não podia enxergar. Percebendo isso, Philip voltou a se aproximar e fez questão de relembrá-la.
- Mady, você se lembra da Demetria? Aquela mulher que veio te visitar um dia antes de sua operação? - ela alternou seu olhar até o médico e eu, agora com olhos mais atentos. Logo largou a boneca que segurava e se levantou, sorrindo abertamente para mim.
- É ela? - pediu ao médico, que concordou de imediato. - Oi, Demetria! - graciosa, ela veio me abraçar, então me vi abaixar o corpo para que pudesse ficar a sua altura, recebendo um agradável abraço. - Se eu disser que te imaginava exatamente assim, você acreditaria? - concordei após nos soltarmos, não sabendo mais como parar de sorrir. Joseph também parecia impressionado e admirado com o fato de como Madeline era adorável. 
- Esse é o Joseph, meu marido. - apresentei-o, então ela ergueu o rosto totalmente para poder vê-lo, visto a grande diferença de altura. 
- Oi, Madeline! - Joseph a cumprimentou com um beijo no rosto, e pude notar como as bochechas de Mady coraram, divertindo-me com a cena. 
Philip me explicou que ela ainda não conseguia ver o mundo perfeitamente como nós, mas que os avanços em seu quadro clínico se mostravam cada dia mais promissores. Madeline já conseguia definir perfeitamente formas, cores e, levemente, rostos. Logo o mundo seria sua paisagem, exatamente como ele deve ser para todos.
Joe parecia subitamente absorto, talvez pensando em seu pai. Perguntando a si mesmo se as córneas de Joseph já teriam beneficiado alguém.
- Então, Mady... - voltei a me aproximar da garotinha, que tinha um lindo sorriso no rosto. Um sorriso de vitória. - O que achou do mundo? - pedi curiosa, vendo-a pensar por alguns instantes antes de pronunciar com sinceridade sua opinião. 
- É muito bonito! - agradecida pelo presente que era sua visão, ela não podia definir melhor o que enxergara. 
- Eu concordo plenamente com você. - admiti, por mais que repensasse nas desvantagens presentes no mundo. Por mais que existissem tantos motivos para amedrontar um ser humano, ainda assim, o mundo era bonito demais para que fechássemos nossos olhos com medo de enxergar além do que esperávamos encontrar. 
William e Madeline não precisavam mais chamar o Saving Grace de lar, eles estavam ali naquele dia apenas porque Philip pediu que comparecessem, pois sabia que eu gostaria de reencontrá-los um dia. Após algum tempo ali, enquanto eu ouvia distraidamente a conversa de Joe com o irmão de meu pai, observei um violão preso a uma das paredes do canto. Depois, levei meu olhar até as diversas crianças espalhadas pelo local. Algumas com aparência saudável, outras longe disso, porém, também longe de demonstrar fraqueza. Algumas enfermeiras transitavam pelo local, assim como médicos. Aparentemente, aquele era um dia festivo no hospital, então... 
Por que não?
Afastei-me dos dois homens ao meu lado, atraindo a atenção de ambos para mim enquanto eu caminhava na direção do violão, tomando a precaução de pedir permissão a uma das enfermeiras na região antes de tomá-lo em mãos. Confesso que só conseguia me sentir totalmente a vontade com os meus instrumentos, mas aquelas crianças mereciam ouvir o que, através de uma canção, senti que precisava dizer a elas. A letra estava fresca em minha memória, era algo que eu havia terminado de compor dias antes.
Pedi a ajuda de William que veio para perto de onde eu estava, então, juntos, formamos uma pequena platéia com as cadeiras coloridas espalhadas pela região. Ao centro, havia uma maior, essa para que eu me sentasse. Logo enxerguei todos os lugares ocupados, juntamente com olhares curiosos que esperavam por minha atitude seguinte. Sentei-me diante de todas as crianças, posicionando o violão em meu colo, amparando seu braço com meus dedos que deslizavam pelas cordas, a fim de testá-las. 
Música era algo que fazia parte de minha vida, sempre fez. Música, para mim, não era apenas algo que agradava a audição, música para mim era como uma salvação. Então, talvez, pudesse, de alguma forma, ser também para todos aqueles inocentes que esperavam por algum sinal dos céus algum tipo de impulso para seguir em frente. Antes de começar, ergui meu rosto para encontrar com o de um Joseph que não media esforços para manter os olhos firmes em meus movimentos, olhos que foram capazes de transmitir a coragem que eu necessitaria para enfrentar qualquer coisa. Eu diria que ele estava orgulhoso de mim, assim como Philip.
Vaguei meu olhar pelas crianças, sorrindo para cada uma. Uma garotinha com pele cor de chocolate e olhos brilhantes, sentada logo a minha frente, parecia ansiosa para me ouvir cantar. Ao lado da mesma, um garoto de cabelos ruivos não olhava para mim, mas sim para ela. Diverti-me com o que assistia, notando como ele parecia encantado com ela, de uma forma tão bonita e inocente.
Um som tímido escapou pelas cordas acariciadas do violão, então, aos poucos, identifiquei minha melodia ganhar ritmo. A probabilidade de minha voz não sair, devido ao receio de compartilhá-la com tantas pessoas, nem sequer passou por minha mente. Tratei de me focar em deixar que aquela música chegasse aos seus ouvidos e corações. 
Stitch in your knitted brow, and you don't know how you're gonna get it out. Crushed under heavy chest, trying to catch your breath, but it always beats you by a step. All right now... - eu precisava admitir que me sentia um pouco acanhada, mesmo diante de uma platéia tão jovem. Era diferente de quando eu estava em casa e me via distraída pelos cantos com um violão, compondo letras que talvez nunca chegassem aos ouvidos de alguém. Então, insegura, continuei o que fazia, porém sem encarar os rostos paralisados a minha frente. - Making the best of it, playing the hand you get. You're not alone in this. There's hope for the hopeless, there's hope for the hopeless, there's hope... - então, em um movimento inconsciente, ergui meu rosto sem perceber. Senti minhas bochechas formigarem, talvez porque eu não soubesse explicar a satisfação que me abrangeu quanto percebi que não estava cantando a toa. A letra de minha música tinha sido capaz de capturar a atenção de todos os presentes. Sorri durante uma pausa na letra, ajeitando o violão para dar continuidade. - Cold in a summer breeze, yeah, you're shivering on your bended knee. Still, when you're heart is sore and the heavens pour. Like a willow bending with the storm, you'll make it... Running against the wind, playing the cards you get, something is bound to give... - as crianças pareciam admirados com o que ouviam, totalmente envolvidas em algo que eu ainda continuava a cantar com determinada quantidade de insegurança. Mas, parando para pensar, não existiam motivos para isso. Elas, com seus olhos atentos e intenções límpidas, sabiam que eu dedicava aquele momento a elas com todo o meu amor, utilizando do altruísmo que fazia tão bem ter como parte de meu ser. Elas sabiam que aquelas não eram apenas palavras soltas de uma música que tem como único objetivo de existência distrair mentes avoadas, elas sabiam que poderiam tirar inspiração do que ouviam, poderiam esperar, sim, por dias melhores. E eu não queria apenas assisti-las, eu queria fazer algo mais. Algo significativo, algo que não passasse despercebido. - There's hope for the hopeless, there's hope for the hopeless. There's hope, there's hope, there's hope... There's hope.
Finalizei a música um pouco incerta se deveria levantar, então as crianças fizeram isso por mim, animadas. Vozes misturadas preencheram minha audição em perguntas e felicitações que os pequenos escolhiam para me presentear, enquanto eu não sabia como parar de sorrir e, principalmente, como agradecê-los. Não sabia o que fazer com aquela nova vontade dentro de mim. Eu queria dizer tanto a elas, queria poder fazer algo por elas, por mais que soubesse que o Saving Grace já estava fazendo. 
Pensei em minha vida, ali, assistindo olhares brilhantes iluminarem todas as direções. Pensei no que havia enfrentado recentemente, pensei em tudo. Então, cheguei a conclusão de que não poderia jamais pensar em desejar outra vida. 
Afinal de contas, escondido pelos infortúnios da vida, está o amor. Esquecido por entre a grosseria presente na humanidade, revela-se um gesto nobre. Massacrado por dezenas de amanhãs queimados pela chama da amargura, ira e vingança, brilha o perdão. Travando uma batalha impermeável com a tristeza, salienta-se a felicidade. Temos de esperar pela escura madrugada para o amanhecer, temos de esperar a tempestade passar para ver um arco-íris. Para sair de nossas casas e permitir que a vida aconteça, que os temores fiquem em segunda plano, que bons e valentes corações se aproximem e levem embora o que achamos já fazer parte de nós: o medo. 
Depois de chorar, provavelmente uma criança irá sorrir. E se ainda dói no fundo da alma, se aperta no peito e faz parecer que a falta de ar será eterna; se os caminhos parecem sinuosos e a paz uma melancólica utopia, é só fechar os olhos e lembrar que existe alguém que pode segurar nossa mão com força e nos conduzir pelas estradas da vida, as estradas de luzes fracas, as estradas esburacadas, as estradas que sempre levam a algum lugar. Algum lugar qualquer, ou simplesmente o lugar mais importante que alguém poderá desejar estar, um lugar que mostrará a possibilidade de realizarmos nossos sonhos.
Na verdade, os verdadeiros sonhos são aqueles que realizamos sem perceber, quando estamos descrentes demais para acreditar que realmente virão, fragmentos de vivências que vão se juntando aos poucos e logo se transformam no que é agradável chamar de realização. Uma criança quase sempre tem o sonho de se tornar um super herói e salvar o mundo, então, vários anos mais tarde, ela percebe que não é enfraquecida por uma kriptonita, tampouco consegue voar, mas ela pode, sim, salvar o mundo se quiser. Se as pessoas acreditassem que um sorriso já deposita um tijolo de apoio na construção diária e infinita de esperança que a humanidade tenta arduamente sustentar, já poderíamos erguer nossos rostos e enxergar tal conquista... Ou melhor, enxergaríamos não apenas a esperança, mas também os diversos frutos ao nutri-la. 
Meus devaneios apenas cessaram quando percebi já estar de pé, caminhando na direção de um Joe que me recebeu com um abraço caloroso. Pelo menos eu tinha a desculpa de estar grávida para explicar o motivo de meu estado tão repentinamente emotivo. Escondi meu rosto no ombro do homem que me abraçava com ternura e depois fui apenas capaz de me despedir das crianças, não conseguindo mais segurar minhas lágrimas. Soltei-me de Joseph e caminhei na frente dele, que vinha acompanhado por Philip. Limpei meus olhos com as costas de minhas mãos e encarei a vista proporcionada graças a uma das diversas janelas gigantescas de vidro que faziam parte da arquitetura. Coloquei algumas mechas de meu cabelo atrás da orelha e abracei meu próprio corpo, mas logo senti outros braços me tomarem para si. Senti um beijo ser gentilmente depositado em meu pescoço, mas não ousei me virar. Sentindo o perfume inebriante de Joseph tentar bagunçar com minhas estruturas e sua respiração se chocar com minha pele, permiti que um inevitável soluço escapasse por meus lábios. Fechei os olhos com força e me desvencilhei de seu abraço por trás, deixando meu rosto totalmente a vista do seu. Suas duas mãos seguraram as minhas então, ainda sem dizer nada, ele tentou compreender o motivo de meu estado vulnerável. 
Talvez por ter passado por tanto, eu queria poder fazer algo. Qualquer coisa para provar a mim mesma que a dor não é a única resposta, que a dor não é o destino. Que o dor não é a última coisa que sentimos ao partir para outra jornada. 
Demi... - ele me chamou em um sussurro, removendo de meu rosto um fio de cabelo que teimosamente se acomodava sobre minha bochecha. - Não está se sentindo bem? Quer ir embora? - neguei, dando um passo para trás, desfazendo o contato entre nossas mãos apenas para que pudesse passar meus braços por entre seu pescoço e afundar meu rosto na curva de seu pescoço. 
- Eu passei por muitas coisas durante a minha vida e consegui levantar mesmo depois de tantas quedas. - fechei os olhos com força para tentar controlar outra remessa de lágrimas que causou ardência em meus globos oculares. Conseguia sentir as mãos de Joe firmes em minha cintura, enquanto suas atenções estavam todas voltadas a mim. - Eu só gostaria que mais pessoas tivessem essa chance. E, caso não consigam sozinhas, eu gostaria de ser essa ajuda. Quero fazer algo pelo mundo, sabe? Qualquer coisa. Não quero apenas viver nele, quero deixar uma marca positiva. - suspirei, soltando-me dele e virando meu rosto na direção de um corredor vazio, voltando a olhar firme nos olhos de meu marido no instante seguinte, abrindo um sorriso que nem eu mesmo sabia dizer de onde surgiu. - Eu quero que o mundo seja bom para os meus filhos. - Joe imitou meu gesto, depositando mais uma dose de exuberância a seu sorriso, deslizando seus dedos pelo meu rosto em um carinho que me fez inconsciente permitir que minhas pálpebras desmoronassem levemente. Não sabia o que estava acontecendo comigo, só queria saciar aquela necessidade por sentir que as coisas não estavam perdidas. - Acredito no amor, na felicidade, na esperança. Acredito que colhemos o que plantamos e, acima de tudo, acredito que não há nada de errado em sonhar. - suspirei, sugando todo o ar que pude para meus pulmões. - Eu sei, ninguém disse que a vida é só felicidade, finais felizes... Mas também não me lembro de ouvir alguém dizer que a vida é só tristeza e finais tristes. Então, pronto, meio a meio. Ninguém pode provar o que nunca sentiu. Fim. - concluí, determinada a cessar o choro que ainda não tinha ganhado um início concreto. Joe deslizou os dedos por meus cabelos e, mesmo em silêncio, demonstrou que entendia tudo que eu tentava desesperadamente lhe dizer, consolando minha inquietação de uma forma só sua. 
- Tenho certeza que você vai pensar em algo, tenho certeza que o mundo terá uma marca de Demetria Jonas. E pode contar comigo para o que precisar, eu vou te ajudar a conseguir o que quiser. - ele segurou meu queixo, unindo seus lábios aos meus em um selinho, determinado a me tranquilizar. - O mundo terá uma marca sua que ninguém jamais poderá esquecer. Algo memorável, eu sei que sim. - concordei com gratidão, sentindo seu sorriso largo e sincero refletir em meus lábios. - Agora pare de chorar, sua grávida sensível. - brincalhão, ele encenou um semblante atordoado e urgência na voz, conquistando um leve risinho por minha parte.

De longe, observei Philip e Joseph conversando e rindo, enquanto eu apenas sustentava arqueava sutilmente meus lábios, feliz pelo fato de que os dois já pareciam amigos. Philip apontou em minha direção e Joseph virou seu rosto para me encontrar, aproximando-se em seguida. Disse que ia até o estacionamento para trazer o carro até a entrada, depois se afastou. Observei Philip me fitar com uma mescla de expressões, procurando pelas palavras apropriadas.
- Obrigado pelo que você fez hoje. Pode parecer que não, mas isso ajuda muito. - encolhi meus ombros, como se demonstrasse que aquilo não requeria esforço nenhum de mim, era algo que eu fazia com imenso prazer.
- O que você e o Joe tanto conversaram? - cruzei meus braços e arqueei uma de minhas sobrancelhas, revelando curiosidade. O médico encarou o chão e depois meu rosto, balançando a cabeça como se aprovasse algo que eu ainda não conseguia compreender, pois não sabia do que se tratava. - Seu marido se parece com um médico, acredite no que eu digo. - franzi o cenho, instigada a querer saber mais. - Ele sabe de coisas que pessoas que não estudaram medicina não deveriam saber. Joseph me disse que apenas estudou alguns livros, por mais que nunca tenha iniciado qualquer curso. É impressionante. - Philip admitiu, altamente convicto de suas palavras. Olhei para trás, na tentativa de encontrar algum vestígio de Joe, pois gostaria muito que ele escutasse a descoberta de Philip, mas não o encontrei. 
- Acho que ele tem medo de se arriscar. - deduzi cabisbaixa, percebendo que o homem a minha frente queria desaprovar minha dedução com suas sábias palavras. 
- E quem não tem? Eu apenas acho que as pessoas deveriam pensar dessa forma: se o fracasso não existisse, se o fracasso não constasse em um dicionário, tampouco fizesse parte do conhecimento humano e a certeza de vitória fosse notória... O que você faria? - prestando atenção em sua frase, cheguei a conclusão de que era a mais pura verdade. Philip sempre tinha algo de valor a ensinar, era surpreendente. - Você, por exemplo... Ignorou os obstáculos evidentes e adotou uma criança. Ignorou laços de sangue e deu preferência aos laços de amor. Você não pensou que isso poderia vir a resultar em algo ruim, você não se preocupou com o fato de que talvez não estivesse pronta, você apenas deu a essa criança a chance de crescer com o que todos deveriam ter: amor. Precisamos parar de querer encontrar tanto sentido nas coisas, inúmeros motivos e estímulos para fazer as coisas. Concorda comigo que a vida não faz sentido, Demetria? Porque, se fizesse, não teria tanta graça vivê-la. Por que tanto perfeccionismo e hesitação com algo que não faz sentido? Não falo em impulsividade, mas sim em capacidade. Algo que, se você tiver sorte, descobrirá que possui. 
Quando pensei em respondê-lo, percebi que Joseph havia retornado e já me chamava para irmos embora. Despedimo-nos de Philip, recebendo mais um convite. O hospital promoveria um evento beneficente em comemoração ao sucesso atingido, ao atendimento impecável fornecido há vários anos consecutivos. Diversos dos mais qualificados médicos já envolvidos em cirurgias, atendimentos e tratamentos estariam presentes, assim como pessoas que se comprometiam com doações, entre outras coisas. Meu marido e eu concordamos de imediato, é claro. 
Caminhávamos na direção da imensa recepção, já de costas para Philip, mas o mesmo fez questão de chamar Joseph, que parou de andar e virou-se para encará-lo, esperando pelas palavras que o homem alertou querer lhe dizer.
- Nunca é tarde demais para nutrir um sonho. Para realizá-lo. Não tenha pressa, você não ganhará nada com ela. - sabendo exatamente ao que o médico se referia, Joe apenas acenou de forma agradecida, voltando a passar o braço por minha cintura ao nos conduzir pela saída. Ele não percebeu, mas enxerguei o sorriso discreto que seus lábios revelaram. 
Eu sempre me sentia revigorada após deixar aquele hospital.


Meu rosto parecia conhecido até mesmo por aqueles que eu podia jurar nunca ter visto. Joe e eu nos entreolhamos como se estranhássemos aquilo, então continuamos de braços dados enquanto caminhávamos até o salão de eventos do hospital, localizado atrás do enorme prédio. Meus cabelos estavam parcialmente presos, revelando minhas orelhas adornadas por delicados brincos de pequenas pérolas com diamantes, um presente de Joseph que enfim eu tinha encontrado uma ocasião a altura para usar. Meu vestido Zuhair Murad era longo, com transparência e bordados espalhados pelos braços e colo, em meus pés sandálias prateadas Louboutin. Segurei com mais firmeza minha clutch enquanto me aproximava o máximo possível do corpo de meu marido para tentar me proteger da brisa gelada que agitava as árvores ao redor. Como aquele seria um evento social importantíssimo, nossos trajes elegantes eram mais do que necessários. Joseph vestia umterno cinza, bem cortado, que contrastava com a camisa social azul clara e a gravata bem alinhada. Seus cabelos estavam impecavelmente penteados para trás, dando-lhe aquele ar de cavalheiro sedutor que eu tanto adorava. 
Logo adentramos a área do evento, examinando as diversas mesas espalhadas pelo local de grande circulação de pessoas. Ao centro, bem longe de meu alcance, havia um grande palco e uma tela para projetor, provavelmente para reuniões mais importantes e palestras. Passei meus olhos pelo local, fazendo uma análise completa enquanto recebia cumprimentos simples de pessoas que, sim, sabiam que eu era filha de Quentin Wright. Logo encontramos Philip, que nos chamou para que sentássemos em uma das mesas principais, juntamente com ele e o restante dos organizadores do evento. Joseph afastou a cadeira encostada a mesa para que eu pudesse me sentar, então lancei um olhar gentil a um casal e uma mulher sentados conosco. Philip não demorou a nos apresentar.
- Essa é Naomi Turner, uma grande amiga compositora e ativista. Sempre esteve envolvida nos projetos relacionados ao hospital. - a mulher de sorriso doce me cumprimentou com um aceno bem disposto. Ela deveria ter em média a mesma idade de Philip, mas isso não prejudicava em nada sua beleza delicada. Seus cabelos eram de um tom bem claro de castanho, que contrastava com seus olhos azuis. Joe ergueu uma sobrancelha assim que também foi apresentado a ela, trocando um olhar comigo que sugeria algo. Philip pareceu perceber, mexendo desconfortavelmente em sua gravata. Reprimimos risinhos maliciosos e voltamos a nos concentrar no que acontecia ao redor. 
Ao ouvir Naomi contar um pouco do que fazia, fora inevitável me lembrar de meu súbito desejo de fazer algo para beneficiar o mundo. Naomi já havia trabalhado na indústria da música há alguns anos, participando também das composições de trilhas sonoras de alguns filmes famosos. Ela se surpreendeu quando eu disse que gostava de cantar, sabia tocar vários instrumentos, mas não sabia se de fato gostaria de me aventurar naquela carreira. Naomi parecia orgulhosa de seu trabalho, esbanjava para quem quisesse ver a satisfação que nutria por suas conquistas, pelo bem que espalhou pelas instituições que possuíam seu nome como fonte de estabilidade. Eu queria ter algo assim no futuro, queria amadurecer exatamente daquela forma. E, honestamente, nada me impedia de conseguir. 
Joe percebeu quando demonstrei estar um pouco desconfortável ali, não pelas pessoas presentes e nem pela conversa, era só um leve mal estar proporcionado graças a meu primeiro mês completo de gestação. Meu marido se levantou e estendeu a mão para que eu pudesse segurá-la e fazer o mesmo, ficando de pé ao anunciar aos presentes que logo voltaríamos. 
Realmente não sei explicar como, depois de algum tempo caminhando sem rumo pela região, conseguimos ir parar dentro do hospital. Apesar de tudo estar funcionando, como luzes, elevadores e tudo o mais, a circulação de pessoas por ali era quase nula. Esporadicamente avistávamos enfermeiras, então tentávamos nos esconder feito duas crianças para que elas não pedissem que nos retirássemos dali. Joseph e eu trocamos um olhar cúmplice e retomamos nossa caminhada, adentrando um extenso corredor de várias portas fechadas. Já livre do mal estar de antes, encostei-me à parede e esperei ansiosa pelo momento em que seu corpo se aproximaria o suficiente do meu para que não existisse espaço vago entre nós. Assim ele fez, grudando completamente nossos troncos, apenas ameaçando me beijar enquanto roçava seus lábios quentes sobre os meus. Meu estômago estava inquieto, aquela sensação de estar fazendo o que não deveríamos era estimulante. Olhei para os dois lados, certificando-me de que não havia ninguém nos espreitando, então segurei com as mãos firmes em seu paletó, passando a língua pelos lábios enquanto deixava um olhar inocente ir de encontro a um banhado por intenções obscuras. Vê-lo sorrindo despertava a vontade de sorrir também. O mesmo acontecia quando ele ria, e até mesmo quando revelava tristeza em suas feições, era como se eu pudesse senti-las, tomando-as para mim.
Antes que eu pudesse me dar conta, meu corpo fora puxado e a porta mais próxima aberta em um hábil girar de maçaneta. Joseph nos colocou para dentro do recinto até então escuro, procurando pelo interruptor de luz para que pudesse trazer mais claridade. Quando finalmente conseguiu, percebemos estar em um dos consultórios padrão da área clínica. Vigiando a porta a cada milésimo de segundo, sem conseguir controlar os risos nervosos que escapavam de meus lábios, assisti meu marido caminhar despreocupado até uma cadeira onde um jaleco branco permanecia despejado. Pegando-o em mãos, Joseph não demorou em vesti-lo, ajeitando as mangas e olhando para mim de forma sedutoramente pomposa. Encostei-me à porta, para evitar que alguém surgisse ali de surpresa, mordendo meu lábio inferior em consequência daquela imagem. Ignorei todo o ambiente, concentrei minha atenção apenas àquele homem a minha frente, em como ele ficava sexy com aquele jaleco que mal sabíamos a quem pertencia. 
- Oh, meu Deus... - comecei, analisando-o meticulosamente enquanto Joe se aproximava vagarosamente de mim. - Eu realmente acho que posso engravidar só com essa visão. - franzi o cenho, constatando o óbvio em seguida, ocasionando um sorriso animado que passeou pelo rosto do homem a minha frente. - Ah, é mesmo! Já estou grávida! - repousei meus dedos sobre minha barriga, assistindo-o romper de uma vez a distância, próximo o suficiente para que eu pudesse ouvir com clareza seu sussurro. 
- Se eu não soubesse que você não está bebendo nada alcoólico, diria que minha mulher exagerou um pouco no vinho... - ele disse ao pé de meu ouvido, fazendo-me rir novamente, talvez a adrenalina do momento estivesse despertando reações exageradamente eufóricas. 
- Sim, estou embriagada. - capturei sua mão com a minha, levando-a até meu rosto, sentindo seu dedo indicador contornar meus lábios que logo se abriram ingenuamente para receber a ponta do mesmo, enquanto eu continuava a trocar um olhar tórrido com meu homem de jaleco. - Mas vinho e qualquer outra bebida alcoólica não tem nada a ver com isso. - expliquei em um murmúrio, enlaçando minhas mãos em sua nuca. - Vamos brincar de Grey's Anatomy. Eu sou a Meredith e você é o Derek. - sugeri, rindo em seguida dessa sugestão. Talvez eu estivesse mesmo bêbada, extasiada, e Joseph era o único responsável por isso. 
- Prefiro ser o Joseph e você a Demetria. Não existe química como a nossa. - ele soltou uma risada nasalada ao pronunciar, um sorriso enviesado nascendo em seus lábios convidativos ao extremo. Seus olhos não desgrudavam do decote delicado e ainda assim perigoso formado pelo vestido, enviando ondas de calor por todo o meu corpo. 
- Suas ideias são sempre as melhores... Doutor. - pronunciei de forma rouca e arrastada a última palavra, tentada a eliminar o pequeno espaço entre nossos lábios atraídos um pelo outro. Meu marido divertiu-se com o modo pelo qual escolhi chamá-lo, prestes a apontar algo mais interesse do que simplesmente conversar. Porém, notei a maçaneta próxima de meu corpo girar lentamente, enquanto alguém do lado de fora tentava impulsionar a porta para frente. Arregalei meus olhos e encarei Joe, que segurou minha cintura e me puxou para trás, a fim de me afastar da porta. Não sabíamos se ríamos loucamente ou se ficávamos em silêncio enquanto procurávamos por um esconderijo por entre aquelas quatro paredes. Parecia impossível.
Quando, por fim, pensamos que o responsável pelo movimento da maçaneta tinha se afastado, nos levantamos e decidimos sair dali. Joseph livrou-se do jaleco e o colocou da mesma forma como estava antes sobre a cadeira. Quando abri a porta e pensei em investigar os dois lados do corredor antes de sair completamente, um soluço assustado e automático escapou por meus lábios ao ser surpreendida por um Philip escorado na parede a minha frente. Ele tinha os braços cruzados e uma Naomi ao seu lado que se segurava para não rir. Sorri-lhe com uma inocência falsa, como uma adolescente que acabou de ser pega em flagra fugindo de cada para uma festa, tentando impedir que Joe saísse do consultório, talvez um pouco tarde demais. Fingíamos que nada acontecia, encarando os dois como se eles precisassem de algum tipo de repreensão, e não nós.
- O que estão fazendo aqui? - o médico perguntou, examinando nossas expressões minuciosamente, como se examinasse o coração de um de seus pacientes. 
- Podemos perguntar o mesmo a vocês? - tentei com o queixo erguido, mas Joseph arruinava nosso fingimento de que apenas passeávamos pela região com risos que inutilmente tentava conter. Dei-lhe uma cotovelada, sentindo sua mão encontrar minha cintura e puxar meu corpo para mais perto.
- Naomi e eu estávamos por perto e acabamos vindo parar aqui. - um analisava qualquer suposto deslize de conduta do outro, esperando pelo fim de uma encenação. 
- E vocês pretendiam adentrar esse consultório para colocar a conversa em dia ou... - Philip desviou o olhar e Naomi tentou conter outro risinho. Joseph e eu nos entreolhamos e juntos desvendamos o enigma do aparecimento de ambos justamente naquele momento. Era bem óbvio o que procuravam dentro de um consultório vazio. Privacidade. - Ah, já entendi! Não se preocupem, estamos saindo agora. - comuniquei a eles, que se entreolharam e tentaram negar minha dedução. Ergui minhas sobrancelhas, tendo o gesto copiado por Joe, então começamos a caminhar em direção ao salão, dizendo com olhares espertos que sabíamos o que eles pretendiam fazer. 
Antes que o casal pudesse tentar se explicar, Joseph e eu nos afastamos rapidamente, olhando para trás enquanto ríamos. Estava sendo uma noite divertida.


Sexta feira, catorze de fevereiro. Ou, como alguns preferiam nomear: o dia dos namorados
Distraidamente, eu selecionava alguns daqueles pequenos docinhos em formato de coração para comer, os famosos e indispensáveis sweethearts.
Joe estava no banho e eu era a encarregada de vigiar o forno para evitar que nosso jantar passasse do ponto. Encarei os detalhes brilhantes de meu vestido enquanto, ao comer outro docinho, encarei um ponto vago da cozinha, com os cotovelos apoiados na bancada de mármore. Matthew dormia e Jamie se divertia em uma festa promovida pelo colégio onde estudava. Ainda era cedo demais para pensar em jantar, na verdade, eu só conseguia pensar em qual seria meu presente naquele ano. Joseph sempre fora muito cauteloso com suas surpresas, mantinha seus presentes de aniversário, dia dos namorados, aniversário de casamento e qualquer outro em total sigilo até o momento que julgasse ser adequado para a entrega. Por sorte, eu também havia preparado um presente especial para ele. 
É claro que eu não desprezava um belo buquê de rosas e chocolates importados, mas sentia que, além disso, ele teria algo a mais para me presentear. Se bem que, parando para pensar, sua presença era o maior presente que eu poderia vir a ansiar e receber. Aproximei-me do fogão para checar o restante do jantar, encarando um relógio próximo. O tempo transcorria em uma velocidade desconcertante. Logo eu acordaria durante uma manhã ensolarada ou chuvosa e me depararia com uma linda e saliente barriga para acariciar o dia inteiro, sentindo meu bebê manifestar-se com seus chutes frenéticos. E, enquanto isso não acontecia, me contentava em simplesmente imaginar como seria. Já havia formado um pequeno enxoval com roupinhas, todas elas em cores unissex, como o amarelo, verde, branco... A ansiedade pela descoberta do sexo parecia, aos poucos, me consumir.
Algum tempo depois, quando Joe já estava de banho tomado e vestido com aquela jaqueta de couro que mandava meu fôlego para o espaço, ouvi a campainha tocar. Ele passou rápido por mim, parando apenas para me agarrar e roubar um beijo, então, ouvindo minha risada surpreendida, se afastou para atender. 
Logo, a campainha voltou a tocar. Da cozinha eu podia ouvir o som de uma conversa composta por três vozes masculinas. Um sorriso repleto de segurança estampou meu rosto enquanto, com esmero, eu arrumava a mesa da sala de jantar. Optei por uma ornamentação em tons de vermelho, como as flores nos vasos e algumas das louças, pois combinava bem com a ocasião. Aprumei os guardanapos brancos de pano sobre cada prato e ajeitei os talheres, sentindo-me perfeccionista em excesso naquele momento. Após terminar minha decoração, passei pela sala e acenei para os dois homens que me acenaram de volta, trocando um olhar cúmplice com Joseph que dava continuidade a nosso plano.
Minutos mais tarde, retornei a ouvir o som da campainha, movendo-me com rapidez até a porta enquanto meu marido sugeria que ele e seus convidados fossem para outra área da casa, perto da piscina, talvez, para que pudessem conversar melhor. Ouvi o som de meus saltos contra o chão e sorri empolgada, ajeitando meus cabelos e tentando parecer, no mínimo, calma. Assim que abri a porta, encontrei dois rostos totalmente conhecimentos. Surpreendi-me ao avistar as duas juntas, mas concluí que seria ainda mais propício e compatível com a ocasião. Provavelmente se encontraram na entrada de minha casa.
- Sabe, eu costumo assistir filmes de terror no dia dos namorados... - Karlie começou, levando as mãos até a cintura enquanto fitava minuciosamente qualquer mudança suspeita em minha expressão, aproveitando também para checar o interior da casa. Seus cabelos estavam presos em um coque bem feito e um vestido azul de mangas longas cobria seu corpo, juntamente com saltos altos nos pés. - Mas então, eis que a Demetria me liga, diz que o Joseph precisou viajar urgentemente e ela acabou de ouvir um barulho estranho na cozinha. Aqui estou... E sinto que fui enganada. - apresentou-se, sorrindo desconfiada, provavelmente me desmascarando instantaneamente. Desviei meu olhar do seu, tão investigativo e foquei minha atenção em Jennifer, que, apesar de imóvel e em silêncio, aos poucos parecia deduzir o mesmo que Karlie. Também estava impecavelmente arrumada, com os cabelos feitos em cachos nas pontas, uma blusa com detalhes em renda e uma saia de cintura alta que combinava com os saltos. Aliás, isso incitou minha dúvida. Se elas pensavam que meu chamado fora apenas um pedido de socorro, por que se arrumaram tanto?
- Ela disse a mesma coisa para mim. - a loira comentou, cruzando os braços a altura do peito, imitando Karlie. As duas passaram a me encarar seriamente, esperando por uma explicação. Juntei minhas duas mãos e abri um sorriso jubiloso, perguntando-me em que parte da casa Joseph estaria com Dominic e Caleb. 
Sim, aquela seria uma longa noite. 
- Hoje é um grande dia! - anunciei primeiramente, tentando mudar de assunto e motivar alguma elevação no nível de entusiasmo por parte de ambas. Sem sucesso.
- É? - Karlie arqueou uma sobrancelha, batendo impacientemente um pé contra o chão.
- Sim! Não é apenas o dia dos namorados, mas também o dia em que deixaremos certas mágoas para trás. - expliquei, por fim enxergando uma mudança nas feições de ambas, porém longe de se parecer com algo que esperei ver. 
- Nós? Demi, não guardo mágoas de você. Aliás, acho que a Jennifer também não, apesar de não conhecê-la muito bem. - Jen concordou prontamente com o que a outra disse. - Você guarda mágoas de mim? De nós? - bufei, olhando para trás tentando encontrar meu marido. Já estava na hora de revelarmos a surpresa.
- Não estou me referindo a nós três. - pedi com um gesto de mão para que elas entrassem em minha casa, logo assistindo ambas se sentarem no sofá, esperando por algo que nem imaginavam do que se tratava. Caminhei pelo cômodo, de um lado para o outro, ouvindo o som de três pares de passos se aproximarem gradativamente. Karlie virou o rosto lentamente, exatamente na direção do som, como se soubesse o que se aproximava. Jennifer logo imitou seu gesto. Então não demorou para que um encontro duplo fosse promovido. Certo, contando com Joseph e eu, era um encontro triplo. 
- Eu já estava enxergando isso antes mesmo de acontecer. - Jennifer disse ao virar bruscamente o rosto, aparentemente desorientada. Então ficou claro que elas já pensavam na remota possibilidade daquele encontro acontecer. Talvez aquele tenha sido o motivo de ambas surgirem tão bem vestidas. 
- Eu também. - no exato instante em que o olhar de Karlie se encontrou com o de Caleb, ela se levantou e ameaçou dar passos apressados até a porta, mas eu fui mais rápida ao me colocar em sua frente para barrar o caminho. Ela me olhou suplicante, como se implorasse silenciosamente para sair dali, mas eu sabia que, no fundo, não era bem o que ela queria. Estava estampado em seu rosto. - Deixei de assistir filmes de terror para viver um? - perguntou baixinho, virando-se aos poucos para encarar sua realidade. Jennifer continuava imóvel sobre o sofá, fingindo que Dominic não estava ali. Enquanto isso, ele e Caleb não conseguiam desgrudar os olhos de suas respectivas amadasJoe e eu trocamos um olhar que apenas dois melhores amigos seriam capazes, satisfeitos pelo que promovemos. 
Ao contrário do que imaginei, era uma calmaria excessiva que revestia o ambiente. Ninguém gritava, ninguém demonstrava exaltação. Nem mesmo olhares eram trocados. Pedi a Joe que me ajudasse na cozinha, deixando os dois casais sozinhos, porém, cada um em um canto diferente da casa. 
- Isso vai ser mais difícil do que imaginamos. - comentei com meu marido que segurava uma travessa pronta para ser posta a mesa. 
- Na verdade, Demi, eu acho que será fácil demais. Afinal, por que perder tempo tentando evitar algo que eles sabem que é inevitável? Juro que não entendo nenhum daqueles quatro. Quando eu estou brigado com você, só consigo pensar em obter logo uma forma de solucionar tudo entre nós. Então não sei como eles aguentam. - sorri para demonstrar como havia aprovado suas palavras, sentindo minhas bochechas esquentarem. Mal podia esperar pelo nosso momento da noite. Assim que passei por Joe, senti sua mão espalmar brevemente e agilmente na região de meus glúteos, então soltei um riso alto e olhei para trás, fingindo repreendê-lo com um olhar semicerrado. Ele fingia inocência. - É culpa desse vestido. Justo e vermelho! O que você espera que eu faça, mulher? - dei de ombros e voltei a caminhar em direção a sala de jantar, por fim arrumando totalmente a mesa.
Então, cerca de cinco minutos depois, estávamos nós seis ali. Em silêncio, é claro. Encarei todo o jantar servido, sentindo meu estômago roncar com precisão. Joe e eu tínhamos preparado Filé au PoivreArroz a Piamontese e uma leve salada de batatas com molho de alcaparras. Encarei a garrafa de vinho intocada ao meu lado, desviando o olhar para tentar me livrar da vontade de bebericar a bebida. Teria que lidar com isso pelos próximos nove meses. Não era como se eu não soubesse resistir, mas talvez estivesse necessitando de algo para me acalmar devido a tensão palpável que revestia aquele local. Aos poucos, nossos convidados se desfizeram da timidez e começaram a se servir, porém, sem intenção de interagir uns com os outros. Joseph revirou os olhos em resposta a toda aquela situação, lançando um olhar abismado em minha direção, enquanto eu lhe lançava outro semelhante, porém ainda esperançoso. 
- Se esse jantar não estivesse agradando tanto meu paladar e estômago, eu juro que ia embora. - deixando-me aliviada, pois não aguentava mais o silêncio incomodo, Dominic manifestou-se, elogiando a comida. Jennifer olhou inconformada em sua direção, como se desaprovasse totalmente o fato de que ele tinha sido capaz de elogiar uma refeição, mas não a ela, a mulher que ainda o amava. Certo, talvez ela não tenha pensado dessa forma, mas era o que seu olhar transmitia. 
- Eu odeio vocês! - foi a vez de Karlie opinar, fazendo diversas pausas para mastigar os alimentos. - Mas apenas vocês, não a comida de vocês, que fique bem claro. - Joe e eu trocamos olhares presunçosos, agradecendo aos dois, apesar dos pesares. 
- Cuidado, Karlie, vai engasgar. - Dominic zombou da forma faminta como a morena saciava seu apetite, recebendo em resposta um olhar fulminante. 
- Te odeio menos quando não está falando, McGuinness. - ela rosnou, abaixando o olhar quando percebeu que Caleb a fitava. Não conseguiu continuar a comer, então tentou se distrair com a taça de vinho. Eu era apenas uma observadora. E essa era exatamente a minha intenção, afinal, sem a minha ajuda, eles não estariam reunidos, mas não fazia parte de meu papel tentar intervir com palavras ou conselhos. Sozinhos, eles encontrariam a solução. Sozinhos, redescobririam seus desejos. 
- Pelo menos ela consegue te odiar menos em algum momento do dia. - Caleb pronunciou-se pela primeira vez desde que o jantar havia sido iniciado. O silêncio voltou a cair e Karlie parecia prestes a gritar, afogando-se em taças e mais taças de vinho. Logo ficaria bêbada e isso, certamente, não fazia parte dos planos. 
Um som semelhante a um grunhido escapou pela garganta de Dominic, que atraiu a atenção de todos para si quando revelou um pequeno corte em seu dedo, resultado de alguma manobra perigosa que fez com a faca ao tentar cortar a carne. Mesmo que a quantidade de sangue em seu ferimento fosse praticamente nula, Jennifer praticamente saltou para fora da mesa, indo com pressa na direção do advogado. No entanto, cessou seus movimentos quando percebeu que o restante de nós assistia curiosamente sua atitude seguinte.
- Eu... - ela coçou a nuca, voltando a passos tímidos para o seu lugar na mesa, tomando em mãos um guardanapo que estendeu desajeitadamente para Dominic. - Eu passo mal quando vejo sangue, então pensei em esconder o ferimento antes que... - Jen se perdeu em suas próprias palavras, desistindo de tentar se explicar. Joe e eu, ainda como espectadores, apenas segurávamos risos. A atmosfera continuava carregava, parecia que uma bomba relógio estava prestes a explodir bem no meio daquela sala. Uma bomba relógio de sentimentos. 
- Brilhante explicação. - Karlie comentou indiferente, fingindo não prestar atenção em nada ao redor, porém deixava seu olhar pairar em Caleb quando parecia seguro. Então, quando não foi capaz de desviar ao sentir o dele encontrar o seu, colocou-se totalmente ereta na cadeira e ergueu uma de suas sobrancelhas. - E você? Vai cortar o dedo também para ver se eu vou correndo lamber o sangue feito uma vampira apaixonada? - após lançar aquelas palavras afiadas na direção de um Caleb que arregalou os olhos e, atônito, não conseguiu expressar reação alguma por meio de palavras, Dominic olhou feio para Karlie, jogando seu guardanapo com força sobre a mesa, fechando os olhos e desistindo de manter a compostura. Então, aos poucos, a confusão se instalou pelo recinto. Agradeci mentalmente por Matthew ter um sono pesado e estar no andar de cima, protegido de todo o barulho que minha audição já conseguia prever.
- Eu agradeço de verdade por esse convite, senhor e senhora Jonas, mas é totalmente impossível manter uma confraternização saudável quando se tem uma descontrolada como ela por perto! - o loiro apontou para Karlie, que abriu levemente a boca e franziu o cenho com ultraje, fechando uma das mãos em punhos. Ficou de pé, ainda sem dar um passo sequer, encarando o advogado como se tentasse feri-lo com o olhar. Não era uma cena divertida, mas era... Interessante. - Aliás, ela finge que não está totalmente na do Caleb, acha que se fazer de difícil para sempre vai resultar em algo bom.
- Não fale nada relacionado a mim, seu advogado de quinta! - ela apontou furiosa na direção dele, calando-o no exato instante. - Porque você não passa de um medroso que não assume logo que ama ela! - Karlie apontou para Jennifer, que arregalou os olhos e encolheu-se em seu lugar, suas bochechas enrubescendo rapidamente. - Então não venha me julgar!
- Olhe aqui, sua... - Dominic tentou rebater, mas agora Caleb também estava de pé.
- Cuidado com o forma que você fala com ela. - alertou categórico, amolecendo por um frágil segundo a expressão dura de Karlie.
- Veja só, acordei o Incrível Hulk. Quando pretende ficar verde? - o loiro pretendia continuar a zombar de um Caleb que logo perderia a paciência, mas Jennifer passou também a fazer parte daqueles que estavam de pé. Na verdade, Joseph e eu éramos os únicos ainda sentados. 
- Dominic McGuinness, deixe de ser um garoto insolente que não fala coisa com coisa! Eu estou cansada disso! Cansada de esperar que você se torne um homem de verdade e pare com essa palhaçada toda! - Jennifer despejou as palavras, atingindo em cheio um Dominic que não sabia mais o que dizer, totalmente estagnado. Karlie fingiu segurar um martelo digno de um juiz de tribunal e chocou com força a mão fechada em punho sobre a mesa. Rolei os olhos, perguntando-me se estava diante de adultos ou de crianças. E a segunda opção pareceu mais verossímil. 
- Agora o advogado foi condenado pelas palavras de sua amada. - ela zombou com uma voz fina, proposital, então fora a vez de Caleb revelar seu estado descontente.
- Por que você zomba dele sendo que faz exatamente as mesmas criancices? Será que não percebeu ainda, Karlie, que eu estou tentando de todas as formas possíveis me redimir com você? Você não é uma criança, então por que se comporta como uma e finge não enxergar o que está bem diante dos seus olhos? - o homem parecia triste, determinado a desfazer o tom de infantilidade presente na conversa anterior, convencido a provar que o sentimento de fraqueza diante tanto desentendimento era, de fato, real. 
Karlie parecia querer retrucado, mas não o fez. Ao invés disso, voltou a desabar sobre a cadeira e abaixou o olhar, encarando sua taça antes preenchida até a metade pelo líquido rubro. 
- Está feliz agora? - aborrecida, Jennifer indagou a Dominic, que imitou os movimentos de Karlie e voltou a se sentar. Então, com todos sentados novamente, voltamos a estaca zero.
Quando o jantar fora finalizado, servi a sobremesa, conseguindo após meia hora de divagações silenciosas e olhares distantes, atrair um pouquinho a atenção de ambos. Açúcar é sempre um bom remédio. Enquanto comiam a torta Mil folhas de maçã, os convidados trocavam olhares discretos e rápidos demais para que fossem notados. Joseph suspirou quando nos olhamos, deixando claro que não via a hora de toda aquela situação terminar. E, apesar de compartilhar de vontade semelhante, eu me sentia mal por aqueles dois casais. Era notável o desconforto que sentiam. Não pela presença um do outro, mas pela falta que pareciam sentir dela.
Decidida a contornar uma situação injusta e desnecessária, levantei-me e pousei minhas duas mãos sobre a mesa, atraindo a atenção de todos. Lancei um olhar firme para cada um, alertando o que viria a seguir. 
- Querem saber de uma coisa? Eu não vou aceitar todo esse desentendimento. Hoje é o dia dos namorados, eu poderia estar com o meu marido fazendo algo muito mais interessante e proveitoso agora, e não assistindo dois casais trocando farpas inúteis e infantis. - revelei, levemente alterada, recebendo o apoio de Joseph. - Joe e eu preparamos esse jantar incrível para vocês e nem assim demonstram gratidão dando uma chance a algo que sabem que ainda existe? Jennifer, você deixa a covardia te dominar. E você, Dominic, consegue se sair mil vezes melhor que ela nesse quesito. Caleb, seu orgulho não vai te levar a lugar algum. E o seu Karlie, ao contrário do dele, irá te levar a um lugar que você, com certeza, não vai gostar. - eles sabiam que minhas palavras finais, minhas acusações, não continham total veracidade, mas também sabiam que em partes eu estava completamente certa. - No fundo vocês sabem que estou falando a verdade. Eu não convidaria meus amigos para esse jantar se soubesse que não é de fato o que eles realmente querem, uma chance para consertar as coisas. Vocês ainda se gostam... - com um dedo indicador, eu apontava na direção de Jennifer e Dominic, com o outro na direção de Karlie e Caleb. - O mundo inteiro vê isso, então não entendo o motivo para tanta discórdia, para guardarem tanta mágoa. Vão mesmo continuar presos ao passado? - lancei a pergunta ao ar, na intenção de deixá-los reflexivos. - E as chances que esperam por vocês no futuro? Pretendem mesmo jogá-las fora? Se eu tivesse levado em consideração todos os problemas que afligiram minha relação com o Joseph, se tivesse me rendido a fraqueza por batalhas que perdemos nessa guerra... Nós não estaríamos juntos agora. Mas nós estamos e não há vitória e satisfação maior do que saber que somos mais fortes que qualquer empecilho. Que nosso amor é mais forte que qualquer empecilho. - pausei meu discurso, esperando por alguma manifestação de um dos quatro. Nada. - Então, se vocês acham que esse jantar foi um erro, quero que olhem nos meus olhos e me digam isso agora. - ninguém ousou seguir meu conselho. - Como imaginei. - sorri convicta, voltando a me sentar. - Obrigada pela atenção e boa sobremesa! - desejei, percebendo que minhas palavras eram silenciosamente absorvidas pelas mentes de pessoas que esperavam apenas por uma nova chance de fazer o certo.
- Essa é a minha mulher, meus amigos. - Joe exibiu-se, totalmente orgulhoso de mim. Tinha um sorriso incrível nos lábios, diferentemente dos restantes. - E vocês, Dominic e Caleb, deveriam ter vergonha de si mesmos. Os dois sabem que amam essas mulheres e, mesmo assim, continuam se escondendo. Sabem onde eu estaria se tivesse me escondido dela? - Joseph apontou para mim e, apesar das palavras duras, seu tom de voz leve entregava que ele estava apenas tentando amenizar o clima ruim, repreendendo seus amigos como um amigo deve fazer. 
- Isso foi brilhante! Querem aplausos ou algo do gênero? Talvez uma chuva de confetes? - Dominic indagou a nós dois, recebendo apenas um arquear de sobrancelhas meu. Seu sarcasmo não me afetava. 
- Cale a boca, McGuinness, eles estão certos. - Jennifer ralhou, incerta do que dizia, tentando manter o olhar sobre a mesa. 
- Estão? - o advogado olhou diretamente para a loira, que, apesar de tardar, ergueu o rosto e conseguiu elevar a duração de um tímido contato visual. Karlie e Caleb fizeram o mesmo, apesar de ambos não proferirem nada. 
- Sei que são assuntos estritamente pessoais, sei que não tenho direito algum de me intrometer, mas sei também que vocês vão me agradecer por isso um dia. - expressei-me decidida, levantando-me aos poucos, assistindo os movimentos de Joseph, que também se levantava. - Qualquer um pode superar problemas assim.
- Vocês dois são gatos e têm sete vidas, essa é a explicação. - Karlie argumentou, arrancando um risinho de minha parte.
- Ou são coelhos. Porque, se pararmos para pensar... - Dominic apontou para a minha barriga, referindo-se a minha segunda gravidez. Joe lhe olhou torto, vindo para mais perto de mim. 
- Bom, essa é a nossa deixa. Vamos deixar vocês sozinhos para que possam conversar. - avisei aos dois casais, abraçando meu marido pelo ombro enquanto ele me abraçava pela sua cintura. Eu mal podia esperar para sair um pouco daquela casa e tomar um, ver-me livre de toda aquela tensão amorosa. 
- Nem pense em fazer sexo dentro da minha casa, McGuinness! - Joe alertou ao advogado, que adotou o semblante mais inocente possível, como se nunca fosse capaz de pensar em algo como aquilo. Gargalhando com aquele alerta tão categórico de meu marido, nós dois deixamos a sala de jantar, caminhando na direção da área da piscina, para que pudéssemos ter um momento de paz e privacidade, antes da decisão final daqueles dois casais.

(Coloque a sexta música pra tocar!)
A calmaria nunca pareceu tão boa. 
Nossos dedos que seguravam taças sobre as mesinhas ao lado das espreguiçadeiras se movimentavam vez ou outra, na maioria delas em sincronia. No meu caso, o vinho dentro do objeto de cristal era sem álcool. Então, continuávamos daquela forma, estirados despreocupadamente sobre duas espreguiçadeiras lado a lado. O clima noturno era ameno e propício a visitas ao jardim, como aquela. O céu estava limpo, como um imenso manto preto pintado com diversos pontos brilhantes denominados estrelas. Juntos, Joseph e eu relembrávamos do acontecimento de mais cedo, comentando o quanto nossa ideia tinha sido arriscada, mas o quanto estávamos contentes por de fato termos tornado-a mais do que uma simples ideia que vem e que vai. 
Nenhum som era distinguível no interior de nossa casa. 
- Silêncio. - comentei de olhos fechados, voltando a bebericar meu vinho sem álcool, apesar de desaprovar um pouco seu gosto. 
- Qual deles você acha que vai ceder primeiro e promover um beijo? - torci os olhos, pensando em uma alternativa plausível. 
- Karlie e Caleb. Ela é impulsiva. - Joe concordou, mas deixou bem claro que aquela não seria a sua aposta. 
- Eu aposto em Dominic e Jennifer. Dá para ver que eles querem isso há muito tempo. - continuamos a debater, cada vez mais abismados com toda aquela falta de sons. Ergui meu tronco e virei-me na direção da porta, procurando por algum indício de movimentação. Depositei minha taça sobre a mesinha novamente, esfregando minhas mãos uma na outra e aproveitando a brisa gélida, apesar de sentir um leve frio passar por meus braços e pernas descobertas. 
- Isso é normal? - perguntei a Joseph, que também ficou sentado sobre a espreguiçadeira, seguindo a direção de meu olhar. 
- Ou cada casal se rendeu ao amor... Ou teremos muito sangue para limpar. - ele deduziu calmamente, como se não estivesse falando algo absurdo.
Joe! - repreendi-o em um sussurro agudo, levantando-me e puxando sua mão para que pudesse me acompanhar. Espiávamos pelas diversas janelas espalhadas, ainda do lado de fora, tentando encontrar uma explicação. Quase deixei que um grito de susto escapasse por minha garganta quando a porta da cozinha abriu-se em um estouro. Dominic ignorou completamente minha presença e apontou para Joseph, como se precisasse imensamente de sua ajuda. Cruzei meus braços e acompanhei a cena, perguntando-me onde Jen estaria. E o que ele tinha dito a ela.
- Como você sabe quando realmente ama uma mulher? - o loiro perguntou, tão aflito como um jovem inexperiente que nunca experimentou tal sentimento, então precisa de sinais para saber se está sentindo o dito cujo ou não. - O que aconteceu lá dentro? - pedi desconfiada. 
- Ela começou a chorar, eu não sabia o que falar... Olha, eu sei, sou um zero à esquerda com toda essa coisa de amor, mas falo sério quando digo que dessa vez quero fazer dar certo. 
Outro estouro foi captado por nossas audições, então erguemos os rostos para ver de quem se tratava dessa vez. Caleb vinha caminhado em passos firmes, aborrecido. Suspirei, trocando um olhar com os outros dois homens.
- Ótimo, agora podemos nos sentar e compartilhar nossas frustrações como se estivéssemos frequentando um grupo de apoio. - Caleb respondeu a Dominic apenas com um dar de ombros, largando-se sentado no chão, visivelmente frustrado.
- Ela é impossível! - referindo-se a Karlie, ele escondeu o rosto com as duas mãos e respirou fundo. - Fiz muitas coisas erradas, admito, mas ela não me deixa tentar mostrar que também posso fazer coisas certas. Desse jeito fica difícil, muito difícil. 
- Vamos, Joe, responda a minha pergunta. - Dominic tratou de relembrar o assunto anterior. 
- Quer a resposta de um homem fictício e indiferente ao assunto ou de um homem real e apaixonado? - abri um sorriso em resposta a sua referência a mim, visto a forma como fingiu que os outros, por um instante, não estavam ali. 
- A que for menos dramática. - o loiro explicou, encarando o céu. Caleb continuava imóvel, perguntando-se o que mais fazer para tentar se redimir. Eu me sentia um peixe fora d'água naquela conversa, mas não queria sair dali. 
- Amar é quando você muda, quando a determinada pessoa ocupa seus pensamentos em tempo integral, está presente em tudo que você faz. - o homem de intensos olhos verdes voltou a olhar para mim, encontrando oportunidade para segurar seu lábio inferior com os dentes e sugerir com o olhar que nossa noite ainda seria longa. Deliciosamente longa, quando estivéssemos sozinhos. - E nenhuma jamais será como ela.
- Isso é você não sendo dramático? - Dominic largou os braços dobrados no ar, demonstrando falta de entendimento e frustração, bagunçando os cabelos em uma forma de tentar se acalmar. Joe colocou-se de pé e pediu que os outros dois fizessem o mesmo. 
- Quer acabar com o drama, não quer? Então vá até a Jennifer e diga de uma vez por todas que você a ama, seu idiota! E você, Caleb, faça o mesmo. A Karlie é impossível? Mostre a ela uma forma de fazer isso ser possível, não seja outro idiota. - era divertido assistir meu marido dar conselhos amorosos, principalmente porque ele parecia realmente se importar com os problemas dos outros. 
- Obrigado, cara! Você é meu herói! Um pouco dramático, mas meu herói. - Dominic deu um tapinha no ombro de Joe ao voltar a correr em direção a porta, Caleb o seguiu, então os dois sumiram de nosso campo de visão outra vez. 
Esperamos, esperamos, esperamos mais um pouco... Até que recebemos um veredicto. Ou melhor, dois. O primeiro casal a sair fora Jennifer e Dominic, de mãos dadas. A loira tinha as bochechas altamente coradas e o loiro um sorriso que quase não cabia em seu rosto. Levantei-me as pressas quando pude avistá-los, aproximando-me para saber das novidades.
- Então... Deu tudo certo? - apesar de hesitantes, eles concordaram com um duplo menear de cabeças. 
- Nós vamos tentar. - Jennifer salientou envergonhada, olhando nos olhos do homem que sorria sem medir consequências enquanto olhava estaticamente para ela, curvando-se ligeiramente para lhe dar um selinho. 
- E vamos fazer dar certo, como deveria ter acontecido há muito tempo. Espero que esteja preparada, Jennifer Dawson, porque dessa vez é para sempre. 
- Quem é o dramático agora? - Joseph tratou de interferir no diálogo amoroso do casal, arrancando risos de todos os presentes. Dominic esbarrou os ombros de ambos, como se o confrontasse, empurrando meu marido para trás de forma zombeteira, rindo, logo os dois fingiam uma briga, acalmando-se quando a porta voltou a se abrir. Apreensivos, esperamos pacientemente enquanto o outro casal se aproximava. Eles não estavam de mãos dadas, então acabamos por temer o pior.
- Credo, pessoal, que caras são essas? Quem foi que morreu? - Karlie perguntou confusa, analisando nossos rostos até então tétricos. Respirei com certo alívio quando, finalmente, os dedos da mãe dela buscaram pelos da mão dele, entrelaçando ambas em um contato que só poderia significar uma coisa. 
- É isso aí, Austin, você é o cara! - Dominic soltou a mão de Jennifer e foi para perto do outro casal, fazendo-os soltassem as mãos ao se colocar no meio de ambos, tendo o gesto inconveniente desaprovado por ambos. - E você, Karlie... Pare de querer bancar o homem da relação! - ela estapeou impecavelmente o braço do loiro, que levou a mão até o local e se afastou fingindo estar magoado com a ação da mulher. Era bom vê-los juntos depois de tantos problemas, tantas idas e vindas. Eu pude acompanhar diversos momentos conturbados na vida daqueles dois, fui testemunha de suas tentativas em tentar fazer dar certo, apesar de o errado parecer sempre a única alternativa alcançável. 
- Karlie sabe que eu me afastei porque achava que ela merecia algo melhor. - então, Caleb olhou diretamente para ela, ignorando a todos nós para dizer o restante. - Você perdeu o bebê e eu perdi o chão. No momento em que minha noiva precisou de apoio, eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser aquela perda. E você, sendo do jeito que é, não merecia um homem que ficaria paralisado diante de situações como aquela. - Jennifer e eu trocávamos risinhos empolgados enquanto tentávamos enxergar algum indício de mudança nas feições de Karlie, ainda imóvel, como se estivesse congelada. - Eu não sou durão como Karlie Russell, já me conformei com isso. - então, a morena respirou fundo e, contrariando a nossas expectativas temerosas, deu um largo sorriso. 
- Eu sou durona e você é um molenga... Atingimos uma espécie de equilíbrio, se quer saber. - ela assegurou, sempre tão convicta de suas palavras, porém timidamente levou suas mãos até os ombros de Caleb, que já esperava pela ação seguinte. Todavia, Dominic intrometeu-se outra vez, atrapalhando o beijo que o casal pretendia dar. 
- Pronto, tudo está como deve estar, somos uma grande família feliz. Agora eu quero beber, por favor. - o loiro sentenciou com entusiasmo, passando os braços pelos ombros dos homens presentes, fazendo parecer que já estava bêbado antes mesmo de beber. Jennifer, apesar de desaprovar as atitudes exageradas dele, não conseguia esconder um sorriso de felicidade por tudo finalmente começar a andar no caminho correto.
- Cansei de ser uma super heroína. Meus amigos, vamos nos contentar com uma boa e calma vida de agora em diante, pode ser? - Karlie sugeriu, estendendo o braço para comunicar que também queria beber, tendo sua sugestão anterior aprovada por todos nós. 
Pedi que todos se aproximassem, pois era a minha vez de falar.
- Não sei como agradecer a cada um de vocês por me ajudarem quando mais precisei, por me ajudarem a recuperar meu marido, o pai de meus filhos, o homem que eu amo. - ri baixinho ao sentir lágrimas surgirem em meus olhos. Faltava Cassie ali, mas eu sabia que teria a oportunidade de agradecê-la também, logo. Depois, afirmei com a cabeça que aquilo era tudo, que poderiam dar continuidade a comemoração. Porém, Dominic, bêbado até mesmo quando sóbrio, veio me abraçar também de uma forma desengonçava.
- Não precisa agradecer, Jonas, eu prometi que traria seu marido de volta. Acha que faço promessas a toa? Não mais. - sorri-lhe de forma agradecida, soltando-me de seu abraço para que pudesse receber um de meu Joe. Tudo que eu precisava no momento. 
Enquanto os homens iam para a cozinha, Jennifer, Karlie e eu permanecemos no mesmo lugar, compartilhando vivências recentes, rindo e deixando que a beleza daquela noite ditasse seu ritmo, permitindo que pudéssemos, enfim, sentir que nosso destino seguiria da forma que almejamos.

Encarei minha imagem refletida pelo largo espelho do banheiro, dando alguns últimos retoques em minha aparência antes de sorrir empolgada para meu próprio reflexo e tomar um embrulho mediano em mãos. Deduzindo que Joe já me esperava impaciente sobre a cama, com a camisa aberta e seu olhar injustamente sedutor, abri a porta vagarosamente e espreitei o cômodo, revelando meu corpo aos poucos. Enfim sós, admirei a imagem de um Joseph desatento que brincava distraidamente com o zíper de sua jaqueta. Os fios desalinhados de seus cabelos naturalmente bagunçados, sem qualquer resquício de gel que pudesse deixá-los arrumados demais. Seu perfume amadeirado proporcionava uma sensação de frescor ao ser capturado por meu olfato, adentrando minhas narinas em um carinho gentil, atiçando meu desejo por tê-lo mais perto. Talvez não fosse um efeito mágico do perfume, talvez fosse a mistura promovida graças a fragrância e o cheiro natural de sua pele, tão perceptível apesar de disfarçado pelo aroma fresco do perfume. 
A iluminação de nosso quarto era baixa, envolvente, velas aromáticas estavam espalhadas por cantos estratégicos, proporcionando um clima misterioso e irresistível. Talvez ele já tivesse notado minha presença, mas continuava com o olhar perdido apenas para me surpreender. Bom, eu desejava que ele erguesse logo seu rosto para que pudesse me ver. Havia um lacinho vermelho preso caprichosamente em meu cabelo, colocado na lateral de minha cabeça para fazer parecer que eu era, de fato, um presente. O embrulho retangular segurado por minhas mãos firmes continuava escondendo a região de meus seios, completamente livres de qualquer tecido. A única peça de roupa que me protegia da total nudez era uma calcinha vermelha com transparência em pontos estratégicos. Além de um peep toe nos pés. Vermelho, é claro.
- Seus presentes chegaram, senhor Jonas. - como se ele sabiamente já soubesse o que o aguardava, como se previsse um baque em sua sanidade, Joseph ergueu o rosto e direcionou seu olhar penetrante exatamente a altura do meu, abrindo um sorriso que fez seus olhos verdes escolherem-se durante o gesto, deixando-o com um aspecto incrivelmente jovial. Permaneci parada, disposta a manter aquele contato por quanto tempo ele determinasse, assistindo seu olhar descer aos poucos e se fixar em minha calcinha. Ri internamente ao notar como ele segurava os lábios e parecia querer arrancá-la de mim com a força do pensamento, apesar de estar divertindo-se com a imagem.
- Ah, Demetria, o que eu faço com você e essas lingeries? - sorri vitoriosa, mais do que satisfeita por proporcionar a ele tal efeito paralisante, visto a forma como, aparentemente, não conseguia se desfazer da vontade de continuar me fitando daquela forma intensa. Dei apenas um passo em sua direção, fazendo charme, erguendo apenas uma de minhas sobrancelhas como se o desafiasse a cometer seu próximo ato, ansiando pelas correntes elétricas que tomariam conta de mim ao promovermos qualquer singelo contato corporal. 
- Simplesmente nos ame... Muito! - respondi encolhendo os ombros, como se deixasse claro estar dando-lhe a melhor opção. Com um gesto de cabeça, Joe apontou para o chaise próximo a janela, só então pude perceber que um enorme buquê feito em rosas vermelhas e brancas descansava ali, pronto para mim, juntamente com duas pequenas caixas de tamanhos diferentes embrulhadas em um bonito papel de presente vermelho. Emocionada, como se estivesse recebendo flores pela primeira vez na vida, passei rápido por meu marido, que provavelmente pensou que eu me jogaria em seus braços, e depositei o embrulho que segurava sobre o chaise, pegando cuidadosamente o buquê de tamanho empolgante, aproximando meu nariz das rosas para poder sentir o perfume suave. Só então me dei conta de que estava de costas para Joe, proporcionando a ele uma imagem interessante e generosa da parte traseira de meu corpo quase nu. Eu podia sentir seu olhar intenso abrangendo cada pedacinho de pele, fixando-se mais precisamente na região localizada por entre meus quadris. Ri internamente com aquela simples suposição, eu quase podia jurar que senti como se sua mão se aproximasse ligeiramente do local, pronta para apertá-lo com gosto. 
- Vou amar ainda mais essa calcinha quando ela estiver no chão. - começou ele, o tom de voz perigosamente baixo e rouco. Ainda de costas, fechei meus olhos como se assim pudesse absorver melhor aquelas palavras que, eu sabia bem, seriam certeiras em meu ego, sempre tão bem massageado por ele. - Vou amar ainda mais o seu corpo quando uma parte do meu estiver dentro dele. - sem prorrogações, sem se importar com o teor altamente libidinoso de suas palavras, atingiu em cheio o ponto almejado em meu corpo, a área fragilmente escondido pelo fino tecido da calcinha que passou a parecer tão desnecessária em meu corpo. Sentindo uma sugestiva elevação de minha frequência cardíaca e o desencadear de um delicioso frio que correu por minha barriga e transformou-se em calor ao atingir a região abaixo de meu umbigo, virei-me de frente para ele, dessa vez sem nada protegendo meus seios, deixando-os totalmente expostos diante de seus olhos famintos, e mãos ainda mais. Um olhar incandescente denunciando suas intenções.
- Cuidado, homem, você está prestes a levar embora o pouco de sanidade que me resta. - aconselhei, brincando com os fios de meus cabelos que caiam em cascatas por meus ombros, capturando sua atenção com cada simplesmente movimento que eu ousava fazer, perto o suficiente da cama para que ele pudesse me tomar para si quando quisesse. 
- Então deixe eu levar. Aproveito e levo sua decência junto. - ele limitou-se a responder, se apoderando de meus sentidos enquanto, pacientemente e lentamente, se aproximava, tratando com esmero cada um deles. Seu cheiro acariciando meu olfato, seus olhos lindos presenteando minha visão, o som de sua respiração ruidosa e próxima aguçando minha audição, segurando seu lábio inferior forte o bastante para que eu pudesse sentir a pressão em meus lábios, assim como seu gosto e, por fim, puxando-me com vigor para os seus braços. Minha pele desprotegida reagindo aos seus toques enquanto meu corpo era cuidadosamente e possessivamente segurado para que Joseph conseguisse me colocar em seu colo sobre a cama, acentuando a velocidade e a necessidade com a qual me puxava para si, chocando nossos corpos. O meu, tão entregue, o dele, injustamente coberto por peças de roupa inúteis. Despreocupado com o restante do mundo, focado apenas naquele momento só nosso, ele não tardou a prender minha cintura em um enlace firme que impulsionava meu tronco para frente, a fim de elevar a fricção.
- Meu marido é tão sexy e sabe ser tão imoral quando quer! - soltei um risinho extasiado, fechando os olhos enquanto sua boca passeava por meu pescoço onde poros eriçados se concentravam. - Eu adoro isso! - embrenhei meus dedos nos cabelos de sua nuca para alinhar nossos rostos, próximos o bastante para que eu conseguisse passar a ponta de minha língua por seus lábios. Pensamentos e imagens libidinosas flutuando por nossas mentes, em conjunto, perfeita harmonia. Por que não? Eu estava atraída por seus movimentos, seduzidas por suas palavras, apaixonado por sua existência. 
Um gemido escapou involuntariamente de meus lábios quando Joseph arriscou-se a levar os seus por meu colo, deixando que sua língua quente tocasse a pele sensível. Jogando a cabeça levemente para trás para que pudesse ter uma visão completa de meu rosto e busto, meu marido tratou de me presentear com um olhar puramente apaixonado, e, por um instante, parecíamos convictos de que éramos o melhor presente um do outro, que não existiam embrulhos sobre o chaise, eliminando temporariamente nossa curiosidade para com ambos. O momento ansiado por minha libido finalmente aconteceu quando o homem voltou a me puxar para perto de si com destreza e fez com que as pontas se nossos narizes se tocassem. Eu tinha uma irrevogável fixação por seu olhar, por seus movimentos observados sem restrições por meus olhos fascinados. Ele exalava uma mescla de bem estar com paixão que brincava sem piedade com meu sistema, despejando quantidades generosas de adrenalina por minha corrente sanguínea, deixando-me a deriva enquanto procurava por minha sanidade. Mesmo sem querer, mesmo com aquele sorriso tão terno que pedia apenas por carinho e beijos afáveis, ele conseguia incendiar meu interior. Mesmo sem tentar, ele conseguir mexer com minhas estruturas, cada pedacinho de meu corpo respondia a qualquer mísero movimento do seu, banhado por uma ansiedade para descobrir qual seria sua reação seguinte. Se seus lábios macios e quentes cobririam os meus, se minha cintura seria capturada por suas mãos possessivas, se nossos corpos se enroscariam sem hora certa para se soltarem. Era essa a sensação que pairava por toda a minha pele ao sentir um sutil toque de seus dedos quentes sobre a mesma, uma expectativa belamente insuportável. Havia algo em Joseph, algo que eu jamais saberia explicar, algo que levava todo o restante do mundo embora, algo que me despertava a incompreensível vontade de viver a vida ao máximo, algo que me enlouquecia sem que eu tivesse controle algum. Beijamo-nos com furor, saciando nossa vontade um do outro sem nos preocuparmos com os segundos que se passavam. Tentei arrancar aquela jaqueta de seu corpo, mas Joe riu durante nosso beijo que ganhou fim em seguida e gentilmente me fez sair de seu colo, colocando-me sentada sobre o colchão. Encarei-o em dúvida, esperando por seu próximo ato. 
- Quero isso tanto quanto você, mas agora é hora dos presentes. - um pouco ofegante, ele se levantou da cama e foi até o chaise, retirando seus dois embrulhos dali, retornando para a cama. Juntei minhas mãos com ansiedade e ignorei o fato de que estava quase nua, afinal, onde eu poderia me sentir mais à vontade do que diante dos olhos de meu Joseph? Exatamente, em lugar algum.
Segurei os dois embrulhos com afeição, examinando-os minuciosamente antes de escolher um para abrir. Tendo um escolhido, coloquei o outro sobre a cama, abrindo com um pouco de esforço o papel de presente e avistando uma embalagem familiar, meu estômago respondeu prontamente, mais do que agradecido. Eram os meus bombons favoritos. Olhei radiante para Joe, que apenas assistia minhas reações como se fosse seu maior objetivo de vida. Abri a caixa de bombons e retirei um deles do compartimento que abrigava vários outros de sabores diferentes, levando-o até minha boca e fechando os olhos para apreciar melhor o sabor, sentindo o chocolate fazer maravilhadas por meu sistema. 
- Você vai me ajudar a comê-los, porque o seu beijo fica ainda melhor com gosto de chocolate. - determinei, pegando outro bombom na intenção de dá-lo a Joe, aproximando-me para colocá-lo em sua boca, selando nossos lábios brevemente. Enquanto ele mastigava, foquei minha atenção no outro embrulho, esse era menor e mais fino, familiar ao toque. Abri-o com sede pela descoberta, livrando uma pequena caixinha retangular em veludo preto do embrulho amassado que agora jazia ao lado de meus pés no chão. - Flores, chocolates e jóias... O que eu faça com você,Joseph Jonas? - o som de sua risada penetrou por minha audição e causou uma espécie de agitação em meu estômago, como borboletas aflitas pela liberdade, batendo suas asas coloridas freneticamente. 
- O que você quiser fazer. - ele garantiu, fazendo referência a si mesmo com as mãos. Após algum tempo de suspense, optei por abrir a caixinha, sentindo meu queixo cair insignificantes centímetros, sabendo que meus olhos brilhavam. Joe se dispôs a colocar seu presente em mim, então retirou a caixinha de minha mão e livrou a jóia da mesma, passando-a por meu pescoço enquanto eu segurava meu cabelo para o lado na intenção de ajudá-lo, ainda admirada com o que meus olhos puderam ver. Ao notar que Joseph se afastou minimamente, levei meus dedos até a região abaixo de meu pescoço, tateando pela jóia. Era um colar de ouro, onde pendiam dois pingentes adornados cada um por uma pequenina pedra de safira, com formas semelhantes as de dois meninos. - Por enquanto, os pingentes presos ao colar são de apenas dois meninos. Mas, veja só... - ao depositar um beijo caloroso em meu ombro, Joseph aproximou os lábios de meu ouvido para que pudesse falar, recuperando a caixinha retangular de veludo com uma mão, enquanto os dedos da outra buscavam por algo em seu interior, retirando dali outros dois pingentes, que me fizeram tentar questioná-los enquanto enxergava ambos extremamente próximos. Um mostrava a forma de um menininho e o outro a de uma menininha. - Acho que teremos de esperar pra descobrir qual desses dois você vai usar junto com os outros. - o pingente cuja figura lembrava uma menininha era detalhado também por uma pequena pedra brilhante, mas essa era de rubi. Um presente tão delicado, tão sublime, de um imediato e enorme significado para mim. Algo para jamais pensar em retirar do pescoço. Ele sabia o quanto família era importante para mim, sabia de minha paixão por ser mãe. 
- Muito obrigada, meu amor, eu adorei! - sorri imensamente agradecida, procurando por um abraço que ele não hesitou antes de conceder. Depois, ergui meu rosto e rocei nossos lábios, deixando que meu olhar silenciosamente lhe dissesse o quanto eu estava realizada por tudo que ainda esperava por nós, principalmente a emoção de mais uma gravidez. 
- Gostou mesmo? Eu não sabia direito o que comprar, fiquei com medo de te decepcionar. - Joe torceu os lábios, contudo, eu só conseguia depositar beijos em seu rosto e região do pescoço, desejando que parasse com qualquer insegurança. Segurei seu queixo e trouxe seu olhar a meu alcance. 
- Você nunca me decepciona. - sussurrei pausadamente, dando a ele a chance de aplicar vários sentidos àquela afirmação, até mesmo maliciosos caso fosse de sua preferência. Seu sorriso radiante me impulsionou a levantar e pegar o outro embrulho sobre o chaise, lembrando-me de que ainda não tinha tido a oportunidade de entregá-lo a Joseph. Eu sabia que ele não se importava com isso, não se importava com presentes. Joseph gostava de me presentear, mas afirmava sempre que possível que presenteá-lo não precisava ser uma obrigação minha. Mas quem disse que dei ouvidos a ele? 
Coloquei o pacote sobre seu colo, examinando suas feições sérias. Imóvel, percebi que seu olhar escorregou até meu busto, onde se manteve por longos segundos, antes de eu balançar uma mão na frente de seu rosto, a fim de retirá-lo de seu momento de distração.
Joe, não vai abrir o presente? - falei em um tom de voz firme, na tentativa de atrair sua atenção para o presente ou qualquer outro ponto de meu corpo, de preferência meu rosto.
- Que presente? - seu olhar continuou vidrado em meus seios, mas Joe abriu um sorriso torto para demonstrar que estava apenas brincando, mas que, sim, queria contemplar meu busto sem pudor. 
- Deixe-os em paz por um instante, sim? Concentre-se no seu presente. - referindo-me a meus seios, pedi com um semblante angelical que provavelmente faria Joseph ceder a qualquer vontade minha. 
- O que eu quero, você não precisa comprar. Aliás, não vai encontrar para comprar, porque já nasceu com você. - rolei os olhos e soltei um longo suspiro, determinando a contrariá-lo.
- Não me venha com desculpas, eu adoro comprar presentes e você não vai mudar isso. - cruzei meus braços em protesto e ergui meu rosto para demonstrar severidade em minha decisão. Ele tinha o dom de manipular as palavras de uma forma que judiava de minhas estruturas, mas não precisava saber e notar isso vinte e quatro horas por dia, certo?
Quando finalmente consegui convencê-lo a dar atenção ao que fazíamos antes, o homem olhou-me como se repreendesse minha teimosia, arrancando um risinho de minha parte, porém demonstrando curiosidade ao puxar rapidamente o laço do embrulho, desfazendo-se também do papel para abrir a caixa vermelha que abrigava seus presentes. O primeiro a ser retirado dali fora um CD protegido por uma capa customizada. 
- É uma música que eu compus para você. Certo, na verdade, você é a inspiração da maioria das minhas músicas, mas essa é especial e única. Fiz questão de me gravar cantando e aí está. - expliquei brevemente, vendo-o demonstrar afeição pelo objeto. - Eu a coloquei como trilha sonora de uma montagem de vídeos que fiz, momentos nossos, os mais importantes, os melhores. Então, você pode sempre carregar esse CD consigo, e quando se sentir sozinho, é só assistir e lembrar que na verdade não está. Eu espero que a distância não nos separe por tempo indeterminado outra vez, mas estou me encarregando de torná-la menos triste se vir a acontecer. - esperei que um Joseph altamente feliz retirasse seus outros dois presentes da caixa, voltando a explicar o motivo de cada um. - Comprei também uma gravata e abotoaduras que achei a sua cara, porque meu Joe fica muito sexy de terno e essa é uma imagem que nunca pretendo abrir mão de ver. E tem mais um presente! - ele revirou os olhos, prestes a resmungar, mas fui rápida ao levar meu dedo indicador até seus lábios, calando-o. Motivando-o com um gesto ágil de mão para que retirasse o último presente da caixa, que consistia em dois pequenos pedaços de papel cortado em forma retangular. Pude ver como seus olhos brilharam assim que ele leu as palavras impressas ali. 
- Ingressos para o show do Muse? Mas não estavam esgotados? - Joseph pediu confuso, apesar de não conseguir refrear sua empolgação. Ergui ambas as sobrancelhas e espalmei as duas mãos sobre o ar, como um gesto de quem acaba de revelar algo importante. 
- Lembra quando o Muse anunciou a próxima tour e os ingressos esgotaram tão rápido que mal tivemos tempo para conseguir comprar? Lembra como você ficou completamente desolado com isso? Bom, a verdade é que eu já havia reservado ingressos e pretendia te surpreender, recebi ambos quando você não estava aqui... - abaixei meu rosto, subitamente envolvida em uma tristeza repentina que não era bem vinda. Então, eliminei aqueles pensamentos de minha mente e voltei a me focar no que importava. O passado, as partes amargas dele, eram irrelevantes. - Sei o quanto quer ir a esse show, então aqui está, dois ingressos de camarote! 
- Obrigado, Demi, você é maravilhosa! - fui surpreendida por suas mãos espertas que me capturaram novamente, enquanto Joe enchia meu rosto, pescoço e colo de beijos em forma de agradecimento. Tentei reprimir os gritinhos nervosos e surpresos que queriam irromper por minha garganta, sentindo-me absurdamente bem. Joseph saiu de cima de mim e estendeu a mão para me ajudar a levantar, para que pudéssemos ficar sentados na cama outra vez. 
(Coloque a sétima música para tocar!)
- Posso ser um namorado romântico antes de puxar você para os meus braços e tornar essa noite inesquecível? - Joseph perguntou em um murmúrio, deslizando seus dedos indicador e médio por minha perna descoberta, imitando o movimento de caminhar de uma pessoa, depositando leves cócegas e calor por onde passavam. 
- O que está esperando? - desafiei-o a continuar, realizar sua vontade. 
Demetria, você sabe que os últimos dias não foram nem de longe fáceis, mas você também sabe que isso não é um obstáculo para você e eu, para nós, para o que temos. Eu tento pensar em como era a minha vida antes de te encontrar, em como eu era antes de te encontrar... - sua mão tomou a minha, entrelaçando os dedos que distribuíam um carinho reconfortante pelas costas de minha mão. - E essas memórias não existem mais. Você levou embora todas as coisas ruins, você levou embora o que eu tanto lutei para esquecer. Assim, sem se esforçar muito, só sorrindo dessa forma incrível e permanecendo ao meu lado. É possível dizer que eu passei realmente a viver a partir do momento em que nossos caminhos se cruzaram. E agora estamos em um único caminho. Eu pretendo percorrê-lo pelo resto de minha vida, e você? - suspirei profundamente, não sabendo como lidar com suas palavras que faziam um bem imensurável a cada mínima célula de meu corpo. 
- Só enquanto você estiver ao meu lado, só enquanto eu continuar respirando, meu amor. - respondi-lhe sincera, assistindo-o elevar nossas mãos entrelaçadas para que pudesse depositar um beijo sobre a minha. 
- Sei que você já deve estar cansada de ouvir esses agradecimentos, mas é algo que eu sinto que preciso dizer todos os dias. Então, mais uma vez, só para que você não se esqueça, obrigado por me salvar. - seu olhar parecia deixar rastros de calor por todas as partes de minha pele em que passeavam vagarosamente. Era incrível como um momento poderia ser tão erótico e emocional ao mesmo tempo, o quanto a harmonia entre nós fazia tudo parecer absolutamente certo e irrevogável. 
- Você realmente acha que é o único aqui a agradecer, não é? Olhe ao redor, olhe para tudo que você me deu. Eu não teria nada disso se não tivesse você. Felicidade plena e infindável. - meus olhos lacrimejaram, mas eu não podia desviá-los dos seus, simplesmente não podia. Era algo mais forte do que. - Nossos filhos... Eu não sei explicar a minha felicidade por ter outro fruto do nosso amor crescendo dentro de mim nesse exato instante. - levei nossas mãos ainda unidas sobre minha barriga nua. - Se você soubesse o bem que me faz, Joseph Jonas. O quanto eu me sinto protegida, amada e em paz com você. A cada dia você se mostra mais forte, mais maravilhoso, mais digno de tudo que está conquistando e do que ainda vai conquistar. Obrigada por me fazer perceber que essa estrada que percorremos será longa, será eterna. Obrigada por fazer com que a cada novo dia eu queira descobrir mais e mais o caminho dela, apreciar a paisagem e aproveitar o que ela me proporciona. Obrigada por ser quem você é e, principalmente, obrigada por me fazer ser quem eu sou. Você tem cada pedacinho de meu coração, você tem a minha alma, você tem a mim. Cada mísera parte dessa mulher extremamente feliz e agradecida pertence a você. - necessitei esconder meu rosto em seu peito quando o choro preso em minha garganta ameaçou retornar, sentindo sua mão acariciar toda a extensão de minhas costas, enquanto seus lábios, aos poucos, acalmavam e traziam uma sensação de alívio por toda a minha pele. - Sabia que você já me faz bem apenas pelo fato de existir? Pelo fato de sorrir para mim, segurar minha mão, beijá-la... Levar seus olhos até mim, me envolver em seu corpo, sempre me beijar como se fosse a primeira e ao mesmo tempo a última vez... - não pude lutar contra a vontade de levantar os olhos e apreciar seu rosto inteiramente. O azul de seus olhos expressivos me encantava de uma forma surreal, arrebatadora, completamente impossível de abdicar qualquer resquício da sensação proporcionado por seu companheirismo e intensidade. - Acho que isso soaria mais romântico se eu não estivesse praticamente nua, mas tudo bem. - o som de sua risada rouca e gostosa de ouvir fora o único som distinguível pelo recinto antes de começarmos a eliminar as peças de roupa que ainda barravam o contato extremo e completo de nossas peles quentes e sedentas uma pela outra. No entanto, quando tudo parecia a favor de nossa paixão entusiástica, o som de uma buzina de carro fez-se presente e arruinou o silêncio que pairava pelo quarto. Joe e eu trocamos um olhar surpreso e, só então, nos lembramos de que Jamie estava em uma festa de colégio. Quer dizer... Já havia retornado dessa festa para a casa. 
Levantamos rapidamente da cama, mesmo com relutância, e eu me abaixei para retirar a jaqueta de couro de Joe do chão, vestindo-a para cobrir meu tronco antes nu. Aos risos e tropeçando pelo caminho que nos levaria até a janela, ele tentou fechar o zíper da calça, ficando ao meu lado enquanto eu afastava as cortinas e fixava os olhos em uma cena inesperada que pude enxergar através do vidro fechado. 
- Oh, meu Deus, o Jamie está beijando aquela garota! - tentei não falar alto demais, apesar de conseguir sentir o tom de uma não muito agradável surpresa em minha voz. Ainda era cedo, provavelmente o relógio marcava algo entre nove ou nove e meia da noite. Mas não fora o horário que fez aquela sensação típica de uma mãe coruja se apossar de mim. Fora o fato de que Jamie, meu menino, tinha os lábios colados com uma garota, Stella, sua acompanhante naquela festa. - Por favor, diz para mim que não tem língua. - pedi urgentemente, semicerrando os olhos para tentar enxergar ainda melhor a cena. Felizmente, para o bem de meu coração materno, parecia um ingênuo selinho duradouro. 
- Esse é o meu garoto! - Joe comemorou, ajeitando-se para poder observar melhor a cena, apesar de que os dois já tinham separado os lábios e agora apenas conversavam timidamente. Na dúvida entre concordar e discordar, optei por estapear seu braço, fazendo-o lançar um olhar assustado em minha direção.
- Isso não é nada legal, ok? Ele é só uma criança. É o meu garotinho que adora Harry Potter! - resmunguei e senti um bico se formar em meus lábios, reconhecendo que era, sim, uma atitude infantil, mas que jogue a primeira pedra uma mãe que nunca ficou apreensiva com o crescimento de seu filho. Que nunca sentiu ciúmes de seu filho que aos poucos demonstra tanto interesse por descobrir o mundo.
Demi, Ele está crescendo... Já tem 12 anos. E... - Joseph hesitou antes de continuar, demonstrando estar calculando o peso de suas palavras seguintes. - Nasceram alguns pêlos no rosto dele há alguns dias. - arregalei minimamente os olhos quando fui capaz de associar aquela revelação com um acontecimento de dias antes, quando Jamie parecia fazer de tudo para evitar que eu visse seu rosto.
- O quê? Puberdade? E por que ele não me disse nada? - perguntei aborrecida, fitando meu filho despedir-se da garota de longos cabelos castanhos e vestido rodado com um beijo na bochecha. Era emocionante, eu não podia negar. 
- Não é algo que um garoto vai correndo contar a mãe. - Joseph, ainda ao meu lado observando curiosamente a cena, explicou, dando de ombros como se não fosse nada de mais. 
- Ele sempre foi adiantado em tudo, até fala como um adulto... Não sei como isso me surpreende. - admiti, afastando-me da janela quando percebemos que Jam já corria pelo jardim para adentrar a casa. O som de seus passos apressados pela escada foi captado por nós, e então ele apenas gritou um “Boa noite pai, boa noite mãe!” antes de adentrar seu quarto e fechar a porta de forma audível. 
- Nossos filhos estão crescendo. - meu marido comentou distraidamente, reflexivo, perdido em divagações sobre o futuro. Não pude evitar e logo fazia o mesmo, imaginando uma sequência de imagens. Imaginando o futuro com todos os seus detalhes, torcendo arduamente para que meus sonhos e os sonhos daqueles que cresciam surpreendentemente rápido diante dos meus olhos, meus filhos, se realizassem durante aquele trajeto. - Então... Onde estávamos?
Logo Joe e eu estávamos jogados sobre a cama novamente, fazendo o que sabíamos fazer de melhor: amar um ao outro.


(Coloque a oitava e última música para tocar... E aproveite as lágrimas!)
Meus olhos testemunhavam diversos sorrisos, diversas memórias, diversos rostos que remetiam o valor de todas aquelas conquistas. Deslizei os dedos pela enorme estante que sustentava uma infinidade de portas retratos com as fotografias de toda a minha família e amigos, enquanto meus olhos se mantinham distraidamente capturados por uma delas, movimentando-se para analisar também todas as outras, analisando cada pequeno detalhe. 
Aproveitei o silêncio que me rodeava e encarei um bonito porta retrato segurado por uma de minhas mãos levemente trêmulas, talvez em consequência de uma mescla entre sentimentos nostálgicos e melancólicos. 
Quentin sorria na fotografia demarcada pelo tempo, envelhecida. Ele estava feliz por estar ao lado de sua filha recém-nascida mesmo por tão pouco tempo. Feliz por estar ao meu lado. 
Respirei fundo e fechei meus olhos com força, desistindo de sustentar aquela amargura pelo fato de não tê-lo por perto. Voltei a encarar o porta retrato e também o urso de pelúcia segurado por minha outra mão, encontrando facilmente um espaço para ambos por entre tantas outras fotografias, tantos motivos para seguir em frente. Sorri ao tocar a superfície do papel fotográfico, depositando em meu coração a certeza de aquele homem sempre estaria olhando por mim, lá de cima. 
Acordando-me de diversos devaneios, Joseph surgiu e me abraçou por trás, dizendo que deveríamos sair logo de casa, caso contrário, nos atrasaríamos. Concordei com um gesto positivo de cabeça e virei-me pela beijar rápida e docemente seus lábios, sorrindo ao observar a maneira despojada como estava vestido. Segui em direção a porta de mãos dadas com meu marido, sabendo que aquele era um dia mágico. O dia de uma importante descoberta
Observando a paisagem ao redor assim que os movimentos do carro cessaram, retirei o cinto e abri a porta para que pudesse deixá-lo, sentindo uma leve brisa brincar inocentemente com a saia de meu vestido que já revelava uma pequena protuberância na região de minha barriga, caminhando com passos rápidos na direção de alguns rostos conhecidos. Joe cumprimentou Dominic, que tinha uma Jennifer sorridente ao seu lado. Karlie e Caleb também estavam ali, mais românticos um com o outro do que estávamos acostumados. Charlotte e Peter conversavam despreocupadamente abaixo de uma imensa árvore, acenando para nós quando notaram nossa presença. Olhei ao longe e também avistei Cassie, que sorriu tristemente para mim, enquanto uma rosa branca era distraidamente segurada por seus dedos. Sorri-lhe amigável, notando como toda a mágoa que um dia fui capaz de nutrir por ela havia se esvaído completamente de meu ser. Não era algo que eu sentia a necessidade de carregar comigo, não mais. Ergui meu rosto para contemplar o céu azul. Coincidentemente, o dia estava maravilhosamente ensolarado. Talvez fossemtodos eles, todos aqueles que perdemos, olhando por nós, trazendo luz a nossos caminhos.
QuentinElizabethJaredo bebê de Karlie e Caleb que partira cedo demais para sequer ter um nome... E até mesmo Joseph. Pessoas que pareciam inalcançáveis naquele momento, pessoas que tentávamos, a cada novo dia, aceitar que não veríamos mais em vida. E, ainda assim, pessoas importantes demais para que suas lembranças fossem apagadas pelo tempo, levadas pelo vento. Aquele era um encontro para homenagear esses entes queridos, uma forma que encontramos de mostrar que eles sempre estariam conosco. 
Eu não tenho uma memória vívida de meu pai, mas sei o que ele fez por muitas pessoas. Sei que, ao contrário do que cresci acreditando, ele foi um homem bom, altruísta. Confesso que gostaria de ter mais uma chance de vê-lo, conversar, agradecer, realmente conhecê-lo... Mas, tudo bem. Tudo bem porque ele teve a chance me conhecer de verdade e provavelmente olha por mim de onde quer que esteja, todos os dias, para sempre. Porque o que define o verdadeiro amor não é apenas o que você vê, o que você toca ou ouve... O amor é o que você sente, é o que te faz enxergar um dia melhor mesmo diante de uma barreira de depreciações. O amor é quando você sabe que contemplaria a beleza do mundo mesmo que estivesse preso na escuridão eterna. E a morte não é mais forte que o amor. Com a morte de alguém querido, não ganhamos o fim. Ganhamos uma prova de que esse sentimento capaz de mover montanhas não se sustenta com base no que a sociedade impõe, mas no que sentimentos. A morte não coloca fim ao amor¹.
Demi... - Joseph desfez o silêncio já duradouro entre nós, enquanto apenas observávamos a paisagem de efeito calmante ao nosso redor, sentados embaixo de uma árvore que nos protegia do sol. Ligeiramente afastados do restante de nosso grupo de amigos que vagava pelo campo. - Acho que chegou a hora. Mas só se você quiser. - fechei meus olhos com força e apertei firmemente meus dedos contra o envelope branco, até então lacrado. Deixei o abrigo que os braços de meu marido formavam ao meu redor e fiquei sentada sobre a grama, trocando um olhar sugestivo comJoe, que não conseguia conter sua ansiedade. Ele sorria feito uma criança repleta de expectativas pelo futuro, sorria de uma forma contagiosa. Sua alegria era contagiosa. 
- Certo, vamos abrir. - fitei o branco impecável do envelope, sentindo meu coração responder à emoção do momento com palpitações determinadas. Aos poucos, em uma calmaria proposital, deixando Joe prestes a ter um ataque de nervos, puxei a folha dobrada antes protegida pelo envelope, desdobrando-a de olhos fechados. 
Quando voltei a abri-los, sem cerimônias, procurei pelo resultado do teste de sexagem fetal pelo qual fui submetida alguns dias antes. Um resultado que brilhou diante dos meus olhos, instaurando uma felicidade imensurável em meu peito. Eu estava boquiaberta, trêmula, sem forças para proferir qualquer palavra, demonstrar qualquer reação. Joseph aproximou-se agoniado, procurando pelo resultado. Lágrimas escaparam de meus olhos, escorrendo uma a uma por meu rosto, enquanto eu levava minha mão até a boca, jogando-me novamente nos braços de Joe, que passou a demonstrar um comportamento muito semelhante ao meu.
Precisei checar o resultado mais uma vez, queria ter total certeza. 

Sexagem Fetal
Material: Plasma materno
Método: PCR

Idade gestacional: 09 semanas
Resultado: Sexo feminino

Uma menina. Havia uma menina dentro de mim, se desenvolvendo e ficando cada dia mais forte e pronta para o mundo. Uma menina. 
Joseph e eu sorríamos um para o outro como loucos, ríamos de nossos estados embasbacados sem medir consequências. O homem ao meu lado parecia prestes a levantar e gritar a informação para que os quatro cantos do mundo pudessem ouvir, tomando-me em seus braços novamente, depositando beijos incessantes por todo o meu rosto, acariciando ternamente minha barriga, na tentativa de sentir qualquer indício uma nova dádiva protegida ali dentro. A prova de que nossos diversos esforços não foram em vão. 
- É a nossa garotinha, Joe! - falei com a voz falha pelo choro, embargada, sem saber como controlar uma emoção monstruosa que crescia gradualmente. Imaginei a reação de minha mãe, de meus meninos, de meus amigos. Imaginei tê-la em meus braços pela primeira vez, imaginei seu primeiro sorriso sendo direcionado especialmente a mim. Existia, sim, uma margem de erro, mas também existia o instinto que afirmava uma verdade agora tão tangível, tão certa. E finalmente eu sabia qual pingente deveria colocar juntamente com os outros dois presentes naquele colar que meus dedos tocavam com tanto afeto. As duas mãos do homem eufórico a minha frente seguraram meu rosto, então nossos lábios se uniram em um beijo vibrante, exatamente como nós. - Meu Deus, eu vou comprar tantos vestidinhos! - desfiz o beijo a tempo de juntar as palmas de minhas mãos feito uma garotinha que não sabe conter a descoberta da felicidade extrema, olhando abobalhada para o céu, largando-me deitada sobre a grama, tendo essa ação imitada por Joseph. O ar parecia impregnado por um frescor que despertava uma distinta sensação de paz por todo o meu corpo. 
- Isso é... - Joe não sabia o que dizer, emocionado demais para se importar com as lágrimas que permitia rolarem por seu rosto, sorrindo de forma altamente valiosa e inesquecível. Na verdade, tudo ao nosso redor parecia extremamente valioso. - Isso é incrível, meu amor. - trouxe-me para mais perto de si. - Eu te amo. 
- Lembra quando me perguntou se eu lutaria com você na última batalha de uma guerra passada? - indaguei desatenta, envolta por meus pensamentos frenéticos, encontrando sua mão postada sobre a grama, segurando-a com firmeza, virando meu rosto para encarar o seu. 
- Sim, eu me lembro. - Joseph respondeu também desatento, os olhos verdes brilhando tanto que era difícil sequer pensar em encarar outro ponto do mundo.
Nós vencemos. - comemorei, negando com a cabeça por um breve momento como se não acreditasse completamente na sorte que tinha. - Nós vencemos e esse sorriso lindo no seu rosto é a prova mais concreta que eu posso ter disso.
Não existia sensação melhor do que o calor reconfortante da certeza envolvendo minha existência. E, dessa vez, não parecia algo passageiro. Parecia parte de mim, uma infindável parte de mim.

¹ - Pequena citação retirada do filme If Only (Antes que termine o dia)

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