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terça-feira, 12 de maio de 2015

Secretary III - Capítulo 26 (Parte 1)

O sol vai nascer
(Coloque para carregar: Angel do Jack Johnson, A Moment Of Peace Jarrod Gorbel, Comes And Goes do Greg Laswell, Hometown Glory da Adele, Soldier do Gavin DeGraw, Waiting On The Light To Change do Matthew Perryman Jones,Drink You Sober do Bitter:Sweet, Future Sex, Love Sounds do Justin Timberlake, Take You Higher do Goodwill & Hook N Sling, Riptide do Emblem3, Good Life do OneRepublic, Marry Me do Train, I Don't Wanna Miss A Thing do Aerosmith,A Thousand Years da Christina Perri, Northern Lights do Cider Sky e Young and Beautiful da Lana Del Rey. Espere os avisos para dar play em cada uma!)



"Hey,
Do you hear, do you hear
That sound?
It's the sound of the lost gone found
It's the sound of a mute gone loud
It's the sound of a new start.
"
(Now Is The Star - A Fine Frenzy)


Cinco meses depois...

Alisei minha barriga redondinha, sorrindo radiante para meu reflexo no espelho. Ah, gravidíssima! 
Eu mal podia acreditar que em breve, em questão de apenas mais dois meses, minha garotinha estaria conosco. Dos quatro habitantes daquela casa, eu não saberia apontar o que demonstrava mais entusiasmo com a chegada de um novo membro em nossa família. Jamie estava sendo muito atencioso e dedicado a mim, sendo um filho maravilhoso e o melhor irmão mais velho do mundo. Matthew, apesar de ainda não entender muito nossa explicação a respeito de todos aqueles acontecimentos, às vezes começava a conversar com minha barriga devido as vezes em que nos observava fazendo o mesmo. E ele não apenas conversava com o bebê, Matt também beijava a área saliente e dizia infinitas vezes "Eu te amo". Já sabia pronunciar perfeitamente. Meu príncipe logo completaria dois aninhos de vida. Mais uma emoção. 
Suspirei ao me lembrar, prestes a vibrar de tanta alegria e ansiedade. Encarei minha silhueta mais uma vez, ajeitando meu vestido e terminando de pentear meus cabelos - agora ultrapassando o meio de minhas costas - que tinham um brilho excepcional e estavam muito sedosos e fortes. Eu agradecia todos os dias à gravidez por aquele mimo em meus fios longos. Por vezes, estranhava todo aquele bem estar. Não tive mudanças drásticas de humor como em minha primeira gravidez, os enjoos matinais raramente se apresentaram, meus desejos de grávida consistiam em apenas muitos bombons e as respostas de meu corpo a todas aquelas mudanças hormonais eram singelas, bem suportáveis. Eu cuidava de meu corpo com dedicação, nunca deixando de usar óleos, cremes, protetor solar e outras regalias essenciais a uma gestante. Minha vida sexual estava muito bem, obrigada. É claro que esporadicamente eu me sentia inchada - apesar de não ter engordado muito, talvez pouco mais que o peso do bebê -, captava esporádicas contrações de treinamento, notava minha autoestima despencar e interferir na alegria até então inabalável. Minhas costas doíam à noite, meus seios pareciam fartos em demasia e desconfortáveis graças a produção de leite, minha cintura tinha ido pelos ares novamente e, sim, chorar era muito mais fácil e oportuno em situações inoportunas. Sem mencionar o fato de que aquela garotinha crescendo em meu ventre parecia rodopiar e dar cambalhotas frequentemente, principalmente quando conversávamos com ela. Quando eu decidia cantar para ela, a agitação se tornava ainda maior, como se o bebê quisesse demonstrar a satisfação que sentia por ouvir a voz de sua mãe soando de forma melodiosa. 
Abri um sorriso, esse ainda maior, ao pensar em Joseph. Eu me lembrava com perfeição de todo o seu apoio, companheirismo e fascinação durante a minha primeira gravidez, e, para a alegria de meu ser, não estava sendo nada diferente na segunda. 
Em outras palavras: eu não tenho absolutamente nada do que reclamar. 
Cuidando dos últimos detalhes de minha maquiagem - evidenciando a minha paixão por batom vermelho - e, após colocar algumas jóias singelas, sentei-me sobre a cama para colocar os saltos medianos e depois vesti um casaco preto e básico, que combinava com o vestido. Minha garotinha chutou outra vez, fazendo-me respirar fundo e acariciar minha barriga, a fim de acalmá-la. Não que seus movimentos constantes me incomodassem, mas eu sabia que a partir do sétimo mês de gestação, tudo poderia acontecer. Era impossível não sustentar uma leve dose de preocupação, apesar de tudo estar excessivamente bem com ambas de nós. O turbilhão de sensações estava sendo emocionante como da primeira vez, do começo ao quase-fim do processo. 
Ouvimos pela primeira vez seu coraçãozinho saudável batendo em um ritmo acelerado e choramos feito idiotas. Comprovamos realmente, com total certeza, que era uma menina. Iniciamos as compras de seu enxoval e decidimos os detalhes da decoração de seu quarto. Começamos a nos preparar novamente para um giro em nossas vidas. 
O único problema, na verdade, era o fato de que Joseph e eu ainda não tínhamos conseguido decidir seu nome rápido como planejávamos - choviam sugestões de todos os lados, mas nenhum nome parecia bom o bastante. Estava se tornando uma situação angustiante para mim, porque eu não gostava de ter algo fora de controle em minha vida, gostava de estar sempre a par de tudo. Precisávamos tomar uma decisão, e logo. 
Assim que fiquei de pé, à procura de minha bolsa, decidi tirar uma foto minha. Eu simplesmente adorava exibir meu barrigão, e teria muitas recordações a mostrar para minha bebê quando ela pedisse para me ver enquanto ainda estava dentro de meu ventre. Joe adentrou o quarto, sorrindo da forma que fazia sempre quando me observava naquele estado: barriguda e feliz. Não me contive e imitei seu sorriso, sentindo-o chegar mais perto. Era possível nossa proximidade ainda me fazer estremecer? Claro que sim. Principalmente porque, ao sétimo mês, eu já estava livre de determinados desconfortos característicos de um início de gestação e minha libido permanecia à flor da pele. O simples ato de meu marido em se aproximar já me deixava alerta. E após inúmeras explicações de minha ginecologista afirmando - pela segunda vez - que uma relação sexual de maneira alguma poderia machucar o bebê, e que, na verdade, mantê-las como sempre era muito saudável, Joseph se livrou daquele receio bobo e nós dois meio que perdíamos o foco do mundo facilmente quando chegávamos muito perto um do outro. Ele adorava minhas curvas de grávida. 
- Como eu estou? - pedi empolgada, dando uma meia volta. 
Mesmo que ainda fosse um pouquinho difícil de acreditar, Dominic e Jennifer estavam noivos. Sim, noivos. Não que eles tenham apressado as coisas, mas os meses que tiveram para restabelecer vínculos afetivos foi o bastante para se darem conta de que não havia motivo para esperar, nem tempo a perder. Naquele dia, Jen, Karlie, Melissa, duas amigas americanas de Jen e eu nos reuniríamos para uma típica despedida de solteira - fiquei feliz por todas nós termos nos entrosado logo e pela reaproximação de Melissa, minha amiga de infância. Nada de clubes exclusivos para mulheres ou aventuras insanas, apenas uma diversão sadia e agradável entre garotas. Aliás, não era como se eu pudesse dançar à noite inteira em uma boate. Isso seria o mesmo que procurar pela indução de meu parto. Cassie também foi convidada, mas alegou não poder comparecer. 
- Acho que linda é uma palavra muito insignificante para você. - o homem olhou pensativo para o teto, fingindo procurar por algo. - Maravilhosa também, mas soa melhor. Minha mulher maravilhosa. - absorvi cada uma daquelas palavras, sentindo cada uma delas adentrar meus ouvidos e seu poder se espalhando por meu interior, deixando-me em êxtase. Talvez fosse só impressão minha, mas aquele homem superava seu próprio recorde de perfeição com frequência. Sua beleza não tinha limites e a cada novo dia aumentava, contribuindo para a eliminação de minha sanidade e de meu fôlego, claro. 
- Acho que sua filha está dançando dentro da minha barriga, Joe. Tenho certeza que ela vai ser uma grande dançarina! - comentei com um sorriso cheio de pompa e ele se divertiu com o que ouviu. - Olhe só para mim... - fiz referência a minha saliência e Joseph aproximou-se, segurando minha cintura com as duas mãos, apenas me olhando fundo nos olhos. - Há um ser humano dentro de mim, me tendo como seu lar, e isso nunca deixará de ser extraordinário, não importa quantas vezes aconteça. - falei, absurdamente confiante e satisfeita com minhas palavras. Era a mais pura e bela verdade. Joseph tocou a área onde o bebê continuava a se mover, sorrindo largo quando captou um daqueles movimentos com sua mão espalmada sobre a região. 
- Gostei da disposição implícita no final dessa frase. - ele comentou interessado, arqueando sedutoramente uma de suas sobrancelhas. 
- Temos um time de futebol para formar, não temos, senhor Jonas? - brinquei, notando como ele ficou sério de repente, como se entendesse aquilo como um notável desafio a ser cumprido. Por fim, o silêncio foi preenchido por nossas gargalhadas simultâneas. Relaxei meus ombros e soltei-me dele por um instante, finalmente encontrando minha bolsa.
- Falo sério. - Joe continuou, firme na decisão de manter tal assunto. - Podemos ter vários filhos, sim. Será divertido criá-los e... - ele voltou a me puxar para si, agora olhando mais fundo em meus olhos, entorpecendo-me com todo aquele azul intenso, brilhante e arrebatador que eram suas íris. Ainda bem que, com o passar dos meses, conquistei total controle sobre meus hormônios enlouquecidos, diferentemente do que ocorreu no início da gravidez. - Ainda mais divertido fazê-los
Beijamo-nos brevemente, mas o suficiente para que a ação arrancasse risinhos cúmplices de ambos. Olhei meu relógio de pulso e percebi que estava um pouco atrasada, então precisava correr antes que Karlie viesse me buscar aos gritos. O combinado seria nos encontrarmos no apartamento de Jen, porque a mesma não sabia sobre a surpresa que havíamos preparado. Torcíamos para que ela fosse fã de longos e deliciosos dias em um Spa, sendo tratada como uma rainha. E nós, é claro, usufruiríamos de tais mimos também. 
- Preciso ir. - agradeci mentalmente por Joe aceitar ter um "dia de garotos" com nossos filhos, abraçando-o antes de deixar nosso quarto. Havia se tornado um hábito me despedir dele daquela forma necessitada desde o dia em que pude tê-lo de volta após nossa turbulenta e atroz separação forçada. Algo dentro de mim implorava que eu precisava senti-lo, inalar seu cheiro e memorizar cada sensação, cada aspecto de nosso contato, caso tivesse que viver sem tudo aquilo por dias, outra vez. Era um medo bobo, visto a certeza que eu tinha de que nada mais poderia nos separar, mas algo que eu não abriria mão.
- Divirta-se e comporte-se. - Joseph alertou divertido, e eu percebi um leve tom de ciúmes em sua voz. Ri minimamente e toquei seu rosto, vendo-o desviar o olhar e se fingir de emburrado. Os cabelos desalinhados de sempre, porém impecavelmente sedutores, capturaram minha atenção por um instante. 
- Ah, vai ser difícil com tantos homens por perto. - minha voz atingiu o auge da inocência, apesar do conteúdo de minhas palavras passar longe da mesma. Encarei o rosto do homem, mordi meu lábio e depois encarei o teto, provocando-o. 
- Homens por perto? - Joe quis saber, desconfiado. Era bom provocá-lo daquela forma, mesmo que minhas intenções não consistissem em nada a não ser o bem que me fazia perceber o quanto ele se preocupava comigo, zelava por mim. Sentia ciúmes de mim. Isso era muito bom. 
- Massagem. - comuniquei, erguendo minhas sobrancelhas sugestivamente, sorrindo ansiosa. 
- Claro, massagem. - meu marido respondeu irônico, reprimindo um riso que claramente sentia vontade de fazer soar e se afastou de mim por um instante. Parecia um garotinho contrariado. - Pensei que eu fosse o seu massagista particular. - eu estava mesmo enxergando o início de um bico em seus lábios? Diverti-me. 
- Vem aqui, meu ciumento! - puxei-o pela mão e firmei meus dedos na gola de sua camisa, unindo nossos lábios com urgência. Senti toda a sua necessidade por mim reverberar naquela troca de carícias, enquanto, aos poucos, nos soltávamos. 
- Não é só porque você está grávida que pode aproveitar desse jeito, mulher. - Joseph avisou categoricamente com sua boca contra a minha, por mais que estivesse claro que ele apenas incitava e estimulava nossas brincadeiras tão naturais, típicas de nós dois. - Você continua sendo minha, só minha. Mais do que nunca e sempre. - seus lábios quentes alcançaram minha orelha, prendendo o lóbulo com seus dentes, arrepiando-me. Desvencilhei-me dele ao espalmar seu peitoral antes que perdesse a hora de uma vez por todas. Uma vez que caíssemos naquela cama, não haveria volta. O restante daquele dia - ainda em seu início - não seria o bastante para nós e nosso... Apetite
- Não se preocupe, eles podem ter as mãos em mim, mas o único coração que eu quero é o seu. - Joe riu, ignorando o início de minha frase, lançando-me aquele olhar tão característico e conciso, altamente desafiador, demonstrando que depois teríamos muito a conversar a respeito de todas as minhas provocações. Isso fazia a ansiedade soprar como uma brisa gélida na boca de meu estômago, desfocando toda a minha atenção para com o restante do mundo. E o bebê, é claro, continuava a acompanhar a agitação do momento com seus chutes. - Não falei sério na parte das mãos. - garanti.
- Meu coração é seu, Demi. Aliás, não há uma parte de mim que não seja sua. - meu marido disse carinhoso e, ao mesmo tempo, malicioso, ajoelhando-se de frente para mim. Ignorando tudo ao seu redor, ele grudou seus lábios em minha barriga, olhando-a como se já conseguisse enxergar cada mínimo traço de nossa pequena, orgulhoso e radiante. Sonhador. Ele depositou três beijos em lugares distintos de meu ventre, rindo entorpecido pela emoção quando sentiu uma ondulação se manifestar abaixo de sua mão espalmada em minha saliência. Um chute de nossa pequena. O homem sorria bobamente, como em todas as outras vezes nos últimos sete meses. Nem o tecido era capaz de barrar o que eu sentia quanto Joseph nos acariciava daquela forma tão amorosa. Precisei registrar aquela cena com uma fotografia, comemorando o fato de estarmos de frente para o espelho. Meu Instagram estava abarrotado de fotos relatando diversos momentos de minha gravidez, assim como diversas viagens e tantas outras coisas. Sendo tão aficionada por fotografia da forma que eu era, não seria nem de longe uma surpresa. - Fique de olho em sua mãe por mim, certo? Depois você me conta o que ela aprontou. - o pequeno ser apreciava a voz de seu pai, visto que sempre que a ouvia eu sentia seus movimentos abrandarem, como se ouvi-lo lhe acalmasse. E, mostrando que concordava com o seu pedido - mesmo que não o compreendesse -, deu um único chute. Um 'sim' bem disposto. - Essa é a minha garota! - Joe comemorou jubiloso ao perceber também, erguendo-se. 
Mesmo que levemente a contragosto, já que passar os segundos curtindo o momento com meu marido pareceu bem interessante, logo me despedi dele e de meus meninos, saindo de cada. Teríamos um longo e divertido dia pela frente. 


Joseph's P.O.V

Olhei entediado para a extensão de meu quarto, perguntando-me o que poderia fazer enquanto Demetria estivesse fora. Apesar de nossos filhos estarem ali, o lugar não era o mesmo sem ela. Algo naquela mulher fazia daquela casa um lugar muito mais aconchegante e bom de se estar. É claro que meu ciúme de minutos antes não passou de encenação, aliás, eu aprovava totalmente que ela saísse e se divertisse com suas amigas. Ela merecia se divertir depois de tantas infortunidades. Demetria havia tido pesadelos envolvendo o meu desaparecimento durante algumas semanas que se estenderam após eu voltar para a casa. Lembro-me de acordar subitamente no meio da noite com minha esposa agarrada a mim, sentindo seu corpo trêmulo e suas mãos tão fixas nas minhas, como se temesse me perder, procurando o meu calor. Eu a beijava, sem dizer nada. Ações falavam muito mais alto. Eu me encarregava de fazê-la se esquecer de qualquer imagem ruim que pudesse ter visto de olhos fechados, pois era com eles abertos que Demi percebia que eu não a deixaria novamente, sob hipótese alguma. 
Então, eu fazia de tudo para não permitir que ela se deixasse abater pela tristeza ocasionada ao recordar trechos do passado novamente. Minha Demetria era ainda mais linda sorrindo, era exatamente assim que ela deveria viver. Sorrindo. 
E, devo admitir, era ótimo vê-la me provocando, insistente na tarefa de me deixar ainda mais ciumento e determinado a cuidar com afeição extrema do que é meu. A forma como minha mulher se divertia com isso era estonteante. Ri sozinho, largando-me deitado sobre a cama enquanto analisava o teto. Passei algum tempo assim, emergido em pensamentos. Decisões a tomar, dúvidas a sanar. Nada que envolvesse minha família, porque, quando se tratava dela, eu não precisava pensar, a certeza era sempre instantânea. Logo decidi tomar um longo banho e me vesti com uma camisa branca e calça jeans, disposta a chamar meus filhos para algum passeio. Talvez o clube, o cinema, enfim, qualquer lugar, apenas para espairecer. Avisei a Jamie que sairíamos logo e fui dar banho em Matthew, acabando tendo que trocar de camisa em seguida. Agora eu sabia bem o motivo de Demi rir tanto dentro do banheiro enquanto dava banho em nosso filho. Minha camisa ficou ensopada, mas vê-lo tão feliz e saltitante durante o banho recompensava tudo, tornava o resto... Apenas o resto. Lembrei-me de quando viajamos para o Havaí meses antes, de como Matt adorou tudo e até chorou quando embarcamos no avião para voltar à Inglaterra. Sem dúvidas, ele gostava muito de água. 
Meu celular tocou estridente enquanto eu me trocava, fazendo-me contornar a distância com passos rápidos e finalmente recolhê-lo. Rolei os olhos ao identificar o número, imaginando o que poderia ter acontecido com o noivo da vez. 
- Como vai, senhor grinalda? - falei bem humorado, ouvindo Dominic apenas bufar do outro lado da linha. Aquele foi um apelido que surgiu durante um sábado à tarde quando levávamos nossas garotas para um passeio, surgiu sem intenção. E permaneceu fixo, talvez para sempre. 
Cale a boca. - ele resmungou. - Primeiro, eu espero que você não tenha nenhum compromisso agora. - franzi o cenho, não acreditando que Dominic atrapalharia mesmo o dia que eu havia programado com meus filhos. - Segundo, espero também que você tenha uma máscara.
- O quê? - perguntei confuso, andando pelo quarto enquanto conversávamos. Dominic emitiu um som negativo do outro lado da linha e se dispôs a continuar. 
Spa? Diversão inocente? - comecei a rir no momento em que ele mencionou aquilo. Sabia bem o que viria a seguir. - Sério mesmo que você engoliu essa, Jonas? 
- E o que você acha que elas estão fazendo ao invés disso? - pedi interessado, mesmo que considerasse aquela paranóia de Dominic bem desnecessária. Certo, ele era um noivo. Eu sabia bem como meu amigo se sentia. Aliás, eu ainda me sentia daquela forma. Ansioso a respeito de tudo. A culpa é de Demetria, nada posso fazer se ela nunca deixa de ser uma novidade estimulante e fascinante para mim. 
Quem é que vai saber... - Dominic disse injuriado, respirando fundo do outro lado. - Você tem uma máscara? - ele retornou àquele assunto, deixando-me confuso novamente. Em que uma máscara poderia ajudá-lo naquela dúvida cruel se nossas garotas estavam desfrutando de uma diversão sadia ou nem tão sadia assim?
- Hm... Não? - falei como se fosse óbvio. - Por que não vai atormentar o Caleb? Talvez ele esteja tão paranóico quanto você. 
Não, cara! Você não entende. Eu... Eu não posso perdê-la. Essa é a minha última vez de fazer dar certo. - não acreditei no que ouvi, desejando que Dominic pudesse ter um pouco mais de confiança em si mesmo e parasse de arruinar planos alheios. 
- Você não vai, seu idiota. E, se não percebeu, já deu certo. - assegurei. - Ela é sua noiva! Ela aceitou subir no altar com um maluco, isso é uma enorme prova de amor. - relembrei, segurando-me para não rir. 
Eu preciso de mais do que isso, então me espere. Estou passando ai e acho bom que você consiga uma máscara! E vista preto. Hoje, meu caro, somos detetives. - antes que eu pudesse pensar em protestar, Dominic encerrou a chamada. Não me preocupei com a tal máscara, apenas me senti mal por ter que dizer aos meus filhos que teríamos de adiar nosso passeio por algumas horas, provavelmente. Dominic me atormentaria até que conseguisse me arrancar de casa. 

Logo McGuinness chegou, e eu não me conformava com o fato de que ele falava realmente sério a respeito da máscara. Explicou-me que suspeitava que Demetria, Jennifer e companhia, na verdade, se refugiariam em algum daqueles lugares exclusivos para mulheres ou, então, levariam "strippers" ao Spa onde estariam. Minha vontade foi de lhe dar um soco e pedir que parasse de besteira, mas quando percebi já estava em seu carro. De preto e óculos escuros. E com uma máscara em mãos, é claro. O que me fez mudar de ideia? Uma pergunta:
- Vai dizer que nunca se perguntou o que as mulheres fazem nessas despedidas? - precisei admitir que, sim, eu nutria certa curiosidade a respeito disso. Não por achar que poderiam estar fazendo algo de errado, mas sim porque homens são mesmo curiosos a respeito de mulheres e, infelizmente, nascemos com isso. Não há como mudar. 
- Vamos logo com isso. - tratei de apressá-lo, mas uma dúvida me fez questionar: - Já que você quer tanto segui-las, por acaso sabe onde estão agora? - Dominic rapidamente revelou um pequeno aparelho, parecido com um celular. Tentei descobrir do que se tratava, sem sucesso. 
- Isso, meu amigo, te salvou do problemático do seu pai. - engoli em seco quando ele mencionou meu pai, mas eu realmente não queria deixar que aquele fisgar em meu peito retornasse. Arquivar acontecimentos ainda recentes demais para cair em total esquecimento me pareceu a opção mais viável. E foi o que fiz, imediatamente. - Foi mal, cara, eu não quis... - Dominic negou com a cabeça, como se estivesse repreendendo a si mesmo. 
- Eu sei. - afirmei antes que ela terminasse, demonstrando interesse pelo aparelho. - Onde conseguiu isso, Sherlock?
- Caleb me emprestou. - meu amigo sorriu, maligno, fazendo-me questionar a sua sanidade. - Coloquei o outro no carro da Jennifer, sem que ela percebesse. 
- Qual é o seu problema? - pedi inconformado com aquela informação, gargalhando dele. - Tudo bem, Dominic, eu entendo, você está prestes a se casar e isso de certo modo apavora um homem, mas a Jennifer espera uma viagem de lua de mel, não uma ida precipitada ao hospício para visitar o marido que tem um parafuso a menos. 
- Fique quieto, você não estaria aqui se isso não te interessasse. - ele ralhou, obrigando-me a concordar. Parcialmente. 
- Você não confia nela? - perguntei com cautela, temendo que Dominic pudesse surtar de uma vez e acabar batendo o veículo. Eu não confio na direção dele. - É só massagem, Dominic. - falei despreocupado, encarando as ruas através da janela. 
- Pelo visto, meu bom homem, você nunca assistiu The Client List. Acho que estamos lidando com uma situação parecida, só que invertida. - Nic explicou como se fosse algo brilhante, como se fosse um habilidoso detetive. Encarei-o descrente, com ambas as sobrancelhas arqueadas. 
- O que a Jennifer pensa a respeito de você assistindo essas coisas? - arrisquei, reprimindo outro riso.
- Nós assistimos juntos, cara. E, acredite, foi uma ótima ideia... - ele compartilhou, sugestivo. Ri na mesma hora, sem mais condições de evitar, meneando negativamente com a cabeça. Dominic me olhou sério, confirmando que meu riso havia o deixado afrontado. 
- Vocês precisam assistir essas coisas para... - pausei minha fala, fazendo gestos com a cabeça e as mãos. Ainda rindo. É claro que era tudo brincadeira de minha parte, mas o nervosismo de Nic não permitia que ele percebesse isso, tornando a situação ainda mais cômica. - Que decepção, McGuinness! E aquilo nem é pornografia! - fingi estar alarmado, escondendo minha diversão por ter obtido êxito na tentativa de deixá-lo mais irritado. Eu jamais poderia considerar algo como aquilo com Demetria. No final das contas, daria no mesmo se a televisão estivesse ligada ou desligada, já que eu não conseguiria deixar de olhar para minha mulher; ela roubaria toda a minha atenção para si, com todo aquele seu jeito injusto e irresistível de me tentar. 
- Continue acreditando que pode tirar com a minha cara só porque é o meu padrinho, Jonas. Continue. - Dominic alertou, focando sua atenção nas ruas. Ele continuava firme na decisão de seguir sua noiva. 
- Esse é o espírito. - falei despreocupado, logo notando que havíamos chegado ao prédio onde Jennifer residia. Um veículo familiar revelou-se do estacionamento localizado no subsolo, e foi possível identificar que aquelas eram as mulheres que procurávamos. Digo, que Dominic, o maluco, procurava. Encarei a máscara em minha mão, perguntando-me onde ele havia conseguido aquilo. Ela era negra e esconderia nossos rostos totalmente. Aquilo era sério? Nós nos disfarçaríamos de strippers e tentaríamos nos infiltrar em um Spa?
Quando chegamos ao mesmo, comprovei o que sempre soube: não havia nada de anormal ali. Mas, mesmo assim, nós continuamos com o plano. 
Admito, seria interessante ver a reação de Demetria, por mais que eu já imaginasse qual seria.

/Joseph's P.O.V


Fechei meus olhos e suspirei satisfeita enquanto desfrutava da bela massagem que um dos massagistas do Spa realizava em meus pés. As macas especiais a minha frente estavam ocupadas por minhas acompanhantes e todas elas também recebiam semelhante agrado. A decoração era feita em tons claros, muito aconchegante. Havia música ambiente e um aroma relaxante que revestia todos os cantos do recinto. Garçons circulavam por todos os lados servindo bebidas homeopáticas e sucos naturais, assim como funcionários demonstravam sempre interesse em nossa opinião a respeito da hospitalidade que recebíamos. Eu vestia um roupão branco e macio, observando minhas amigas que momentos antes estavam se divertindo com estolas de penas, anéis pisca-pisca e até um mini véu para Jen. Coisinhas comuns em despedidas de solteira. Até brindar nós brindamos. Bebi meu suco despreocupadamente e notei que uma das funcionárias se aproximava incerta, esfregando as mãos enquanto parava bem a minha frente, insinuando que tinha algo a informar. Lancei-lhe um olhar questionador, sentindo meus pés deixarem de ser tocados por um instante.
- Há dois rapazes que afirmam ter um... - ela procurou por palavras adequadas, enquanto Jennifer pedia um segundo ao seu massagista e erguia seu tronco para prestar atenção no que se passava. - "Serviço especial" a oferecer. - troquei um olhar repleto de dúvida com minha amiga. 
- Às vezes acontece, algumas despedidas de solteira contam com... Essas coisas especiais. Por isso achei melhor perguntar a vocês. 
- Strippers? - Melissa investigou de imediato, porém com um sussurro, vendo a moça confirmar com um aceno. 
- Ah, não! - Jennifer choramingou, visivelmente inconformada com o que acabara de ouvir. 
- Nem olhem para mim, eu não tenho nada a ver com isso. - Karlie defendeu-se quando recebeu três pares de olhares analíticos sobre si. Realmente, ninguém ali tinha solicitado tal serviço.
- Mande os dois embora, eles podem ser sequestradores, psicopatas, ou... - Jen enumerava nos dedos, inquieta, até que foi interrompida por uma Karlie tranquila em excesso, chegava até a ser estranho. Talvez fosse efeito da massagem que ela recebia em suas costas. 
- Ei, paranóica! - atraiu a atenção de Jen. - Estamos em um Spa, então respire fundo e relaxe. - a morena recomendou baixinho com uma voz melodiosa, enquanto eu juntava as informações em minha mente e abria um largo sorriso.
Eles teriam mesmo sido capazes disso?
- Quer saber? - mirei meu olhar sobre a funcionária outra vez, decidida a tomar aquela decisão. - Deixe que entrem. - Karlie me olhou e tinha uma pergunta explícita naquele olhar. Tem certeza?- Acho que sei com quem estamos lidando. - concordei sugestivamente com a cabeça para minhas amigas, que logo ergueram suas sobrancelhas e sorriram maliciosas, compreendendo perfeitamente o que eu queria dizer. 
Não demorou muito até que dois seres vestidos totalmente em preto e com máscaras que ocultavam completamente seus rostos surgissem em meu campo de visão. Depositei minha bebida sobre o apoio próprio e pedi gentilmente que minha massagem fosse interrompida outra vez. As meninas continuaram imóveis, fingindo que ainda não tinham notado tal presença tão... Sublime. Sim, eu tinha certeza. Eram eles. Os dois pararam um pouco distantes de nós, tentando aparentar um comportamento condizente com a situação, totalmente relaxados. 
Adiantei-me a levantar da confortável poltrona onde estava e brinquei com o laço de meu roupão, tentando barrar os risinhos que já subiam por minha garganta. 
- Olhem só o que temos aqui, meninas. - meu tom de voz foi alto o suficiente para que todas escutassem. Aproximei-me mais de um dos homens, aquele que eu reconhecia mesmo com aquela máscara, perguntando-me quem teria tido aquela ideia. Jennifer e Karlie demonstraram desinteresse, permanecendo da mesma forma de antes. - Olá, rapazes. - passei pelo outro, dando alguns passos e indo parar ao lado do anterior. Circulei seu corpo uma vez, pronta para repetir a ação, analisando-o dos pés a cabeça, deixando claro que todo o "pacote" me agradava muito. E como não agradaria? Ele continuava em estado de inércia. - Minha nossa, como você é sexy! - dei outra volta completa ao redor do homem, parando atrás dele. Sem hesitar, levei minha mão repleta de segundas intenções até suas nádegas, apertando uma delas com vontade. Ele deu um passo para frente, surpreso com o meu gesto. - Vejam só isso, que maravilha. - analisei entretida, pousando minhas duas mãos sobre os ombros dele, iniciando uma leve massagem. Fiquei nas pontas dos pés, chegando mais perto de sua orelha. Como ele pretendia me enganar sendo que se esquecera de um detalhe importantíssimo: seu perfume tão marcante e único? Muita, muita ingenuidade. - Eu adoraria te levar para casa comigo... - aproximei meus lábios de sua orelha, perto o suficiente para que eles se roçassem na pele presente ali, prendendo-a ligeiramente. Um sorrisinho de vitória moldou meus lábios quando avistei os poros eriçados. - Joe.
Demetria, sua estraga prazeres! - o outro homem reclamou audivelmente no exato instante.
- Eu discordo. - Joseph respondeu prontamente ao retirar a máscara e demonstrar alivio por finalmente poder retirá-la, sorrindo em resultado de seu comentário anterior. Encarei-o com interesse, notando como um sorriso galanteador e ao mesmo tempo sem graça foi revelado por entre seus lábios. Neguei com a cabeça, apesar de ter gostado do acontecimento. É claro que ambos estavam curiosos para com nossos planos femininos naquele dia. 
Karlie levantou-se e retirou as duas rodelas de pepino localizadas em seus olhos, olhando para os dois com uma descrença expressa em suas feições não mais tão relaxadas. 
- Vocês dois se superaram na idiotice. Principalmente você, Dominic. - ela negou com a cabeça, por fim risonha e inconformada ao mesmo tempo, voltando a se estirar sobre a maca confortável e cobrir seus olhos com os pepinos. Jen olhava boquiaberta a cena, duvidosa a respeito de se levantar ou continuar estática onde permanecia. 
- É tão fácil assim me reconhecer, Demi? - Joe pediu sorridente, aproximando-se. 
- Meu amor, eu reconheceria isso em qualquer lugar. - voltei a tocar uma de suas nádegas, deixando-o ligeiramente acanhado, mordendo meu lábio inferior com um brilho mal intencionado em meu olhar. 
Jen decidiu se levantar e foi até Dominic, que a olhava meio decepcionado, meio envergonhado, sem saber o que dizer. Joseph e eu assistíamos os dois. Afinal, éramos os padrinhos. 
- Quanta preocupação, McGuinness... - a loira provocou, conferindo as vestes pretas de seu noivo. 
- Eu só queria ver como você estava. - Dominic disse romântico, fazendo meu marido rir alto.
- Mas que hipócrita! - Joseph disse em um audível e incrédulo tom de voz, fazendo-me rir, assim como o restante das mulheres.
- Não acabe com a minha moral, seu intrometido. - o loiro ameaçou, mas Joe deu de ombros e voltou a focar suas atenções em mim. Observou o massagista que antes cuidava de meus pés e depois ergueu seu queixo, fingindo estar descontente outra vez com algo. Analisei suas feições fechadas, esperando que viesse a próxima queixa. Porém, senti que precisava provocá-lo antes. De novo.
- Você interrompeu minha massagem maravilhosa. - cruzei os braços, olhando-o seriamente. - Espero que tenha uma muito melhor a oferecer quando eu chegar em casa. - alertei categórica, notando meu marido romper a distância entre nossos corpos e unir nossos lábios em um longo selinho.
- Espere ansiosa. Muito, muito ansiosa. - respondeu convencido, exalando aquela tentadora sedução que eliminava qualquer resquício de resistência. 
- Já que está aqui... - passei meus braços por seus ombros largos, alisando seu peitoral encoberto pela blusa preta, não deixando de admirar como o preto lhe caia bem e como seus olhos estavam brilhantes naquele dia. Sempre uma novidade, mesmo sendo algo tão frequente. Algo diário, eu diria. - Não posso deixar de reforçar mais uma vez que ser sua esposa faz de mim a mulher mais feliz e mais sortuda do mundo. - beijei-lhe apaixonadamente, tocando meus dedos sobre a pele de seu rosto, sentindo a textura levemente áspera devido aos indícios de uma rala barba. 
- Acho oportuno voltar a afirmar: espere ansiosa pelo momento em que vai chegar em casa. - ele beijou meu pescoço rapidamente, simplesmente para eriçar meus poros. Sorri com isso, notando que seus dedos brincavam com o laço de meu roupão. - Agora eu vou te deixar em paz e voltar para casa, planejei sair com nossos filhos e ainda dá tempo. - adorei ouvi-lo dizer aquilo de forma tão animada. - Aproveite sua massagem. - fingiu falta de interesse e, pronto para se afastar, desistiu assim que ouviu:
- Se ter paz significa estar longe de você, então eu a desprezo completamente. Ela só me interessa se eu puder compartilhá-la com você. - sua resposta foi um sorriso de tirar o fôlego e pronto para maltratar minhas estruturas, então ele logo virou as costas largas e atrativas para mim e se afastou com Dominic em seu encalço, que olhava apaixonadamente para Jennifer. Nem se parecia mais com o homem de antes. Eu estava feliz pelo casal. 
Todas nós rimos quando os dois já tinham ido embora, retornando a nossas atividades relaxantes de antes. Ainda teríamos um apetitoso almoço e uma tarde repleta de surpresas para a noiva. 


Terminei os últimos retoques de minha maquiagem e escolhi as jóias que usaria, conferindo meu penteado após colocá-las e borrifando um pouco mais de perfume sobre meus pulsos. Admirei meu reflexo no espelho, apreciando a forma como aquele vestido havia se moldado bem a meu corpo de grávida. Após colocar alguns pertences dentro de uma clutch, calcei os saltos e desci para a sala, no aguardo dos outros três habitantes da casa. Joseph de smoking. Jamie de smoking. Matthew de smoking. Os três homens de minha vida trajando smokings primorosos e ofuscando tudo ao redor. Era impressionante como estavam bonitos. Devo ter tirado uma centena de fotos enquanto sorria bobamente para cada um deles, tentando a todo custo segurar minhas lágrimas. Joe olhou radiante para os filhos, descendo o olhar para seu próprio corpo, erguendo-o até mim e adotando uma expressão pomposa. O dia do casamento de Jennifer e Dominic havia chegado. Meu marido e eu seríamos os padrinhos. Não preciso dizer o quanto amo casamentos, preciso?
- Os homens Jonas marcando presença com seus smokings. - Joseph se gabou, enquanto eu ria e assistia Matt vir até mim. O pequeno estava sonolento, mas eu sabia que logo se animaria e esqueceria tal desconforto. Ajeitei sua pequena e adorável gravata borboleta, contemplando seus cabelos penteados para trás, feito um homenzinho. Levantei e fiz o mesmo com Jamie, negando com a cabeça e dizendo a eles que não sabiam alinhar bem suas gravatas borboleta. 
- Não tão apertado, mãe! - Jam resmungou, divertindo seu pai. Respondi apenas com um arquear de sobrancelhas, vendo-o sorrir para mim daquela forma jovial que não o largaria nem quando tivesse seus vividos quarenta e tantos anos. Seu semblante era angelical e algumas sardas marcantes aos arredores de seu nariz contribuíam para a sua beleza, fazendo-me imaginar a alvoroço que causaria no universo feminino. Em breve. Ele e Joe tinham feito a barba juntos naquele dia. Se é que meia dúzia de pêlos na face pode ser considerada uma barba, no caso de Jam. 
Por fim, foi a vez de meu marido. Ele olhava firme em meus olhos enquanto eu tinha minha concentração presa em sua gravata, espalmando minhas mãos sobre seu peito e alisando seu smoking.
- Para onde estamos indo, ursinho? Você sabe? - pedi empolgada, virando-me e vendo Matt olhar para o pai e depois para mim, pensando em sua resposta.
- Festa do Nic e da Jen! - respondeu prontamente, revelando seu lindo sorriso falho. - Bolo! - ele disse empolgada, então eu me perguntei quem havia sido o responsável por desencadear toda aquela empolgação. Levei a mão até meu peito, novamente lutando contra lágrimas. Encarei o teto e abanei a região de meus olhos, convicta na decisão de que não arruinaria minha maquiagem tão bem feita e trabalhosa. O clima agradável me permitiu escolher um vestido leve, porém bem elegante e adequado a ocasião. Eu estava ansiosa para chegar logo à igreja, ansiosa para contemplar a decoração que eu prontamente ajudei a ornamentar, assim como na área onde a recepção aconteceria. Minha mãe trabalhava com eventos e adorava, então toda aquela afeição por decoração meio que estava em meu sangue. Nós duas cuidamos dos detalhes mais importantes. Ajudamos Jen a escolher as flores, o bolo, as músicas e outras coisinhas mais. Quanto ao seu vestido... Ah, eu mal podia esperar para vê-lo. Era o vestido que ela mesma havia desenhado quando tinha apenas quinze anos, mas já sabia que se casaria com exatamente aquele modelo, sem chance de mudar de ideia. 
Segurei a mãozinha de meu bebê e nós cinco deixamos nossa casa, rumando para o carro de Joseph em direção a igreja. 

Dei uma leve batidinha na porta de uma saleta, onde se encontrava a noiva que havia acabado de chegar. Meu queixo caiu pouquíssimos centímetros quando notei como ela estava absurdamente deslumbrante, semelhante a uma verdadeira princesa. Abraçamo-nos rapidamente, antes que lágrimas inconvenientes surgissem. Era incrível olhar para Jennifer e sentir que aquela era uma pessoa em quem eu poderia confiar cegamente. Eu jamais me esqueceria do quanto ela me ajudou quando passei por um dos períodos mais escuros de minha vida. Sem dúvidas, fazer amigos era uma experiência maravilhosa e eu estava satisfeita por tê-la em minha vida. 
- Eu te proíbo de estragar sua maquiagem. - ralhei à ela, fingindo não limpar os cantos de meus olhos a cada cinco minutos. Nós rimos, contudo, Jen não conseguia esconder seu nervosismo. Segurei uma de suas mãos, notando como tremia, e sorri com o máximo de confiança que pude, dizendo-lhe com um olhar brilhante que tudo daria certo. 
- Ninguém nunca fez algo assim por mim. - eu tinha certeza que ela se referia a toda a organização de seu casamento, todo o apoio que lhe dei sem hesitar. - Para falar a verdade, eu não me lembro de ter amigos que se importam tanto comigo. - ela falava com os olhos marejados, firmando o aperto entre nossos dedos. - Mas agora tudo está tão bem... - minha amiga respirou fundo e se concentrou na felicidade que obviamente dominava seu interior, enviando qualquer inquietação para o espaço. - Eu devo uma generosa parte da minha felicidade a você. Você é a pessoa mais altruísta que eu já conheci, você é única. Eu me sinto sortuda por poder dizer que Demetria Jonas é minha amiga. - emocionada com aquelas palavras, mirei meu olhar em um ponto qualquer para tentar esconder minha emoção. Estar grávida e em um casamento não é uma combinação boa para o meu emocional. - Obrigada, Jonas. - Jen imitou seu noivo, arrancando risos de minha parte. Ajudei-a com os últimos detalhes de sua maquiagem e com seu véu e grinalda, vendo-a se olhar embasbacada no espelho. Virou-se para mim, negando com a cabeça como se não acreditasse em seu próprio destino. - Demi, eu vou me casar... - sua voz falhou ao pronunciar a última palavra. - Com o Dominic, o único homem que eu realmente amei. Que eu amo.
- Jennifer Dawson, você deveria ter me avisado que não teria pena das minhas emoções, então eu poderia ter pensado em trazer uma caixa de lencinhos hoje. - caímos na gargalhada novamente, enquanto eu limpava uma lágrima que escorria por sua bochecha. - Sim, você vai se casar com o homem que ama e vai ser muito feliz. Não existe nada melhor do que ter uma família. 
Sem mais cerimônias, o grande momento se aproximava furiosamente. Deixei-a sozinha, alegando com um último olhar que eu estaria ao lado do altar, muito satisfeita por ser testemunha de sua felicidade. 
Caminhando pelo corredor, foi inevitável não fazer uma viagem ao tempo e me recordar do momento em que troquei alianças com meu Joe. 

Passei com passos apressados ao lado de uma outra porta entreaberta, uma saleta localizada nos fundos da igreja somente para noivos, padrinhos, pais e o pessoal do local. Captei meu nome ser chamado e cessei meus movimentos, examinando a fresta na porta para me certificar que a voz vinha dali. Empurrei-a levemente e percebi que se tratava de Dominic, que andava de um lado para o outro do local, totalmente pronto para abrir um buraco no chão. Cruzei meus braços e franzi meu cenho, esperando que ele compartilhasse sua inquietação. Encarei um relógio de parede e percebi que, seja lá o que estivesse acontecendo, seria bom que o noivo conseguisse contornar. Afinal, o atraso é uma regalia da noiva, certo? - E se eu estragar tudo? Não posso fazer isso, não posso! Eu quero ser o pai dos filhos daquela mulher! - Dominic congelou seus movimentos e lançou aquela pergunta no ar, havia muito receio e insegurança em sua voz. Aproximei-me e toquei seu ombro, notando que ele realmente precisava ouvir algo que aquietasse seu medo. 
- Só se você quiser estragar, Nic. É o que você quer? - perguntei olhando em seus olhos, vendo-o discordar energicamente com a cabeça. 
- Claro que não, Jonas. - o homem tomou fôlego e se afastou, voltando a pisar por cada milímetro do chão da saleta. - Eu vou me casar... É só que isso é um pouco assustador. - abri um meio sorriso, compreendendo seu estado. 
- Então arrume essa gravata e vá para o altar, por favor. - aconselhei com firmeza na voz e fiquei satisfeita por ele ter aceitado minha sugestão de imediato. - E é claro que é assustador, na verdade, é como andar de montanha russa. Expectativa, medo, adrenalina... Até que você se dá conta de que não poderia ter tomado decisão melhor. 
- O quê? - ele pediu inquieto com sua gravata que parecia fiel na intenção de não se formar em um nó. Neguei com a cabeça, sinalizando para deixar tudo que eu disse para lá. Após ajudá-lo com a gravata, lembrei-me de um detalhe, algo que ele precisava muito saber. Com certeza lhe daria forças. 
- Se você soubesse como ela está linda... - comentei sorridente. 
- Que ótimo, a noiva é minha e você a vê primeiro que eu. - o homem ralhou mal humorado, até que conseguiu ajeitar suas vestes devidamente. 
- São tradições, Dominic. - relembrei.
- Blah, blah, blah. - rolei os olhos em resposta a sua infantilidade, ouvindo alguém me chamar do corredor. 
- Ande logo, ok? Nunca te disseram que quem se atrasa é a noiva? Vê algum vestido branco por aqui? - olhei ao redor, negando com a cabeça. - Não? Pois é, nem eu. - Nic respirou fundo e concordou. - Faça ela feliz. E seja feliz também. Muito. - desejei com toda a sinceridade, vendo-o ficar novamente inseguro por um instante.
- Como foi que você descobriu que esse é exatamente o meu propósito? - nós dois rimos. - Eu vou, sim, Jonas. As duas coisas. Pode confiar. 


Joseph's P.O.V 

O que Dominic ainda fazia dentro daquela sala?
Entrei a passos largos no recinto, dotado da típica preocupação e falta de paciência que pertence somente a um padrinho. Notei que o homem encarava a própria imagem no espelho. Chamei-o, vendo meu amigo piscar os olhos lentamente, aparentando espanto com sua realidade, como se estivesse adquirindo crença nela apenas naquele momento. Quando se virou e tomou conhecimento de que era eu quem estava ali, começou a repetir infinitas vezes a frase que havia se tornado seu mantra oficial. "Eu vou me casar!" 
Incomodado com seu estado que não apresentava alteração alguma e com o ponteiro do relógio que se mostrava veloz, aproximei-me dele e, sem pensar, estapeei seu rosto. Não tive a intenção de feri-lo, apenas tentava trazê-lo de volta ao planeta Terra. Dominic fechou os olhos e ficou imóvel por um instante, com o rosto virado para a direção impulsionada. Tentei não rir. Tentei. 
- Qual é o seu problema? - ele falou terrificado, alto demais e eu pude jurar que o homem estava prestes a se entregar a um choramingo. - Se você não fosse o meu padrinho, eu retribuiria agora mesmo essa demonstração desonrosa de violência. - dei de ombros e depositei minhas duas mãos sobre seus ombros, na tentativa de tirá-lo daquela espécie de transe que o dominava a cada cinco segundos. 
- Você está a um passo do altar, meu amigo. A um passo de ser um homem casado. - abri um sorriso, porém Dominic não me acompanhou. - Acorde para a vida, McGuinness. É uma das melhores decisões de sua vida, acredite em mim. - falei com toda a certeza do mundo, feliz por saber que cada uma daquelas palavras continha total veracidade. 
- Eu vou quebrar a sua cara se essa afirmação não for verídica, saiba disso desde já. - ele ameaçou estreitando os olhos, afastando-se e, repentinamente, abriu um sorriso corajoso e determinado. Não sei por que, mas foi naquele exato momento que uma lembrança fez com que, instantaneamente, eu começasse a rir. Foi algo tão repentino e desnecessário que o homem a minha frente deveria estar se perguntando se sua loucura momentânea de segundos antes era de fato contagiosa. 
- Do que você está rindo? - Nic pediu irritado.
- Eu disse que faria isso quando estivesse no seu casamento, não se lembra, senhor grinalda? - ele sorriu negando com a cabeça e essa foi a confirmação de que, sim, meu amigo se lembrava e, sim, não poderia estar mais arrependido pelas burradas ditas tempos atrás. 
- Sim, você disse. E disse também que pagaria para ver... - meu amigo estendeu a mão com a palma para cima em minha direção. - Cadê a minha grana, Jonas? 
- Um tapa só não foi o suficiente? - ameacei fingindo estar surpreso, rindo em seguida. Ele me acompanhou. 
- Aliás... Obrigado por ter me dito aquilo, Joe. Você é um babaca, mas não deixa de ser o meu herói. - apontou categórico para mim, então nós nos abraçamos e eu dei tapinhas amigáveis em suas costas. Por fim, pedi com um gesto exagerado de mão que ele se apressasse. 
Ainda bem que McGuinness estava tendo a chance de consertar seus erros do passado. 
Mais do que ninguém, eu sabia o peso que uma oportunidade como essa exerce na vida de alguém. Era, sem dúvidas, uma chance de ouro. Uma conquista colossal. 

/Joseph's P.O.V

And, baby, you're all that I want
When you're lying here in my arms
I'm finding it hard to believe
We're in heaven
And love is all that I need
And I found it there in your heart
Isn't too hard to see?
We're in heaven.


Os últimos acordes de meu violão soaram, preenchendo todas as direções do amplo salão de festas onde a recepção acontecia. Sorri quando recebi uma empenhada salva de palmas dos convidados e instantaneamente meus olhos focalizaram o rosto de Joseph, onde ele permanecia sentado com Jamie, Karlie, Caleb e Matthew em seu colo. O homem não desgrudava os olhos de mim, sugerindo com as íris injustamente bonitas que eu deveria deixar o palco e me sentar ali com ele. Entreguei o violão para alguém da equipe de som, afastei-me do pedestal dourado e desci os quatro degraus da escada localizada no palco que me separava do restante das diversas mesas ornamentas com vasos de cristal adornando arranjos de gardênias brancas. Toda a decoração - destacando o branco e o dourado - fora feita com muito esmero pelo Buffet de minha mãe, já reconhecido por toda Londres. Toda a parte de filmagem e fotografia ficou por conta de Peter, agora, de verdade, um fotógrafo profissional. A cerimônia, como imaginei, foi linda e impecável. Após Karlie e eu pedirmos para todos os homens se retirarem da parte da igreja destinada aos noivos - já que todos estavam reunidos e Dominic não poderia ver Jennifer -, eles tentaram protestar, então Matt me olhou com um lindo bico feito em seus lábios, demonstrando que não queria sair dali. É claro que eu me derreti com aquela carinha tristonha e tão adorável, chamando-o com a mão para ficar comigo: "Menos você, ursinho, vem aqui com a mamãe!
Todos os homens responderam ao meu feito com uma frase inconformada "Ah, qual é, ele é homem também!", mas eu apenas dei de ombros e caminhei até a saleta de Jen de mãos dadas com meu menino. 
Joe e eu entramos juntos na igreja, e eu nunca saberia explicar aquela sensação. Ele caminhava sorridente e admirável por toda a extensão do local, nossos braços entrelaçados. Senti-me no paraíso por estar ao lado de alguém tão extraordinário em todos os sentidos possíveis da palavra. A emoção de caminhar por uma igreja se fez presente novamente, forte e palpável, como se nunca sentida antes.
Jennifer e eu nos entreolhamos quando ela fez um gesto com o dedo indicador, apontando na direção onde minha mãe conversava com Owen, o seu pai. Um grisalho "boa pinta", segundo Karlie - ainda bem que Caleb não ouviu aquela parte da conversa. Os pais de Jen se divorciaram quando ela ainda era criança, e de acordo com o que minha amiga relatava, eles não guardavam mágoas um do outro. Inclusive, a mãe de Jen também estava ali, felicíssima devido ao casamento de sua filha única. 
Era bom ver minha mãe socializando, conhecendo pessoas novas. 
Juntei-me a minha família na mesa redonda e extensa, recebendo felicitações pela música que cantei. Observei os garçons transitarem de um lado para o outro e meu estômago roncou.Estávamos com fome. 
- Sexy e talentosa... Não acha isso um pouco injusto? - a voz brincalhona de meu marido soou calorosa de se ouvir. Soltei um risinho envergonhado, pedindo que ele parasse de me bajular tanto, caso contrário eu não conseguiria me desfazer do sorriso imutável e isso faria as minhas bochechas reclamarem mais tarde. 
- Disse o homem cujo eu não sei ressaltar a melhor qualidade, tamanha a dúvida entre todas elas. - falei piscando os olhos sedutoramente, divertindo-o. Ficamos conversando com privacidade quando o casal ao nosso lado sumiu de vista e Jamie foi na direção da mesa onde estavam minha mãe, Peter e Charlotte. Joe iniciou leves carinhos circulares com seu polegar pela pele de meu braço, que se arrepiava com cada mínimo toque, sussurrando alguns conjuntos de palavras ao pé de meu ouvido, deixando-me ansiosa para chegar em casa. 
Matthew estava inquieto no colo de seu pai, querendo capturar todos os objetos presentes na mesa com suas mãozinhas ávidas. Retirei um fio teimoso que pousou em sua testa e o devolvi ao restante deles, penteados para trás. A semelhança me espantava, principalmente quando pai e filho permaneciam juntos, tão próximos. Os olhos, os cabelos, as feições, os smokings quase idênticos... Meu coração bombeava sangue para o restante de meu corpo com afinco, seus batimentos eram vertiginosos e eu sabia que isso se relacionava a toda aquela emoção que definia minha existência. 
Após os quitutes de camarão e legumes, canapés caprese de ricota com azeitonas pretas e cottage, fricassê de frango e vol au vent com recheios variados como entrada, juntamente com uma infinidade de bebidas variadas - vinho para Joe e suco natural para mim -, o jantar foi servido e todos começaram a comer. No entanto, eu simplesmente não pude deixar de observar o prato de meu marido, perguntando-me o motivo de nossas refeições serem distintas. Tentei evitar, mas ao encarar meu prato, tudo que permiti transparecer em meu semblante foi desinteresse. 
- O que é isso? - pedi com uma voz curiosa, apontando para o prato de Joseph, notando minhas glândulas salivares trabalhando mais do que o recomendado. Ele olhou para mim, como se desvendasse o que se passava, e riu assim que terminou de mastigar. A refeição dele parecia bem mais atrativa que a minha, que consistia em Caesar Salad, arroz de amêndoas e medalhão de filé mignon ao molho Béarnaise ou algum outro mais requintado, eu não saberia definir sem antes degustar. 
Influências da gravidez.
- Salmão ao molho de maracujá, batatas Sauté e acho que isso aqui... - ele examinou uma porção de pequenos grãos com o garfo. - É arroz tailandês. - respondeu enquanto analisava o alimento.
- Está bom? - pedi unindo minhas sobrancelhas, sentindo meu estômago roncar outra vez. Desejos, desejos, desejos...
- Sim, muito bom. - seu tom de voz satisfeito foi o bastante para confirmar o que eu já imaginava. 
- Ok. - não consegui evitar e fiz um beicinho discreto. Logo Joe percebeu e começou a rir novamente, empurrando seu prato praticamente intocado em minha direção. 
- Aqui está, Demi, é seu! - Joseph ofereceu generoso, mimando-me e incentivando um sorriso de minha parte. Ao trocarmos nossos pratos, não tardei a começar a comer, empolgada e feliz por poder saciar meu apetite com algo que parecia - e realmente estava - muito saboroso. 
- O que eu faria sem você? - toquei-lhe a mão posta sobre a mesa, acariciando-a com meu dedo polegar. Gostaria de saber porquê todas as vezes em que eu olhava para ele, sentia aquela enorme expectativa para o futuro me consumir completamente. Como se eu não tivesse forças e capacidade para esperar pacientemente pelo mesmo, como se precisasse tê-lo naquele exato momento. O simples e inevitável ato de observar Joseph e nossos filhos me cativava, fazia-me tentar buscar formas de controlar aquela ansiedade tangível e aproveitar um dia de cada vez, ao mesmo tempo em que fazia de tudo para mantê-la firme ao meu ser. Eu era simplesmente apaixonada pela sensação promovida pela expectativa do que a vida ainda reservava, e tinha certeza que lutaria com todas as minhas forças para fazer daquele conjunto de acontecimentos as melhores experiências possíveis. 
O restante da festa se estendeu divertidíssima. Jennifer jogou o buquê e, graças aos grandes esforços para se manter na frente das outras mulheres, Karlie o pegou. Caleb foi motivo de risadas maliciosas por isso, afinal, era bem óbvio que eles finalmente estavam conseguindo lidar com um relacionamento. Talvez logo tivéssemos mais um casamento. Joseph levantou-se enquanto eu conversava distraidamente com minha mãe a respeito do enxoval de meu bebê, deixando seu smoking comigo. E só percebi qual era a sua intenção quando ouvi o baque de algo contra a água de uma piscina que fazia parte da decoração exterior do salão, então olhei através de uma das janelas largas do local. Os homens da festa tinham jogado o noivo ali. 
Repreendi Joe por se aproximar e tentar me abraçar todo molhado, ouvindo a gargalhada tão característica de Matt, que não se importava com os pingos de água que eram lançados por todas as direções. Logo fomos para a casa, sendo os últimos convidados a deixar o local. Dormi assim que esparramei meu corpo cansado sobre a cama naquela noite, tendo a certeza de que a única escuridão presente em minha vida daquele dia em diante seria a sagrada escuridão da noite, impecavelmente adornada pela claridade da lua e o brilho das estrelas. 


Acordei cedo no dia seguinte, não sendo capaz de conter meu entusiasmo por se tratar do dia em que eu seria submetida a um ultrassom 4D. Era sempre bom poder receber mais detalhes a respeito do desenvolvimento de meu bebê, e, é claro, derramar algumas lágrimas enquanto meus olhos maravilhados contemplassem seus movimentos e seu rostinho. Observei o semblante repleto em calmaria de meu marido adormecido, tentada a tirar uma foto dele. E foi o que fiz. Peguei meu celular, posicionei-me próxima do homem, sorri e registrei o momento, por mais que soubesse que ele não aprovaria totalmente o fato de que eu tirava fotos dele enquanto dormia. Ri sozinha com a hipótese, percebendo que era melhor me focar no que importava, antes que nos atrasássemos. Joe resmungou enquanto eu fazia de tudo para tentar acordá-lo, desde remover totalmente os edredons que aqueciam seu corpo, passar minha mão gelada por seu abdômen, fazer as pontas de meu cabelo tocarem seu rosto - causando-lhe cócegas - e até mesmo fingir que sentia contrações progressivas, vendo-o praticamente saltar da cama. Gargalhei com aquilo, recebendo uma chuva de beijos por todo o meu rosto como vingança. Tomamos banho, nos vestimos rapidamente e tomamos café, já que estávamos ligeiramente atrasados para o meu exame. Gostaria de ter chamado Jamie para nos acompanhar, mas preferi deixá-lo curtindo seu sono, afinal, ainda era bem cedo. 
Joseph e eu chegamos à clínica exatamente na hora do ultrassom. Como previsto, nos emocionamos muito e foi espetacular poder vê-la novamente, agora completamente formada. Perfeita. Ela abriu e fechou seus olhinhos diversas vezes, balançou as perninhas, brincou com o cordão umbilical, bocejou, soluçou - senti quando aconteceu -, escondeu seu rostinho com as mãos como se soubesse e estivesse vergonhosa por estar sendo observada, fez bico e cara de choro, mostrou a língua para nós e, posso jurar, deu um leve sorriso também. Meu coração batia forte e feliz dentro de meu peito, por vezes parecendo grande demais para minha caixa torácica. Era impossível controlar meu estado emocionado naquele momento. Joe bem que tentou, mas não estava muito diferente de mim. O amor fluindo por minhas veias criava uma barreira impermeável contra tudo que pudesse me prejudicar, impossibilitando martírios como desgaste emocional e sofrimento por memórias amargas acumuladas em minha mente. Eu poderia estar com dores esporádicas nas costas, nas pernas e poderia também estar me sentindo enorme, mas nada era mais precioso e poderoso do que o vínculo valioso fortalecido ali, entre nós. 
Durante a manhã, assim que deixamos a clínica, insisti para Joe me acompanhar nas compras do que ainda faltava para o enxoval. Divertimo-nos muito, compramos mais do que deveríamos e acabei até encontrando um body amarelinho muito gracioso adornado pela estampa "Mommy's little shopper" com uma pequena bolsa de compras pendurada por entre o traço da letra "R", umcom asas de anjinho e outro com uma estampa dedicada a Joe, semelhantes ao que compramos para o enxoval de Matt. Por que não homenagear ambos de nós, certo?
Assim que retornamos a nossa casa, Joe se trancou no quarto que pertenceria a nossa filha e pediu que eu não tentasse investigar o que ele fazia lá dentro. Concordei, determinada a praticar alguma atividade física após uma boa refeição para saciar não apenas o meu apetite, como o de minha filhinha também, buscando de todas as formas preparar meu corpo e mente para o parto cada vez mais próximo. Vasculhei por roupas adequadas em meu closet, vestindo-as e fazendo um rabo de cavalo firme em meu cabelo. Estava na hora da boa e velha yoga. Após preparar minha pele, já que um sol firme brilhava no céu, vasculhei pelos instrumentos necessários e logo encontrei um espaço perfeito para o que pretendia. Espalhei o tapete texturizado a uma curta distância da piscina e coloquei a bola de ginástica próxima a mim, juntamente com uma garrafa d'água e uma toalhinha de rosto. Sentei-me com as pernas cruzadas sobre o tapete e dei início a seleção de músicas relaxantes e apropriadas àquela prática em meu iPhone, mentalizando quais asanas - vulgo: posições - poderia praticar estando com aquele barrigão. Eu não imaginava mais minha vida sem a yoga, principalmente durante os períodos de gestação. Os benefícios eram inúmeros, o simples ato de praticá-la todos os dias em horários definidos contribuiria até mesmo para que eu tivesse um parto mais tranquilo e uma recuperação mais rápida. É claro que eu gostava de frequentar centros especializados e realizar as atividades com a ajuda de instrutores, mas já estava experiente o bastante para saber me virar bem sozinha. 
Concentrei-me em minha respiração, controlando a entrada e saída de oxigênio de meus pulmões, otimizando-a. Permaneci com os olhos fechados e a postura padrão para meditar, visualizando momentos passados e futuros, criando uma conexão com meu bebê, passando-lhe o máximo de confiança e serenidade possível. Senti o vínculo entre nós se fortalecer ainda mais. Logo após, me dispus a começar a me mover, então escolhi, como primeira posição do dia, a Trikonasana, ou Posição do Triângulo. Com o tempo decorar os nomes estranhos é uma consequência. 
Foquei meus pensamentos e concentração no que fazia, mantendo a posição por um tempo até trocá-la, iniciando outra e continuando com a sequência cronometrada. Abri apenas um de meus olhos quando ouvi dois pares de passos próximos e o som da voz de meu Matt, sentando-me novamente sobre o tapete enquanto os recebia com um sorriso. 
- Olá, meus amores. - cantarolei, abrindo meus braços para receber um Matt que vinha a passinhos rápidos em minha direção. Jamie sentou-se ao meu lado no chão e observou a cena.
- Matt disse que queria conversar com a nossa irmã. - arregalei meus olhos e olhei surpresa para o pequeno, que concordou animado com a cabeça. 
Quelo ver baligão da mamãe! - não pude deixar de me divertir com o que ouvi, especialmente na parte do baligão. Toquei minha barriga, sentindo os movimentos mais suaves naquela manhã, e com minha mão livre encontrei a de Matthew, levando-a até a região. Soltei-a, vendo como ele, sozinho, acariciava toda a extensão de minha barriga e não escondia um sorriso satisfeito. 
- Diz oi para a sua irmãzinha, meu ursinho lindo. - senti um chute. - Olha, ela está dizendo oi para você! - Matt abriu a boca em sinal de surpresa e olhou com os olhinhos arregalados e curiosos para mim, soltando uma gargalhada. Logo Jamie não resistiu e acabou fazendo o mesmo. 
Definitivamente, aquele bebê seria muito paparicado quando chegasse ao mundo. E com razão, afinal, seria a responsável pela divisão da coroa de "mulher" em nosso lar. 
- Oi, nenê! - Matthew disse baixinho, aproximando-se ainda mais da saliência e tocando a região com seus lábios. Fiz um carinho em seu rostinho. Como a vida podia enriquecia a minha felicidade de tantas formas distintas? Era surreal. 
- Está ansioso? - perguntei interessada a Jamie, que abriu um largo sorriso e concordou determinado.
- Muito! E eu espero que ela seja parecida com você, mamãe. - arqueei uma sobrancelha, apreciando o que ouvi.
- Parecida comigo? Será que vocês vão conseguir lidar com uma Demetria e uma mini Demetria? - rimos quando terminei de falar, e Jam deixava claro que, sim, eles saberiam lidar perfeitamente bem com isso. 
- Vamos, é claro. Somos os Jonas e os Jonas são capazes de lidar com qualquer coisa. - prestei atenção em suas palavras, captando diversos significados. Sim, meu filho tinha razão, os Jonas eram fortes. 
- O que você quis dizer com isso, rapazinho? - pedi desconfiada, vendo-o dar de ombros.
- O que eu quis dizer é que você é uma pessoa muito forte, então nós temos que ter essa força também para sermos dignos de ficar ao seu lado, porque a sua força é e sempre será um grande exemplo. Principalmente para mim. 
- Por acaso você veio do planeta da perfeição, garoto? Não é possível! Vem aqui! - puxei-o para perto também, acariciando seus cabelos escuros, embasbacada com suas palavras. E grata por elas, também. Imaginei como seria conversar com Jamie quando ele tivesse, talvez, seus vinte e poucos anos. Absolutamente incrível. 
Nossa conversa foi interrompida quando um Joseph eufórico surgiu de uma das janelas do primeiro andar da casa, chamando por mim. Levantei-me rapidamente, ansiosa para saber do que se tratava. Meu marido pediu que eu me encaminhasse até a escada, então, após chamar meus filhos, segui suas instruções.
- Feche os olhos. - Joe pediu durante a tentativa falha de refrear um sorriso, porém permanecendo totalmente misterioso. Lancei-lhe um olhar questionador.
- Por quê? - eu não sabia lidar com surpresas, era um fato.
- Sem perguntas, Demetria Jonas. Só feche os olhos e confie em mim. - mesmo quando minhas pálpebras atenderam ao seu pedido, Joseph se posicionou atrás de mim e utilizou de sua mão para retirar parcialmente minha visão, conduzindo-me delicadamente degrau por degrau. Percebi quando tínhamos chegado ao corredor e notei que o nervosismo já começava a dar indícios de sua presença, minhas mãos irrequietas não encontravam uma direção certa, mas felizmente eu logo soube que estávamos onde Joseph queria. - Não abra os olhos ainda, só quando eu mandar. - ele pediu e pude perceber como sua voz continha um alto teor de empolgação. Sua mão abandonou a região de meus olhos e senti uma leve agitação no ar, indicando que ele havia se afastado momentaneamente de mim. 
- Posso abrir? - pedi manhosa e impaciente, não aguentando mais aquela escuridão proposital.
- Só um segundo... - silêncio inconveniente. - Pode abrir. 
Preferi realizar a ação de me devolver a visão lentamente, enxergando borrões rosados até que, por mim, ela estabilizou e, como se imaginasse, fixou-se exatamente onde meu marido planejava. O berço branco de nossa filha estava ali, impecável diante de meus olhos, montado. Eu gostaria que Joe tivesse me deixado ajudá-lo com isso, mas ver a expressão de orgulho em seu rosto enquanto admirava o mesmo foi o bastante para que eu me sentisse completa. Olhei imensamente agradecida para o homem à minha frente, dando passos delicados pelo chão do quarto, admirando cada mínimo detalhe com meticulosidade. Ergui meu rosto e avistei o lustre de cristal, assim como as estrelas fluorescentes rodeando uma meia lua presa ao teto. Ficaria incrível à noite e, com certeza, faria meu bebê dormir melhor e ter bons sonhos. Meu foco seguinte foi uma das paredes - de uma tonalidade de rosa mais clara que o restante delas e que contava com a pintura de um jardim com direito a belas flores e borboletas voando. Trabalho feito por uma amiga de Jennifer que veio diretamente de Nova York para a nossa casa em Londres. Eu sabia que meus olhos brilhavam e minha boca permanecia entreaberta em sinal claro de surpresa. Deslizei meus dedos pelo material do berço, depois me dirigi até os espaçosos e embutidos armários brancos que lembravam um mini closet, onde todas as suas roupinhas, sapatinhos e pertences já haviam sido organizados e reorganizados dezenas de vocês. Uma infinidade de vestidinhos e macacões. De todas as cores e modelos. Desde os de verão até os de inverno. Dos mini biquínis aos casaquinhos de lã. Bonecas de pano, ursos de pelúcia, livros infantis e belas fotografias minhas durante a gestação sobre prateleiras brancas e delicadas; murais com repartições pelas paredes para suas futuras fotografias e um tapete rosa felpudo acariciando meus pés, assim como um enorme urso de pelúcia caramelo com laço lilás colocado em um dos cantos, um bouncer e um tapete colorido e fofo que seria o seu cantinho de brincar. Havia também o banheiro exclusivo para ela, cujo enfeite na porta se tratava de uma mini ursa de pelúcia trajando um mini roupão rosa. Segurei lágrimas, sentando-me na poltrona para amamentar com apoio para os pés na cor branca. Dali eu tinha uma visão ampla de tudo, inclusive de Joe, que se escorou na parede e cruzou os braços, prestando atenção em mim. 
- Eu já te disse o quanto você é linda, Demi? O quanto é ainda mais linda, assim, gerando nossa filha? - senti meu rosto esquentar ao ouvir suas palavras, encolhendo meus ombros para tentar controlar a nova onda de ansiedade e emoção que me tirava do chão, elevando-me a um paraíso particular. 
- Já, mas pode continuar dizendo, não me importo em ouvir isso infinitas vezes. - nos dois rimos, deslumbrados. - Eu sempre soube que essa seria a nossa vida de verdade, como ela deve ser e com tudo que temos direito. Repleta de alegrias e conquistas. Acho que apenas precisávamos passar por inúmeras tempestades cruéis para descobrir, compreender e valorizar o quão sortudos nós somos, meu amor. 
- E valeu cada segundo. - ele completou.
- Cada segundo. - repeti com imensa convicção presente em minha voz. 
Meu marido se aproximou e tomou uma de minhas mãos para si, erguendo-a e distribuindo carinhos aconchegantes pela pele. Olhei-o diretamente em seus olhos verdes. 
- Agora, sim, eu estou tendo a oportunidade de te fazer feliz como venho planejando desde sempre. 
- Desde sempre, é? - indaguei convencida, arrancando outro riso bem humorado dele.
- Sim. - Joe beijou o dorso e por fim os dedos de minha mão, um cavalheiro. O meu cavalheiro. - Desde sempre, antes mesmo de te encontrar. E que dia de sorte foi aquele, não? - franzi meu cenho, por mais que quisesse me entregar ao momento de romantismo, contudo, uma vontade repentina falou mais alto. - Já sei... - Joseph adiantou-se a falar, soltando minha mão e analisando meu semblante.
- Pode trazer bombons para mim? - pedi com direito a piscadinhas rápidas para evidenciar meus cílios, voz e feições angelicais e um olhar esperançoso, de forma que seria impossível ter o pedido recusado. - Não me olhe assim, é mais forte do que eu! - expliquei tristonha. Meu marido concordou com bastante disposição, eu diria. 
- Você está esperando um bebê, mas sendo tratada como se fosse um. - ele disse divertido, fazendo-me sorrir presunçosa. - Ainda bem que dessa vez seus desejos são bem fáceis de realizar. - comentou aliviado, beijando meus lábios comprimidos em um bico. - Exceto pela vez em que você acordou de madrugada querendo uma torta holandesa e eu tive que tentar fazer uma porque não encontraria nada aberto àquela hora da noite. - Joe relembrou, demonstrando apreciar tais lembranças. 
- Seu espermatozóide vencedor, sua tarefa de me agradar. - gracejei cheia de pompa, encarando minhas unhas. - E aquela torta estava ótima! - foi inevitável não ficar com água na boca ao relembrar. 
- Não posso concordar, Demi, porque você não deixou sequer uma fatia para que eu experimentasse. - foi a vez de meu marido nutrir nossa brincadeira, fingindo uma expressão tristonha, ameaçando deixar o cômodo às pressas quando eu insinuei me levantar, pronta para me vingar de tal menção. Uma mentira, por sinal. Nós dividimos a torta! Imagine um casal grávido comendo torta holandesa às quatro da manhã. 
Logo ele me deixou sozinha no quarto de nossa filha, mas voltaria em breve com meus amados bombons. Enquanto isso, fiquei ali, envolta por devaneios. Por vezes ainda incapaz de acreditar que aquela era realmente a minha vida. Era bem mais do que eu havia sonhado acordada durante noites em claro. 


Durante a tarde, recebemos uma visita inesperada. Desci com cuidado as escadas quando ouvi vozes na parte térrea da casa, me deparando com Joseph sentado em um sofá e meu tio Philip em outro. Talvez eu não tivesse motivos para ter ficado alarmada com o seu aparecimento, afinal, seu semblante era calmo como sempre. Sorri gentil para ele, que se levantou e então nós trocamos um breve abraço. Philip comentou de minha barriga e perguntou animadamente sobre o bebê, então ele voltou a se sentar e eu o segui, ficando ao lado de Joe. 
- O que faz aqui? É a primeira vez que vem nos visitar. - comentei surpresa, vendo-o concordar com a cabeça, porém erguendo seu dedo indicador em um sinal de que tinha uma boa explicação a dar. 
- Realmente, mas hoje eu vim por um ótimo motivo. - ele se explicou e Nancy surgiu com uma bandeja que sustentava xícaras de café, a depositando sobre a mesinha a nossa frente. Com um gesto afirmativo de cabeça, dei liberdade a Philip para compartilhar seu ótimo motivo. - Eu quero comprar a sua parte do hospital.
Estreitei meus olhos, trocando um olhar confuso com meu marido. Não fazia muito sentido o que o médico dizia, porque, segundo o conhecimento que eu tinha a respeito daquele hospital, o mesmo pertencia inteiramente a ele. O fato de ter sido um desejo de meu pai que eu ficasse com metade de sua conquista não fazia de mim realmente dona dela. O mérito era todo de Philip.
- Não entendo, Philip. - protestei, vendo-o estreitar os olhos. - Você não precisa comprar algo que já é seu. Nada está no meu nome. Aliás, se for preciso e de sua vontade, eu posso assinar o que for necessário e te conceder a minha parte. - notei a alteração em minha voz ao pronunciar a palavra "minha", porque realmente soava muito impróprio. Philip negou com a cabeça, deixando claro que não concordava com a minha opinião.
Demetria, metade do Saving Grace sempre foi sua, tendo documentação que comprove isso ou não. Quentin a deixou para você, é uma herança. Fora o hospital, você é a única parte de meu irmão aqui na Terra, a única pessoa que me fez aceitar melhor a morte dele, pois sei que um pedaço seu continua aqui. - prestei atenção em seu desabafo, apertando meus dedos unidos contra meu colo enquanto raciocinava a respeito de tudo que ouvia. Senti-me um pouco abalada e emocionada com suas lamentações, por mais que não demonstrasse.
- Não é justo. Você dedicou toda a sua vida àquele lugar, que direito eu tenho de exigir alguma coisa em troca de parte dele? - senti Joe se aproximar quando notou que eu começava a me alterar. Não por raiva, mas por, infelizmente, lamentar aquelas circunstâncias. Eu queria que meu pai estivesse vivo, feliz, salvando vidas em seu hospital. 
- Eu quero fazer isso até o último dia de minha vida, sabe? - Philip recomeçou, sorrindo enquanto olhava para um ponto vago do cômodo. - Aquele hospital é a minha vida, na verdade, mas eu quero tê-lo totalmente para mim sabendo que a pessoa para quem parte dele foi deixada também está fazendo algo bom. Eu ouvi sua conversa com o Joseph meses atrás, depois que você cantou para as crianças. - surpreendi-me, porém permaneci em silêncio. - Se você quer tanto fazer algo pelo mundo, pelas pessoas, deixe-me te ajudar. Veja só: se você aceitar me vender sua parte no SG, terá fundos para criar seja lá o que pretende criar. E eu estarei muito satisfeito por ajudá-la. - ele abriu outro sorriso, induzindo meu cérebro a processar as informações e tentar chegar a uma conclusão. Uma decisão. Mas, mesmo assim, ainda não parecia correto. Abri a boca para respondê-lo, mas não consegui emitir som algum. 
Diante vários porta retratos do outro lado da sala, consegui me focar apenas em um deles. O que exibia a foto de Quentin e eu quando recém nascida. Pensei novamente em meu pai. Pensei no que vi naquele hospital; as crianças ganhando luz em suas vidas depois de muito tempo presas na escuridão da incerteza a respeito de um amanhã que talvez não estivesse disponível para elas. Pensei no sonho de meu marido em se tornar médico, por mais que ele subitamente não tocasse mais nesse assunto. Pensei no que eu queria. E o resultado foi uma total desordem de pensamentos acumulados. 
- Eu não sei. - foi a única coisa que consegui proferir. 
- E você, Joseph, já se decidiu? - respirei aliviada quando, pelo menos por um instante, pude ser apenas uma ouvinte naquela conversa. Observei o rosto de meu marido e notei como de repente ele pareceu inquieto com algo, sem saber o que e como responder.
- Ainda não. É mais complicado do que parece. - Joseph disse por fim, sério. Nós compartilhamos um olhar e depois ele abaixou ligeiramente seu rosto, escondendo seu olhar repleto em confusão de vista. 
- Eu entendo. Não tenha pressa. E saiba que meu hospital sempre estará de portas abertas para você caso se interesse pela pediatria. - Joe concordou com um simples aceno, demonstrando não querer mais manter aquele assunto. 
O som da campainha novamente soou, desfazendo a concentração que eu tentava manter para chegar a algum acordo em minha mente. Nancy abriu a porta e foi minha mãe quem enxerguei. Prendi o ar em meus pulmões durante o frágil instante em que ela e Philip trocaram um olhar. Eu nunca havia presenciado um encontro entre ambos. Philip ajeitou-se onde permanecia sentado, porém mamãe continuou onde estava, ao lado da porta. Um pouco em choque, surpresa com o rosto que via. Troquei um olhar receoso com Joe e fui até ela, abraçando-a como sempre fazia toda vez que nos víamos. Perguntei baixinho se estava tudo bem, vendo-a concordar com um tímido aceno de cabeça. Eu não gostava de vê-la daquela forma, insegura e presa a lembranças do passado. Gostaria muito que mamãe renovasse seus sonhos e buscasse a felicidade novamente. Ela se dizia feliz, mas sua alegria era em consequência das conquistas e da felicidade própria de seus filhos, não algo totalmente seu, feito para si. Analisei seu rosto por um instante, todos os detalhes presentes ali. Nem o tempo fora capaz de afetar e minimizar aquela beleza, algo que eu admirava desde que me conhecia por ser humano. Algo que eu torcia para ser genético, pois não me importaria em continuar bela aos quarenta e três anos, assim como ela continuava. Bom, sua cintura fina eu havia herdado - por mais que ela não estivesse tão fina naquele momento devido a gravidez. Seus cabelos claros em um tom dourado estavam presos em um coque elegante e seu corpo saudável que trajava um vestido azul - cujo comprimento beirava seus joelhos - a fazia parecer bem mais jovem. Eu queria vê-la feliz, era um dos meus maiores desejos. Queria que ela pudesse, quem sabe, amar e ser amada novamente. Merecia mais do que ninguém e, como dizem, não existe idade para amar. Enquanto a vida é uma certeza, inalcançável é somente o que não existe. 
E se ela soubesse o tamanho do orgulho que Peter e eu tínhamos dela... 
Pedi a mamãe que me acompanhasse até o sofá e me surpreendi quando, mesmo hesitante, ela concordou e revelou um sorriso singelo. Philip levantou-se para cumprimentá-la, enquanto Joseph e eu mal piscávamos os olhos, determinados a não perder um detalhe sequer daquela cena. 
- Quanto tempo, Sue. - ele disse gentil, sem conseguir esconder um sorriso. Provavelmente ambos compartilhavam lembranças em pensamento. O que seria do relacionamento de minha mãe e Quentin se Philip não tivesse ajudado? 
- Realmente, faz muito tempo. - ela disse serena, evitando manter o contato visual. Voltou a olhar para mim, sem saber o que realmente fazer, mas se manteve firme. 
- Eu vou ver se o Matthew já acordou, volto logo. - Joseph avisou pedindo licença, desaparecendo escada acima. 
Demi, eu vou até a cozinha pegar um copo de água. - mamãe levantou-se e mesmo que ela soubesse que Nancy poderia trazer sua água, escolheu caminhar até a cozinha. Ela não estava confortável com a presença de Philip. Qualquer um poderia notar. Até mesmo ele. Joseph retornou com Matt em seu colo, voltando a se sentar ao meu lado. O médico conversou um pouco com ele, demonstrando seu jeito notável com crianças e depois me olhou como se quisesse dizer algo. Mamãe ainda não havia retornado da cozinha, e eu não sabia se ela o faria até que meu tio fosse embora. 
- Algum problema? - arrisquei, tentando não parecer inconveniente. 
- Nada, eu só me lembrei do que não deveria ter lembrado. É só isso. - respondeu agilmente, dando a entender que queria se livrar daquele assunto. Algo em seu tom de voz me instigou, mas optei por deixar de lado. Não era da minha conta, certo? - E então, Demetria, aceita minha proposta? - Philip escolheu mudar de assunto, voltando a demonstrar seu interesse naquela questão. Desejei ter mais tempo para pensar, para poder conversar com meu marido, porque decidir sozinha seria um pouco assustador. - Eu sou um cirurgião cardiotorácico de sucesso, modéstia a parte. Já estive em alguns bons lugares do mundo realizando cirurgias complexas, participando de pesquisas milionárias e tenho alguns prêmios para enfeitar a parede de minha casa. Eu sei o que estou pedindo e espero que você entenda o quão importante tudo isso é para mim. - houve uma pausa em sua fala, onde pude encontrar um generoso silêncio para debater internamente. - Não aceito um 'não' como resposta, que fique bem claro.
Suspirei e, assim que tive um olhar confiante de Joseph mirado exatamente na direção do meu, conflituoso, liberei o ar de meus pulmões e tentei me fazer acreditar que novas portas se abririam com a aceitação daquela proposta. Se ele não tivesse a intenção de comprar a outra parte, não me procuraria, simplesmente tomaria direitos por motivos óbvios. Eu o admirava muito, admirava sua habilidade e preocupação com a vida, e talvez Philip pudesse me ajudar com o que eu queria. 
Eu sabia que meu pai, onde quer que estivesse, não se aborreceria comigo por tomar tal decisão. Ele sabia quais eram as minhas intenções, eu tinha certeza. Quentin tinha plena convicção de minha vontade de fazer algo. Qualquer coisa que tornasse o mundo ao meu redor tão bonito quando o meu mundo particular estava sendo. Todo dia eu sentia o seu amor, como se ele o enviasse dos céus. 
- Tudo bem, eu aceito. - ao me ouvir, o médico demonstrou satisfação, estendendo sua mão para que pudéssemos selar um acordo. Com o tempo resolveríamos todos os detalhes daquela questão. Philip levantou-se, dirigindo seu olhar até a extensão do cômodo, próximo ao corredor que conduzia até a cozinha. Ele ajeitou sua camisa e respirou fundo, pronto para se despedir. Cerrei meus olhos, desejando descobrir o motivo de tudo aquilo. Mas não foi possível. Assim que meu tio se despediu de Joe e de Matt, eu o acompanhei até a porta e dei alguns passos pelo jardim, seguindo-o até seu carro. Não precisei dizer nada, meu olhar expressava o que eu tentava lhe perguntar. 
- Eu sei. Você acha que sua mãe e eu tivemos um breve relacionamento em algum momento do passado, mas está enganada. - ele se apressou ao descartar tal hipótese, fazendo-me erguer as sobrancelhas e arregalar minimamente os olhos.
- Não pensei em nada disso. - expliquei, séria. - Só notei a tensão se instalando entre vocês dois. Aliás, foi algo tão palpável que até o Matthew, que é só um bebê, deve ter notado. - desconfortável, o homem observou a grama que se estendia por todo o jardim em um saudável tom de verde e por fim voltou a me encarar. 
- Eu me senti incapaz quando a vi, porque lembro o quanto meu irmão a amava e é uma droga não poder fazer mais nada pelos dois, entende? - concordei tristemente, abraçando meu próprio corpo, por mais que não sentisse frio. - E ela não se sente bem na minha presença, provavelmente porque eu devo fazer com que ela se lembre do Quentin. É compreensível. 
- Ela merece ser feliz. - meu tom de voz mesclava urgência com irritabilidade, talvez pelo fato de que eu gostaria de poder fazer algo a respeito disso e ajudá-la. Naquele exato momento.
- Merece mesmo. É uma mulher muito bonita, muito forte e eu tenho certeza que, eventualmente, tudo vai dar certo para ela. 
Concordei com um simples aceno, incapaz de dizer mais nada. Após acertarmos alguns assuntos relacionamentos a venda de minha parte no hospital, nos despedimos e eu assisti seu veículo se afastar. Suspirei e retornei à minha casa, onde mamãe já me esperava sentada sobre o sofá. Não parecia mais vulnerável, agora ela sorria para mim.
Sentei-me ao seu lado e apoiei minha cabeça em seu ombro, sentindo seus dedos afagarem meus cabelos. Permanecemos por ali algum tempo, conversando tranquilamente. Depois nos dirigimos até a cozinha, determinadas a preparar um delicioso lanche da tarde, incluindo biscoitos e alguma de suas receitas irresistíveis de tortas salgadas. Ríamos o tempo todo, feito as melhores amigas. E realmente éramos. Depois nos sentamos no jardim e passamos um tempo agradável tomando chá em um conjunto de porcelana chinesa que pertencera a minha avó Marissa, sendo entregue a minha mãe e depois a mim. 
Um dia ela recuperaria sua felicidade plena, eu tinha certeza. E a ajudaria com o que fosse necessário para consegui-la. 


Um mês e alguns dias depois...

Observei o carro de Joseph sumir pelo pouco da rua que a visão da janela proporcionava e encarei a sala de estar ao meu redor, perguntando-me o que faria. Jamie estava na escola, mamãe tinha levado Matthew para um passeio ao parque e Joe, obviamente, fora trabalhar. Minha falta de paciência atingia níveis altíssimos, próxima demais de seu auge. Eu já havia ido ao supermercado com Nancy abastecer a dispensa - precisa muito me distrair - e ao retornarmos me dispus a preparar um almoço saudável e delicioso para minha filha e eu - cozinhar me distraia bastante. Terminando de comer, fui organizar suas roupinhas novamente nos armários de seu quartinho, porém, mesmo assim, os ponteiros do relógio trabalhavam com lentidão. Após a chegada do oitavo mês de gestação, o tempo parecia transcorrer com uma velocidade inferior à câmera lenta. As noites eram longas - apesar de meu sono me manter no mundo dos sonhos durante grande parte delas - e os dias mais ainda. É claro que eu esperava que minha filha decidisse vir ao mundo quando completasse nove meses, quando estivesse totalmente pronta para a vida fora de meu útero, mas uma dúvida pairou no ar.
E se acontecesse antes? E se minha bolsa rompesse em algum momento do dia em que não houvesse ninguém por perto? Era uma possibilidade que deveria ser muito bem pensada, considerada e... Explorada. 
Sorri sozinha enquanto analisava o lustre da sala em busca de alguma ideia, indo rapidamente em busca do telefone após tornar Nancy consciente de meus planos. Certo, talvez minha atitude fosse um pouco maldosa, mas eu precisava testar pessoas próximas. Precisava eliminar qualquer falha em meus planos bem manejados que ocasionaria a total desordem e talvez até algo mais grave. Disquei o número e esperei pacientemente até que alguém atendesse. Esperei ouvir a voz de Jennifer, mas foi a de Dominic que minha audição identificou. Respirei fundo e engoli em seco, pronta para utilizar de um tom de voz, no mínimo, desesperado.
- Dominic, por favor, eu preciso de ajuda! - exclamei, espalhando um falso pânico por cada palavra pronunciada. - Minha bolsa rompeu e o Joe não está aqui. Por favor... - pausa para um gemido de dor, consequência de uma contração impiedosa. - Eu preciso de ajuda. 
Tudo que o homem disse antes de desligar foi que estava a caminho e que eu procurasse me manter sentada, com as pernas bem fechadas. Franzi o cenho em resposta àquele conselho, vagando pela casa enquanto não notava indícios de sua presença. Agradeci mentalmente por não estar de fato em trabalho de parto, porque, com aquela demora toda de Nic, seria bem capaz do bebê nascer ali mesmo.
Identifiquei o som de seu carro e logo assisti através da janela o veículo ser estacionado de qualquer jeito. Voltei a me preparar para encenações, largando-me sobre o sofá e adquirindo um semblante de dor enquanto mantinha as duas mãos sobre minha barriga. Rindo internamente, é claro. Dominic adentrou minha casa após ter a porta aberta por Nancy - que tentava não rir também - e veio diretamente em minha direção, abaixando-se para ficar a uma altura semelhante a minha sentada sobre o sofá. 
- Fique calma, Jonas, fique calma. Eu vou te ajudar. - ele tentou me levantar, então tratei de resmungar outra vez, negando com a cabeça em um pedido que alertava que eu não conseguiria andar com toda aquela dor. O homem bagunçou os próprios cabelos e bufou, completamente desnorteado. Um riso meu quase escapou, então tentei disfarçá-lo em mais lamentações e reclamações. 
- Lá vem outra, lá vem outra... - fechei meus olhos e soltei o ar com firmeza, quase desistindo de manter o teatrinho quanto, ao abrir meus olhos novamente, comprovei o estado catatônico do homem. 
- Fique ai, fique ai só mais um pouco, por favor. - ele pediu cauteloso, como se estivesse com medo de que o fato de falar comigo fosse elevar ainda mais a frequência de contrações inexistentes até o momento. - Você não ligou para o seu marido? - discordei com a cabeça, dizendo que não havia obtido resposta. - Meu Deus, eu vou matar o Joe! - inspirei e expirei três vezes, voltando a contrair meu rosto em uma careta de desconforto. Dominic descontrolou-se e olhou aflito para a minha barriga, estendendo as palmas das mãos como se tentasse se inocentar de algo. - Não, não, foi brincadeira, eu não vou matar o seu pai, foi brincadeira! Eu prometo! - novamente, tive que ser forte para segurar uma gargalhada que travou em minha garganta. - Não tem jeito, Demetria, você vai ter que levantar dai e nós vamos para o hospital. Fazer o parto da mulher de um amigo não está na minha lista de "100 coisas que devo fazer antes de morrer". Vamos lá! 
- Ah, não se preocupe, já passou. - minhas feições suavizaram de súbito quando falei, despreocupada e dando de ombros, aconchegando-me tranquilamente nas almofadas e checando as novidades no aplicativo do BabyCenter em meu celular. O loiro arregalou os olhos, apontando em riste um dedo acusador em minha direção. Olhei-o como se nada de mais estivesse acontecendo e, finalmente, pude cair na gargalha.
- Você é malvada, sabia? Por acaso já te disseram isso, Jonas? Malvada! - disse a última palavra pausadamente, negando freneticamente com a cabeça. - O que pretendia com toda essa palhaçada? - sua irritação só me fazia querer rir mais uma vez. 
- E se eu entrar em trabalho de parto quando nem o Joe, minha mãe ou alguma amiga estiver por perto? - expliquei a um Dominic que ouvia atentamente. - Eu preciso pensar em todas as hipóteses, não concorda?
- Vamos ligar para a Karlie! - alterando subitamente sua postura defensiva, ele disse com um semblante maligno, juntando-se a mim no sofá. Ri de sua empolgação ao tomar o telefone de minha mão, porém voltou a me entregá-lo assim que discou o número. Imitei minha queixa anterior quando falei com Dominic, pegando Karlie totalmente de surpresa. Ela também desligou antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa. Provavelmente já se encontrava nas ruas dirigindo em alta velocidade.
Como o esperado, ela não demorou a aparecer correndo feito louca na direção em que eu permanecia estirada no sofá. Dominic se encontrava escondida no primeiro andar, provavelmente observando tudo. 
- Cheguei, gata, cheguei! Não há com o que se preocupar! Eu sempre resolvo todos os problemas e... - seu corpo elétrico quase atingiu o chão em um baque violento. Levei a mão até minha boca, prestes a desistir. - Droga de saltos! - Karlie xingou quando quase tropeçou no tapete, vindo a passos largos e desengonçados até mim. - Tem certeza que está na hora? - olhei-a inconformada, massageando arduamente minha barriga.
- É claro que está! - resmunguei, recostando minhas costas no sofá confortável. - O Joe não me atendeu, ninguém me atendeu. Você foi a minha única... Aw! Por favor, me ajude! - pedi chorosa, vendo-a entrar em desespero exatamente como Dominic. Tentou me ajudar a levantar, porém neguei freneticamente com a cabeça, impedindo-a de continuar com sua tentativa.
- Junte os joelhos e aguente firme! - ela correu pela sala outra vez, agora em busca de um telefone. Retornou correndo quando eu aleguei que o mesmo estava comigo, balançando-o no ar. - Espere mais um pouco, garotinha! - agora ela falava exclusivamente com meu bebê. Risos contidos, risos contidos. - O mundo não é um lugar tão bom assim, é sério, temos o aquecimento global, os políticos não prestam. Certo, God save the Queen, mas enfim... - afobada, ela repreendeu a si mesma por perder o foco do que dizia antes, roendo nervosamente uma de suas unhas. - Você é uma garota, vai sofrer com problemas desde cólicas menstruais até um cara tapado que não vai dar o devido valor que você merece. Fique ai dentro da barriga de sua mamãe, é o lugar mais seguro. Ouça os conselhos sábios da... 
- KARLIE, MINHA FILHA ESTÁ NASCENDO! - vociferei, demonstrando não aguentar mais toda a hipotética dor. Karlie choraria a qualquer momento, era uma certeza. 
- Desculpe, desculpe! Eu só estou falando besteiras, me desculpe. Não sei o que fazer. - ela começou a andar em círculos, depois tentou me ajudar a levantar novamente. - Respire! - ordenou, falando alto demais perto de meu ouvido.
- Estou respirando. - lancei-lhe um olhar feio, impaciente. Fingindo, é claro. Porém, fiz o que ela pediu.
- Respire de novo! E de novo, você está indo muito bem... Oh, meu Deus, esse bebê vai acabar nascendo aqui mesmo! - gritou horrorizada com a possibilidade, olhando para mim com o cenho franzido e um bico nos lábios. - Desculpe, Demi, mas eu não quero ver a sua vagina! - ela choramingou, terrificada. Era tão difícil não rir. 
- Ah, obrigada pela preocupação. - falei, agora com a voz mansa, mexendo despreocupada em meus cabelos soltos. - Mas ela não é mais necessária, já passou. - sorri angelical. 
- Corre. - minha amiga disse simplesmente, estendendo o braço e apontando para alguma direção longe de si.
- O quê? - franzi o cenho sem entender, vendo Dominic descer as escadas preso em risos incontroláveis.
- CORRE! - entendi o que ela queria dizer, mas não movi um músculo sequer. Até porque ela não seria capaz de nada contra uma grávida, certo? - Como pode fazer isso comigo? Eu quase atropelei um cãozinho vindo para cá por causa da pressa. Sua insensível. - arregalei meus olhos, perguntando-me internamente e aos risos quem era aquela estranha diante de mim. 
- Cãozinho? Desde quando você fala "cãozinho"? Quem é você e o que fez com Karlie Russell, a sem coração? - a morena virou-se rapidamente ao ouvir Dominic, apontando para nós dois com cada uma das mãos, inconformada. 
Depois que lhe expliquei brevemente meu intuito ao simular estar em trabalho de parto, Karlie não tardou a compreender e se animou. Porém, não tínhamos mais a quem chamar. Eu não preocuparia mamãe a toa. Muito menos Joe.
A saída fora torcer para que minha garotinha tivesse um ótimo timing e soubesse exatamente quando seu pai estaria ao meu lado, prestativo e pronto para me levar a maternidade. 


Meus olhos distraídos admiravam o céu de um azul límpido que, aos poucos, era tingido em diversas partes por tons arroxeados e alaranjados devido ao pôr do sol se alastrando vertiginoso por todo o meu campo de visão. Lufadas de uma brisa refrescante acariciavam meu rosto e levavam gentilmente alguns fios de meu cabelo para trás, enquanto eu permanecia parada em frente a janela de meu quarto, debatendo internamente se deveria confiar naquela intuição tão latente em meu interior. Levei a mão até minha barriga, prendendo o ar em meus pulmões e soltando-o segundos depois, sentindo a sensação desconfortável esvair-se aos poucos. Mais cedo naquele dia, senti um repentino incômodo em minha lombar e uma dor esporádica em meu baixo frente que se abrandava com o passar do tempo, era fácil dispersá-la ao tentar me distrair com qualquer coisa. 
Ainda não estava na hora, pelo menos não até aquele momento do dia. 
Quase chegando a quadragésima semana de gestação, tão perto dos nove meses completos. Os dias passavam rápido, mas, ao mesmo tempo, eram longos demais. Encontrei inúmeras formas de me distrair quando já faltava tão pouco, cerca de menos de um mês, tendo a ajuda de minhas amigas para organizar um divertidíssimo chá de bebê, tardes no cinema e outras reuniões para espairecer. 
Afastei-me da janela e dei alguns passos vagarosos pelo quarto com os pés descalços, observando diversas roupinhas de bebê espalhadas por minha cama. Peguei a caneta com chocolate quente sobre a mesa de cabeceira e soprei o líquido fumegante, bebericando-o quando consegui abaixar um pouco sua temperatura. Joe estava no banho, e eu sabia que ele notava a minha preocupação, sabia que o grande momento se aproximava veloz. Concentrei-me no que sentia e verifiquei se tais contrações eram regulares. Sim. Seus intervalos variavam entre quinze e vinte minutos, era evidente o endurecimento temporário de minha barriga. No entanto, sem indícios de minha bolsa romper.
Sentei-me sobre o espacinho vago que encontrei na cama e me dispus a desfazer e refazer as malas com todos os apetrechos necessário para levar a maternidade. Chequei uma lista feita caprichosamente por mim dias antes, verificando se não havia esquecido de nada. Havia uma mala para mim, com camisolas, mudas de roupas confortáveis, sutiãs especiais para amamentação, produtos de higiene pessoal e algumas outras coisas que me seriam bem úteis. Havia uma para Joe, com mudas de roupa também, coisas para ele ler e se distrair durante todo o processo em que nada poderia fazer, objetos de higiene pessoal e, obviamente, uma câmera com bateria extra. 
E havia a mala mais importante: a de nossa filha. Coloquei alguns macacões RN (recém nascido), outras roupinhas básicas - porém necessárias -, mantas, casaquinhos de lã, luvinhas e meias, assim como sua saída de maternidade - a mais adorável que encontrei -, entre outros acessórios imprescindíveis de seu enxoval. 
Assim que terminei de organizar tudo - novamente, talvez pela terceira ou quarta vez -, decidi parar. Tudo estava sob controle e agora era só esperar pelos sinais decisivos. E por ela. 
Um desconforto se instaurou por minha lombar novamente, impulsionando-me a sugar uma grande quantidade de ar e soltá-la em sincronia com o alívio repentino. Prendi meus cabelos em um coque simples, vesti um casaquinho leve de cashmere branca por cima do vestido soltinho que usava para atenuar os arrepios constantes em minha pele e encarei a extensão de meu quarto, mordendo o lábio inferior enquanto me perguntava o que poderia fazer para passar o tempo. Desistente de permanecer em pé, tão cansada e com uma barriga enorme, subi em minha cama e apoiei minhas costas na cabeceira, ficando ali decidida a me ater somente aos pensamentos positivos, esperando que Joseph terminasse logo seu banho. Zapeei pelos canais da televisão ligada a minha frente, tentando me distrair enquanto lidava com outra contração. 
Agora, sim, era algo bem regular, porém suportável. Ainda. Eu tomaria um banho e me arrumaria melhor assim que Joe deixasse o banheiro, afinal, poderíamos ter de "correr" ao hospital a qualquer momento. 
Deixei em um canal que exibia o seriado Friends - meu favorito, por sinal - e, por coincidência, era justamente o episódio em que Rachel está em trabalho de parto. Só podia ser um sinal. Diverti-me com a cena de Ross deitando-se todo "largado" em uma das camas para gestantes, aliviava por conseguir me tranquilizar e sentir as batidas de meu coração diminuírem até alcançarem sua frequência normal. Cerca de cinco minutos mais tarde, Joe deixou o banheiro com uma toalha branca enrolada na cintura. Sorri-lhe calma, sem mostrar os dentes, evitando ao máximo preocupá-lo antes que eu tivesse totalmente certeza se estava na hora ou não. Assisti-o se vestir e pentear os cabelos, então se sentou ao meu lado com outra câmera, sugerindo que queria tirar uma foto minha para que pudéssemos montar uma sequência delas. Tirávamos uma todo mês, acompanhando e comparando o crescimento progressivo de minha barriga. Elas se tornariam um quadro que eu me orgulharia toda vez que o olhasse. E sabia que aquela seria a última com barrigão. Na próxima eu teria um bebê em meus braços. Fiquei de pé e deixei que ele tirasse a minha fotografia de perfil, então voltei a me acomodar na cama, ganhando uma relaxante massagem nos pés oferecida por Joseph. O que seria de mim sem suas massagens tão milagrosas? Repentinamente sonolenta após seus agrados, deitei-me de forma que era possível enxergar as ondulações produzidas pelo bebê seguro dentro de meu ventre. Aliás, ele estava inquieto dentro de mim, se movimentando muito, causando-me pontadas nada confortáveis. Reprimi um gemido, certa de que não faria alarde, pois não seria necessário. Era tudo completamente normal. Joe, fascinado com a visão, começou a filmar e conversar com nossa filha, pedindo que se movesse mais uma vez. Olhei-o encantada, por um instante me esquecendo do desconforto que sentia. Nutrindo cada vez mais aquele sentimento tão cativante. O mesmo sentimento de sempre, em várias nuances, cada vez mais firmes e infindáveis. Cada vez mais gratificantes.
Passamos um tempo agradável assim, curtindo a reta final de minha gravidez e curtindo a nós dois, até que, ao sentir outra contração que se agravava conforme eu me movia, decidi tomar um banho. Joseph tinha certa preocupação expressa no olhar, mas eu voltei a sorrir para aliviá-la, permitindo que ele voltasse a se acomodar sobre a cama e voltar a trabalhar em seu iPad. 
Encaminhei-me diretamente para o banheiro e retirei minhas roupas, adentrando o box e ligando a ducha. Massageei minha saliência, deixando a água cair por todo o meu corpo, sentindo-me realmente mais relaxada. Talvez fosse apenas um ensaio de meu corpo para a real conjuntura, então eu não teria com o que me preocupar por hora. Contudo, a mesma dor de antes me atingiu segundos depois, se alastrando rapidamente. Mais forte dessa vez. Congelei meus movimentos, sentindo meu lábio inferior tremer. Flashes de memórias do parto de Matthew ocuparam minha mente e um pânico sem tamanho envolveu meu peito em um aperto lancinante. Fique calma, Demetria fique calma, vai dar tudo certo. Respire., exigi a mim mesma, tentando seguir minhas próprias instruções. Tudo ocorreu bem, sim, meu menino estava ali, saudável e lindo para assegurar. Apesar dos contratempos, foi um dos dias mais formidáveis e bonitos de minha vida; mas eu queria poder trazer minha filha ao mundo da melhor e mais tranquila maneira possível, sem causar a ela desconforto algum. Sem sustos. Precisava ser rápida. Reprimindo um gemido de dor, soltei o ar com lentidão e tateei por uma toalha próxima, sentindo a umidade entre minhas pernas aumentar subitamente. Algo que só podia ser o líquido amniótico escorreria em pequena quantidade por minhas pernas juntamente com a água quente. A bolsa havia rompido. 
Fechei o registro e sequei-me o mais breve que pude, chamando meu marido com um grito esganiçado. Temi caminhar sozinha pelo piso molhado, então enrolei meu corpo com a toalha e esperei que Joseph se aproximasse. Minhas mãos tremiam. Eu não pretendia e não queria chorar, mas foi inevitável quando o vi adentrar o local com o semblante tão lívido e aflito quanto o meu. 
Está na hora! - limitei-me a dizer. 
- Tem certeza? - concordei com um aceno frenético e ele revelou um largo sorriso. - Oh, meu Deus! Eu... - Joe não conseguiu terminar a frase, tamanha sua admiração com o que ouvira. - Lá vamos nós de novo! - senti as lágrimas quentes já escorrerem pelo meu rosto ao ouvi-lo. Não foi a dor que me abrangeu naquele momento, mas sim a perspectiva de que minha bonequinha estava cada vez mais perto de estar aninhada em meus braços. Contrariando toda a incerteza presente em nossos interiores, nós sorrimos bobamente um para o outro e Joe rompeu a distância entre nós, segurando-me com cuidado e ainda assim firmeza, conduzindo-me até o quarto, onde recebi seu auxílio para me vestir devidamente. - Tudo bem, Demi, tudo bem. Eu não pude estar ao seu lado quando o Matthew decidiu vir para nós, mas agora eu posso. E não vou desgrudar de você até que nossa menina esteja em nossos braços. - ele selou nossos lábios e afagou meus cabelos molhados, transmitindo o máximo de segurança possível. Como eu poderia ter medo? Na verdade, por um vulnerável e breve instante, eu mal consegui me lembrar o que tal sentimento significava realmente. 
Joe soltou-me com relutância, vagando pelo recinto enquanto tentava se lembrar do essencial. Assisti-o procurar atrapalhadamente pelo celular, chamando por Jamie que logo veio correndo e arregalou os olhos quando percebeu minhas feições contraídas em pura dor. 
- Mamãe, não chora, por favor. - ele pediu baixinho, fazendo um carinho pelo meu braço.
- São lágrimas de felicidade, meu amor. Eu prometo. - garanti, acariciando seu cabelo. Joseph falava com minha mãe ao telefone, sua voz era alta e seus olhos estavam marejados. Após encerrar a ligação, chamou Jamie para ajudá-lo a transportar as malas escada a baixo, checando meu estado a cada fração de segundo que transcorria. Sua preocupação e atenção funcionavam como tranquilizantes naturais por todo o meu sistema. Os dois desceram desengonçados e apressados com as malas, e logo meu marido retornou, disposto a me ajudar a chegar ao térreo em segurança. Cada vez ficava mais difícil lidar com aquela dor cujo intervalo entre suas aparições diminuía categoricamente. Eu não podia deixar minha casa sem antes ver Matt e lhe dizer que sua irmãzinha estava chegando, então agradeci quando Jamie surgiu com ele em seu colo. O bebê, apesar de sonolento, notou minha situação, comprimindo os lábios em um bico. Ignorei o turbilhão de sensações em meu corpo dolorido e olhei em seus olhinhos verdes, moldando um largo e sincero sorriso em meus lábios trêmulos. 
- Mamãe, a nenê 'tá vindo? - ele adivinhou após presenciar toda aquela agitação, provavelmente ao ouvir a palavra "bebê", deixando-me emocionada. 
- Sim, meu ursinho. - depositei um beijo em sua testa, afastando os fios de cabelo fininho ali presentes enquanto o fazia. - Papai e eu precisamos ir a um lugar muito especial para que ela possa nascer. - respirei fundo. - E amanhã você vai conhecê-la, tudo bem? - meu menino concordou, então pedi a Jamie que ficasse cuidando dele com Nancy enquanto minha mãe não chegasse. É claro que ela daria um jeito de levar Jamie e Matthew ao hospital, pois não se aguentaria de ansiedade e preocupação, tendo de estar no mesmo lugar que sua filha em trabalho de parto. 
- Vem, meu amor, eu te ajudo. - Joe passou seu braço pelo meu ombro e com a mão livre segurou a minha, realizando carícias leves, pronto para me ajudar a descer. - Você consegue descer sozinha, Demi? Eu tenho medo de te pegar no colo porque, acredite, as minhas pernas estão bambas de nervosismo. - ele explicou com um riso nervoso enquanto acariciava a extensão de minhas costas e eu apenas concordei com um aceno, impulsionando meu corpo para frente, afirmando-lhe que conseguiria descer com meus próprios pés. A cada degrau, a dor e a felicidade se intensificavam. Assim que terminamos de descer, assisti meu marido correr e pegar as malas postas sobre o chão da soleira da porta, colocando-as no porta-malas do carro em uma velocidade impressionante. Depois, franzi o cenho e estranhei o fato de Joe se preparar para adentrar o veículo, enquanto eu continuava ali dentro da sala. 
- Até mais tarde, Joe, boa sorte com o bebê! - falei alto e em tom brincalhão, vendo seus olhos se arregalarem quando ele constatou que eu ainda não tinha ousado sair de casa. 
- Mulher, não faça isso comigo! Eu pensei que você já tinha saído. - ele disse aflito e todo afobado vindo a passos vertiginosos em minha direção. Apesar da dor, eu gargalhei. Muito. Ele me acompanharia naquela crise de riso se não estivesse tão atordoado. Com sua ajuda, caminhei pelo jardim, deparando-me com o início de uma noite cujo clima era bastante ameno. Adentrei o carro e depositei as duas mãos sobre minha barriga, mantendo a massagem constante na região. A pressão em meu baixo ventre ficava mais intensa a cada segundo. Tentei me lembrar das técnicas de respiração, dos pensamentos positivos, de colocar a alegria em primeiro lugar e, principalmente, de que aquela noite seria uma das mais longas e uma das melhores de minha vida.Joseph sentou-se ao meu lado, lançando-me um olhar atencioso e repleto de carinho, estendendo a mão para acariciar meu ventre. Sorri para ele, passando-lhe confiança e tranquilidade, por mais que meus estoques de ambas estivessem em situações ligeiramente críticas. O veículo ganhou movimento e eu tentei me distrair com toda a paisagem que passava ágil por minha visão, mentalizando cada cena seguinte antes mesmo de vivenciá-la. Principalmente o ilustre momento do nascimento.

Joe... - pedi com urgência em minha voz, sentindo uma fina camada de suor já revestindo minha testa. Já seguíamos nosso trajeto há vários minutos e, felizmente, não havia nenhum trânsito caótico pelo caminho que nos levaria ao hospital. - Eu não aguento mais. Acho que você vai ter que fazer o parto...
- EU O QUÊ? - ele pisou fundo no freio, promovendo um generoso solavanco do carro, elevando meu desconforto. O olhar que eu recebia era alarmado. Na verdade, alarmado seria um gentil eufemismo para definir o estado de meu marido quando entendeu o que eu quis dizer. 
- Estou brincando. - falei despreocupada, por mais que a dor estivesse cada vez mais insuportável. - Estou brincando! - precisei reafirmar para livrá-lo daquele estado atônito e fazê-lo colocar o veículo em movimento novamente. - Mas acelere esse carro, agora! - gritei ao sentir mais uma contração. Porém, voltei a rir quando ele voltou a dirigir. - Meu Deus, você está pálido.
- Não faça isso comigo, Demetria, não faça. - ele negava com a cabeça, inconformado. - Ou dá próxima vez eu vou ter um ataque cardíaco! - Joseph riu de si mesmo, porque realmente não havia algo melhor a fazer enquanto não chegássemos a maternidade. - Mas saiba que, se fosse mesmo necessário, eu faria o parto. Não tenho a mínima ideia de como conseguiria, mas faria. - disse decidido, estufando o peito. 
- Eu já mencionei que você é o pai mais lindo do mundo? E o melhor também? - perguntei distraída com a visão de seu perfil. Alguns fios de cabelo desalinhados, os olhos atentos e brilhantes, o nariz que parecia ter sido desenhado, os lábios cujos seus dentes faziam questão de morder devido a ansiedade... Tentei focar toda a minha atenção instável apenas em seu rosto. Neutralizar a dor e pensar apenas em coisas muito boas. Pensar nele, por exemplo.
- Se não fosse a concentração que preciso manter agora, eu estaria pirando. Nossa garotinha, Demi! - Joe ainda não parecia acreditar totalmente que o grande momento havia chegado. Era maravilhoso enxergá-lo daquela forma, tão empolgado, eufórico. Imensamente feliz. - Ela está vindo!
- Sim, e com força total! - resmunguei, perdendo as contas de quantas vezes aquela mesma pressão me fazia encolher todo o corpo e expulsar o ar com firmeza pela boca. 
- Fique tranquila, meu amor, papai é o melhor no volante. - ele falou diretamente com minha barriga, por mais que seu olhar firme não desviasse da rua. Para o nosso alívio, logo foi possível avistar a construção do hospital de St. Mary há apenas alguns metros de distância. Eu já havia me encarregado de telefonar para minha médica mais cedo naquele dia e feito uma descrição de meus sintomas. Ela recomendou que eu esperasse e, caso eles persistissem e piorassem, não hesitasse em me encaminhar ao hospital. Uma preocupação a menos. Tínhamos escolhido uma obstetra de confiança, a mesma responsável pelo parto de Matthew. 
- Calma, filha, calma. - falei com minha filha, tentando tranquilizá-la, me esforçando para conseguir permanecer tranquila também. - Já chegamos, já chegamos. Eu sei que você está ansiosa, nós também estamos. Muito. 


Joseph's P.O.V 

"Welcome to the planet
Welcome to existence
Everyone's here
Everyone's here
Everybody's watching you now
Everybody waits for you now
What happens next?
What happens next?
" (Dare You To Move - Switchfoot)


Minha mente estava a mil. Não sabia explicar como minha coordenação motora ainda funcionava sob meus comandos. O pânico se manifestava veloz. Eu não sabia por quanto tempo mais conseguiria aguentar antes que a ansiedade fizesse meu coração explodir de tão frenético que batia. 
Ajudei Demi a sair de meu carro, ficando cada vez mais angustiado com o seu semblante que revelava quanta dor a imobilizava. Eu me sentia impotente. Contudo, por mais que Demetria estivesse com dor e eu dominado por uma imensa aflição, sem poder ajudá-la a lidar com a mesma como gostaria, por mais que ambos estivéssemos temendo a remota possibilidade de algo não ocorrer como planejado, ela ficava tão linda grávida que por um instante eu me foquei apenas ao ato de observá-la e registrar sua imagem com aquele barrigão em minha mente. 
Apesar de que eu ainda pretendia vê-la daquela forma outra vez, em algum momento de nosso futuro. 
As formas de seu corpo moldado para a maternidade eram uma visão tão formidável, enchiam meu peito de alegria. Talvez aquela visão perdesse apenas para outras duas: a visão de Demi com um bebê em seus braços e a visão de Demi feliz. Mas, parando para pensar, aquelas três visões estavam conectadas, de certo modo. A maternidade lhe caia bem, e observar a sua alegria atemporal com tal fato era uma das melhores partes. 
Demetria sempre teve uma beleza desconcertante, mas quando grávida essa beleza atingia outro patamar, algo surpreendente. E eu não poderia deixar de mencionar o fato de que não poderia existir mulher mais feliz por ser mãe do que ela; minha esposa estava sempre radiante, ansiosa e sorridente. Até mesmo ali, em trabalho de parto e com dor, ela conseguia revelar suas grandes expectativas com frágeis, porém esfuziantes, sorrisos. Beijei sua testa e afastei alguns fios de cabelo que se grudavam em seu rosto devido ao suor, aliviado quando avistei uma enfermeira surgir rapidamente com uma cadeira de rodas. Demi se sentou e eu não permiti que a tal enfermeira conduzisse minha mulher para dentro do hospital. Esse era o meu dever e maior vontade. Eu não menti quando disse que não desgrudaria dela um segundo sequer. 
Caminhei com pressa pelo vasto corredor, empurrando a cadeira de rodas com o olhar firme em qualquer manifestação de minha esposa, alertando em um categórico timbre de voz quando alguém ameaçava atrapalhar o percurso: bebê a caminho, bebê a caminho! Minha filha está chegando, saiam da minha frente, por favor! 
Confesso, eu estava apavorado e eufórico ao mesmo tempo com a perspectiva de que assistiria minha filha nascer. Isso pode ser bem assustador e totalmente evitável para alguns homens, mas não era para mim. Demetria precisava de minha presença, precisava de minha voz lhe dizendo o quão maravilhosa era ela, o quão bem estava indo. Eu sabia que as cenas eram fortes, que a tensão carregaria o ambiente a ponto de deixá-lo sufocante, mas todo aquele conjunto de acontecimentos poderia ser definido em apenas uma palavra: felicidade. 
Assim que preenchi alguns papéis necessários, burocracia de hospital, minha Demi foi levada para o centro obstétrico e, após vestir uma daquelas camisolas brancas, foi acomodada em uma das salas de pré-parto onde teria que ficar enquanto fosse examinada por sua obstetra e enfermeiros. Juntei-me a ela, ignorando uma poltrona próxima e optando por ficar de pé ao seu lado na cama. Determinado a lhe dar o meu apoio incondicional. Irritei-me com minhas mãos irrequietas e mente mais ainda, angustiado com toda a agitação em meu interior que não me permitia agir como eu pretendia. Por vezes eu me considerava mais nervoso que Demetria, apesar de não parecer humanamente possível. Desesperei-me com a visão de lágrimas frequentes escorrendo por seu rosto, me curvando para unir nossos lábios uma única vez e depois nossas testas, sussurrando que nada de mal aconteceria nem a ela e nem ao nosso bebê. Fiquei de mãos dadas com Demetria enquanto assistia médicos e enfermeiros entrarem e saírem do local a toda hora. Daquele momento em diante, tudo ao meu redor perdera o foco; as únicas duas coisas mais importantes por hora eram aquela mulher que apertava minha mão com vontade e o pequeno ser ainda abrigado em seu interior. 
Contrações regulares. Examinar o cérvix. Dilatação do colo do útero. 4 cm. Peridural?. O bebê está devidamente posicionado. Batimentos cardíacos estáveis do bebê e pressão arterial sem alterações da gestante. 
Eu ouvia tudo aquilo, mas não conseguia absorver as palavras e deixá-las conquistarem algum sentido quando chegavam à minha mente. Demetria uniu nossos dedos entrelaçados com ainda mais força, inspirando bem fundo e expirando devagar em uma tentativa de aliviar sua dor. Embrenhei minha mão livre em meu cabelo, puxando os fios curtos em uma reação totalmente desencadeada pela aflição, desejando que ela não precisasse mais ter que sentir tudo aquilo, que tudo a sua dor fosse, de alguma forma, transferida a mim. E foi difícil aceitar que a dor de verdade ainda estava por vir; a hora do parto. 
- Não sei e nunca vou ser capaz de saber o que você está sentindo agora, mas eu estou aqui. Não acho que a minha presença seja o suficiente para aliviar a dor, mas eu vou tentar. - beijei ternamente sua mão, ouvindo-a gemer de dor. Cogitei a hipótese de insistir para Demi tomar a anestesia, mas eu sabia dos planos de minha esposa, sabia que ela se recusava completamente a tomá-la. Admirei sua decisão corajosa. Ela era, sem dúvidas, uma mulher notável. Eu só não sabia quanto tempo mais aguentaria assisti-la chorar tendo que segurar incessantemente as minhas lágrimas. Ela não poderia me ver chorando, eu tinha que ser a sua fonte de força e lhe passar apenas tranquilidade. Após ajudá-la a se deitar sobre seu lado esquerdo assim que recebemos essa recomendação da enfermeira - parecia que auxiliava uma melhor oxigenação para o bebê -, voltei a me desesperar, pois seu choro não tinha fim, apesar de inaudível. - Não dá mais para aguentar? Quer que eu chame alguém? - perguntei receoso, compenetrado apenas em garantir o seu bem estar, procurando com os olhos por alguém que pudesse ajudá-la. Contudo, pelo que ouvi, sua dilatação ainda não estava completa. 
- Não estou chorando de dor. - Demi disse com a voz firme e um sorriso, pensando que me enganava com aquela pose de durona. - Só não consigo acreditar que essa é a minha vida. Não consigo acreditar na sorte que tenho. - sorri ao ouvi-la, abaixando-me novamente para juntar nossos lábios mais uma vez em um selinho terno. 
- Acredite, meu amor. Ela é sua e ninguém merece mais. - eu disse com toda a sinceridade que cabia em meu ser, observando uma enfermeira se aproximar para examiná-la novamente. Havia um equipamento ao lado de Demi que monitorava os batimentos cardíacos do bebê. Respirei aliviado quando a profissional garantiu que não havia nada de errado, que seus batimentos permaneciam em um ritmo frequente e forte. Minha esposa também estava bem. E faltava tão pouco... 
- Tem certeza que você quer ver tudo isso? - Demetria demonstrou receio ao fazer aquela pergunta, referindo-se ao parto. - As coisas podem ficar bem intensas. Aliás, elas já estão... Ai! - seus olhos se fecharam e seu cenho franziu. Eu me preocuparia com a força que ela depositava em minha mão se isso realmente fosse algo importante. Mas era o de menos. 
- E você ainda pergunta, Demi? O que foi que eu te disse mais cedo? Não vou a lugar algum. Se eu tiver que ficar aqui ao seu lado, de pé e por toda a noite, eu vou ficar. - disse entusiasmado, percebendo que minha esposa começava a se desesperar e aos poucos desistia de manter a respiração firme e constante, resfolegando como se estivesse exausta. Aproximei meus lábios de seu ouvido, determinado a acalmá-la. - Lembre-se das aulas preparatórios direcionadas a casais grávidos que participamos. Prenda o ar, mentalize que a dor está se afastando de você, e então o solte. - ela fez o que eu pedi. - Viu só? - sorri quando Demi demonstrou alívio. 
Ouvi alguém chamar meu nome e me virei para descobrir de quem se tratava. Uma das enfermeiras pediu que eu saísse da sala apenas por alguns minutos, para colocar as vestes adequadas e porque algumas pessoas estavam próximas dali perguntando por Demetria. Com receio de deixá-la, concordei e caminhei a passos rápidos, encontrando Karlie e Jennifer, que se levantaram rapidamente e vieram até mim. Depois de todo o questionário que fizeram, garanti a elas que tudo estava correndo muito bem. Inclusive, contei que ficaria com minha esposa durante todo o parto. Recebi dois olhares surpresos. 
- Tem certeza que está bem o suficiente para ficar com ela? Se não estiver preparado, uma de nós pode entrar. Eu adoraria! - Jennifer sugeriu empolgada, recebendo um olhar incrédulo de Karlie. Neguei no exato instante.
- De maneira alguma! Quando vocês tiverem seus filhos, vocês entram na sala de parto. - eu disse firme.
- Oh, meu Deus! É sério que eu vou poder entrar na sala de parto quando ter um filho? Que incrível, Joe! - Karlie fez piada com a obviedade que ouviu, mas imaginei que elas, de certo modo, compreendiam o meu desespero e falta de atenção com o restante do mundo. 
- Preciso ir agora! Eu aviso vocês quando minha filha nascer! - garanti a ambas, meio desnorteado, correndo novamente em direção ao centro obstétrico. 
- Boa sorte, papai! - Jennifer e Karlie desejaram em uníssono, e tudo que consegui fazer fora sorrir feito um idiota que não consegue mais parar de fazer isso. 
Depois que me levaram até o local apropriado para que eu lavasse devidamente minhas mãos e toda a extensão dos antebraços, coloquei as vestes azuis esterilizadas que me disponibilizaram - parecidas com as dos enfermeiros que circulavam por ali -, assim como a touca e a máscara branca. A obstetra de Demetria estava na sala de pré-parto quando retornei, encaminhando-me ao mesmo ponto de antes, ao seu lado em uma cama própria para o procedimento pelo qual ela seria submetida. 
- Tem certeza? As coisas serão bem intensas. Sua esposa é bem durona, huh? - a doutora se referia à anestesia que Demi rejeitou categoricamente sem pensar duas vezes. - Também descartou qualquer anestesia em seu parto anterior. - disse enquanto verificava o prontuário de minha esposa. 
- Sim, doutora. - Demetria começou, havia vulnerabilidade presente em sua voz. - É natural. É o que eu preciso sentir e, acredite, vale cada segundo. São horas de dor, mas uma vida de felicidade. E o que é a dor quando você sabe que vai ter um anjinho nos braços após senti-la? - imitei o sorriso de Demi, orgulhoso por estar vendo-a demonstrar tanta força. 
- Tudo bem, mamãe, você é quem manda! - a doutora disse em tom brincalhão, anotando algo no prontuário. - Mas, caso mude de ideia, me avise o mais breve possível e eu solicito o anestesista. Lembre-se de controlar a respiração. Pense em sua filha, somente nela, a cada segundo mais perto de estar nos seus braços. Você está com seis centímetros de dilatação, agora falta pouco. Daqui para dez é um pulo. Preparado, papai? - ela lançou um olhar investigativo em minha direção, então assenti agilmente com um aceno.
- E como eu poderia não estar? 

/Joseph's P.O.V

Conforme os segundos passavam, uma sonolência latente tentava relaxar minha musculatura, por mais que fosse impossível encontrar uma distração forte o bastante para criar uma barreira que me protegesse daquela dor ardida e constante que percorria minhas costas, circulava minha barriga, pressionava meu baixo ventre e parecia a ponto de se alastrar por todo o meu corpo. O corpo onde eu estava oferecia todo o conforto possível, mas eu não conseguia relaxar totalmente. Após atender a um pedido meu e tirar algumas fotos, Joe continuava ali ao meu dispor, porém em silêncio, o olhar - antes deveras observador - agora vago, perdido em um canto qualquer do quarto. Eu sabia o quão assustado e ansioso ele estava, por isso preferi deixá-lo à vontade em seu momento de reflexão enquanto lutava para adquirir mais resistência. Admito que cogitei a possibilidade de implorar por uma peridural minutos antes, durante uma das contrações que considerei a pior de todas, mas descartei prontamente a opção no segundo seguinte. Não era algo natural para mim, eu queria estar bem acordada, bem lúcida. Queria sentir tudo. Queria que meu parto fluísse naturalmente. Eu aguentaria a dor, cada pico elevado dela, tinha certeza. E a recompensa seria desproporcional ao tamanho do universo, simplesmente primorosa demais para exprimir com palavras. De uma proporção imensurável!
- Estou ansiosa para ver o rostinho dela. - comentei distraída, infeliz com o fato de que a hora não passava. O que durante meus dias normais e rotineiros seria uma hora, ali parecia se tratar de apenas um minuto. Joseph se livrou de sua distração, voltando a fortalecer aquela esplendorosa conexão entre nossos olhares que não se largavam, apaixonados. 
(Coloque a primeira música para tocar!)

I've got an angel, she doesn't wear any wings
She wears a heart that could melt my own
She wears a smile that could make me wanna sing
She gives me presents with her presence alone
She gives me everything I could wish for
She gives me kisses on the lips just for coming home.


- Ela vai ser tão linda quanto você, eu tenho certeza. Teremos muito trabalho quando ela crescer, já consigo até imaginar. Não vou deixá-la sair de casa antes dos trinta. - soltei uma risada nasalada, controlando-me para não movimentar muito meu corpo, já que quando eu o fazia, as contrações se tornavam mais dolorosas. - Ei, se ficar muito insuportável, pode apertar minha mão, ou mordê-la. Pode puxar meu cabelo também, se quiser. Fizemos ela juntos, então não é justo você lidar sozinha com a dor, certo? - Joseph sugeriu, visivelmente preocupado e emocionado ao mesmo tempo. Ri novamente, porque não existiam meios de evitar o bem estar que ele me transmitia. E eu queria vivenciar algo inesquecível, então manter o pensamento positivo e o bom humor fixos a mim seria essencial. - Pelo menos eu fiz você rir. - ele comentou presunçoso. 
- Por que você não vai descansar um pouco? Ainda não está na hora, vamos ter que esperar. - ele negou com a cabeça, provavelmente se perguntando como eu ainda podia ser tão insistente naquela mesma questão. Eu tinha medo de que Joe se impressionasse demais com o que presenciasse naquela sala. 
- Eu não vou sair do seu lado, mulher. - sentenciou categórico, sem me dar a oportunidade de tentar protestar ou discutir. - Você pensa que tudo isso é forte demais para mim, mas o que você não sabe é que nada pode me impressionar além do amor que eu sinto por você. Porque ele fica cada dia maior e mais forte. E você deveria saber que eu aguento qualquer coisa pela mulher que amo. Qualquer coisa. E, é claro, preciso garantir que o primeiro rosto que nossa garotinha veja ao nascer seja o meu. 
- Sempre tão cheio de si. - rolei os olhos, encolhendo-me quando voltei a ser atacada pela dor. Senti a mão espalmada de Joe se firmar sobre minha coxa nua - levemente erguida graças às perneiras -, deslizando-a em uma carícia na tentativa árdua de me acalmar. Por sorte, uma enfermeira voltou e eu soube, instintivamente, que aquela era a hora. 
Ela me examinou. 
- Você está pronta, Demetria. Dez centímetros. Dilatação completa! - vibrei de felicidade ao ouvir a confirmação do que eu já imaginava, tentando me controlar para não emitir um grito eufórico ali mesmo. Como se eu estivesse em condições de fazer algo assim. 
Então era isso. Não havia mais tempo para preparações ou dúvidas. Uma equipe de três enfermeiras posicionou-se ao lado de minha obstetra, enquanto eu sentia Joseph com o rosto extremamente próximo do meu, me guiando naquele processo e fazendo de tudo para me ajudar a passar por aquele momento da melhor forma possível. Sua voz soava agradável a minha audição, por mais que eu estivesse focada demais na pressão localizada em meu baixo ventre para definir o real peso de suas palavras. Apertei sua mão com força, desejando que não estivesse o machucando, era o que eu menos queria. Ele era o meu herói. 

She can make angels
I've seen it with my own eyes
You gotta be careful when you've got good love
Cause an angels will just keep on multiplying.


Senti a necessidade de empurrar, mais notável do que nunca. Nada me faria parar ou desistir antes que eu enxergasse o rostinho dela. Nada seria mais forte do que isso. Nada me impediria. Nada. 
- Respire, meu amor, igual a mim. - Joseph ditava pacientemente, controlando sua respiração exatamente como aprendeu nos cursos de preparação que participamos durante a gravidez. Seus olhos fixos apenas aos meus. Por um instante, éramos apenas nós dois ali. - De novo. Isso. Você é incrível. Pode dominar essa dor, sabe que pode. Pense nela, pense em nossa garotinha sorrindo para você, toda a gratidão do mundo expressa nesse sorriso, porque você deu a vida de presente à ela. - meus olhos lacrimejaram. 
Nós. - tratei de corrigi-lo, notando minha voz prestes a falhar. 
- Sim, nós. - ele concordou, depositando outro beijo sobre as costas de minha mão trêmula, sem jamais tentar romper o contato firme entre ambas. - Não tenha medo, você já passou por isso uma vez e deu tudo certo. Você consegue. 
- Muito bem, Demetria, eu preciso que você realmente comece a empurrar agora. - doutora Addison disse determinada, os olhos atentos ao centro de minhas pernas. - Vamos lá, conte até três e empurre. Faça força contra a pressão! - fiz o que ela pediu, fechando meus olhos firmemente, cerrando meus dentes e dando o melhor de mim. Minhas costas permaneciam eretas sobre o colchão, havia suor por todo o meu rosto e eu sentia minhas pernas fraquejando aos poucos. Sabia que a mão de Joseph continuava firme entrelaçada a minha, mas por um instante não consegui mais senti-la. A única coisa que eu conseguia sentir era a mistura entre a dor e a necessidade de fazer força para trazer minha filha ao mundo, saudável, com segurança e sem dano algum. - Muito bem! Continue assim, está indo muito, muito bem! 
- Ouviu isso? - Joe disse com a voz trêmula, duvidoso a respeito de rir ou chorar. - Ela está chegando! - então, ele continuou a me estimular e no segundo em que consegui focalizar seu rosto, foram lágrimas que enxerguei. Ele estava chorando, mas o sorriso em seu rosto era espetacular. Uma visão difícil de abrir mão. Bela o suficiente para ocasionar uma supressão momentânea de minha dor. Eu não sabia mais definir as proporções do que sentia, um misto de sensações e sentimentos. Uma queimação lancinante, quase que insuportável se alastrou por minha região íntima, o pico de dor mais elevado. Fui incapaz de conter um grito esganiçado que irrompeu de minha garganta seca quando percebi que parte dela já estava para fora. Resultado de uma imensa dor, angústia - temendo que ela não estivesse bem - e entusiasmo. Tudo ao mesmo tempo. O motivo mais estimulante: agora, sim, era o momento da expulsão de sua cabecinha. Ela estava chegando.
- Ela está coroando! - a doutora disse em alto e bom som, não escondendo em momento sua empolgação, a paixão por seu lindo trabalho. - E veja só que belo cabelinho essa mocinha tem! - meio entorpecida e totalmente exausta, ouvi o som da risada nervosa de Joe. Ele ainda segurava minha mão, mas agora mantinha sua concentração alternada entre duas pessoas. Seu olhar era surpreso, o sorriso em seu rosto não desaparecia um segundo sequer, sua mão estava gelada e levemente trêmula. - Empurre só mais uma vez e teremos os ombros, sim? Vamos lá. Inspira. Um. Dois. Três. Expira. Empurre! - vasculhei e reuni todos os resquícios de força ainda presentes em meu interior e suguei o máximo de ar que pude, empurrando mais uma vez. Talvez pela última vez. Temi não resistir, temi que aqueles pontinhos pretos em minha visão denunciassem o que estaria prestes a acontecer comigo. Temi perder a consciência. 
Mas nada antes temido aconteceu. Ao descobrir os primeiros vislumbres de uma calmaria essencial ao meu ser, senti-me assustadoramente bem assim que ouvi o anúncio de que minha pequena estava entre nós. Senti todas as vantagens por ter optado por um parto natural e sem anestesia. Senti todas as vantagens de passar por alguns segundos insuportáveis. O bem estar era eminente, a dor se dispersava para bem longe de mim, remanescendo apenas uma enorme alegria. Minha mãe sempre disse que o segundo parto é mais fácil e menos doloroso - apesar de ainda assim doer muito -, porque já sabemos o que esperar e nos preparamos inconscientemente para isso. Fiquei feliz por constatar veracidade em sua afirmação. Tudo piora antes de melhor. E então, apesar de tantas lágrimas de alegria escorrendo pelo meu rosto, veio o alívio absoluto.
Bem vinda ao mundo, minha princesa! - era o som delicioso da voz de Joseph, soando como a mais agradável canção aos meus ouvidos. 
Meus meninos tinham acabado de ganhar uma irmãzinha!

But you're so busy changing the world
Just one smile can change all of mine
We share the same soul, oh oh oh
We share the same soul, oh oh oh
We share the same soul, oh oh oh
Oh, oh, oh. Umm, umm, umm.


Fechei meus olhos por um instante, cansada e ofegante, porém envolvida por aquela estranha paz que abrangeu meu sistema, minha musculatura antes tensa relaxava gradualmente. Um som alto, agudo e tão familiar adentrou meus ouvidos, fazendo-me abrir meus olhos com agilidade, procurando sua origem. Ergui meu olhar e percebi o estado de meu marido. Ele encarava algo abaixo de meu campo de visão de forma vidrada. Lágrimas foram expulsas de meus olhos assim como dos seus enquanto aquele chorinho tão cheio de vida continuava a preencher cada canto do recinto e ser a mais perfeita trilha sonora daquele momento. Joseph olhou em minha direção, entreabrindo seus lábios, porém não conseguiu emitir som algum. Seus olhos encharcados entregavam o que ele sentia, fiel e completamente. 
- Vejam só como as cordas vocais dessa mocinha são potentes! - doutora Addison disse, sorridente. - Vai ser uma cantora talentosa.
- Igual a mãe. - Joe parafraseou, nas alturas, completa e absurdamente maravilhado. Uma tesoura cirúrgica foi estendida em sua direção, então ele a encarou meio atordoado e depois ergueu os olhos para a obstetra, que meneou positivamente com a cabeça. 
- Quer cortar o cordão umbilical, papai? - meu marido arregalou os olhos, mas não hesitou antes de tomar a tesoura para si.
- É claro que eu quero! - então ele fez o que lhe foi recomendado, com cuidado e muita atenção, abrindo outro sorriso brilhante e hipnotizante - fora perceptível mesmo com a máscara ocultando a região de seus lábios - quando finalizou o corte do cordão, separando-a fisicamente de mim. Desfrutei da sensação de dever cumprido, de uma paz eminente. Mas eu estava cansada de permanecer inerte naquela cama, sem uma visão geral do que acontecia ao meu redor. Assisti uma das enfermeiras se afastar com um pequeno embrulho choroso em seus braços. Preocupei-me, por mais que soubesse se tratar de um procedimento absolutamente normal; faziam aquilo apenas para examiná-la e realizar pequenos testes - como o de Apgar - antes de trazê-la aos meus braços que imploravam tanto por sua presença. Joseph era o homem mais feliz do mundo. E ele não precisava me dizer para que eu soubesse. - Você foi maravilhosa. - ele disse, hipnotizado. Suas mãos tremiam tanto que tive que segurá-las e tentar acalmá-las com as minhas, por mais que tremessem tanto ou mais que as suas. 
- Está chorando, meu amor? - pedi com a voz fraquinha, porém entorpecida e livre de tudo que pudesse me causar desconforto. Minha família era tudo que importava, o meu bem mais valioso. 
- Estranho seria se eu não chorasse, Demi. - Joe respondeu com obviedade na voz rouca devido ao choro, afastando fios de cabelo grudados em minha testa, beijando-a apaixonadamente. - Não são apenas as mães que podem, os pais também têm esse direito. - rimos juntos, então voltei a procurá-la com os olhos. Ainda a examinavam. Será que havia algo de errado? Meu peito doeu em uma angústia inevitável. - Ei, não se preocupe, ela está bem. Eu a vi. Ela é perfeita. - e lá estava seu sorriso tão lindo me acalmando e maravilhando outra vez.
- Obrigada, Joseph Jonas. - soltei de uma vez, olhando-o imensamente agradecida por me dar o mais formidável presente que é ser mãe. Então senti uma ardência se instaurar por meus globos oculares. Mais lágrimas.
- Pelo quê? - ele pediu confuso, alternando sua atenção entre o que eu lhe dizia e nossa filha a alguns passos de distância. 
- Por tudo. Por ser meu melhor amigo, por aceitar minhas imperfeições, por ser esse homem admirável, por ser um pai tão incrível... - não aguentei continuar, fechando os olhos com força para tentar prender aquelas lágrimas teimosas. 
- E obrigado a você por me permitir ser tudo isso. Você está me dando uma vida tão maravilhosa... Eu te amo, Demetria. 
- Eu te amo. 
Joe se afastou por alguns instantes para acompanhar os procedimentos feitos em nossa filha - a maioria para descobrir sua altura e peso -, virando o rosto em minha direção com os olhos excessivamente brilhantes. E então, finalmente, a espera havia terminado. A mesma enfermeira que afastou minha filha de mim, agora caminhava sorridente em minha direção com aquele mesmo embrulho, só que dessa vez sem indícios de choro algum, apenas leves resmungos que fizeram meu coração disparar outra vez e as lágrimas retornarem aos cantos de meus olhos. Com muito cuidado, o bebê foi colocado em meu colo. Pesando pouco mais de três quilos e medindo cinquenta e dois centímetros de comprimento, lá estava meu anjinho. Adquiri forças novamente, por mais que não soubesse de onde. Provavelmente graças ao amor. Meus olhos curiosos procuraram imediatamente por seu rosto. Ao avistá-lo, eu não sabia o que fazer. Eu me sentia tão grata e abençoada que não existiam palavras potentes o bastante para expressar a felicidade que me elevava a um patamar de glória infinita. A mulher mais sortuda do mundo. O calor de seu pequeno corpo envolto por aquela manta rosa aquecia o meu. Naquele nosso primeiro contato, senti como se ela emanasse amor. Pude senti-lo fluir por minhas veias, tocar cada célula, abranger cada pedacinho meu e até mesmo estar presente no ar que eu respirava. 
- Oi, minha vida... - minha voz falhou, tamanha a vontade de voltar a chorar que me dominou. Mas eu respirei fundo e me dispus a refrear o pranto, pois precisava lhe dizer algo muito importante. - Você não imagina como é bom te ter aqui conosco. Bem vinda! - então seus olhos frágeis instantânea e timidamente se abriram assim que ela ouviu minha voz, um sinal claro de que era verídica a informação que li sobre bebês que reconhecem a voz da mãe assim que a ouvem pela primeira vez após o nascimento. Depois ela fechou os olhinhos, abrindo-os outra vez por uma brevíssima fração de segundo, talvez para memorizar o meu rosto. E então se fecharam de novo, manifestando sua sonolência. Era surreal olhar para aquele bebê e constatar que Joseph e eu tínhamos o feito. E, não, eu não deixaria de sorrir feito uma boba, principalmente porque a pequena segurou meu dedo indicador e não quis soltá-lo, exatamente como Matthew fez com o deJoseph no dia em que nasceu. Sua pele delicada ainda contava com alguns resquícios de sangue e resíduos característicos do parto, mas eu já conseguia notar o quanto ela era linda. Bochechas fofas e dobrinhas pelos bracinhos, sinais de que era perfeitamente saudável e forte. Seus cabelos eram brilhantes e levemente espetados - alguns bebês nasciam com os seus cabelinhos daquela forma tão adorável. Analisei cada mínimo detalhe de suas feições, enxergando diversas semelhanças. Enxerguei o meu formato de rosto e os meus lábios. Enxerguei o nariz de Joseph e seus olhos. Ergui meu rosto na direção de meu marido, e não sabia dizer quem estava mais deslumbrado. Joe logo estendeu sua mão e tocou o rostinho de nossa filha em um carinho que a fez se mover devagar, voltando a resmungar e abrir os olhinhos. - Obrigada por ter sido absolutamente forte e ter resistido ao início difícil dessa jornada, meu anjinho. - falei ao voltar a me dedicar exclusivamente a ela, percebendo minha voz chorosa. O medo que senti de perdê-la quando ainda se parecia com uma sementinha afligiu tanto o meu ser, que só fui capaz de me recuperar totalmente do trauma naquele exato momento, tendo-a em meus braços; quando pude contar seus dez dedinhos perfeitos, sentir o seu calor e os níveis de ocitocina em meu sistema mais do que elevados. Por sorte ela me ouviu quando, com lágrimas nos olhos e dor em meu coração, eu lhe pedi incessantemente para aguentar firme e permanecer segura dentro de mim. Aguentar firme e se segurar com força à vida. E então lá estava ela, em meus braços, exalando vida e amor. Minha pequena e linda guerreira. - Mas agora pode ficar tranquila, pode ser apenas essa bebezinha linda que você é. Não se preocupe com mais nada. Seu papai, seus irmãozinhos e a mamãe aqui vamos cuidar de você. Para sempre. - ela pareceu gostar do que ouviu, mesmo que não compreendesse, já que voltou a se mexer para se aninhar melhor ao meu colo, procurando pelo meu calor, acolhida pelo meu amor. 
- Fazemos bebês lindos, não fazemos? - Joe disse todo bobo, um verdadeiro papai coruja, fazendo-me rir em um estado de alegria esfuziante. 
- E como poderiam não ser lindos se foram feitos com tanto amor? - eu não conseguia parar de admirá-la, estava perdidamente apaixonada.
- E perseverança. - ele completou e nós voltamos a rir simultaneamente, bobamente felizes e cativados por nossa filha. - Fizemos um ótimo trabalho, principalmente você. - sorri ao ouvi-lo, abaixando novamente meu olhar para o pequeno ser aconchegado aos meus braços. Pude admirar os olhinhos da pequena mais uma vez, contatando que eram verdes.
- Não tem jeito, eles preferem os seus olhos aos meus. - fingi um bico entristecido ao mencionar aquele fato, tocando as pontas de meus dedos sobre sua testinha aquecida. Mais uma personificação de meu amor com Joseph. Mais um motivo para viver a vida de forma mais plena possível. - Você está bem? - perguntei a meu marido, que me olhou como se eu estivesse fazendo uma pergunta absurda.
Demetria, você acabou de ser tão magnífica trazendo nossa filha ao mundo e pergunta se EU estou bem? Acho que nunca estive melhor! - não poderia conter mais sinceridade em suas alegações, o brilho de seus olhos, sozinho, entregava que o meu peito não era o único preso naquela emoção frenética que não permitia que meus batimentos cardíacos voltassem ao seu ritmo normal. 
- Ela é tão tranquila. - voltei a apreciar meu bebê, que estava indeciso entre dormir ou ficar acordado e prestar atenção na conversa de seus pais. - Agora vejo que minhas conversas, as horas que passei tocando piano e cantando para ela tiveram efeito. Ela é perfeita. 
- Ah, então eu descobri porque ela se parece tanto com você. Porque é perfeita. - Joseph sorriu radiante, compartilhando sua descoberta com aquele tom de voz afável e sedutor ao mesmo tempo, deixando-me nas nuvens. Antes de me preparar para amamentar minha filha pela primeira vez, ouvi algo que me fez lembrar de um detalhe crucial, deixado de lado durante todo aquele tempo: - Você já decidiu qual vai ser o nome dela? Sei que não conseguimos fazer isso nos meses anteriores, mas agora, olhando para ela, eu estou disposto a aceitar o nome que você escolher, sem objeções. - respirei fundo, determinada a compartilhar a ideia que havia tido um mês antes, porém que não fora compartilhada com meu marido. 
- Eu tenho um nome em mente. - Joe ergueu as sobrancelhas e demonstrou interesse. - Sophie Elizabeth Jonas. - ele ficou estático por alguns segundos, absorvendo o que ouvira. - Tudo bem para você? - pedi receosa, temendo que não aceitasse. Elizabeth era o nome de sua mãe e eu sabia o quanto era difícil para ele se recordar dela. Mas torci para que Joseph entendesse o meu maior propósito ao escolher aquele nome, que consistia em nada mais, nada menos, do que uma bela homenagem a Elizabeth. 
- Sim, claro que sim! - agora seus olhos transmitiam pura gratidão. - Obrigado, Demi! - emocionado, Joseph se curvou para beijar minha testa e depois a testa de Sophie, nosso novo milagre. Nossa mais nova fonte de alegria. 


Despertei bem cedo na manhã seguinte, sentindo-me absurdamente bem disposta. Fiquei alguns segundos apenas observando as cores da alvorada no céu através da janela de cortinas brancas. Mudando a direção de meu olhar, percebi que Joe não estava mais no sofá azul onde passou a noite, dormindo e acordando a todo o momento para verificar se eu precisava de alguma coisa. Ele cumpriu sua promessa. Não desgrudou de mim um segundo sequer. Perguntei-me onde ele estaria e depois pensei em minha filha, torcendo para que, após o café da manhã, eles a trouxessem para mim. Eu já sentia muitas saudades de segurá-la. Tive muitos sonhos na noite anterior, e todos incluíam ela. Inclusive, em um deles, Sophie já estava crescida e prestes a se casar. Ri sozinha, imaginando o quanto Joe me julgaria precipitada se eu lhe contasse os detalhes daquele sonho. Não passou muito tempo até que o homem retornou, já vestido com outras roupas e com seu sorriso esfuziante e semblante animado renovados. 
- Bom dia, mulher maravilhosa. - sentando-se ao meu lado na cama, ele uniu nossos lábios em um beijo calmo e depois nós nos abraçamos forte.
- Bom dia, pai dos meus filhos. - moldei meus lábios em um largo sorriso repleto de sinceridade. - Nossa, isso soa tão bem!
Pedi a Joseph sobre Sophie e ele disse que ela estava no berçário, acordada e bem espertinha; logo a trariam para mamar. Ele sorria todo bobo enquanto falava dela, relatando e descrevendo suas reações de quanto pode, enfim, segurá-la na noite anterior. E também quando assistiu seu primeiro banho, torci para que ela tivesse registrado em vídeo. Eu havia adormecido logo após o último estágio do trabalho de parto, despertando vez ou outra durante a madrugada para alimentar minha bebê ou para simplesmente tê-la em meus braços, porém, cansada demais, consegui recuperar devidamente minha lucidez e energias somente pela manhã. 
Demi, vai se zangar se eu disser que você não é mais a única mulher da minha vida? - franzi o cenho, virando meu rosto rapidamente em sua direção com as mãos na cintura. Eu sabia o que ele estava querendo dizer, mas fingi não compreender só para diverti-lo.
- Trate de me explicar isso direito, Jonas. - pedi, fingindo estar séria. Joe tentou se conter, mas acabou deixando um riso escapar. Rompeu a distância entre nós e tomou meu rosto em suas mãos, colando as pontas de nossos narizes. 
- Agora eu tenho duas mulheres da minha vida. Você e a nossa Sophie. - sorri largo, recebendo um selinho carinhoso e demorado em seguida. - Ela é tão linda! E tão parecida com você,Demetria! Na hora do primeiro banho ela ficou resmungando no colo da enfermeira e só parou quando conseguiu o que queria, ir para a água quentinha. E acredita que voltou a resmungar quando foi tirada da banheira? Ela queria aproveitar o banho por mais tempo! - Joseph contava tudo com uma empolgação contagiante, parecia um papai de primeira viagem. Na verdade, mesmo que tivéssemos mais filhos, sempre nos portaríamos como pais de primeira viagem, era algo irrevogável. - Mandona desde já, assim como a mãe. - fingi repreender seu comentário, porém não consegui esconder o sorriso de mãe coruja que não abandonava meus lábios e o brilho de felicidade extrema que revestia meu olhar. - Não se preocupe, eu filmei tudo! - ele assegurou e se aproximou para unir nossos lábios novamente.
Eu queria me levantar dali, não gostava de permanecer prostrada em uma cama, sem poder me movimentar de um lado para o outro. E, enquanto a doutora Addison não me liberasse para essa atividade, eu teria que fazer milagres com meu estoque de paciência bem racionado. 
Tempos depois, comemorei internamente após ser liberada do contínuo repouso, levantando-me da cama bem disposta e sem auxílio algum, apesar de um pouco dolorida. Pude tomar um bom banho e me senti novinha em folha. Pude também me arrumar um pouco, me livrar daquela camisola larga e sem graça de hospital, podendo vestir as roupas confortáveis - porém bem apresentáveis - que eu havia escolhido para levar a maternidade. Usei um pouco de maquiagem também, o básico, apenas um pouco de máscara, base, corretivo e batom nude, em seguida dando atenção a meus cabelos antes embaraçados. Muito melhor.
Retornando ao quarto, tive uma surpresa ao levar meu olhar na direção de uma larga cômoda que tomava quase toda a parede de frente para a cama. Alguém se aproveitou do tempo que passei no banho para enchê-la de presentes. Aproximei-me, aproveitando que estaria sozinha por alguns instantes, averiguando cada um dos embrulhos. Sorri, cativada, e me perguntei quem havia os colocado ali. Tinha certeza de que meus olhos brilhavam. Não só pelos presentes em si, mas também por perceber a quantidade de pessoas que se importavam comigo e com Sophie. Um arranjo volumoso com belos lírios brancos foi o primeiro a chamar minha atenção. Aproximei-me para sentir o aroma delicado, deduzindo que era de Joseph. Depois pousei meu olhar em uma sacolinha e um pequeno embrulho, ambos na cor verde piscina e com o famoso laço branco da Tiffany & Co. Ao lado destes, havia uma caixa com laço da BVLGARI e outra da Chanel. Eu acreditava que aqueles três primeiros presentes eram de meu marido. Pelo menos foi o que minha intuição apontou, e pude ter certeza mais tarde de que eram realmente seus. O Chanel era de mamãe. Ergui as sobrancelhas ao avistar uma caixa que identifiquei como sendo da La Perla, que continha uma linda camisola de seda na cor branca e me perguntei se Joseph também teria sido o responsável por aquele presente. Espertinho!, deduzi aos risos. Notei também uma cesta linda, toda ornamentada e com produtos para os cuidados com Soph e outra para os cuidados com sua mamãe. Além de alguns outros embrulhos, livros especializados em bebês e maternidade, outros dois arranjos de flores, algumas pelúcias adoráveis com balões coloridos onde a frase "It's a Girl!" estava escrita. E, é claro, os belos cartões que acompanhavam os presentes, parabenizando Joe e eu e nos desejando tudo que há de melhor para nossa família que havia crescido. 
Quantos mimos!, pensei encolhendo meus ombros e sorrindo embevecida com tantas surpresas. 
O café da manhã logo foi servido. Típica comida de hospital. Mas não me importei, pois estava com um enorme apetite e precisava repor minhas energias esgotadas. 
Fui pega de surpresa quando a porta do quarto - onde havia uma plaquinha rosa toda ornamentada e com o nome "Sophie" - se abriu e dois rostos conhecidos e amados surgiram. Voltei a sentir meus olhos marejarem quando avistei Matthew no colo de mamãe, essa toda radiante e pomposa por ser avó novamente. Ela tinha acabado de passar pelo berçário e tirado muitas fotos. Estendi meus braços na direção de meu filho após receber um abraço apertado de minha mãe, ouvindo-a me desejar tudo de bom que há no mundo. Trouxe Matt para mais perto, percebendo como a saudade que eu sentia dele era grande. Beijei-lhe a testa e fiz um carinho em seu rosto, abraçando-o, tendo meu gesto correspondido por seus bracinhos que tentavam enlaçar meus ombros. Seu aniversário de dois aninhos seria em poucas semanas e eu mal podia esperar pela festa que já preparávamos em segredo há algum tempo. Beijei sua testa e suas bochechas coradas, depois inclinei ligeiramente meu tronco e esfreguei as pontas de nossos narizes, fazendo-o rir e depois acomodei sua cabecinha em meu peito, envolvendo-o com meus braços acolhedores. Joe tinha saído do quarto outra vez. Pelo que entendi, nossos amigos estavam no hospital também. Perguntei-me sobre o paradeiro de Jamie, logo descobrindo que ele havia permanecido na área do berçário com Jennifer e Dominic e que logo viria me ver. 
- Dormiu bem, Matty? - pedi interessada ao meu filho, vendo-o concordar com um aceno animado. - Tomou café?
- Sim, 'tava gotoso. - seu sorriso falho foi mostrado. Sophie se parecia muito com Matthew, pude notar claramente. 
- O que você comeu? - voltei a investigar, fazendo uma carícia por sua bochecha com meu dedo polegar. 
- Salada de futa! - ri ao ouvi-lo dizer todo empolgado, notando que mamãe sentada no sofá ao lado de minha cama fazia o mesmo.
- Que delícia! - para mim, era simplesmente ótimo saber o quanto meu pequeno apreciava alimentos saudáveis. Pedia por doces e outras coisas não-tão-saudáveis assim, mas adorava frutas e outros alimentos bons para o seu desenvolvimento e saúde. Eu comemorava, sempre centrada na boa alimentação e nos hábitos saudáveis de minha família. Jamie saia para correr com Joe todos os dias e Matt brincava pela casa o dia inteiro. Eu, sempre apegada a yoga, pilates, corrida, entre outros exercícios, mantendo hábitos sempre saudáveis. Tudo isso me deixava imensamente feliz. - Guardou um pouquinho para mim? - ele negou com a cabeça, entristecido. Imitei seu bico, ouvindo a risada de minha mãe. Depois beijei-lhe a bochecha, rindo em seguida para fazê-lo entender que não havia problema algum.
Diculpa, mamãe, não sobo nada. - encantei-me ao ouvi-lo explicar tão determinado. 
- Tudo bem, pequeno, nós podemos preparar mais quando a mamãe chegar em casa! - anunciei empolgada, contagiando-o com tal empolgação. 
- Ele deve ter perguntado umas cem vezes pela irmãzinha. - mamãe explicou e seus olhos reluziam. Típica avó repleta de orgulho. 
- Você já viu a Soph, meu amor? - ele negou com um bico adorável em seus lábios, então mamãe me explicou que estavam realizando alguns testes de rotina em minha pequena quando Matthew pediu para vê-la. Pelo menos ela logo estaria ali no quarto e eu poderia deslumbrar a sua reação ao vê-la pela primeira vez. 


Joseph's P.O.V

- É oficial, Jamie, agora teremos duas mulheres em casa. - falei, olhando abobalhado através do vidro que nos separada do berçário, enxergando minha garotinha em um dos berços. - Está preparado para esse desafio? - eu ri e meu filho me acompanhou naquele riso, concordando com um aceno, tão admirado com sua irmã quanto eu. 
- Totalmente! - ele comunicou, sorrindo. - Agora não há quem segure a mamãe. - voltei a rir graças a careta que ele fez ao comentar, ficando em silêncio por um instante. Sophie se mexia no berço, resmungando e fazendo cara de choro vez ou outra. Já deveria estar com saudades de Demi. Esperei ansioso pelo momento em que poderia assisti-la novamente nos braços da mãe, fascinado com uma visão que poderia ser definida como uma das mais bonitas que meus olhos já viram e provavelmente veriam. Eu me sentia infinito. Minha felicidade era infinita. Demetria tinha jeito com bebês, tanto amor a dar. A forma como olhou para a filha quando a teve em seus braços pela primeira vez foi a mesma que utilizou quando Matthew fora quem esteve entre eles pela primeira vez. E foi a mesma que direcionou a Jamie quando finalmente conseguimos torná-lo parte da família. Demetria era o tipo de mãe que jamais pensaria em deixar de apoiá-los e ajudá-los, jamais colocaria as suas necessidades acima das necessidades de seus filhos. A verdade? Eu sempre soube que ela seria a melhor mãe do mundo.
- Mesmo com os pais sempre por perto, a Sophie vai precisar que você seja o melhor irmão do mundo, ela vai precisar de sua proteção. Sabe disso, não sabe? - lancei a pergunta sem temer, pois sabia que era exatamente o que Jam faria. Eu sabia que poderia contar com ele, sempre. 
- Sei, pai. Pode contar comigo, não vou decepcionar vocês. - a confirmação de que eu só tinha motivos para me orgulhar daquele garoto foi instantânea. - Matt e eu seremos os melhores irmãos do mundo! Isso vai ser muito divertido, eu mal posso esperar. - Jamie comemorou, voltando a despejar toda a atenção em sua irmã. Ouvi uma voz alta me chamar, virando o rosto no exato instante para então me deparar com um Dominic que vinha a passos rápidos em minha direção, provavelmente irritando a enfermeira que estava por perto devido ao alvoroço que causou. Afastei-me um pouco do berçário, temendo que sua voz alta assustasse os bebês e recebi um abraço amigável, sentindo tapinhas companheiros em minhas costas.
- Olha só, aqui está o pai do ano! - ele disse empolgado, apontando para Jennifer que também se aproximava. Sorri para ambos, chamando-os para ver minha filha com uma pose digna de pai orgulhoso. Ela era tão perfeita que eu queria mostrá-la a todo mundo. 
Nós três ficamos algum tempo imóveis e mudos, apenas observando a bebê também nos observar, logo se distraindo com algo que apenas ela sabia do que se tratava. 
- Eu tenho uma filha! - comemorei, ainda me perguntando se aquela era mesmo a realidade ou um sonho muito, muito bom. Um sonho que, temendo ser verídico, desejei arduamente para não ter fim. - Eu tenho uma filha! - precisei repetir, emocionado, não me importando em parecer um idiota bem ali, de frente para um berçário. 
Acho que todos ficam um pouco idiotas de frente para um berçário. 
Não era um sonho. Eu não precisava mais viver de sonhos. Minha realidade era incrível. 
- Ah, olha só que lindinha, Joe! É uma princesinha! - Jennifer comentava, sem conseguir desviar o olhar de Soph. - Vocês capricharam, gente. Papai vai ter que proteger bem o castelo agora, huh? - ela arqueou as sobrancelhas e nós rimos. Até Dominic não conseguia parar de olhar para o bebê. Milagres acontecem. 
- Cara, já até consigo imaginar o pai super protetor que você vai ser com essa menina. - olhei-o seriamente, esperando por alguma piada que eu sabia que não tardaria a surgir. - Meu pai era assim, ele espantava os namorados de colégio da minha irmã só com o olhar. Era assustador. - arqueei uma sobrancelha, perguntando-me se realmente agiria daquela forma. Bom, era mais do que óbvio que sim. Não era como se eu estivesse disposto a permitir que um babaca qualquer não desse o digno valor a minha filha no futuro. Oh, mas isso não iria acontecer de forma alguma! E aquele que tentasse passar por cima de meu alerta, que se preparasse para as sérias consequências. - Não apenas você, mas o Jam e o mini Joe também.
Os olhos de Sophie se encontraram com os meus através do vidro e, de alguma forma desconhecida, ela sabia quem eu era. E ouvindo as palavras de Dominic, eu soube que faria tudo, iria até as últimas consequências por minha filha. 

/Joseph's P.O.V 


(Coloque a segunda música para tocar e, se desejar, ouça repetitivas vezes durante todas as cenas seguintes)
Finalmente, finalmente ela estava vindo para os meus braços. Segurei-a com o máximo de cuidado e carinho, beijando-lhe a testa. Seus olhos agora estavam bem abertos, espertos e brilhantes; ela reagiu quando ouviu minha voz, procurando pelo meu rosto, mantendo seu olhar firme ao meu quando conseguiu encontrá-lo, sustentando o contato como se aquela fosse a sua forma de desejar bom dia e demonstrar alegria por me ver. Bocejando logo após, ajeitou-se para se aninhar melhor ao meu colo, movendo os dedinhos das mãozinhas como se tentasse descobrir quais eram suas funções. Seu pequeno corpo envolvido pelo cobertor leve estava protegido do frio com um conjunto de lã branco e suas orelhinhas permaneciam aquecidas graças a uma delicada touquinha rosa. Foi automático, precisei refazer tudo que havia feito no momento em que a vi pela primeira vez. Voltei a contar seus dedinhos, analisei minuciosamente cada detalhe de seu rostinho sereno e depois, é claro, deixei que algumas poucas lágrimas rolassem pelo meu rosto. Joseph estava ao meu lado, assim como Jamie e Matthew. Minha família. 
Sophie manteve os olhinhos bem abertos enquanto se alimentava, tão fixo aos meus. Sua delicada mão apoiada sobre meu colo enquanto saciava seu apetite. Era um momento mágico. Após amamentá-la e fazê-la arrotar, pensei em colocá-la no bercinho ao lado de minha cama, contudo, identifiquei o olhar pidão de Joseph. Meu marido não resistiu e se ofereceu para pegá-la mais uma vez, deixando claro que jamais se cansaria da sensação imensurável de ter sua filha perto, protegida por entre seus braços. Seus olhos não desgrudavam dos dela, tão verdes quanto os seus.Joe passou a distribuir carinhos na região do queixinho de Soph com a ponta de seu dedo indicador, fazendo com que a pequena emitisse alguns sons semelhantes a risos, por mais que ainda não fizesse isso. Seus olhos sempre atentos ao rosto envolto por emoção de seu pai, capturando o dedo indicador do homem com sua pequena mão. Ele a acompanhava, é claro, mas sua risada era bem mais alta e empolgada, apaixonada. Era o pai encantado e dedicado de sempre, o mais amoroso de todos. A sorte de meus filhos por tê-lo era exorbitante. 
Matt observava a cena um tanto quanto curioso e inseguro, olhando de seu pai para mim, como se perguntasse o que se passava. Troquei um olhar jubiloso com Joe, que, após colocar a bebê em meus braços novamente, se aproximou do pequeno, o pegou no colo e o trouxe para mais perto da cama. Ajeitei Soph em meu colo para que ficasse mais confortável e afastei um pouco a manta que a envolvia, possibilitando que seu rostinho ficasse totalmente a vista. 
Nenê? - Matthew apontou para Sophie envolta por meus braços, fazendo seu pai soltar uma risada gostosa que fez meu rosto pinicar, tamanho poder que tinha sobre mim. 
- Sim, garotão, um bebê. A sua irmãzinha! - ele respondeu olhando firme nos olhinhos do filho, sorrindo com enorme satisfação. Pensei na hipótese de Joseph nunca mais deixar de sorrir. Era o que ele mais merecia. Felicidade eterna. 
- Vem, ursinho, vem conhecer sua irmãzinha. - eu disse sorridente, tentando fazê-lo perder o receio. Algo em seu semblante pareceu mudar quando ele ouviu a palavra "irmãzinha", abrindo então aquele sorriso falho tão adorável. - Diga olá para a Sophie, alguém que você vai amar muito. Alguém que sempre vai estar ao seu lado nos bons momentos e vai te ajudar quando você estiver passando por momentos ruins também, qualquer situação difícil. - o bebê se animou com o meu pedido, se aproximando de nós com a ajuda de Joe que o colocou sentadinho no espaço vago em minha cama. Segurei a mãozinha de Matthew e a guiei até o rosto de Sophie, soltando-a e deixando que ele sozinho fizesse um carinho em sua irmã. Seus olhinhos verdes brilhavam tanto, que por um instante desejei que o tempo parasse, desejei viver aquele momento por eras. Aquele era o primeiro contato entre irmãos, a primeira oportunidade para que um vínculo afetivo fosse criado. Já era possível sentir o amor que Matt tinha pela irmã, algo surpreendentemente tangível, apenas pela forma como a olhava. 
- Oi, Sophie! - meu menino pronunciou o nome direitinho, atraindo a atenção da bebê que abriu os olhinhos, deixando-os na direção de seu irmão. Jamie agora estava ao meu lado na cama também, apenas admirando aquela cena. - Eu te amo. - após um bico adorável, que estava mais para emocionado do que triste, Matt inclinou-se o suficiente para conseguir passar a mãozinha suavemente pela testa de Soph, grudando seus pequenos lábios ali. A pequena respondeu ao carinho com um som indefinido, mas que fez meu coração bater mais aquecido. 
- Olha só, ela também te ama. E muito! - entusiasmada, tratei de fazer com que Matthew tivesse consciência daquela afirmação desde já. Porque eu sabia que era a mais plena verdade.
Joseph voltou a deixar o quarto, dessa vez para ir comprar seu café da manhã. Fui pega de surpresa com um abraço terno de Jam, sorrindo em seguida. Ele beijou meu rosto e demonstrou enorme alegria quando eu imitei seu gesto, correspondendo ao seu abraço e imitando seu sorriso.
- A Sophie é tão linda... - ele olhou novamente para o bebê, como se quisesse relembrar o motivo de suas palavras. - Já me sinto o irmão mais velho super protetor. - rimos, porém Jamie logo desfez o sorriso e adquiriu feições preocupadas. - Ah, mãe, ainda bem que você está sorrindo agora! Pergunta para a vovó como eu fiquei preocupado ontem, quase fiz um buraco no chão da sala de tanto ficar andando para lá e para cá. - o garoto gesticulava e arregalava os belos olhos verdes enquanto me contava, ocasionando mais risos. Mamãe confirmou com um aceno.
- Imagine só quando for a esposa dele em trabalho de parto. - ela comentou, arregalando os olhos como se conseguisse imaginar perfeitamente a situação. Jam respirou fundo e depois meneou positivamente com a cabeça. 
- Preciso procurar o papai e pedir alguns conselhos para ele mais tarde.
Bem mais tarde, rapazinho! - alertei, adquirindo um semblante mais sério, porém precisei desfazê-lo para sorrir novamente. - Ok, não tão tarde assim, filho, só... Espere até a formatura do colegial, pelo menos. - gracejei, fazendo com que meu filho franzisse o cenho. 
- A formatura? Claro que não, mãe! Eu não vou aprender a ser um pai até os dezoito anos, isso é um fato. - era incrível como ele conversava de forma tão inteligente, sempre parecidíssimo com um adulto. Aliás, ela estava cada dia mais perto de realmente ser um. - Por enquanto, e por mais alguns anos, eu só quero irmãos. 
- Mais irmãos? - questionei com uma sobrancelha arqueada.
- Por que não? O papai diz que quer um time de futebol, não é? - relembrou Jam.
- Oh, você sabe sobre o time de futebol? - pedi, fingindo estar desconfortável com o fato, fazendo-o rir. 
- Não se preocupe, seria ótimo ter um time de futebol de irmãos. Aliás, na sua próxima gravidez, tomara que sejam gêmeos. Vai ser muito legal! - diante tanta empolgação expressa na voz de Jamie, voltei a erguer as sobrancelhas, olhando espantada para mamãe que apenas ria e espalmava as mãos no ar como se dissesse "O que posso fazer? É o seu filho!"
- Certo, certo, podemos discutir isso mais tarde, meu amor. - recomendei, não por estar desconfortável com o assunto, mas porque eu havia dado a luz há poucas horas e não era como se pudesse "planejar gêmeos" naquele exato momento. Imaginei qual seria a reação de Joseph ao ter conhecimento da vontade do filho. Imaginei meu marido segurando dois bebês, em um cada braço. Imaginei a enorme bagunça que fariam e nossa casa cheia no Natal, e... Neguei com a cabeça, centrando minha atenção apenas ao presente. - Olhe só, temos uma linda bebezinha aqui conosco. Que tal nós darmos todo o amor que ela merece? - sugeri, voltando a olhar para Sophie que acabara de soluçar enquanto eu lhe fazia um carinho pela bochecha fofa, notando que a pequena mantinha os olhinhos sempre abertos, prestando atenção em tudo ao seu redor. Jamie, provavelmente tão babão quanto Joe, novamente começou a fazer graça para chamar a atenção dela. Era uma cena mais do que adorável. Matt não demorou a fazer o mesmo, questionando o fato de que Soph não falava nada. Risonha e paciente, lhe expliquei o motivo. Seria apenas questão de tempo para que eu presenciasse conversas entre os três.
Quando mais velhos, os três talvez se dariam super bem ou se desentenderiam com frequência, mas o importante era o fato de que, sim, se amavam e estariam ao lado um do outro para sempre. 
Entristecendo-me, logo levaram Sophie, pois estava na hora de realizarem outro procedimento necessário em minha bebê, como testes de audição, visão, ossos e coração. E após quarenta e oito horas de seu nascimento, seria feito o teste do pezinho. Mas eu sabia que nenhum daqueles testes apresentaria alguma anormalidade; minha filha era cem por cento saudável e isso ficava evidente apenas olhando para o seu rosto, seus olhos de uma vivacidade incrível. Após retornar de sua refeição e ficar um tempo ali conversando conosco, notei que Joe pegou Matthew em seu colo e anunciou com um olhar sério que me deixaria descansar mais um pouco, levando nossos filhos consigo. Neguei prontamente com a cabeça, chamando-o com um sussurro e lhe dizendo as palavras de forma quase inaudível, para que apenas ele ouvisse:
- O Jam tem idade para entender que a Soph precisa de atenção e cuidados redobrados agora, mas o Matt não. Por favor, Joe, deixe-o aqui comigo, quero estar perto do meu bebê. - pedi tristonha, temendo que meu menino se sentisse menos amado por estar vendo nossas atenções tão centradas em Sophie. Eu jamais permitiria que isso acontecesse. - E você também, não vá a lugar algum. É uma ordem! - sentenciei, séria, porém sem deixar de gracejar ao dizer. Joe riu, negando com a cabeça.
- Vejam só essa mulher que eu amo... - ele suspirou, fingindo-se de derrotado, como se não tivesse outra opção senão aceitar o que lhe foi designado. - Mais mandona do que nunca. - comentou com aquele seu ar brincalhão, voltando a colocar Matthew sobre a minha cama. Os profissionais do hospital onde eu permanecia internada eram muito centrados no bem estar de seus pacientes, monitorando-me e monitorando o bebê a todo o instante. Repouso para uma mamãe era algo imprescindível, mas, ainda bem, eu logo poderia levantar novamente e caminhar um pouco. Ah, e poderia também dar o primeiro banho em minha garotinha. Não seria o primeiro banho de sua vida, mas seria o primeiro que eu lhe daria. Que Joseph estivesse com a câmera bem preparada. 
- Olha só que mamãe mais linda! - o som da voz de Jennifer me surpreendeu, e fiquei imensamente feliz por vê-la surgir em meu campo de visão com os braços esticados em minha direção. - Ah, amiga, parabéns! - abraçamo-nos meio sem jeito assim que Jen tentou esconder que seus olhos estavam marejados, já que a cama interferiu naquela ação. Ela me parabenizou outras vezes mais, comentando o quanto Soph era linda e nós permanecemos assim por um tempo, conversamos animadamente. 


Aquele dia ensolarado e de um pleno céu azul transcorreu vertiginoso. Recebi várias visitas queridas, dei o meu primeiro banho em Soph com Joe ao meu lado tirando muitas e muitas fotos - meus filhos tinham tendência a gostar de água desde bem pequeninos, era uma certeza. Depois recebi mais visitas, me emocionei e vibrei de felicidade graças a mãe coruja que sempre seria e posei para mais fotos. Um dia e meio depois, finalmente, recebi alta. Minha recuperação foi rápida, possibilitando que eu fosse liberada em apenas dois dias após a internação, tanto é que desprezei a cadeira de rodas e fui caminhando até o carro de Joe com minha filha em meus braços. Sophie e eu éramos duas mulheres fortes e saudáveis, muito saudáveis. Tinha conhecimento de que ainda estava bastante vulnerável, necessitava de um período estipulado para descansar e sabia que ele se estenderia por algumas várias semanas, mas as pessoas que eu amava eram tão atenciosas e carinhosas que eu logo me recuperaria cem por cento. Com Joe ao meu lado, tão focado em me proporcionar o mais genuíno bem estar e sempre me oferecendo seu abraço como o abrigo mais aconchegante do mundo, eu não tinha nada a temer. Nada.
Ao deixar a maternidade com um bebê em meu colo que trajava um macacão vermelho, um casaquinho branco de lã por cima e protegido do gélido frio londrino pela manta vermelha - estava linda, com direito a luvinhas brancas cujas barrinhas eram rendadas e uma touquinha adorável protegendo-a da temperatura -, mais fotos. Muitas, muitas fotos. Joseph tinha um sorriso que quase não cabia em seu rosto. E não era muito diferente com mamãe, Jam e Matt.
Imaginei as diversas recordações que teríamos daqueles dias, e dos que ainda estavam por vir. 
Mal podia esperar pelo momento em que Sophie começaria a crescer, a se tornar uma mocinha. Seríamos cúmplices, conversaríamos sobre qualquer coisa. Eu estaria disposta a lhe ensinar tudo sobre a vida, estaria disposta a sempre ouvir o que ela desejasse e precisasse dizer. Faríamos compras juntas, compraríamos lindos vestidos de verão. Ela, com apenas seus seis ou sete anos, insistiria com um bico irresistível para usar minha maquiagem, mas eu permitiria que ela utilizasse apenas um batom em um leve e delicado tom de rosa. Minhas roupas se tornariam tendência de moda em uma passarela denominada a sala de nossa casa, onde ela desfilaria desengonçadamente devido aos sapatos bem maiores que seus pezinhos. 
Chegará o dia em que ela sofrerá, talvez por amor, talvez por qualquer outro infortúnio da vida... Mas eu sempre deixarei bem claro que o mundo pode deixá-la desprotegida, mas eu não deixarei. Seu pai não deixará, e seus irmãos muito menos. 
Eu farei tranças em seus cabelos, assim como mamãe costumava fazer nos meus. Vou pintar as unhas de seus pés da mesma cor utilizada nas minhas, porque eu tenho certeza que ela vai me pedir algo assim. Vamos organizar grandes festas surpresa para Joe e para os meninos, sujando toda a cozinha de farinha. Mas pelo menos com a certeza de que nosso bolo ficará incrível depois de pronto. Minha filha me enxergará não apenas como sua mãe, a responsável por sua vida, mas também como sua melhor amiga, sua confidente. 
Eu desejo com todo o meu coração que meus filhos possam ser tão felizes quanto eu fui, quanto eu sou e quanto sei que ainda serei. Que sejam capazes de driblar as dificuldades e sorrir depois de uma árdua batalha. Que encontrem alguém capaz de completá-los em todos os sentidos; que sejam agraciados por um amor infindável. Espero que realizem seus sonhos mais inalcançáveis, se assim tiver de ser. 
Eu vou estar sempre presente, na primeira fila, aplaudindo suas conquistas e torcendo pelas próximas. E também vou acolhê-los em meus braços e enxugar suas lágrimas após as derrotas, mas sem jamais permitir que desistam de lutar e acreditar nas imensuráveis chances que a vida oferece para seguir em frente e recomeçar. 
Posso não ser uma pessoa perfeita, aliás, sei que não sou. Fui agraciada pela conquista de viver sem o peso de meus erros passados, mas uso todos eles como fortaleza para lutar contra minhas incertezas e temores. A época turbulenta que vivenciei serve apenas como um lembrete de que, sem escuridão, não existem estrelas e seu brilho reconfortante embelezando o céu. No entanto, apesar de ter conhecimento de minhas imperfeições como pessoa, sei que sou uma mãe perfeita. Meus filhos dizem isso a mim... Eu sei, são apenas crianças, mas eu acredito. Acredito porque não existe nada que me faça tão feliz quando isso. Tentar cada dia ser uma mãe melhor. E uma esposa melhor, também. Uma amiga melhor. Uma mulher melhor. 
Por hora, naquele instante, Sophie era apenas um bebê. Suas unhas não precisavam de esmalte algum e o sofrimento por questões incompreensíveis da vida era algo escasso em sua tão recente e reluzente existência. Mas o tempo voa. Então eu curtiria ao máximo aquela bonequinha tão delicada em meus braços, um anjinho que não precisava de mais nada além de meu cuidado e amor. Amor de toda a sua família, que a admirava e esperava apenas o seu bem. 
Desde que me tornei mãe, aprendi a valorizar as pequenas coisas. A aproveitar com afinco momentos tão simples e rotineiros, mas que provavelmente nunca mais se repetirão da mesma exata forma. Cada acontecimento é único, por mais que se repita várias vezes durante uma vida. Cada experiência é memorável a sua maneira, acrescenta sempre algo que um dia iremos nos lembrar e agradecer pela chance de ter recebido tal lição. Seja ela de esperança, persistência, superação, força, cumplicidade e, é claro, de amor. 
As pequenas coisas não parecerão tão pequenas quando, no futuro, olharmos para trás com a árdua intenção de relembrá-las durante uma busca desesperada por apoio. Por isso, o melhor que temos a fazer é aproveitá-las. 
Eu estou fazendo isso.


Alguns dias depois...

Sem dúvidas, aquele era um dos momentos que pais de primeira viagem mais temem. Ou anseiam, depende da coragem e do ponto de vista em questão. Como pais de segunda viagem - terceira se contássemos a adoção de Jamie que, para mim, fora emocionante da mesma forma -, felizmente não era o que se passava entre nós. Joseph afirmou que gostaria de dar banho em Sophie, sem auxílio. Não hesitei antes de permitir, afinal, ele não carecia de instrução alguma para dar banho, trocá-la e cuidar dela, pois conseguira aprender passo por passo dos cuidados imprescindíveis com bebês desde Matt. Nossa filha tinha apenas alguns dias de vida, toda uma vulnerabilidade que poderia intimidar um pouco durante atos como trocá-la e lhe banhar, mas os instintos maternos - e paternos, claro - sempre falam mais alto e nos instruem em circunstâncias assim. E de uma forma milagrosa nós sabemos exatamente o que e como fazer. 
Joe retirou Sophie de seu berço com uma afabilidade exemplar, envolvendo-a em seus braços enquanto eu - já com uma câmera pronta para registrar momentos especiais - me encaminhava ao banheiro da pequena para que pudesse preparar a banheira sobre o suporte, toalha, roupas limpas sobre o trocador e tudo que meu marido precisaria. Decidi por permanecer silenciosa, inerte, apenas acompanhando seu desempenho, registrando-o em vídeo e inúmeras fotos. Mas estaria a dispor caso ele precisasse de ajuda. Encostei-me a uma parede próxima para que pudesse assistir tudo bem de pertinho e Joseph olhou em minha direção enquanto se preparava para dar início ao banho, sorrindo todo cheio de si como se dissesse "Olhe para mim, vou dar banho na minha filhinha pela primeira vez!". Correspondi ao sorriso com vitalidade, vendo-o utilizar de uma calma impressionante para colocar a filha sobre o trocador, jamais se esquecendo de manter uma mão na parte de trás da cabecinha de Soph para sustentá-la. Em seguida retirou seu casaquinho e macacão, sem esquecer dos cuidados necessários como manter seus dedinhos unidos enquanto passava as mangas e se certificar de que a gola não estaria pressionando sua cabecinha ao passar pela região. Após retirá-lo com maestria, meu marido fez o mesmo com o conjuntinho de malha que reforçava sua proteção contra o frio, livrando-a também de sua fralda, jogando-a em um lixo adequado ao lado. Tomou os cuidados essenciais e pediu que eu ficasse de olho em uma Sophie de perninhas irrequietas enquanto ele dava alguns passos e ficava mais próximo da banheira, dobrando seu braço e se curvando ligeiramente para que pudesse verificar a temperatura da água com o cotovelo. E pensar que cogitei a hipótese dele se esquecer daquele importantíssimo detalhe! Era incrível acompanhar suas ações.
Joseph voltou a se aproximar e pegou a bebê sonolenta em seus braços, levando-a até a banheira. Posicionou seu antebraço atrás da cabecinha dela, utilizando da mão que ficava ao seu lado oposto para sustentá-la por baixo do bracinho do bebê e por fim mergulhou inicialmente as perninhas gordinhas na água, deixando-a emergida mais ou menos até a altura de seu umbigo. Soph demonstrou estar confortável naquela posição, emitindo um som que interpretei como um agradecimento pela água quentinha. Ela voltou a balançar as perninhas e olhar firme para o rosto de umJoe ansioso, levemente apreensivo, que talvez temesse machucá-la ou lhe causar qualquer desconforto. Mas ele estava indo muito bem, fascinando-me com a visão de sua postura tão atenciosa, protetora e cuidadosa com a filha. Primeiro lavou seu rostinho, tomando pequenas quantidades de água com a mão livre para fazê-lo. Soph resmungou de início, ameaçando chorar e fechando os olhinhos em uma manifestação de desconforto ao tentar se esquivar, mas se adaptou logo. Ambos desfrutavam ao máximo aquele momento de interação. Prontamente tomei em mãos o frasco de xampu para bebês, ajudando meu marido ao depositar uma mediana quantidade do mesmo sobre sua palma estendida, vendo-o massagear o produto sobre o cabelo castanho claro de nossa filha, não deixando de conversar com ela durante todo o processo. 
- Olha só, Demi, ela está gostando! - meu marido comemorou, olhando de forma empolgada para mim. - Está gostando, Soph? É mesmo? Mas que ótimo! O papai tinha medo de te machucar, mas acho que agora ele pegou o jeito, certo? Avise se a água esfriar. - ri de sua última frase cheia de precaução, estimulando-o a me acompanhar nos risos. Diante de suas palavras tão entusiasmadas, me prontifiquei a encorajá-lo com um olhar firme, elogiando seu ótimo trabalho. Então ele pegou o sabonete localizado ao seu lado e começou a lavá-la de forma tranquila, zelosa, fazendo com que minha princesinha ficasse cada vez mais habituada a situação, apreciando seu banho. Era fascinante observá-la ali, tão pequena e delicada sob os cuidados de seu pai, que a tratava como se tivesse um frágil cristal em mãos. - Que banho bom, papai! - Joe disse alegremente, reproduzindo o que a filha provavelmente deveria estar pensando. Virou-a de costas para si cuidadosamente, sem pressa, mantendo-a segura ao apoiar o tórax de Sophie em seu antebraço. - Você só pode ser um peixinho, meu amor, veja só como gosta de água. Puxou a mamãe, não é? Ela adora o mar, piscinas, enfim, tudo que tenha água. Acredite no que eu digo, ela é quase uma sereia. - ele comentou sorridente, lavando os pequeninos pés que se balançavam submersos, até que ela voltou a emitir um som que relatava sua empolgação, balançando os bracinhos e perninhas. Risonha, neguei com a cabeça e senti meu rosto esquentar em consequência do que ouvi, puramente dominada pela satisfação de ter alguém como Joseph em minha vida. Era um dos inúmeros e maravilhosos momentos que vivenciávamos em família, algo que jamais poderia ser tirado de nós. Algo que jamais perderia a sua beleza. - Pronto, agora minha Sophie já está limpa e cheirosa. - ele a retirou da água, recebendo a toalha com capuz de orelhinhas e enrolando a filha por entre ela, deitando Sophie sobre o trocador novamente. Secou devidamente o bebê e fez toda a higiene necessária, não se esquecendo dos cuidados com seu umbiguinho. Segurou carinhosamente suas perninhas para uni-las e beijar ternamente ambas as solas de seus pezinhos, duas ou três vezes. Pegou a fralda limpa sobre o trocador e a colocou com habilidade em Soph, logo vestindoroupinhas confortáveis e quentinhas em nossa bebê, lembrando-se também das pequeninas meias. Após fazer tudo que deveria, voltou a erguê-la com um cuidado excessivo para aninhá-la em seu peito enquanto fazia carinho em sua bochecha com o dedo indicador. Agora era evidente que ele parecia ter um cristal delicado em mãos, tamanho o esmero com que a segurava. Levamos nossa filha até nosso quarto, onde pude trazê-la para os meus braços após protegê-la do frio com um cobertor, pentear seu cabelinho parcialmente seco com uma escovinha própria, passar um pouquinho de seu perfume cujo aroma era tão característico de bebês - delicado e tranquilizante, o melhor cheirinho do mundo - atrás de suas orelhas e lhe colocar mini pantufas de ursinho para proteger seus pés inquietos. 
- Ótimo trabalho, papai! - felicitei um Joe jubiloso por ter feito tudo de maneira correta. - Por que você tem que ser sempre tão maravilhoso em tudo que faz? Eu me sinto tão sortuda por tê-lo comigo. - não pude conter a alta dose de amor tão entregue em minha voz, conquistando um sorriso presunçoso de Joseph. Ele se aproximou de nós duas e, ao passar seu braço por meus ombros, grudou seus lábios aos meus, depois com cuidado sobre o rostinho de Sophie. A pequena ficou olhando para nós dois por um tempo, memorizando cada detalhe de nossos rostos. Decidi amamentá-la, encostando-me a cabeceira da cama onde poderia me aconchegar melhor aos travesseiros. Eu simplesmente adorava amamentar, adorava aquele valioso momento de paz e silêncio em que minha mente se conectava com a de minha filha e nós podíamos fortalecer ainda mais nosso vínculo. Com a fome saciada, minha pequena preciosidade se distraiu com uma de suas pequenas pelúcias enquanto eu a ninava, até que adormeceu confortável e quentinha em meus braços. Joe e eu ainda trocávamos olhares maravilhados toda vez que parecíamos nos dar conta da sorte que tínhamos por ter recebido os presentes mais primorosos que poderíamos querer em nossas vidas interligadas. 
- Eu nunca vou me cansar disso. - ele sussurrou para não atrapalhar o sono do bebê, contemplando as feições de anjinho com atenção. Olhei-o sem entender, apesar de apreciar seu timbre de voz tão sereno e satisfeito. - Antes de te conhecer, eu jamais imaginei que poderia curtir tanto a vida de pai, mas olhe para mim agora. - Joe riu de si mesmo e eu precisei acompanhá-lo. - Não me imagino mais sem essas pequenas pessoas entre nós. Não me imagino mais sem tudo isso que temos. 
- E quem disse que você precisa, meu amor? - sorri-lhe confiante, atraindo seu olhar ao meu. Joseph concordou com um aceno de cabeça, repentinamente mais animado do que antes. 


Dois meses depois...

Lembra quando eu mencionei o valor das pequenas coisas, mas que na verdade acabam se mostrando sempre tão grandes? O que meus olhos atentos presenciavam era a definição da importância de momentos assim. Ainda era manhã, uma chuvosa manhã propícia para manter o corpo relaxado sobre uma cama confortável e permanecer assim até que algum resquício de raio de sol trouxesse novamente a motivação necessária para dar continuidade a correria do dia a dia. Sophie acordou às seis, assim como todo dia, para mamar. Não resisti e decidi levá-la comigo até meu quarto para aconchegar ambas de nós em minha cama quente e confortável, onde se encontrava um Joseph ainda adormecido, com o típico semblante jovial e angelical. Acomodei-me silenciosamente com o bebê em meus braços, alimentando-a e apenas apreciando cada detalhe de sua existência enquanto mantinha um feliz, porém baixinho, diálogo com ela, por mais que estivesse parecido com um monólogo, já que eu era a única capaz de falar. Ela era um bebê tranquilo; dormia durante toda a noite e acordava de manhã apenas para mamar, voltando a adormecer logo em seguida. Sophie estava mais linda do que nunca; calminha, risonha, bem disposta e com muito apetite. Chorava apenas quando sentia algo que realmente estivesse lhe incomodando, fora isso, eram apenas resmungos esporádicos na intenção de chamar a nossa atenção e conseguir carinho. Eu não sabia explicar o porquê de meus filhos serem tão calmos assim quando recém-nascidos, mas me via imensamente agradecida por assistir seu puro bem estar todos os dias. Sophie já estava com dois meses e alguns dias. Ainda tão pequena e frágil, mas capaz de perceber tudo ao seu redor, manifestar-se a respeito de quase tudo. Ela sempre me seguia com o olhar, por onde quer que eu fosse. E Joseph não podia sentir ciúmes, pois era exatamente da mesma forma com ele. Agora os olhos de minha princesinha estavam impressionantemente mais verdes, como duas safiras primorosas. Seu cabelo havia crescido ligeiramente e seus bracinhos e perninhas com dobrinhas eram muito mais agitados; aos poucos ela descobria a finalidade de cada um, divertindo-se durante o processo. Já emitia risos e dava lindos sorrisos sem dentes com frequência. Os meninos estavam encantados com ela, ficavam perto da pequena o máximo que podiam. Especialmente Matt. Temi que ele demonstrasse ciúmes a princípio, mas isso não ocorreu. Meu menino até nos ajudava a cuidar dela, da forma que podia. Era simplesmente hilário quando ele perguntava o porquê de Sophie não respondê-lo. 
Logo Joe acordou, abrindo seus olhos lindos de forma sonolenta, evidenciando os primeiros vislumbres do azul de uma magnitude e intensidade esfuziantes. Sorriu imediatamente quando constatou a cena, vindo para mais perto de nós. Assim que fiz Soph arrotar, ele a levou para o conforto de seus braços fortes, porém dotados de um cuidado sem igual ao acolhê-la. Protegê-la com todo o seu amor. Continuei ali, apenas observando Joseph em seu momento tão paternal. Seu irrefutável jeito com bebês e a forma como ficava ainda mais lindo quando perto deles. 
Ele estava com o corpo deitado de lado, sustentando seu peso com o cotovelo pressionado contra o colchão. Entre nós dois, havia a pequena Sophie, que não tirava os olhos do pai, rindo, soltando gritinhos e prestando atenção em tudo que ele fazia com seus grandes e curiosos olhos verdes. Olhos iguais aos do pai. Joe sem dúvidas era o pai mais babão da face da Terra. Ele mal conseguia se controlar quando ouvia a risada contagiante da filha e imediatamente começava a rir junto. Era uma cena tão hipnotizante e espetacular, que não seria possível de forma alguma desviar os olhos. O fato de meu marido ter acabado de acordar, estar com o típico semblante sonolento e os fios de cabelo desordenados, tornava aquela cena ainda mais adorável. Conforme o passar dos dias, o vínculo entre pai e filha ficava mais forte, era tangível ao extremo. Tocante e encantador. O amor que eu sentia exalar por todo o cômodo era esplendoroso. A forma como Joe olhava para a filha despertava um repentino alvoroço em meu interior, deixando-me simplesmente eufórica, apaixonada pela minha própria vida. Desencadeava uma alegria suscetível apenas a crescer em meu interior. 
Mas todo o seu carinho e atenção destinada fielmente à pequena não fazia com que ele se desligasse de nossos outros dois filhos, muito pelo contrário. Por vezes, presenciei momentos em queJoe explicava a Matt como trocar a fralda de Soph, por mais que o pequeno não compreendesse e apenas alternasse seu semblante entre confuso e risonho. Entretanto, sempre muito participativo, não deixando a irmãzinha de lado um minuto sequer. Jamie, por outro lado, sabia cuidar muito bem dela. Vivia com Soph em seu colo, paparicando e a enchendo de beijos.
Nós dois trocamos um olhar conciso quando algo que ele disse fez a pequena soltar outro gritinho empolgado e balançar as perninhas com determinação. Analisei o body e a calça com tutu que ela usava e abri um sorriso, desejando que aquele conjunto de cenas tão cativantes jamais conquistasse uma hora definida para acabar. 
Talvez os olhos de Sophie brilhassem apenas menos do que os pequeninos brincos de brilhantes em suas orelhinhas - presente da sempre prestativa e, é claro, babona pelos netos, vovó Sue -, que combinavam com a delicada pulseirinha em seu braço. Joseph, carinhoso, aproximou seu rosto do bebê, beijando-lhe a bochecha duas ou três vezes de forma estalada, arrancando mais risinhos e sons indecifráveis dela. 
As coisas aconteciam rápido diante de meus olhos, o tempo transcorria vertiginoso. Matthew cada dia estava maior, cada dia se mostrava mais inteligente e desenvolvido. Seu vocabulário aos dois anos de idade já se mostrava bem extenso, na verdade, meu menino já conseguia pronunciar quase tudo e já podíamos manter longos diálogos com ele. Jamie, aos poucos, ia se despedindo da infância, mas sem perder sua aura límpida, sem deixar de nutrir seus grandes sonhos e sem se permitir parar de acreditar em toda a mágica presente no mundo. Obrigada, Harry Potter!
- Olhe para a mamãe... - Joe apontou para mim com o rosto, atraindo a atenção de Soph para o ponto almejado. Sorri involuntariamente, aproximando-me de minha pequena preciosidade. Agora nós três estávamos pertinho um do outro. Não havia frio que conseguisse nos atingir. - Ela é linda, não é? - ela respondeu com seus típicos sons incompreensíveis. Porém, seu pai demonstrava que entendia perfeitamente o que ouvia. Aquela era uma das características mais marcantes e que mais me fascinava na relação de Joseph com seus filhos. Ele sempre agiu da mesma forma com Matthew, conversando com o pequeno como se fosse gente grande. - Sim, eu concordo. Vocês são as mulheres mais lindas do mundo. Eu sou um homem tão sortudo por estar tão perto das duas, não concorda? - aficionada ao que enxergava, precisei fechar meus olhos por um instante para lidar com a agitação em meu anterior toda vez que Joseph falava coisas como aquelas. - Mas, Sophie, nem pense em se aproveitar dessa beleza antes dos trinta anos de idade, certo? - a voz de meu marido atingiu um tom de seriedade que me fez gargalhar. E, por incrível que pareça, a pequena passou a prestar atenção no que ele dizia, e logo após bocejar, emitiu um som digno de alguém que protesta, como se tentasse manifestar sua opinião naquele assunto. - Você está me contrariando, mocinha? Como assim, sua sapeca? - após fingir que ia torcer seu narizinho, seus dedos tocaram a barriguinha dela, realizando leves cócegas que fizeram minha Soph fechar os olhos e chacoalhar ainda mais as pernas gordinhas. Novamente, seu pai não conseguia resistir e se deixava levar, soltando risos contagiantes. - O papai ama muito você, minha princesa, ele vai fazer o possível e o impossível pela sua felicidade. Sempre. Não tem jeito, você vai ter que lidar com o jeito durão dele caso alguém tente te machucar. Porque, antes de alguém tentar te machucar, vai ter que me machucar. E pergunte a sua mamãe sobre a força que o papai tem, ele é quase um super herói! Então, não se preocupe, não há nada mais forte que isso, nada forte o bastante que não possa ser resolvido pela mamãe Demi e por mim. Estamos combinados? - Joseph tomou a frágil mãozinha de Sophie para si, beijando-a ternamente e depois deslizando seu dedo indicador pelo rostinho rosado, notando como nossa filha reagia ao carinho e estendia seus bracinhos, como se quisesse retribuir. Então, meu marido voltou a inclinar seu corpo, deixando seu rosto alcançável para a bebê, que roçou seus dedinhos pela região. - Oh, obrigado, meu amor. - ele agradeceu sorridente. Perguntei-me se existia coisa mais preciosa no mundo. - Parabéns pelo excelente trabalho, senhora Jonas. Como sempre. - sorri orgulhosa, pois sabia que ele se referia a nossos filhos. 
- Ele não seria tão promissor sem a sua ajuda. - acrescentei, cobrindo-me melhor para evitar as correntes de arrepio que rodeavam minha pele devido ao clima gélido. - A respeito do nosso time do futebol... Se for para presenciar cenas assim todas as manhãs, eu aceito. Eu aceito e eu aceito. - comuniquei risonha, com uma empolgação expressão em minha voz. Joe olhou em meus olhos com o seu poder de me deixar nas nuvens e depois revelou seus dentes impecáveis em um sorriso sonhador. 
- Não precisa ser necessariamente um time de futebol, mas eu não estava brincando quando disse que quero, sim, ter muitos frutos do que nós temos. - sua mão livre tocou minha cintura por debaixo das cobertas, realizando uma carícia gostosa. - Sem mencionar o fato de que fazer bebês com uma mulher como você faz de mim o homem mais afortunado do mundo. - eu não sabia se ria da forma cômica como ele pronunciou àquilo, ou se me deixava levar pela emoção de um estimado momento e unia nossos lábios. - Veja só, Sophie concorda. - ele fez referência a pequena, que tentava participar de nossa conversa. - Eu sabia que podia contar com você, minha gatinha! - ele encenou um high five com ela, empolgado. Diverti-me, atraindo a atenção de minha filha e beijando-lhe as mãozinhas. 
- Tem certeza que não quer que eu te acompanhe até Greenwich? - pedi mais uma vez, um tanto quanto curiosa. Joseph havia dito apenas que visitaria a família Montgomery e resolveria umassunto delicado de uma vez por todas. Ele não queria me dar detalhes do que se tratava. Preferi esperar pelo resultado.
- Não precisa, Demi. Você já me ajudou a tomar a decisão sem nem mesmo perceber. - ele garantiu, misterioso. Suspirei, negando com a cabeça. Afinal, qual decisão seria aquela que ele misteriosamente citava, mas não se dava ao trabalho de partilhar por completo?
- Você faz muito mistério, eu não gosto disso. - comentei emburrada, porém sabendo que mentia, pois aquele lado misterioso era uma de suas qualidades mais instigantes. 
- Mas você gosta de mim. - ele relembrou com um sorrisinho enviesado. Aproximamo-nos e unimos nossos lábios em um selinho breve. - Você é louca por mim. Você só não arranca as minhas roupas agora mesmo porque a Soph está aqui. - Joe disse todo cheio de pompa, obrigando-me a rir após empurrar sua perna com uma das minhas.
- O que deu em você hoje? Está muito animadinho para o meu gosto. - investiguei, brincando com as pontas de meus cabelos. Sophie também apreciava brincar com elas. 
- Eu é quem devo te fazer essa pergunta, senhora Jonas. Você é sempre a responsável pela minha... Animação. - ele ergueu as sobrancelhas sugestivamente. Ah, como aquele semblante sedutor mexia com as minhas estruturas!
Sem se descuidar um segundo de Soph, ele conseguiu vir para ainda mais perto de mim e passou a depositar beijos pela região descoberta de meu pescoço. 
- Você é impossível, Joseph Jonas. - falei, embrenhando meus dedos por seus fios de cabelo, puxando-os gentilmente. 
- Mas totalmente possível quando se trata de você, três M's
- Três M's? - pedi confusa, olhando em seus olhos e percebendo como brilhavam. A felicidade dominava cada célula daquele ser humano tão incrível.
- Minha... - senti seus lábios tocarem os meus, depois percorreram a distância entre meu maxilar. - Mulher... - onde pude sentir outro toque quente. - Maravilhosa. - moldei meus lábios em um sorriso eufórico ao ouvi-lo explicar. Depois, voltamos a nos concentrar em nosso pequeno e valioso pedacinho de felicidade. Joseph assistiu com olhos vidrados quando chegou a minha vez de mimá-la um pouquinho. Eu realmente não sei se existe algo melhor do que a experiência de ser mãe; a mais genuína beleza presente no brilho daqueles olhinhos que dizem tanto quando se encontram com os meus. 
Infelizmente, a chuva brevemente cessou e eu reclamei com um suspiro por ter que deixar a segurança de minhas cobertas quentinhas e, principalmente, encerrar aquele momento tão estimado e indescritível entre nós três. Levantamo-nos preguiçosamente e cada um seguiu uma direção. Após escolher as roupinhas do dia de minha princesa, arrumei-a e esperei que Joseph terminasse seu banho para que eu pudesse fazer o mesmo enquanto ele estivesse cuidando dela. Havia um Baby Bouncer localizado em um dos cantos do quarto, mas eu considerava Sophie pequenininha demais para ficar ali sozinha e se distraindo enquanto eu realizava meus simples afazeres matinais. Ela também se distraia com o Móbile de seu berço, mas o calor de meus braços parecia ser o seu lugar favorito em todo o mundo. E, de fato, eu não importava em mantê-la ali pelo tempo que quisesse. 
Por fim, consegui tomar um bom banho e pude escolher sem pressa roupasapropriadas para o clima daquele dia, assim como cuidar de meus cabelos e fazer uma maquiagem caprichada, porém singela. Naquele dia, Sophie, mamãe e eu teríamos um dia de garotas com direito a compras e um passeio agradável pelo parque da cidade. Ou melhor, um dia de garotas e garotos, afinal, meus dois príncipes também estariam conosco. Detalhes. Observei meu reflexo no espelho e desfrutei de um momento para me presentear com um pouco de atenção. A vida corrida após ter um bebê é certeira, por mais que traga apenas memoráveis momentos e ilustres recompensas. Aos poucos recuperei totalmente minha boa forma, por mais que sentisse falta de minha barriga de grávida. Algo inevitável. Consegui minha cintura de volta e ganhei curvas ligeiramente mais acentuadas, mais precisamente localizadas em meus quadris e região dos seios. Algo que havia me agradado bastante. E a Joseph também, obviamente. Segundo ele, meu corpo após a gravidez ficara ainda mais incrível.
- Não preciso me preocupar, preciso? - pedi a ele quando terminei de me arrumar, permitindo que meu tom de voz beirasse a preocupação. Pude observá-lo já vestido, sentado sobre a cama agora arrumada com uma Sophie toda pomposa - com direito a um pequenino lacinho rosa na cabeça, uma roupinha tão adorável e sapatinhos estilo bailarina - em seu colo. Meu marido negou com a cabeça após revirar os olhos mediante minha preocupação, levantando-se para ficar mais próximo.
- É claro que não precisa, Demi. Eu só quero encerrar determinada questão de uma vez por todas. Você será a primeira a saber. Depois do Philip, é claro. - arregalei minimamente os olhos, franzindo o cenho em seguida.
- O que o Philip tem a ver com isso? - expressei minha curiosidade latente sem saber mais como lidar com a mesma, embora soubesse que se fosse algo grave Joseph jamais esconderia.
- Você vai descobrir, mulher curiosa. Logo. - não obtive tempo para processar a informação, já que ambos de nós viramos nossos rostos na direção da porta entreaberta quando o som da voz de Matt ressoou de seu quarto. Aproximei-me da porta e pude ouvir com clareza suas palavras, abrindo um sincero sorriso. Ele dizia com a voz empolgada "Quelô fazê xixi!". 
Tínhamos dado início ao processo de desfraldamento de Matt algumas semanas antes e os resultados se mostravam, sem dúvidas, comemorativos. Com apenas dois anos e dois meses de idade, meu ursinho estava indo muito bem nessa nova etapa de sua vida. Exatamente como em todas as outras. Apesar de dormir com a fraldinha, por precaução, ele pedia para ser levado ao banheiro assim que acordava e durante o dia. No começo, obviamente, não era tão fácil assim. Eu podia deixá-lo sem fralda durante o dia, pois sabia que ele me pediria quando quisesse ir ao banheiro, mas durante à noite precisava assegurar que nenhum incidente acontecesse, algo que pudesse desencorajar meu filho. 
Joe sorriu quando conseguiu ouvir o pedido do filho, trocando um olhar entusiasmado comigo. Ele e Jamie, sendo os homens da casa, estavam ajudando Matthew com todo o processo. Eu havia lido que se existem figuras masculinas por perto, o desfraldamento de um menino será mais fácil e rápido.
E pensar que algum tempo antes aquele pedacinho de gente era tão vulnerável e nem de longe adepto a determinadas coisas, dependente de nós para tudo. 
- É com você, papai. - falei com um tom animado de voz e sobrancelhas arqueadas, arrancando um riso de Joseph. Seu semblante transparecia orgulho. Aliás, a cada novidade que nossos filhos manifestavam, o orgulho explodia em nossos corações. 
- Estou indo, garotão! - ele disse alto na intenção de fazer o filho escutá-lo. Peguei Soph com cuidado e nós duas assistimos Joe sair pela porta, adentrando o quarto de Matt. Pude ouvir o som da risada do bebê em consequência de algo que o pai lhe disse, e logo meu marido deixou o cômodo com o pequeno em seu colo. Ele me olhou como se dissesse "Vamos torcer!" e eu imitei sua expressão, permanecendo estagnada ali, apenas nutrindo expectativas e mimando minha Sophie que agora estava sonolenta, aproveitando sua chupeta rosa. Cerca de cinco minutos se passaram e então ouvi a voz de meu marido anunciar "Muito bem, agora vamos lavar as mãos!", e depois os dois saíram do banheiro localizado ao fim do corredor. Joseph estava sorridente e Matthew - não mais no colo do pai, agora caminhando sozinho - tinha um semblante jubiloso. A forma como o homem olhava para o filho era algo belo de se presenciar. - Esse é o meu garoto... Que está se tornando um homem! Que orgulho! - meu marido comemorou com empolgação na voz e os dois sorriram um para o outro. - Eu sabia que você conseguiria, campeão. - após se abaixar diante do filho, Joe beijou-lhe a testa, bagunçando o cabelinho já bagunçado do bebê. - Agora é apenas questão de tempo até que tenha barba, um carro, uma namorada...
- Menos, Joseph! - resmunguei na intenção de alfinetar as ideias precoces de Joe, encenando estar inconformada com o que ouvia. 
- Não ligue para a sua mãe, ela é muito ciumenta. - aconselhou ao filho com seu semblante superior cuja intenção era sempre - e apenas - me provocar. Os dois me fitaram daquela mesma forma, sapecas.
- Ciumenta! - Matthew pronunciou direitinho, fazendo-me gargalhar. Até Soph quis participar e emitiu risinhos adoráveis. 
Era tão importante para mim acompanhar o desenvolvimento e as conquistas de meus filhos. Todas. Desde as mais simples até as mais importantes. Ser mãe era a melhor coisa do mundo. No meu caso: uma super mãe. Sim, eu tinha o direito de me intitular assim. 
- Veja só, meu Matty conseguiu! - ele concordou animado com um gesto de cabeça. - Que felicidade, meu amor. Vem aqui! - voltei a entregar Soph aos braços de Joe e trouxe Matt para os meus, beijando-lhe as bochechas até que ele começou a reclamar por estar sentindo cócegas. - Meu homenzinho lindo! 
Provavelmente curioso a respeito daquela agitação repentina no corredor, Jamie abriu a porta de seu quarto e revelou cabelos bagunçados e um semblante mais sonolento que o anterior deJoseph. Contamos a ele sobre o feito de Matt e o garoto fez questão de pegar o irmão no colo, parabenizando-o. 
- Eu esqueci de contar! - ele elevou ligeiramente seu tom de voz, arregalando os olhos azuis. - Ontem eu ganhei um concurso de redação na escola e a professora disse que um dia eu vou ser um grande escritor. - Jam disse de súbito, surpreendendo a Joseph e eu. Pedimos mais explicações e nosso filho se dispôs a concedê-las. 
- Prepare-se, Demetria, mais uma avalanche de orgulho se aproxima de nós. - meu marido recomendou e eu ainda tentava acreditar que, apenas no começo daquela manhã, já havia recebido duas grandes notícias. Meu Jamie um escritor? Incrível! 
Mais tarde, depois que cessamos as comemorações - a muito contragosto, por sinal -, despedi-me de um Joseph determinado a encerrar uma determinada questão que, apesar de garantir não se tratar de algo alarmante, ainda era capaz de me deixar apreensiva. Contudo, desisti de nutrir tal sentimento e tentei me focar somente em pensamentos benévolos.
Se realmente se tratava do que eu imaginava, não havia como deter a brisa gélida que parecia soprar contra a boca de meu estômago.
Será que Joe havia, finalmente, tomado a decisão?


Joseph's P.O.V

"I watched the world float to the dark side of the moon
After all, I knew it had to be something to do with you
I really don't mind what happens now and then
As long as you'll be my friend at the end.
"
(Kryptonite - 3 Doors Down)


(Coloque a terceira música para tocar. Ela é trilha sonora de todas as cenas envolvendo a grande decisão do principal, então recomendo ouvi-la até que ocorra um avanço no tempo!)
Eu havia tomado uma decisão. Uma das mais importantes de minha vida, provavelmente.
Optei por permanecer dentro de meu carro por alguns instantes, apenas observando a agitação que se espalhava pelos arredores do hospital, não apenas por seu interior. Três pessoas trajando típicos jalecos brancos caminhavam despreocupadas por ali, rindo de algo que alguma delas dizia. Tentei desviar o olhar, mas não consegui. Todos pareciam jovens, talvez até mais do que eu. Estava óbvio que ainda eram apenas médicos em formação, provavelmente residentes. Foi instantâneo, eu me imaginei ali, com eles. E não foi apenas isso que imaginei.
Minha mente fez questão de projetar diversas cenas, todas desorganizadas, porém compartilhando de um mesmo propósito. Havia branco, dos jalecos. Havia vermelho, do sangue. Havia medo, dos pacientes e seus familiares. Havia apreensão, em consequência de decisões de risco que não disponibilizariam tempo para serem tomadas com cautela. Havia satisfação, por salvar vidas.Havia pânico, por perder outras delas. E havia também a estranha sensação de que eu não sabia mais o que todo aquele emaranhado de situações queria alertar. O pensamento preciso e centrado no que tais eventualidades poderiam ocasionar em minha vida.
Em um ímpeto de consciência, coloquei meu corpo para fora do carro. Caminhei vagarosamente pelo caminho que me aproximava do hospital, porém não desviei meu olhar do mesmo por um instante sequer. Os três jovens continuavam ali, desocupados, sentados sobre um dos bancos que faziam parte da área pertencente ao prédio. Será que seus sorrisos eram de fato consequência da felicidade que sentiam, ou apenas uma válvula de escape para afugentar determinadas mágoas? Será que tinham família? Será que amavam alguém? Será que tinham um lar e amigos, ou os encontros e desencontros da medicina os separaram da realidade que, atualmente, era a minha?
Os três levantaram de súbito, correndo de volta ao interior do prédio. Uma emergência, talvez.
Quando voltei a órbita, já estava caminhando sem rumo dentro do hospital. Todo aquele conjunto de imagens, cheiros e a atmosfera carregada ainda agitava meu interior. Uma mistura de curiosidade, expectativa para com o desconhecido, ansiedade e receio. Dirigi-me até a recepção e comuniquei que gostaria de falar com Philip Wright. Identifiquei-me como sendo o marido deDemetria, e logo uma das recepcionistas disponibilizou o paradeiro do médico. Ela recomendou que eu me apressasse, pois Philip estava se preparando para uma cirurgia que realizaria em duas horas. Prontamente peguei o elevador e observei o painel, apertando o botão correspondente ao andar que me fora indicado. Aproveitei o fato de estar sozinho e fiquei de costas para a porta, encarando minha imagem no espelho. Estava satisfeito com quem eu era, jamais poderia negar. Especialmente marido e pai. Sorri sozinho ao me lembrar de minha família, pois era algo que acontecia inconscientemente, diversas vezes durante um mesmo dia. Virei-me rapidamente quando cheguei ao andar desejado, caminhando meio sem rumo por aqueles corredores exageradamente brancos. Averiguei tudo ao meu redor, meio aflito. Várias pessoas de jaleco passavam por mim, deixando-me atordoado. Sem que eu soubesse o porquê. 
Quando eu estava tão desistente a ponto de girar em meus calcanhares e procurar novamente pelo elevador para ir embora, o dito cujo surgiu em meu campo de visão. Obviamente o homem estranhou me ver, já que era mais normal que Demetria fosse visitar o hospital. Por mais que minha esposa tivesse vendido sua parte, ela ainda amava aquele lugar. 
Sem cerimônias, eu esperei que Philip se aproximasse o suficiente para que pudesse ouvir o que eu tinha a dizer, sem que eu precisasse expor em voz muita alta. Não é muito respeitável vociferar em um hospital, certo?
- E se eu quiser me tornar um médico... Como vai ser? - lancei-lhe a pergunta daquela forma desleixada, sem me preocupar em explicar bem do que se tratava. O médico franziu o cenho, cruzando os braços até que ficou de frente para mim. 
- Primeiramente: olá, Joseph. Como vai? - seu tom cômico de voz dispersou um pouco aquela estranha tensão que me rodeava. 
- Vou bem, e você? - dei continuidade àquela formalidade, por mais que estivesse ansioso para receber a resposta de minha pergunta interior. Seja lá qual fosse ela. 
- Um pouco desnorteado, mas é sempre assim quando se tem uma vida em mãos. Grande cirurgia hoje. - ele explicou e eu ergui minhas sobrancelhas, meneando positivamente com a cabeça em um gesto de quem compreende a gravidade do fato mencionado. - Mas retornando a sua pergunta... Como você espera que eu responda algo assim? Não há o que responder, jovem. - continuei a encará-lo com um olhar sério, pois sabia que ele mentia. - Nada é igual para ninguém, por mais que se trate da mesma coisa. Você pode ter sorte, assim como pode ter muito azar também. Mas na vida tudo funciona assim, não é? - concordei, em silêncio. Philip começou a caminhar pelo corredor e sugeriu com um aceno que eu o acompanhasse. Eu me sentia o menino Joseph, seguindo um médico com pressa, disposto a descobrir em que sala ele entraria, o que ele faria, quem salvaria. Lembrava-me de fazer isso quando era realmente um menino, por mais que nunca tivesse a chance de descobrir o que de fato se passava do outro lado daquelas portas altas e misteriosas. - Admito que eu já esperava por algo assim, por uma visita sua. Não sou o que se pode chamar de conselheiro profissional, mas fico feliz em saber que a minha opinião importa.
- Você ainda não me disse o que eu quero saber, Philip. Como é... - fiz um gesto com os braços que fazia referência a tudo ao meu redor. - ...essa vida?
- Como é a sua vida? - ele rebateu minha pergunta com outra, deixando-me frustrado. 
- É excelente. - respondi sem pensar ou hesitar. Era a mais plena verdade. 
- Bom. E receio dizer que... - o médico efetuou uma pausa, como se tentasse calcular o peso das palavras que diria em seguida. - Se a sua intenção ainda estivesse centrada em algo que envolve... - então ele imitou meu gesto e salientou tudo ao seu redor com as mãos. - ...essa vida, você não estaria me fazendo tal pergunta, pois saberia a resposta. 
Persistir em algo incerto é como nadar contra a correnteza. Você espera driblar aquele desafio, mas há uma parte de você que afirma: não vai dar certo. Você teme ouvi-la e depois se arrepender por desistir de sua perseverança, mas também teme ignorá-la e não conquistar o que esperava. Se é que será capaz de conquistar alguma coisa. Prendi o ar em meus pulmões e fui soltando-o aos poucos pela boca enquanto media cada canto do lugar por onde Philip e eu passávamos. Senti que precisava dizer o que estava entalado em minha garganta, conjuntos de palavras que eu tinha medo de dizer até para mim mesmo de frente ao meu reflexo no espelho. Palavras que eu nutria receio diante o simples ato de relembrá-las. Mas não havia mais como evitar. 
- É um sonho que eu tenho, provavelmente, desde que cheguei ao mundo. - comecei, atraindo a atenção do médico para o que eu dizia. Mas eu não olhava em sua direção, na verdade, escolhi compartilhar minha inquietação com qualquer coisa desprovida de vida que não pudesse me julgar com um olhar, com um gesto ou até mesmo com palavras que seriam sobrepostas às minhas. Escolhi encarar a parede, o chão e o meu relógio de pulso, respectivamente. - Só que eu não sei mais se ainda é realmente um sonho ou a sensação de que ainda preciso realizá-lo, a obrigação de realizá-lo. Às vezes eu nem sei se é o que ainda quero. - referindo-me a medicina, fechei os olhos por um instante. Grato por finalmente conseguir dizer aquilo em voz alta. Algumas pessoas ao meu redor, apenas aquelas que me conheciam de verdade, tinham conhecimento pleno de meu sonho de infância. Mas o que fazer quando, de repente, o sonho de infância se torna apenas o sonho de infância? Ou seja: do passado. Eu sei, pareço muito contraditório. Minhas decisões voltadas a minha vida profissional pareciam tão contraditórias e instáveis que por vezes eu perdia a paciência e deixava de repensá-las por um tempo, caso contrário, sentia como se tivessem a habilidade de me sufocar. Talvez eu ainda fosse jovem demais, talvez eu ainda fosse aquele garoto assustado e indeciso. Mas, parando para pensar... Não, é claro que eu não era aquele garoto! Aquele garoto não estaria onde eu estava naquele momento, tomando uma decisão tão importante. - Eu coloco os prós e os contras de estudar medicina em uma balança imaginária e percebo como o peso dos contras é maior. E então, eu coloco os prós e os contras de ter uma família nessa mesma balança... - cessei minha fala, notando um grave erro ali. Tratei de corrigi-lo imediatamente: - Quer dizer, eu faria isso se existisse algum contra. - finalizei compenetrado e sorri brevemente graças a menção de minha família, vendo Philip concordar com um aceno apesar de permanecer em silêncio. - Minha filha, Sophie, tem apenas dois meses de vida e já sorri só de me ver. E eu não quero perder outros sorrisos como os que recebo agora, Philip. A questão aqui não é desistir de um sonho pela família, mas sim de escolher o "sim" ao invés do "talvez". - expliquei com o máximo de lógica que encontrei, percebendo que Philip, ao contrário do que imaginei, não dotava de uma expressão repreensiva ou algo semelhante. O homem quase sorria, era bem visível.
- Você não tem por que se explicar. Você não precisa se frustrar porque não sonha um sonho da mesma maneira como costumava fazê-lo antigamente. Algumas coisas mudam, nós mudamos. Talvez você não seja mais a pessoa que desejava salvar vidas, mas que não teria alguém para salvar a sua própria. Talvez agora você seja uma pessoa que, sim, pode salvar vidas, mas tem outras pessoas que farão questão de salvar a sua quantas vezes for necessário. - eu prestava atenção em suas palavras de forma estática, provavelmente ouvindo um dos conselhos mais decisivos de minha vida. - Não são apenas os médicos que salvam vidas, Joseph. Saiba disso, confie no que eu digo
- Então é isso? - pedi inconformado, olhando com certa descrença para tudo ao meu redor. - É assim que se desiste de um sonho? - Philip negou.
- Não. É assim que se percebe que há outros sonhos para sonhar. Ou, no seu caso, para realizar. - refleti por um instante, encontrando sentido no que ouvi. 
Sem perceber, naquele exato segundo, eu sabia o que queria. Talvez como nunca antes. 
Em outras circunstâncias, em outra época, em dias passados... Talvez ocupar minha vida salvando tantas outras fosse o certo para mim. 
Entretanto, naquele momento - e provavelmente durante o restante de minha vida -, eu tinha outra maneira de pensar. Eu tinha o que, antes, não parecia alcançável de forma alguma. Antes, eu não conseguia enxergar uma família para mim. Esse foi um sonho de minha adolescência, a medicina, mas então me dei conta de que realizei outro. Um que nunca me permiti sonhar, um indubitavelmente impossível para mim. Pelo menos a princípio. Realizei um sonho que nunca parei para nutrir, porque simplesmente não parecia viável, não parecia real. Porém, um sonho que sempre existiu, apenas ficou escondido onde ninguém poderia encontrá-lo. Até o dia em que conheci Demetria. Ela o encontrou escondido por baixo de várias camadas de dor, de hesitação e de medo. 
Um tipo de sonho que você teme sonhar porque sabe que provavelmente ficará apenas guardado em sua mente. Um motivo de lamento anos depois quando perceber que não o realizou. 
E sabe qual é a melhor parte? Perceber que eu havia realizado esse sonho. Aliás, eu ainda o realizava, cada dia um pouco mais. 
Eu poderia estudar medicina algum dia, poderia realmente ser um médico em um futuro encoberto pela distância de seu alcance. Mas eu não estava preocupado com o tal algum dia, o que me importava era o presente, aquele momento. Os momentos que o sucederiam. E eu não me importava em seguir a vida sabendo que não cumpri todas as metas que estipulei para mim mesmo. Como Philip havia dito, às vezes desistimos de determinados sonhos para poder realizar outros. Porque, no final do dia, o que vale é saber que você tem alguém para te desejar boa noite. E bom dia na manhã seguinte. E estar com você nos intervalos entre essas duas circunstâncias rotineiras, porém tão necessárias a vida. 
E eu não iria perder novamente os primeiros passos de um filho meu, assim como a sua primeira palavra e todos os registros de suas conquistas... Eu não iria perder nada

Deixei o hospital cerca de vinte minutos após aquela conversa, realmente me sentindo mais aliviado. Um peso repleto de incertezas havia sido retirado de minhas costas. Observei os profissionais que transitavam por ali pela última vez, sorrindo sozinho e imensamente satisfeito com a minha decisão. Havia um novo tipo de ansiedade presente, seguindo-me pela direção que eu trilhava, e foi bom descobrir que eu não a temia, de forma alguma. Mesmo que, de certa forma, ainda a questionasse e tentasse entender o motivo de eu estar tão satisfeito com a decisão tomada. 
Eu mal podia esperar para conversar com Demetria e lhe contar a minha decisão, pois sabia que ela me apoiaria independente de tudo. 
Apenas quando adentrei meu veículo, pronto para ir embora, me recordei de algo importante. Ao fechar a porta, fitei um envelope branco depositado sobre o banco do passageiro. Tomei-o em mãos e encarei o nada, como se buscasse forças para abri-lo. Era inevitável nutrir uma mísera quantidade de raiva ao me lembrar do responsável por aquele envelope. Raiva de sua fraqueza, de sua incapacidade em passar por cima dos problemas de sua vida que, infelizmente, não existia mais.
Respirei fundo e abri o envelope de uma só vez, evitando cerimônias. Notei as várias frases formadas por entre aquela simples folha de papel, descartando o outro documento sobre o banco - esse sim de grande importância. Foquei minha atenção no que se parecia muito com uma carta. E, aos poucos, confirmei que se tratava exatamente de uma. As palavras, a princípio, pareciam confusas e deslocadas, mas não demorou até que, uma a uma, fizessem total sentido. 

"Não pude lhe deixar coisas como orgulho e grandes ensinamentos, mas posso lhe deixar tudo que batalhei para construir. E talvez você possa ser mais do que eu fui - eu sei que vai, ou melhor, já é. Você poderá fazer deste legado algo que lhe torne digno de orgulho, ser alguém com valiosos ensinamentos a passar e estupendas experiências para relembrar. Era só uma rede multinacional de hotéis na minha época, mas eu sei que a partir de agora será muito mais. Faça da Companhia Jonas algo maior, plante seus sonhos nela e então poderá colher apenas realizações.
Você me chamava de herói, pois então, agora, estou lhe entregando minha capa. Voe alto. Salve o mundo. Aproveite a vista. Você pode. E não se esqueça o quanto sua família te ama. Você pode salvar o mundo, mas quem te salvará diariamente é ela. O amor é a coisa mais valiosa na vida de um homem, mas ele precisa ser destemido o suficiente para aceitar este fato. Os ignorantes farão pouco caso, dirão que é o de menos... Mas um homem de verdade reconhece o que lhe mantém de pé. E eu sei de tudo isso mesmo que tenha feito do amor um odiável inimigo.
Ame Demetria como se todo dia fosse o último. Faça de sua vida não apenas memorável, mas grandiosa o bastante para marcá-lo nesta Terra e torná-lo o inesquecível protagonista de grandes histórias que serão contadas em um futuro distante. E jamais se esqueça que o que faz de um menino um homem não é a quantidade de cicatrizes que ele adquiriu durante sua luta, mas sim quais ele é capaz de exibir ao mundo como marcas de sua vitória eminente. O importante, o fator crucial que irá definir o seu caráter, não é a quantidade de erros cometidos, mas o quanto você aprendeu com todos eles e a sua capacidade de se redimir e se reerguer após cada um. Não é resistir aos socos da vida e, como meio de vingança, virar as costas para ela, mas sim se mostrar merecedor das recompensas que, eventualmente, ela irá lhe oferecer. A recompensa que é vivê-la plenamente, um dia após o outro.
Encontrar a sua redenção e um novo motivo para seguir em frente, um novo caminho a seguir quando o anterior ruir diante de seus olhos cansados.
Continue.
Aproveite sua vida. Você lutou por ela, você a merece. Joseph Jonas é um guerreiro e sua armadura é constituída pela admirável habilidade de fazer da derrota e do incerto, um motivo para persistir no que é verdadeiro, no que lhe parece inalcançável durante um dia, mas que no outro estará ao seu total alcance. Sempre, todos os dias que marcarão sua vida.
Boa noite, herói. O amanhã é um novo dia, não hesite em vivê-lo. Mas não se esqueça de que ele é o resultado do que você faz hoje. E o que você faz, definitivamente, importa.
"

Não sabia como reagir diante de tudo que havia lido. Custava acreditar que palavras tão consistentes e sábias teriam sido escritas pelo mesmo homem que arruinou a própria vida. Desfiz-me daquele papel imediatamente, jogando-o sobre o banco de trás. Joseph Jonas sempre seria aquele que fugiu da coragem e abraçou seus maiores temores. Joseph Jonas sempre seria um covarde desgraçado que só deixou rastros de pura mágoa por onde passou. Joseph Jonas era um exemplo que jamais deveria ser seguido... Entretanto, Joseph Jonas também era o meu pai. Sempre seria o meu pai. E, de certa forma, ele havia me deixado grandes ensinamentos, ao contrário do que previra. 
Perdoar erros passados fazia parte da decisão que eu havia tomado naquele dia. Então, nada mais justo do que realmente tentar. 
Pensei em minha mãe. 
Eu ainda sentia uma parte vazia em meu interior toda vez que despertava sua memória. Ainda me perguntava o motivo de tê-la visto partir tão cedo. Porém, essa mesma parte vazia se preenchia quando eu olhava para as pessoas que haviam curado o meu coração antes estilhaçado graças ao excruciante medo de sucumbir à escuridão. Apesar de ser tão duro admitir todos os dias para mim mesmo que não poderia vê-la, sabia que ela me via. Na verdade, eu não tinha perdido minha mãe. Eu só não podia mais ver o seu rosto, ouvir sua voz e sentir o seu abraço. Nós só não podíamos estar no mesmo lugar ao mesmo tempo. E quem disse que isso é motivo para esquecê-la? O amor verdadeiro não se curva perante algo assim, aliás, ele não se curva perante nada. O infindável amor de Elizabeth jamais me abandonaria. Eu a via em cada sorriso de meus filhos, e automaticamente ganhava inúmeros motivos para sorrir também. 
Retirei o celular do bolso de meu casaco e descobri que havia uma mensagem com uma foto anexada. Neguei com a cabeça e deixei um sorriso surgir quando me deparei com a foto de Sophie, a pequena tinha uma expressão sapeca em seu rosto. O texto da mensagem, obviamente, era obra de Demetria: Olhe só para mim, papai, estou morrendo de curiosidade! Volte logo e conte para nós o que está aprontando!
Imediatamente liguei para minha Demi. Ela atendeu no terceiro toque, sua voz exalava curiosidade. Diverti-me ao notar. Disse-lhe que estava voltando para a casa e que, finalmente, poderíamos conversar a respeito do assunto que tanto a instigou. Ouvi o som da risada de Matt do outro lado da linha e acabei rindo também. 
- Então vem logo, meu amor. Aqui você tem três abraços de seus filhos te esperando, um almoço maravilhoso e, mais tarde, quando as crianças não estiverem por perto, quem sabe... Sua mulher de lingerie sobre a cama. - Demetria, minha mulher sempre tão sagaz, me provocou, deixando a voz mais baixa e tentadora. Segurei meu lábio inferior com os dentes, sorrindo com tal insinuação. 
- O que me diz sobre ela estar sem lingerie? – sugeri interessado, ouvindo-a rir e depois responder prontamente:
- A ideia soa tão bem que eu vou desligar agora para poder colocá-la em prática com antecedência. - e foi o que ela fez. 
Então dirigi para casa. Para o meu lar. Para a minha família. 
Eu estava ansioso para o que me aguardava. Não apenas em minha casa naquele dia, mas também durante todos os outros após aquele. 

Definitivamente, a chuva era uma inseparável companheira de quem vivia em Londres. Estava chovendo quando saí de casa rumo ao hospital e, novamente, chovia quando adentrei meu lar poucas horas mais tarde. Retirei meu casaco úmido e minha audição captou o som de uma música agitada soando da sala. Sorri antes mesmo de ver o que acontecia, pois conseguia imaginar o que poderia ser. Aproximei-me do cômodo, agora tendo uma ampla visão do mesmo. A pequena Sophie dentro de um bebê conforto sobre o sofá ria de três pessoas a sua frente, e logo eu passei a fazer o mesmo, ainda sem evidenciar minha presença. 
Demetria, Jamie e Matthew dançavam ao som de uma música que eu não conhecia muito bem, mas que poderia influenciar qualquer um a, pelo menos, arriscar alguns passos. Não consegui desgrudar minha atenção de minha esposa, perguntando-me o que havia feito para ter tanta sorte por tê-la comigo. Graciosa como sempre, porém totalmente desinibida e divertida, ela pulava a arriscava passos igual aos filhos, dançando de forma mais desleixada possível, sem se importar que alguém poderia estar vendo. Tão linda. Transparecendo toda a sua alegria. Demetria era tão viva e tinha um espírito tão jovial que eu duvidava que um dia ela perderia essa essência. Sua graça. Ela segurava a saia de seu vestido, balançando-a junto com os movimentos de seu corpo. Seus cabelos também seguiam todos os seus movimentos de pés descalços, deixando-me maravilhado. Ela com certeza se tornava uma criança perto de outras. Não se pareciam com uma mãe e dois filhos ali, diante dos meus olhos, mas sim três amigos. Essa era uma das melhores coisas em Demetria: ela não queria ser apenas a mãe de seus filhos, mas a melhor amiga deles, também. E eles, certamente, não poderiam desejar uma amizade melhor. 
Matt olhava atento para a mãe, imitando seus passos, rindo enquanto o irmão tentava acompanhá-la também. Foi então que eu tratei de fazer uma pergunta a mim mesmo: existia lugar melhor para querer estar no mundo? Existia decisão melhor do que a que eu havia tomado? Não e não. 
- O que será que aconteceu com a minha família? - perguntei, atraindo a atenção dos três de imediato, que interromperam sua dança. - Quando saí daqui, eles eram completamente normais e agora se tornaram dançarinos malucos. Por acaso isso é contagioso? - fingi confusão em meu rosto, fazendo Demi e Jamie rolarem os olhos e depois rirem. Incrível era o fato de que ele tinha muito dela em sua personalidade. Algumas expressões e manias de ambos eram totalmente semelhantes.
Demi se virou para a filha e lhe beijou a testa, erguendo-se e me olhando sem demonstrar vergonha alguma por ter sido flagrada dançando. Matt continuou a se balançar pelo chão, até que se largou exausto sobre o mesmo, divertindo a Jamie que passou a paparicar Soph. Preferi não dizer nada, esperando que Demetria logo começasse a analisar o meu olhar e, sozinha, compreendesse grande parte da questão. Após se recompor e ajeitar os cabelos bagunçados, ela veio a passos insinuantes em minha direção, sem reprimir um riso quando se aproximou e passou os braços por meus ombros. Continuei quieto, apenas sorrindo a ela. E ali estava o momento, a mulher começou a observar meus olhos como se tivesse a habilidade de ler meus pensamentos através de tal ato. Algo me dizia que ela realmente conseguia. De repente, seus olhos se arregalaram e ela me soltou rapidamente.
- Meu spaghetti! Eu já volto, Joe! Não posso queimar nosso almoço! - disse preocupada, caminhando - correndo, no caso - feito um furacão até a cozinha. Segui seus passos, pensando em como começaria aquele assunto. Chegando lá, encostei-me ao batente da porta e apenas fixei minha atenção em seus atos. Demi começou a mexer o molho e algo em outra panela de forma atenta, provando a comida e, quando constatou que eu estava ali, tratou de me chamar com um sorriso presunçoso para ficar ao seu lado. Ergui minha sobrancelha, tentando investigar o motivo. - Modéstia a parte, eu sempre sei o que estou fazendo em uma cozinha. Isso ficou muito bom! Eu não estava brincando quando disse que o almoço que te esperava era maravilhoso. - desisti de manter qualquer distância e fui até ela, sendo recebido com uma pequena quantidade do molho que ela preparava, provando e aprovando no exato instante. Jamais poderia contestar suas habilidades culinárias, mas as minhas chegavam a altura. Éramos uma boa dupla. Uma incrível dupla. Tão incrível quanto aquela refeição aparentava estar. - Como foi? - Demetria pediu baixinho, voltando suas atenções para a comida, soltando um riso quando conseguimos ouvir a bagunça que nossos filhos faziam na sala. Sentei-me em um dos bancos ao lado da bancada, respirando fundo antes de falar. Eu estava convicto de minha decisão, mas um pouco receoso a respeito da reação dela. Se existia alguém que me apoiava incondicionalmente em todo aquele sonho relacionado à medicina, esse alguém era minha esposa. Não seria fácil olhar nos olhos dela e dizer que eu havia percebido que preferia sonhar outros sonhos no momento, realizar outros sonhos agora tão mais importantes. 
- Mamãe, muita fome! - Matt surgiu na cozinha quando tive a intenção de me expressar, desistindo e olhando sorridente na direção de meu filho, que passava as mãos pela região da barriga e sorria de uma forma que deixou sua mãe totalmente derretida. Demetria se encantou com a forma como Matthew se manifestou, visto a rapidez com que abandonou a comida e foi correndo em direção ao pequeno, pegando-o no colo e enchendo seu rosto de beijos. 
- Você não vai acreditar no que a mamãe fez, ursinho. Triple Berry Cake! - ela comunicou alegremente a nosso filho, que demonstrou muito interesse. - É o seu favorito, não é? Sim, é o meu também, nós temos um ótimo gosto para bolos! Mas antes de comê-lo, precisamos almoçar direitinho, ok? - a mulher sugeriu, recebendo um gesto afirmativo de cabeça de Matthew. - Vá lavar as mãos, meu amor. Chame o Jam! - desceu o menino de seu colo, que correu em direção onde Jamie estava para que pudesse ajudá-lo. A imagem dela com os filhos jamais deveria ser desperdiçada. Era algo único, apesar de tão frequente. 
- Qual é a ocasião especial para esse almoço? - investiguei, vendo-a sorrir.
- Nós. - ela deu de ombros ao explicar, voltando a se focar no preparo dos alimentos. 
Demi estava sem maquiagem naquele dia, os cabelos soltos e cheirosos; toda uma naturalidade fascinante exalando por onde quer que ela passasse, espalhando seu perfume tão delicado e irresistível para mim. As proporções de meu amor por aquela mulher cresciam cada dia mais, por vezes deixando-me até atordoado. Ela era muito mais do que eu jamais desejei para mim. Eu não conseguiria sonhar tão alto, por mais que tentasse. 
Acho que é isso o que tanto costumam chamar de sorte grande. Ter alguém como ela. 
Decidi por adiar nossa conversa, trocando um olhar sugestivo com Demetria, que apenas concordou com a cabeça. Tratei de ajudá-la a arrumar a mesa e fui chamar os meninos para almoçar, trazendo Sophie em meu colo, por mais que ela ainda não pudesse desfrutar dos mesmos alimentos que nós. 
Almoçamos tranquilamente, mantendo diálogos despreocupados, mas Demi não parava de sugerir com o olhar compenetrado em meu rosto o quão ansiosa estava para o que eu pretendia lhe confidenciar. 
Observei atentamente a cena de Demetria sentada ao piano, tocando uma música relaxante para Sophie atenta dentro de seu carrinho. Se não me falhava a memória, aquela era a canção de ninar que minha esposa fizera exclusivamente para a filha. Essa era uma de suas distrações durante a gravidez, compor canções de ninar para os filhos. O som do piano fora o primeiro, além do de sua voz, que conseguiu acalmar o choro de nossa princesa. Era bonita a maneira como Soph se mantinha imóvel enquanto Demi tocava, prestando atenção no que ouvia e no rosto de sua mãe. Aquele dia estava recheado de grandes momentos ou seria apenas coincidência?
Demetria deixou de tocar por um instante apenas para acariciar o rosto de Sophie que emitiu um resmungo e fez bico, conversando com ela da forma mais amorosa possível.
- O que foi, bebê? - minha esposa segurou um dos pequenos pés da filha, fazendo com que a mesma começasse a rir. Apesar de ter apenas dois meses, nossa Soph já se mostrava muito esperta, sempre atenta a tudo ao seu redor. Contudo, eu ainda me sentia receoso quando a segurava, por mais que fizesse isso o tempo todo. Tão frágil, tão pequena. Demi ria de mim toda vez que eu estava prestes a segurá-la, pois deixava minha postura ereta demais e mal movia meu tronco. - Quem é a minha garotinha, hein, quem é? - Demetria falava bobamente com a pequena que se balançava dentro do carrinho, esticando os braços como se quisesse alcançar a mãe. - Preciosidade da vida da mamãe! Eu te amo tanto, sabia? É, você sabe? Sabe mesmo? Que mocinha mais inteligente! E fofinha, certo? Olha só que delícia de pezinho, acho que eu vou morder! - ela fingiu estar prestes a realmente morder o pé de Sophie coberto pelo macacão totalmente de acordo com a ideia de Demi em fazer o enxoval rosa de seus sonhos, ocasionando mais risos na bebê. Ri sozinho quando me lembrei de como a mulher insistia para que entrássemos em dezenas de lojas de bebês, todas que surgiam por nosso caminho, quando já tínhamos sacolas o suficiente para nos fazer andar com dificuldade até o carro. Mas eu não me importava, conseguia me divertir e aproveitar tanto quanto ela. Foi assim em ambas as vezes que ficamos grávidos e eu mal podia esperar pela terceira vez. 
Mas sem precipitação, certo?
Não conseguia desviar minha atenção daquela cena, estático no exato ponto de antes do ambiente. Minha Demi se mostrava tão radiante, tão grata por tudo... Garanto que ela nem se recordava mais das horas dolorosas que passou dois meses antes, no dia em que Soph nasceu. Ela estava completamente recuperada. Voltou a tocar a música em seguida, sorrindo sozinha enquanto o fazia. Posso parecer um bobo aficionado e repetitivo por, novamente, elogiar minha esposa, mas eu jamais poderia deixar de enaltecer o fato de que vê-la tocando piano era, assim como tantas outras coisas que ela fazia, hipnotizante. Eu conseguia ver a satisfação de Demetria expressa em seu rosto tranquilo por estar fazendo algo que apreciava tanto. 
Fiquei próximo dela no instante seguinte, mas sem desconcentrá-la de seu objetivo que consistia em fazer Sophie adormecer. Ela apenas sorriu quando me viu, continuando a tocar até que a bebê fechou os olhos e cedeu ao sono, tão linda quanto a mãe. 
Não me culpe por ser um pai babão e um marido totalmente apaixonado e dedicado. Se tiver sorte, você entenderá quanto o mesmo lhe ocorrer, acredite no que digo.
Demi retirou os dedos das teclas do piano e me olhou curiosamente, porém sem tentar me pressionar a dizer alguma coisa. Sentei-me ao seu lado, arriscando pressionar meu dedo contra uma das teclas. Eu jamais entenderia como ela conseguia tocar aquilo tão bem. Talvez seja porque suas mãos são realmente incríveis. Comentários maliciosos à parte, vale ressaltar. 
- Cuidado, Joseph! - ela alertou categórica quando tentei pressionar outras teclas sem o menor resquício de habilidade com o instrumento, mas riu em seguida. 
- Acho que você tem mais ciúme desse piano do que de mim. - comentei sério, porém sorrindo quando pude senti-la reprovar meu comentário ao cruzar os braços e negar com a cabeça. 
- Difícil, muito difícil, acho que temos um empate. - identifiquei seu tom brincalhão, porém fingindo que havia acreditado em suas palavras. Desistindo da encenação quando ela começou a beijar meu rosto e me olhar daquela forma instigante, ininterrupta, sem alteração alguma em suas feições. 
Suspirei, sentindo sua mão encontrar a minha posta sobre minha coxa em um gesto de incentivo. É claro que ela me apoiaria, como eu poderia estar sequer duvidando da possibilidade de não acontecer? Inaceitável!
- Decidi pedir uma opinião sincera ao Philip. - comecei, vendo-a dedicar toda a sua atenção a mim, imóvel. - Há algum tempo eu venho me perguntando se ainda mantenho alguns pensamentos de antes, algumas vontades. Alguns sonhos. - Demi uniu as sobrancelhas, constatando onde eu queria chegar. - Perguntei a ele o que poderia esperar da medicina, o que ela traria de bom e de ruim a minha vida. Ele não tinha a resposta que eu queria, mas arrisco dizer que tinha a que eu precisava. - entrelacei os dedos de nossas mãos unidas, procurando as seguintes palavras certas. -Demi, eu não tenho a intenção de parecer um fraco e sei que demonstro interesse por isso desde sempre, mas cheguei a conclusão de que não é mais o que quero. Pelo menos não agora. Eu sei, sou muito contraditório e incompreensível às vezes, mas você me aceitou assim e agora não é justo voltar atrás! - alertei com pressa, fazendo com que minha esposa risse e depois meneasse com a cabeça, como se não aprovasse algo que ouvira. Preocupei-me de imediato. Que opinião mais importava no mundo senão a dela? Nenhuma. - Está tudo bem, Demi? Você ainda pode amar um homem que está desistindo da medicina? Ele continuará sendo o suficiente? - pedi meio receoso, apesar de não esconder o tom de simplicidade e calma em minha voz. 
Demi parecia inconformada, entreabrindo os lábios para contestar minha genuína demonstração de insegurança. Eu tinha conhecimento da veracidade de seus sentimentos por mim, talvez tenha falado daquela forma apenas para ouvi-la comprovar o quão precipitado eu estava sendo. De um jeito tão incrivelmente seu.
- Não seja bobo, minha vida. - gostei muito de como sua voz soou naquele instante, impossibilitado de reprimir um sorriso que mesclava alívio e satisfação. - Você não é o suficiente para mim, é muito mais. - ela acariciou ternamente meu rosto, olhando diretamente em meus olhos. - Primeiramente, gostaria de dizer que eu odeio todo o seu suspense, apesar de amá-lo ao mesmo tempo. Quem é que vai entender, não é? - confessou descontraída, fazendo-me dar de ombros. - E não entendo por que você parece tão apreensivo agora... - sua mão chegou até meu ombro, fazendo uma carícia até que desceu pela extensão de meu braço, voltando a segurar a minha mão. - Acha mesmo que eu poderia contestar essa decisão? - Demi negou com a cabeça enquanto mordia seu lábio inferior, olhando firme em meus olhos. - Meu amor, é uma das decisões mais importantes da sua vida e apenas você é quem pode tomá-la, deve pensar no seu bem acima de qualquer outra coisa. É claro que eu te apoiaria se você decidisse se dedicar a medicina, até porque tenho uma fantasia com você de jaleco e isso poderia ser muito interessante... - ela fez uma pausa e nós dois rimos com espontaneidade. - Mas eu também vou apoiar a sua decisão se ela for dissemelhante ao seu antigo sonho de se tornar médico. E não é como se eu não pudesse te comprar um jaleco e realizar minha fantasia mesmo assim, certo? - concordei bem disposto, fazendo-a sorrir de forma mal intencionada, mas logo decidiu retornar a seriedade imposta ao assunto. - Acho que já disse algumas vezes, mas posso reafirmar quantas mais for necessário. Eu amo você, não o que você fez, faz ou ainda vai fazer. - senti suas duas mãos segurarem meu rosto e levá-lo para mais perto do seu. - Eu só preciso que você me prometa uma coisa. - assenti para que Demi continuasse, sua seriedade e ao mesmo tempo serenidade me contagiando, prendendo toda a minha atenção - Jamais abra mão da sua felicidade e do que você quer por pensar que isso pode alterar algo entre nós, porque não vai alterar nada. - Demetria uniu nossos lábios e eu fechei meus olhos sem hesitar, permanecendo assim enquanto sentia seu toque em mim, o meu nela. - Quero estar presente quando você realizar todos os seus sonhos, quero te ajudar a realizá-los se possível e não vou desistir até que você consiga. 
- Olhe ao seu redor e me responda: eu poderia sonhar com algo melhor? - fiz a pergunta, vendo-a apenas suspirar e esperar que eu mesmo respondesse. - Você, nossos filhos, essa paz que eu ainda não sei explicar, mas a sinto todo dia viva dentro de mim... Esse é o meu sonho. O meu sonho realizado. - prossegui, tendo a necessidade de compartilhar tudo que pensava e sentia. - Realmente não importa quantos sonhos você consegue realizar se não tem isso. Uma família. Então, acima de qualquer outro, vocês e tudo o que construímos e ainda vamos construir juntos são o meu maior sonho. O melhor deles. O que se tornou realidade por completo. 
Demetria não disse nada, apenas tentou conter as lágrimas que vi brilhando em seus olhos e voltou a me beijar, passando seus braços por meus ombros em um abraço que logo foi correspondido. Permanecemos assim por um tempo, em silêncio. Não precisávamos de palavras para compreender um ao outro. 
- Você não deveria ter se preocupado tanto com a minha reação, seu idiota mais lindo do mundo! - Demi soou divertida, soltando-se de nosso abraço para que pudesse se levantar e ficar atrás de mim, pousando as mãos sobre meus ombros. - E agora? Como eu posso reparar toda essa tensão? - ela massageou meus ombros e eu sorri com interesse, esperando por alguma ideia de sua parte. 
- Eu não sei, Demetria Jonas, o que você me sugere? - pedi cordialmente.
- Eu sugiro uma massagem, mas você sabe que uma massagem nunca é só uma massagem. Ela leva a banhos quentes, contato corporal em excesso... - suas mãos escorregaram para o meu peitoral, onde se firmaram. Demetria ficou com a boca a altura de meu ouvido, sussurrando as palavras de forma sedutora. - E imagine só o que o contato corporal é capaz de fazer com uma mulher que tem um marido tão sexy. - a mulher ardilosa mordeu meu lóbulo, afastando-se aos risos quando ameacei me levantar. Não só ameacei, como o fiz, olhando-a de uma forma maliciosamente divertida, com a enorme vontade de transformar suas palavras em ações. Demi recuou alguns passos, porém me desafiava a chegar até ela com um olhar revestido por uma malícia semelhante a minha. 
- Vejo que já está pensando nos irmãos que daremos aos nossos três filhos, não é, senhora Jonas? - minha esposa ameaçou correr quando me aproximei ainda mais, mantendo o olhar que a fazia transparecer ansiedade. 
- Você que é muito apressadinho e garanto que pensou nisso muito antes de mim, então não venha me culpar. - ela se defendeu com tom de desafio na voz, presunçosa, dando alguns passos até que ficou do outro lado do piano, esperando que eu me movesse para continuar fugindo. Como eu amava aquela mulher!
- Agora eu sou o apressadinho? Tudo bem, Demetria, talvez eu seja. Mas, se sou assim tão apressado como você diz... - permaneci imóvel, porém pronto para agir. - Por que ainda não correu? - desisti da inércia e fui com rapidez em sua direção, ouvindo-a gargalhar e emitir um grito empolgado ao mesmo tempo enquanto dávamos uma volta completa pelo piano, tomando a precaução de não atrapalhar o sono de Sophie. Consegui alcançá-la em seguida, enlaçando sua cintura e, se não fosse a força que depositei em minhas pernas e em meus braços para segurá-la firme, teríamos caído no chão, gargalhando feito idiotas. Demi desistiu de fugir de mim e embrenhou uma das mãos nos cabelos de minha nuca, acariciando meu rosto com a outra. Era de momentos assim que jamais nos fartaríamos. 
Momentos assim me faziam perceber que eu não poderia ter tomado decisão melhor. Ali estava o meu maior sonho realizado, a pessoa que me entendia melhor do que eu mesmo. E disso, obviamente, acima de qualquer outra coisa, eu jamais desistiria. 
E que o restante de nossas vidas começasse. Algo me dizia que ele seria nada menos do que memorável. 

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