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quarta-feira, 22 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 22

Vislumbres da escuridão
(Músicas do capítulo: You Make It Real For Me do James Morrison, Cosmic Love da Florence + The Machine e Sleep do Poets Of The Fall. Se possível, deixe todas carregando e as coloque para tocar quando cada aviso surgir.)




Joseph's P.O.V

Não havia nada concreto em minha mente. Eu apenas sabia, por instinto, que precisava salvá-la. Salvar Demetria. Precisava ser forte por ela.
Enxergando vultos e feixes de luzes através de minha visão periférica, continuei a correr em disparada, exigindo aos músculos das minhas pernas que aguentassem mais um pouco. Eu já estava naquela situação há muito tempo, porém não me lembrava de imediato quando minha correria fora iniciada. Meus pulmões pareciam prestes a entrar em colapso, meu coração se encontrava tão agitado que eu mal conseguia acompanhar suas pulsações. Parecia haver um nó em minha garganta, algo que aos poucos dificultava minha respiração. Mas eu não poderia parar, parar não era uma opção. Enquanto eu continuasse correndo, a chance de encontrá-la era uma provável conclusão àquele pesadelo. O céu escuro de tão cinza sobre minha cabeça anunciava uma cruel tempestade que não tardaria a chegar. Carros abandonados e prédios altos ladeavam meu caminho, enquanto eu parecia imerso em uma cidade fantasma. O vento trazia uma poeira que prejudicava minha visão, dificultando a localização dos passos furiosos que eu continuava a dar. Se pelo menos eu soubesse, diante de todos aqueles prédios gigantes, onde minha Demetria estava, o restante não importava. Não importava comprometer minhas pernas correndo daquela forma bruta, se ela permanecesse a salvo.
Como nos sonhos - ou pesadelos, no caso - que mudamos de lugar sem nem mesmo perceber, não fora mais possível encontrar indícios de céu cinzento algum. E só pude notar isso quando o som agudo de um grito reverberou pelo ambiente escuro e extenso em que eu me encontrava, revelando meu nome por entre os pedidos incessantes de socorro. Aturdido com a hipótese do que poderia estar acontecendo, olhei para cima e tentei a todo o custo encontrar uma forma de cruzar a distância. Os gritos continuaram, cada vez mais desesperados, pareciam vir de cima, de um dos andares do que era um prédio. O maior deles. Quando o som estranhamente cessou, deduzi que era a hora certa para voltar a correr. Subi escadas, cruzei corredores e procurei por portas, mas meu destino parecia inalcançável. Eu sabia que os gritos que ouvi eram de Demetria, sabia que naquele momento algo terrível poderia estar acontecendo a ela, então quando percebi já havia esmurrado uma parede, trincado os dentes e fechado os olhos com força. Sentia-me impotente, um completo nada. Fraco. Meu corpo cederia a qualquer momento, não era difícil notar, minha visão aos poucos se embaçava e minhas pernas fraquejavam. Mas eu não morreria até livrá-la da aflição que sentia, nem que para isso fosse necessário aceitar a morte de braços abertos.
Quanto mais eu corria, mais distante parecia estar da voz que implorava empenhadamente por mim. Tinha algo de errado com minhas mãos quando por fim dezenas de portas surgiram. Simplesmente não parecia possível adquirir coordenação o suficiente para tocar as inúmeras maçanetas das intermináveis portas de um escuro corredor denso de largura e possivelmente infinito. Infinito como a agonia crescente no peito enquanto minha mente alertava que o perigo envolvendo Demetria era muito mais eminente do que eu poderia calcular sem conseguir vê-la. Estrondos contínuos pareciam atingir meus ouvidos e crânio com força, provocando um insuportável latejar que se espalhava e trabalhava a favor da estranha força que teimava em atrapalhar meus movimentos.
Como chegamos àquele ponto? Como deixei que algo acontecesse a ela? E se Demetria fosse morta? E se eu a perdesse e perdesse também meu filho ainda dentro de seu ventre? E nossos outros filhos? Como eu seria capaz de olhar nos olhos de ambos e dizer que nunca mais veriam a mãe? Se é que existia alguma mera chance de eu sair vivo dali.
Meus olhos arderam, mas me forcei a engolir aquele choro. Não era disso que minha mulher precisava.
Com esforço, finalmente distingui com precisão a direção de todo aquele barulho infernal. Parei em frente a uma das largas portas resistentes e tentei abri-la, mas calma não me ajudaria naquele momento. Quando dei por mim, já estava tomando distância para obter impulso, lançando meu corpo contra o local em insistentes tentativas de romper a barreira que me separava da mulher que eu amava. Exausto, acreditando que poderia a qualquer momento me entregar aos estragos e cair inconsciente ali mesmo, naquele chão sujo, a porta rapidamente se abriu. Sem força, sem insistência, ela apenas se abriu. Como se minha presença estivesse sendo pacientemente aguardada. Como se eu fosse um convidado.
Sabia que deveria hesitar e vasculhar por qualquer alerta de perigo, mas meu corpo funcionava controlado pelos mais inconsequentes instintos, ainda. Já dentro do escuro e vasto recinto, não demorei a identificar a figura de uma mulher ao longe. Ela estava sentada sobre uma cadeira e tinha suas mãos e pés atados. Sua cabeça pendia para um lado, enquanto ela parecia enfrentar uma respiração descompassada que fazia seu peito subir e descer agilmente. Mortalmente cansada de tanto implorar por socorro. Semicerrei os olhos e pude, então, identificá-la. Demetria. Os olhos lindos, apesar de úmidos e inchados, se arregalaram em minha direção e ela tentou se soltar mais uma vez, lamentando com um choro baixo quando percebeu que seus esforços eram em vão. Dor estampava seu rosto úmido por lágrimas, dor essa que atingia meu corpo com insuportáveis murros de uma realidade que custava acreditar ser de fato real. Quem estava fazendo aquilo com ela? Quem seria covarde o suficiente para ter a podre coragem de machucar aquele ser?
De repente, Demetria escolheu paralisar seus movimentos e abaixou a cabeça quando enxergou algo atrás de mim. A mulher de cabelos bagunçados e roupas sujas tentava lidar com um choro estrangulado, lançando um olhar de soslaio a mim com uma espécie de alerta implícito. Eu queria ir até ela e soltá-la, pegá-la em meus braços e tirá-la dali, mas algo pareceu se fixar em meu ombro, uma mão, impedindo meu movimento seguinte. Pela primeira vez, fiquei hesitante. Então, quando me virei, não precisava olhar meu reflexo para saber que minhas feições mostravam apenas... Espanto.
O rosto que enxerguei era mais insuportável e frio do que poderia me recordar.
Você. - murmurei de forma quase inaudível, entregando uma surpresa amarga ao vê-lo novamente.


Aflição. Aflição que me fez erguer o tronco antes mesmo de meu cérebro mandar o comando para que meus olhos se abrissem. Acabei por abri-los quando já estava sentado sobre a cama, esfregando-os para me livrar dos vestígios do que, felizmente, fora apenas um pesadelo. Ainda com a respiração acelerada, percebi que continuava em meu quarto e não em qualquer lugar estranho, então não tinha motivos para continuar tão assombrado. Eu tentava aliviar aquele aperto na garganta, silenciar meus pensamentos a mil, e amenizar a aflição pungente que só cessou quando pude vê-la adormecida ao meu lado. A salvo. Demetria permanecia imóvel, o que me tranquilizou, já que o que eu menos queria era assustá-la sem motivos. Era uma manhã tipicamente chuvosa, sempre um lembrete dos céus de que estávamos em Londres. Respirei fundo e voltei a me largar na cama de um jeito displicente, alternando o olhar entre o teto e minha mulher.Demetria carregava certa vulnerabilidade consigo, apesar da força constante que demonstrava ter. Talvez fosse uma inquietação desnecessária e exagerada, porém parecia imprescindível que eu nunca deixasse de protegê-la. Talvez o motivo estivesse ligado aos resquícios de um passado dolorido de se lembrar, um passado em que fora possível assistir aquela mulher sofrer como nunca mereceu. A sensação de que poderia perdê-la em um piscar de olhos permanecia latente, porém bem vívida. E já não bastava a minha preocupação rotineira com ela, eu precisava ter pesadelos como aquele. Tentei arduamente omitir de mim mesmo a informação clara no fim daquele pesadelo, como se assim pudesse deixar que aos poucos ele caísse no esquecimento. O rosto que vi era familiar, familiar de uma forma que não me agradava. Na verdade, eu tive vontade de socar alguma coisa. A simples e inconveniente ideia de imaginar tal ser relando um dedo em Demi despertava um instinto obscuro em mim. Algo que eu não queria deixar se elevar, mas não encontrava saída senão permitir que se alastrasse, até que aos poucos desaparecesse. E apenas desapareceu quando senti o corpo inerte ao meu lado se movimentar preguiçoso, vindo para mais perto. Demetria, ainda de olhos fechados, procurou por mim até que finalmente conseguiu repousar sua cabeça em meu peito, espalmando sua mão na região enquanto deixava um sorriso agradável surgir em seus lábios. Por um momento, senti apenas alívio por ainda não estar sendo observado. Então me obriguei a desfazer aquele semblante exasperado e encostei minha boca em sua testa, mantendo-a ali por alguns segundos. Logo, Demi se incomodaria com o silêncio, não era algo habitual entre nós. Sem perguntar, provavelmente ela já tinha a impressão de que muitas coisas estavam passando pela minha mente. E eu debatia internamente se deveria compartilhar alguma delas com ela. Senti sua mão segurar a minha, tendo nossos dedos entrelaçados. Eu ainda não tinha conseguido recuperar a paz, algo em meu subconsciente me deixou inquieto de um jeito intrigante. Talvez se eu fixasse meus olhos na mulher sonolenta e linda aninhada ao meu peito, tudo aquilo iria embora. Seus cabelos longos estavam soltos e bagunçados, e ela ficava engraçada e ao mesmo tempo sexy daquela forma. Por um instante, pensei em nossa atual realidade. No filho que teríamos, no pequeno ser se desenvolvendo dentro da barriga de Demetria naquele exato momento. Foi o bastante para que eu conseguisse, enfim, me sentir mais calmo. 
De forma travessa, Demi fingiu que não queria nada e aos poucos foi virando o rosto para que conseguisse ficar com a face rente ao meu peito, distribuindo beijos pela região até chegar ao meu pescoço. Aquela mulher, até mesmo quando seu objetivo não era me seduzir, me deixar abobalhado e apaixonado, conseguia todos os efeitos de forma avassaladora. Isso possivelmente se dava ao fato de que realmente não importava como ela estava vestida. E devo mencionar que aquela camisola era perigosa. Não importava se usava um vestido bonito, se seus cabelos estavam arrumados ou se usava o melhor dos seus perfumes. Era ela ali comigo, a pessoa que conseguia me ouvir mesmo quando eu não era capaz de dizer nada. Sua aparência me agradava e era importante, obviamente, mas o que seria daquele corpo sem sua dona? O que seria daquele corpo sem a minha Demetria? Sem suas palavras acolhedoras, suas atitudes admiráveis e sua personalidade interessantemente mutável? Mesmo com as roupas desajeitadas e largas que logo começaria a usar devido a gravidez, seu abraço ainda seria minha cura. Mesmo com a típica irritação proporcionada graças às naturais mudanças de humor, ela teria charme o suficiente para me fascinar e lhe arrancar um beijo diante de sua fúria momentânea. E ela havia me dado uma das maiores alegrias de minha vida: Matthew. 
Cada dia eu a amava mais do que amei no anterior. 
E por um momento, isso doeu
Eu não possuía mais capacidade alguma de me controlar a respeito do que ela me fazia sentir. Na verdade, nem queria. Nunca. Ser dependente daquela mulher já era algo habitual em minha vida. Tê-la presente todos os dias era um costume que eu jamais pensaria em abdicar. Mas será que amá-la estando longe dela ainda conseguiria manter meus medos afastados? Seria o suficiente para que eu me mantivesse sã? Eu não sabia por que estava tendo aquelas divagações, nem por que algo dizia que teríamos de nos separar. A única coisa tensa ao nosso redor eram os trovões contínuos que clareavam o quarto por segundos. 
- Sonho ruim, Joe? - Demetria deixou que eu ouvisse sua voz de repente, abrindo os olhos e os guiando de encontro aos meus. Ergui um pouco meu tronco para que ela pudesse se aconchegar melhor e fiquei distraidamente acariciando com os dedos seu braço descoberto. 
- Um dos piores que já tive, se quer saber. - comentei evasivo, virando o rosto para olhar os pingos de chuva chicoteando a janela. É claro que ela percebeu que eu escondia alguma coisa. Por vezes, essa habilidade de Demetria me tirava do sério. Jamais conseguia manter um problema oculto perto dela. 
- Ainda bem que está na realidade agora. - Demi murmurou, também sentada sobre a cama, mas não tentou investigar nada, apenas pediu com um toque em meu rosto que eu o virasse para que pudéssemos trocar um beijo de bom dia. 
- E que realidade gratificante! - falei contra seus lábios, satisfeito por tê-la feito sorrir. Feito Demetria se esquecer que algo me incomodava. Como de costume, levei meus dedos até sua barriga e os deslizei pelo local, desejando mentalmente bom dia ao bebê, também. Era um costume iniciado há poucos dias. 
- Não quero te desanimar, mas saiba que o meu sonho foi ótimo. - ela comentou presunçosa, voltando a largar o corpo na cama, abrindo os braços e me empurrando de propósito. Abaixei o rosto em sua direção, disposto a ouvir qualquer coisa. Realmente não importava o que ela tinha a dizer, eu queria ouvir, pois o som de sua voz me distraia. Era melhor do que ficar refletindo sobre algo inútil. Algo impossível de acontecer. Nada de mal aconteceria àquela mulher de sorriso largo e olhos alegres. - Não durma enquanto eu conto, ok? - ri em resposta, fechando os olhos só para provocá-la. - Eu diria que tudo aconteceu por volta de mil oitocentos e alguma coisa. - ela arqueou uma das sobrancelhas, ficando com o olhar perdido enquanto começava a relatar o sonho. - Eu era a filha do homem mais rico da região, um magnata. Eu usava vestidos que realmente me deixavam parecida com uma princesa. Não sei se você sabe de quais estou falando, mas são aqueles com muito volume, que deixam a cintura bem marcada. Meus cabelos eram longos e enrolados. - não posso negar, me deleitei com a imagem que ela descreveu de si mesma. - Em uma manhã qualquer, eu estava debruçada sobre a sacada de meu quarto observando os camponeses realizando seu trabalho árduo, até que baixei meus olhos e vi você. Não sei o que fazia ali, parado feito uma estátua, e encarando a minha janela feito um pervertido! - Demi contou inconformada, dando um fraco tapa em meu ombro. Depois me vingo com um beijo, pensei. - Então, nossos olhares se encontraram e você sorriu. Joseph Jonas de farda. - ela suspirou e se abanou com uma das mãos, fazendo com que eu finalmente conseguisse rir pela primeira vez naquela manhã. - Senti minhas bochechas queimando, e ainda conseguido senti-las assim se tentar. Bom, depois, nós nos encontramos no jardim e você estava todo orgulhoso de si, pois ia para a guerra. Afinal, quem é que fica feliz porque vai a guerra? Quem é que aprecia o perigo? - questionou uma Demetria perdida em seus próprios pensamentos, me fazendo pensar se realmente algum perigo me rondava. Não fora apenas para puxar assunto que meu avô David exigiu que eu ficasse alerta. - Joe, bastou um cálice de vinho para que nós nos apaixonássemos. Aliás, eu havia roubado um dos melhores vinhos de meu pai e o levei ao bosque em que você me esperava com flores roubadas de algum jardim pelo caminho. Gardênias. - ela tocou a própria barriga, olhando-a por um instante. - Sim, eu tinha fugido de casa com uma garrafa de vinho. - riu de si mesma. - E tinha aquele vestido super apertado me incomodando muito, mas você disse que eu estava tão linda com ele que quasesentia pena ao pensar em tirá-lo de mim. Uma noite foi o suficiente, uma extensa e excitante noite para que você me marcasse, para que eu te marcasse. Na manhã seguinte, o dono fardado de meu coração partiu para a guerra, deixando apenas a saudade e uma leve esperança de que um dia eu poderia vê-la novamente. - Demetria ficou em silêncio após respirar fundo. Eu tinha as duas sobrancelhas erguidas em reação aos fatos contados por ela, apesar de, ainda assim, ter gostado do que ouvi. - E sabe qual foi o detalhe mais interessante desse sonho? Você foi o primeirohomem a me fazer mulher. Vai ver que é porque eu realmente sinto isso quando estou com você. - concluiu com um sorriso malicioso, vindo para mais perto. Enlaçou meu pescoço com seus braços e juntou nossos lábios, sentada sobre minhas pernas. 
- Vejam só os sonhos que essa mulher tem! - falei negando com a cabeça. - Você realmente enlouqueceria se me visse em uma farda, não é, Demi? - minha mulher gostou tanto da ideia que o beijo seguinte acabou ficando mais intenso e prolongado. 
- Totalmente! - Demi exclamou assim que separamos nossas bocas. - Mas tenha isso como uma fantasia, não como uma obrigação. Não quero vê-lo em uma farda se isso significar assisti-lo partir para uma guerra. Ainda bem que, dessa parte dos filmes de época que gosto tanto, nós estamos livres. 
A proximidade entre nós continuou por algum tempo, enquanto o silêncio permitia que escutássemos apenas a chuva cair desimpedida do lado de fora. O corpo de Demetria parecia vibrar sobre o meu, ela estava tão feliz ultimamente que me parecia injusto não ser capaz de acompanhá-la em sua empolgação. 
- Gosto dessa proximidade. - mencionei ao pé de seu ouvido, tentando me redimir por estar meio distante. A região ficara arrepiada. 
- Eu gosto das nossas mãos unidas. E não poderia jamais viver sem isso. Acordar todas as manhãs e não ter o seu rosto como a primeira visão do meu dia seria um dos meus piores pesadelos. - não estava me fazendo bem ouvir aquelas palavras. Por algum motivo estúpido e não revelado, eu pressentia que não eram apenas palavras ditas para me agradar. Todas elas, para mim, naquele momento, funcionavam como prelúdios do que viria cedo ou tarde. Paranóico, eu sei. Então, lutando para não desapontá-la, segurei sua cintura com firmeza e a tirei de meu colo com cuidado, beijando brevemente seu queixo antes de conseguir levantar da cama. Disse a ela que tomaria um banho para me livrar da sonolência, sem lhe dar tempo de resposta. Visto que Demi concordou sorridente e ficou jogada na cama de forma despreocupada, perdida em seus pensamentos felizes, ela não se aborreceu com minha atitude. 

/Joseph's P.O.V


Só parei de movimentar meu corpo ao ritmo de uma música imaginária quando percebi que poderia ser flagrada a qualquer instante dançando sozinha pelo quarto. Sentia-me mais do que bem, não sabia mais como controlar meus ataques de felicidade durante aquela semana. Há alguns poucos dias eu havia revelado a Joe minha gravidez, e as imagens perfeitas daquela ocasião não se desapegavam de mim. Era maravilhoso demais para durar tanto. E, felizmente, estava durando. Estávamos na semana que antecedia o réveillon. O típico frio na barriga continuava presente a cada novo passo que eu dava. Agora a minha existência não era a única habitante daquele corpo que eu observava distraidamente no espelho, existia mais uma. Eu tentava, sim, deter minha empolgação vez ou outra, mas logo cheguei a conclusão de que sentimentos assim não duram uma eternidade, então o melhor a fazer é esperá-los e agarrá-los com força até que desapareceram por completo. Se que bem eles não precisavam desaparecer, eu poderia me acostumar com eles. Não desapareceriam se eu lutasse para mantê-los comigo, certo? 
Alarguei meu sorriso, fitando um reflexo radiante ao extremo. Assisti, através desse mesmo reflexo, minha mão tocar a região de meu ventre lentamente, dedo após dedo. Fechei os olhos por um instante, e havia algo novo ali. Por mais que me dissessem que os típicos sinais de gravidez demoravam a aparecer, eu poderia constatar que estava grávida até mesmo se não tivesse realizado exame algum. Existia, sim, algo de diferente em meu corpo. Eu sentia o sangue correndo com mais vitalidade por minhas veias, sentia a súbita vontade de comemorar e chorar ao mesmo tempo. Vislumbres das mudanças hormonais que logo me afetariam? Talvez. 
Ainda era bem cedo, o céu permanecia levemente escuro e mal humorado devido a chuva que ainda dava o ar de sua graça. Eu tinha acabado de tomar banho e secava meus cabelos no quarto, ouvindo Joseph cantarolar alguma música no banheiro. Ele estava diferente naquele dia. Distante, eu diria. Alegou que ia tomar banho assim que acordamos, mas quando adentrei o recinto cerca de quinze minutos depois, ele tinha os olhos presos ao espelho e aparentemente fazia sua barba, pensativo de uma forma instigante. E, apesar disso, fui capaz de notar seus olhos zelando meus movimentos, acompanhando cada um deles como se quisesse estar pronto para qualquer situação inesperada. Por fim, acabei por tomar banho primeiro que ele. 
Fui para mais perto da janela, afastei as cortinas para dar claridade ao quarto e contemplei as incessantes gotas por alguns curtos segundos, mantendo as mãos firmes enquanto seguravam meu robe curto, visto o repentino frio que senti. Já que tínhamos bons aquecedores dentro de nossa casa, eu não via a constante necessidade de me agasalhar. Saí da área da janela e relaxei as mãos, deixando-as penderem pelas laterais de meu corpo. Então, o robe escorregou e revelou generosamente meu corpo coberto apenas por uma delicada lingerie rosa. Eu não sentia frio andando por ali, me sentia bem e à vontade daquela forma. Ainda bem que Joseph e eu éramos os únicos acordamos. Sorri sozinha e mordi minha língua quando a ideia de simplesmente provocar Joe veio em mente, então sem pensar duas vezes adentrei o banheiro e fiquei passeando por ali despreocupadamente, vendo-o me fitar interessado dentro da banheira quentinha. Bufei, pois sabia que banhos quentes em banheiras não são recomendados para gestantes no primeiro semestre da gravidez. E se ele pretendia me provocar e fazer vontade, eu tinha uma arma poderosa para usar: minha quase-nudez. 
- Será que você não sente frio, mulher? - Joseph ajeitou-se na banheira e perguntou inconformado, não conseguindo parar de olhar para minhas curvas. Mesmo depois de tanto tempo, ele ainda admirava meu corpo como se cada mínimo detalhe ali fosse inédito para aquele par de íris verdes me devorando. Apenas ri de forma sapeca e passei a ignorá-lo, determinada a barrar a enorme vontade de arrancar minha lingerie e dividir aquela banheira com ele. Bom, querer nem sempre é poder. - E vai mesmo ficar andando desse jeito pela casa, senhora Jonas? - meu marido cruzou os braços na altura do peito e ergueu uma sobrancelha, demonstrando-se interessado em minha resposta. Fios de cabelo molhado cobriam partes estratégicas de sua testa, era uma visão bem satisfatória. 
- Preferia me ver com couro cobrindo sensualmente o corpo? Talvez como a Mulher-Gato? - sugeri enquanto organizava algumas coisas em minha penteadeira. Pelo reflexo do espelho, vi Joseph franzir o cenho e negar prontamente com a cabeça. 
- É uma imagem muito estimulante, mas... Não. Seria difícil demais despir você. Agora vá colocar uma roupa, antes que a minha situação se agrave. - controlei um risinho que subiu pela garganta e continuei a fingir não notar sua presença. Virei-me em sua direção, dando ao homem a chance de voltar a deslumbrar as partes desnudas de minha pele. Assisti-o morder o lábio inferior e em seguida submergir, como se quisesse aliviar a tensão pelo corpo, retornando a superfície logo depois. 
- Eu não posso beber vinho ou champagne, não posso aproveitar essa banheira com você, mas... - estralei os dedos polegar e médio, como se um ilustre pensamento chegasse a minha mente. - Posso andar quase nua pela casa e você pode aproveitar todas essas regalias. Sem mim! - girei em meus calcanhares de uma forma exagerada, proposital. Não conseguia me segurar e precisava sempre fazer charme perto dele. - Aliás, Jamie está com seus avós e só volta na véspera de Ano Novo, Matt está dormindo feito um anjinho em seu berço, Nancy está de férias... - enumerei nos dedos enquanto Joseph olhava para mim. - E eu estou grávida, posso andar do jeito que eu quiser. - virei apenas meu rosto em sua direção, mordiscando meu lábio inferior com vontade. - E ainda estou sexy, então venha aproveitar. 
- Como se eu quisesse aproveitar tudo de uma só vez. - Joe meneava com a cabeça enquanto continuava a aproveitar seu banho relaxante. Depois fechou os olhos e suspirou, como se quisesse utilizar daquelas reações para me assegurar de que a água estava ótima. Injustiça. - Não comece com isso de que vai engordar muito, de que vai ficar muito diferente do que é agora, de que vou perder meu interesse por você... - ele enumerou, repetindo minha ação anterior, seus olhos se abriram. - Você é maravilhosa estando grávida ou não. Você é minha dos dois jeitos e eu não deixar de te aproveitar em nenhum deles. Satisfeita ou vou ter que me esforçar e buscar por mais palavras que irão amolecer suas inseguranças? - não havia seriedade alguma em sua voz, deixando claro que eram apenas palavras brincalhonas. Apesar de que o conjunto delas me fez bem. 
Toquei minha barriga outra vez, sendo atingida por dezenas de cenas memoráveis. 
- Você fez um ótimo trabalho, meu amor. - reconheci em um suave tom de voz. Eu me referia a gravidez, ao empenho de meu marido para garantir que meu mais recente sonho fosse realizado. Assim como o seu.
- E de quem será a culpa? Você me inspirou a fazer acontecer. - antes que eu pudesse pensar em uma resposta digna, assisti Joseph se apoiar nas bordas da banheira e impulsionar o corpo para cima, trazendo consigo uma quantidade de água que aos poucos escorreu por sua total nudez e retornou ao lugar de antes. Engoli em seco, acompanhando o trajeto das gotinhas restantes que despencavam de seu tronco até chegarem ao seu sexo. Instantaneamente, senti meu coração acelerar e meus hormônios gritaram desesperados por socorro
É claro que minha reação não era absurda, já que ter um corpo como aquele diante de mim era estupendo e tentador, mas a gravidez contribuía - e muito - para que eu sentisse como se algo estivesse prestes a explodir por entre minhas pernas. Uma libido elevada se mostrava constante devido a liberação e elevação de determinados hormônios em meu sistema, assim como a melhor irrigação sanguínea na área pélvica e nos seios. Exemplificando: qualquer coisa me excitava. Qualquer atitude fervorosa de Joseph me deixava em chamas. 
Soltei o ar com força e mostrei um olhar que lhe garantia revanche, saindo do banheiro com a súbita vontade de saciar meu apetite. Não com sexo, mas com chocolate. Fora que não seria justo ceder tão facilmente àquelas provocações, eu queria que Joe se esforçasse para conseguir me ter naquele dia. É claro que no fim, como sempre, ele conseguiria, mas mostrar um pouco de resistência é essencial para que um homem demonstrasse cada vez mais interesse. Uma mulher quer sempre ser bajulada, não adianta negar. 

Retirei apetitosos morangos da geladeira e peguei também uma barra de chocolate na dispensa. Coloquei os alimentos sobre a bancada e reservei uma panela, talheres e pratos para a minha refeição inusitada. Sim, era a hora de tomar café da manhã, e certamente era muito cedo para aquela vontade de morangos com chocolate estar associada aos desejos da gravidez, mas eu não me importava. Era o que eu queria comer. Retirei a barra de chocolate de sua embalagem e levei à panela ao fogão que se aquecia aos poucos, arrumando depois os morangos empilhados em um prato de vidro. Pouco tempo depois, o chocolate havia passado de seu estado sólido para então líquido, fazendo com que eu me deleitasse apenas com o cheiro, sentindo minhas glândulas salivares trabalharem com mais afinco. Chocólatra. Ao despejar o chocolate sobre as frutas vermelhas, senti meu estômago adquirir vida própria. Segurei com pressa um deles e o mergulhei mais ainda no chocolate, levando-o até minha boca rapidamente, saboreando-o e devorando-o de uma vez só. Fiquei ali comendo em silêncio por um tempo, limpando vestígios de chocolate dos cantos de meus lábios e de meus dedos. Só então que percebi estar sendo observada.
Provavelmente há um bom tempo.
A fim de uma travessura para elevar o erotismo no ar, levei meus dedos até meus lábios e lambi delicadamente todo o doce presente ali, dando mais atenção ao indicador no exato instante em que dirigia ao meu marido um olhar devasso. Joseph seguia meus movimentos com os olhos, trajando apenas uma cinza e larga calça de moleton. O cheiro emanando da pele nua de seu tronco entrava por minhas narinas e conseguia ser muito melhor que o de minha refeição. Bastou o homem a minha frente morder seu lábio inferior para que uma nova chama de excitação reverberasse pela área abaixo de meu umbigo, proporcionando novamente um calor que me forçou a respirar fundo e fechar os olhos. Eu bem que tentei resistir por mais tempo. Joseph foi se aproximando gradativamente e ficou parado ao meu lado, enquanto continuei a mergulhar meus dedos no chocolate e lambê-los de propósito.
- Eu juro, isso é quase melhor que assistir você se... - levei um morango contra seus lábios para calá-lo, rindo internamente. Vendo-o mastigar, me aproximei para retirar resquícios de chocolate do canto de seus lábios. Beijei-lhe e passei a língua pela área atualmente com gosto doce. 
- Senti uma vontade sobrenatural de comer isso, então não me olhe assim. - pedi docemente, tentando parecer ingênua. - Não estou fazendo para provocar, é que o chocolate fica nos meus dedos e... - pude sentir, sem saber como, a onda de luxúria que atingiu seu corpo quando, de forma deveras insinuante, repeti o ato com minha língua. Essa mesmo onda ousou me atingir também. Deixei que um sorriso enviesado e travesso brilhasse em meu rosto, sentindo uma mão quente e firme segurar meu queixo. O olhar de Joseph era tão intenso que, visto minhas condições matinais, bastavam alguns minutos contemplando-o para que eu chegasse a uma espécie de ápice semelhante ao proporcionado pelo sexo. 
Por que eu não conseguia parar de pensar em sexo? 
- Vou olhar, sim, vou olhar o quanto eu quiser. - Joe rebateu destemido, me agarrando pela cintura de forma veloz e possessiva, erguendo meu corpo para sentá-lo sobre a bancada. Travei minhas pernas na altura de seus quadris e deixei que nosso fogo começasse a queimar. Seu toque aderia a cada curva minha, revelada pelo robe que aos poucos escorregava, caindo no chão subitamente. Nossa química atemporal ficava mais tangível a cada novo toque, a infindável necessidade de buscar por mais. Eu não conseguia permanecer imóvel, espasmos em minha feminilidade faziam com que eu contraísse a parte inferior de meu corpo e depositasse mais força no enlace que minhas pernas mantinham o corpo de Joseph. Nossas línguas se esbarravam, se acariciavam, dançavam juntas, enquanto o gosto de chocolate se misturava com o de nossa saliva. O sangue corria com vitalidade pelas minhas veias, me fazendo sorrir mesmo tendo os lábios capturados pelos dele. Tentei detê-lo e impedir que uma de suas mãos atrevidas adentrasse minha calcinha, segurando seu lábio inferior com força, ouvindo um gemido controlado escapar de sua garganta enquanto sentia meus dentes segurando seu lábio. Enquanto apertava minha cintura com mais afinco, ele parou de tentar me beijar e fitou algo atrás de mim, apontando com a cabeça para que eu seguisse a direção. Virei-me com as mãos espalmadas em seu peito, para então visualizar apenas um urso de pelúcia que pertencia a Matthew. Como de praxe, seus brinquedos continuavam espalhados pela casa. Disparei a rir de repente, vendo meu marido olhar sério para a pelúcia, que tinha os olhos de plástico fixos em nós. Joe, aos risos, me puxou outra vez e me ajudou a descer da bancada. 
- Vamos para outro lugar, estamos sendo observados aqui! - não consegui conter outro riso, sendo conduzida para outro cômodo de nossa casa. 
(Coloque a primeira música para tocar!)
Chegamos à sala de televisão segundos depois, a passos tortos e nos esbarrando em algumas coisas, onde havia uma notável bagunça deixada por nós mesmos na noite anterior. 
Tínhamos ignorado os sofás confortáveis e levamos colchões para colocar sobre o chão, cobrindo com muitos lençóis e travesseiros. Joe até tentou construir uma barraca improvisada com Matthew no meio de toda a bagunça. Depois de tentativas falhas, os dois acabaram desistindo quando o lençol que deveria funcionar como uma espécie de teto para a barraca despencou e caiu sobre as cabeças de ambos, arrancando uma divertida gargalhada de Matthew, que dormiu antes mesmo do filme escolhido por ele chegar a metade. 
A janela em uma das laterais entregava a chuva que, provavelmente, cairia o dia todo. Logo me vi deitada sobre os lençóis, mordendo os lábios e rindo de um Joseph que chutava algumas almofadas para abrir caminho. Sem delongas, ele deitou-se sobre mim, ergueu minhas mãos pode encostá-las no travesseiro e manteu ambas presas pelas suas, deixando-as a altura de minha cabeça, impossibilitando que eu o tocasse. Então nós continuamos a nos beijar fervorosamente como antes. Mesmo assim, ele conseguia ser cuidadoso o suficiente para não pressionar muito a área de minha barriga, fazendo questão de depositar um pouquinho de sua afetuosa atenção esporadicamente ao local. Apesar de seu sexo ainda permanecer coberto pela calça, o homem se movimentava contra certa região de meu corpo, que era protegida apenas por uma frágil calcinha. Reforçando o aperto de minhas pernas ao seu redor, senti sua boca faminta largar a minha e descer com uma trilha de beijos de efeito impactante até meu pescoço. O que aquele homem me fazia sentir quando colava sua boca ali era impressionante. Ou a região era sensível demais. Certamente uma das minhas zonas erógenas mais explícitas. Quando ele decidiu me libertar, gemidos baixinhos já escapavam de meus lábios entreabertos no momento em Joseph sutilmente inclinava o corpo para o lado a fim de conseguir tocar toda a extensão de meu tronco enquanto me saboreava com a boca. Minhas mãos pareciam funcionar sem minha permissão e já traçavam caminhos circulares por suas costas, vezes tentando puxar o cós de sua calça, vezes se firmando em seus glúteos. Quando uma de suas mãos se fechou sobre meu seio esquerdo rapidamente liberto pelo sutiã - nem mesmo vi como a peça foi parar do outro lado do cômodo -, não consegui evitar e deixei que um gemido mais intenso escapasse. A sensibilidade em meus seios acabou por se tornar algo muito recompensador. Joe percebeu meu estado e cessou todos os seus movimentos, pressionando seus lábios contra os meus. Aos poucos, a felicidade incontida correndo viva pelo meu interior demonstrou-se mais selvagem e eu precisei me deixar levar por aquele espasmo intenso, alertando um pedido implícito para tê-lo ao impulsionar meus quadris contra uma potente ereção que tocara uma de minhas coxas. Os dedos de Joseph escorregaram pela extensão das mesmas, me deixando sentir o choque proporcionado graças as mãos frias em minha pele quente. Nossos movimentos funcionavam em perfeita e assustadora sincronia. Realmente abdicávamos totalmente do ato de respirar quando algo tão mais atraente era proposto ao mero toque de nossas línguas. A língua de Joseph não se importava em explorar cada canto do interior de minha boca, proporcionando a sensação molhada que me forçava a puxar os cabelos de sua nuca e lutar para conseguir aprofundar ainda mais um beijo que já me deixava sem fôlego. Eu estava fora de meus eixos abaixo dele, não pensava em mais nada com clareza, o instinto falando tão alto que precisei tentar sufocar o mesmo com um gemido estrangulado que batalhava para se libertar mesmo consciente de que uma boca empenhada pressionando a minha barraria sua passagem. Joseph chupou minha língua e deu fim ao caloroso contato, abrindo lentamente os olhos verdes ao conseguir me deixar arfante, me olhando com intensidade antes de arriscar elevar ainda mais seus limites generosos de provocação. 
- E olha que eu ainda nem te toquei como pretendo. - fechei os olhos mediante sua vontade de me deixar ainda mais deslumbrada, segurando meu lábio inferior com força para não acabar gemendo alto demais. O calor ardente entre minhas pernas provocava um latejar deliciosamente insuportável, então novamente me vi tentando controlar os movimentos desenfreados de meu quadril a todo o instante em que o volume ainda oculto de Joseph se roçava diretamente com minha feminilidade. Notando minha falta de controle acentuar o desejo por fricções de nossos corpos, tentei respirar com calma quando tudo que ele parecia querer na vida, naquele instante, era me olhar. Fazendo uma breve pausa em seus movimentos outra vez, Joseph levou um teimoso fio de cabelo para escondê-lo atrás de minha orelha. Observei seu tronco nu e másculo sobre mim e respirei fundo, olhando-o de forma firme e apaixonada enquanto sentia meu peito subir e descer, me ensandecendo de formas que nunca parei para cogitar. - Gosto do seu cabelo assim... Bagunçado. Desenfreado como você está agora. - sua língua escapou da prisão de seus lábios e contornou meu maxilar, o toque de seus dedos de unhas curtas em minhas coxas ocasionou um arrepio que surgiu em minha espinha e terminou em meus braços cujos músculos permaneceram tensionados durante o tempo em que eu me deliciava com o toque de suas costas. 
- Eu gosto de você em mim. - e lá estavam os hormônios enlouquecidos falando por mim outra vez. Dezenas de vezes. Quem disse que eu me importava? - Hormônios! - exclamei juntamente com um gemido que veio repentino assim que senti sua boca ardilosa em de meus seios sensíveis e quentes. 
- Acho que gosto desses hormônios também. - ele admitiu com a voz baixa, irresistível. Um mistério tentador vagava por seus olhos, acompanhado de uma acolhedora estabilidade transmitida através do olhar azul.
- Isso é realmente muito bom. Esses são os hormônios bonzinhos, mas logo você vai se deparar com os malvados e... - torci os lábios, encontrando tempo para arrancar um riso dele, mesmo estando tão focado em me satisfazer. Senti uma fina camada de suor começar a se formar, embrenhando meus dedos nos cabelos de um Joseph cujas energias pareciam inesgotáveis. - Não tem muito tempo que tomei banho, sabia? - na verdade, não fazia questão disso, apenas mencionei para descobrir qual seria sua astuta resposta. Ágil, ele mudou a cabeça de direção e a afundou na curva de meu pescoço, inalando o aroma presente ali, erguendo o rosto para poder me fitar logo após. 
- Não posso fazer muito se você toma banho antes de mim, fica cheirosa desse jeito e depois vem me provocar. - ao mencionar o ato de provocar, sussurrei de forma embriagada seu nome, constatando que minha calcinha deixava meu corpo aos poucos, sentindo um frio amigável correr por minha intimidade. Mas esse frio não tinha intenção alguma de cessar meu fogo. Muito pelo contrário.
- Meu Deus, esses hormônios vão me deixar louca, Joseph! - confessei com a voz sofrida e alta, um pouco fora de mim, tendo uma repentina vontade de agarrar alguma coisa. E um travesseiro próximo acabou por se tornar minha vítima. Eu não acreditava que estava prestes a chegar ao clímax sem nem mesmo estar recebendo a quantidade de estímulo normalmente necessária. Já era capaz de identificar uma pouca quantidade do fluído liberado que lubrificava minha região íntima enquanto eu me contorcia em resposta aos agrados de Joseph.
- Por que você põe a culpa neles quando sabe que na realidade ela é minha? - Joe indagou cheio de si, inclinando-se para conseguir abaixar sua calça e me deixar sentir seu pênis ereto em contato com a área mais incontrolável de meu corpo. Mas, mesmo à beira da insanidade abaixo dele, encontrei oportunidade para, sim, atiçá-lo mais. Ele não era o único com boas artimanhas ali.
- Na verdade, a culpa é dos exercícios de pompoarismo que venho praticando nos últimos dias. - revelei apenas para deixá-lo imaginando toda uma situação, já que ele tinha me visto certa vez pesquisando tal conteúdo na internet durante um impulso de curiosidade feminina. Pronto! Joe estava reflexivo, volúpia escorrendo pelo olhar, imagens consideradas excitantes por ele cobrindo cada canto de sua mente. Incitá-lo era a minha glória. Na verdade, ter conversas com todo aquele grau de intimidade era bom demais. O dirty talk entre nós era sempre muito bem vindo. Era algo que levávamos totalmente na espontaneidade. Acho que a vida de um casal deve sempre conter coisas assim. Os melhores amigos fantasiados de eternos amantes. Não há vergonha, não há hesitação, não há meio termo. Mesmo que aquela fosse uma posição em falta nas listas de desejos carnais femininos, abolida das preferências de certas mulheres, já que proporcionava o efeito de tirar totalmente o controle da situação, a sensação de ter o corpo de Joseph sobre o meu era incomparável. Eu não me importava em ser dominada por ele, já que, ao me dominar, ele também seria dominado. Eu apreciava estar presa sob sua carne de forma tão veemente. Ao me dominar daquela forma, seus instintos e ações se guiavam pelo caminho dos meus desejos. Eu não me importava em não ter sempre a decisão final em nosso encaixe, porque as coisas sempre funcionavam maravilhosamente bem sob o controle de meu marido. 
- Torça para o Matthew não acordar, porque será um pouco difícil se livrar de mim agora. - Joseph alertou de forma sensualmente severa, como uma ordem. Deliciei-me com o toque hábil e empenhado de seus dedos deslizando pela extensão de minha vagina, apenas sorrindo abertamente, vendo tal sorriso refletir em seu rosto. 
- Matt apoia cem por cento o amor dos pais, ele sabe a hora certa de acordar. - garanti. Ensandecido, ele saiu às pressas de cima de mim e ajudou a erguer meu corpo ao estender sua mão para que eu pudesse segurá-la, insistindo em me fitar de uma forma excitantemente perversa. Seu gesto repleto de cavalheirismo fora substituído por um repleto de furor, firmando uma mão decidida em meu quadril e puxando meu braço com a outra, me virando para ficar de costas para ele, ambos ajoelhados. Enquanto mordiscava e lambia o lóbulo de minha orelha com as mãos firmes em meus seios, Joseph permitia que eu escutasse o som de sua respiração firme misturada com leves estímulos e palavras impróprias que ele dizia ao pé de meu ouvido. A pressa e a agilidade violenta de seus movimentos elevavam os níveis de minha excitação. Notando que ele queria dar fim as preliminares, projetei a área dos seios para frente, promovendo a inclinação do tronco e a elevação de meu quadril, esfregando minhas nádegas contra sua ereção, fazendo-o soltar algo semelhante a um grunhido perante minhas demonstrações de total entrega, não aguentando mais se conter. Ele despertava meu lado mais devasso e, contra isso, eu não poderia lutar. Sentindo seus lábios sobre meu ombro nu, fechei os olhos e gemi inebriada em resposta aos toques firmes das palmas de suas mãos por toda a extensão de meu tronco, explorando cada curva. Minhas costas contra seu peitoral, meus quadris se movendo para auxiliar seus toques, seu volume evidente em contato com meu glúteo, contribuindo para a minha loucura. 
- Agora tente adivinhar o que eu quero e vou fazer com você, Demetria. - sussurrou sedutor ao pé de meu ouvido, me preparando para o que viria a seguir, visivelmente pronto para me proporcionar um dos mais belos conjuntos de sensações e reações que uma mulher pode usufruir. A melodia que rodeava o cômodo passou a consistir em gemidos satisfeitos, sussurros apaixonados e formidáveis sequências de toques que oscilavam entre os mais veementes e os mais cúmplices já vistos.

Não sabia ao certo se o mais correto a fazer seria agradecer ou repreender meu corpo por ter se mostrado receptivo em excesso aos toques de Joseph. Digo, ainda estávamos na sala, ainda era cedo e ainda chovia, e durante esse curto espaço de tempo consegui atingir o aclamado auge três vezes. Assim que caí exausta sobre o colchão, deitada de bruços e contemplando os vislumbres do mais recente ponto máximo que atingi, senti o corpo de meu marido fazer o mesmo, enquanto pude ouvir sua respiração ruidosa fazer companhia a minha, ainda instável. Aquele início de gravidez estava bom demais para ser verdade. Onde estavam os enjoos, a prostração e os constantes estados depressivos que despertavam única e exclusivamente uma grande vontade de chorar? Retirei alguns poucos fios de cabelo úmidos e colados em minha testa, fechando os olhos por um breve momento antes de soltar um riso extasiado e pensar em toda aquela situação. Senti uma mão sutilmente espalmar o meio de minhas costas, me deixando envolvida em uma carícia que percorreu toda a extensão do local. Joe nada pronunciava, mas era evidente que havia um alto teor de satisfação circulando por suas veias, visto o sorriso largo e vitorioso que tinha nos lábios entreabertos e avermelhados devido a beijos constantes. 
- Nada como o poder de um orgasmo múltiplo... - falei em um sussurro provocativo, ainda tentando estabilizar minhas estruturas. Ao sentir sua mão me deixar, inclinei meu corpo e resolvi me deitar de barriga para cima, contemplando o teto. Joseph continuou com o sorriso galanteador, dobrando os cotovelos e apoiando a cabeça acima de suas mãos. 
- Aceito seus agradecimentos. - falou indiferente, o forte sotaque britânico envolvendo a voz pomposa. Sim, tínhamos o mesmo sotaque, mas o dele parecia tão mais intenso e distinto! Sua atitude seguinte consistiu apenas em movimentar as sobrancelhas, fazendo com que eu rolasse os olhos. Gesto captado por ele. - Fiz você perder o controle de si mesma... Três vezes. - relembrou com a voz rouca, determinado a não me deixar esquecer, de repente me permitindo senti-lo chegar mais perto. Escondi meu rosto com as mãos e voltei a sorrir. Apesar de estar com minhas energias esgotadas, ainda sentia uma vontade elétrica de levantar dali e continuar com meu dia. Afinal, ele tinha começado excepcionalmente bem e eu tinha mais é que aproveitá-lo o máximo possível. - Será que aguenta mais uma? - joguei com pouca força o travesseiro próximo de mim na direção dele, erguendo meu tronco e levantando aos risos. 
- Quer descobrir o que eu aguento? - perguntei maliciosa. - Cuidado, homem, você não sabe. - alertei fingindo um conjunto de sedução e perigo na voz, ajeitando meus cabelos bagunçados. Ele gostou do que ouviu. 
- Acho que você também não sabe o que eu aguento. Talvez, Demi, esse seja um convite para explorarmos os limites um do outro. - abri a boca em sinal de surpresa, fingindo de fato estar impressionada, gostando de seu entusiasmo. Joe ergueu o tronco e me assistiu enquanto eu tentava localizar minha lingerie. - Procurando isso? - ele revelou minha calcinha presa por entre seus dedos, arqueando uma das sobrancelhas. 
- Meu herói! - exclamei brincalhona, me aproximando para resgatar a calcinha, voltando a acertar meu marido com o travesseiro quando ele ameaçou não me entregá-la. Vasculhei pelo restante das poucas vestes e me vesti aos tropeços, lembrando que não era hora de ser uma mulher sedenta pelo seu parceiro, mas sim, uma mãe. E lá estava o típico choro manhoso vindo do andar de cima. Joseph olhou na direção das escadas e depois me olhou impressionado, rindo ao constatar o perfeito timing de nosso filho. - Viu só? Eu estava certa, ele apoia o amor dos pais. Agora... - voltei a me abaixar agilmente para lhe dizer algo. - Empolgue-se menos com isso e vamos nos concentrar nessa gravidez, papai! - falei com a voz fininha, acariciando minha barriga como se tentasse fingir que era o bebê quem falava com Joe. Ao tentar levantar, senti sua mão segurar a minha e impedir que eu fizesse o movimento que pretendia. Contrariando meu estado radiante e o choro de um Matthew que chamava por mim, seu rosto adquiriu feições contraídas por uma seriedade que me forçou a engolir em seco e escutar suas palavras assim que seus lábios levemente se abriram: 
- Se estivéssemos em uma guerra e a batalha final se aproximasse, você lutaria comigo? - franzi o cenho e me desvencilhei de seu toque, me sentando de pernas cruzadas sobre o colchão, pegando um travesseiro para colocar sobre meu colo. Refleti sobre a questão. Qual seria o motivo para uma pergunta tão incompatível com a ocasião? 
- É claro que sim, mas por que a pergunta tão fora de hora? Não há nenhuma guerra aqui, Joe. Bom, exceto a guerra de hormônios que em breve terá início dentro desse corpo. - apontei os dois dedos indicadores em minha própria direção, vendo-o apenas curvar os lábios em um sorriso que não fora totalmente exposto. De repente, o homem apenas balançou a cabeça, na intenção de afugentar pensamentos, e se inclinou em minha direção, fazendo meu corpo se deitar, arrancando o travesseiro dali e grudando seus lábios em minha barriga ainda reta. 
- Por nada. - depositou um beijo na região, ocasionando arrepios gostosos em mim. Eu sabia que ele não beijava o local para me provocar, mas sim para demonstrar afeto pelo ainda minúsculo ser ganhando vida ali dentro. E eu simplesmente vibrava todas as vezes em que a lembrança de que meu corpo abrigava essa nossa vida surgia de repente. - É apenas algo bom de se saber. - concordei com um sorriso complacente e por fim obtive liberdade para levantar, procurando por meu roupão mais longo para enfim chegar ao quarto de meu menino. 


One, two, three. Counting out the signs we see. The tall buildings fading in the distance, only dots on a map... - meus dedos afundaram delicadamente sobre as teclas do piano, enquanto eu tinha os olhos perdidos na paisagem úmida do jardim graças a extensa janela de vidro presente no cômodo. Eu não precisava manter os olhos fixos nas teclas, meus dedos sozinhos sempre sabiam qual era a direção correta a seguir. - Four, five, six. The two of us a perfect fit. You're all mine, all mine. And all I can say... Is you blow me away. - cantar me fazia muito bem, trazia uma calma imensurável ao meu interior, principalmente quando não havia ninguém me observando. Cantei para Matthew durante os nove meses que passou dentro de minha barriga, e sabia que faria o mesmo para meu novo bebê. Mesmo que minha vida nunca consistisse em estar acima de um palco contando histórias através de músicas, eu não teria do que reclamar. Para falar a mais fiel verdade, meu prazer ao tocar instrumentos e cantar não se dava ao fato de que, com isso, eu poderia ficar famosa. Era um talento que eu não sentia qualquer mera vontade de compartilhar com o mundo. Talvez vergonha, talvez apenas medo do que uma carreira assim traria. Por via das dúvidas, era muito melhor ficar ali, escondida em meu mundo, sendo feliz com minha atual realidade. Uma realidade melhor do que qualquer outra que eu poderia vir a querer. - Like an apple on a tree, hiding out behind the leaves. I was difficult to reach, but you picked me. Like a shell upon a beach, just another pretty piece. I was difficult to see, but you picked me. Yeah, you picked me. - eu precisava admitir ser um pouco perfeccionista com minhas coisas. Com aquela canção, por exemplo. Há muito seu primeiro verso fora escrito em um caderninho pequeno e de folhas velhas, e cheguei a pensar que nunca conseguiria finalizá-la. Porém, no meio da madrugada em que contei a Joseph sobre a gravidez, uma súbita inspiração me arrebatou para um universo criativo, onde pude enfim concluir a composição de uma de minhas músicas favoritas. - So softly, rain against the windows. And the strong coffee warming up my fingers. In this fisherman's house, you got me. Searched the sand and climbed the tree... And brought me back down. - deslizei meus dedos pelas teclas por uma última vez, fechando os olhos ao finalizar a cantoria. Anotei algumas coisinhas em meu caderninho e segurei a xícara que anteriormente descansava sobre o piano, levando-a até meus lábios com cuidado para apreciar o conteúdo quente. Nada melhor do que um bom chá quentinho em um dia frio e chuvoso. 
Se bem que existia algo ainda melhor para se aproveitar em dias como aquele: minha família. 
Ergui meu corpo e levantei da banqueta, me encaminhando até outro ambiente da casa, de onde era possível ouvir o agradável som de uma inocente e infantil risada duradoura. Coloquei minha xícara sobre uma superfície qualquer e brinquei com a barra de meu vestido adornado por uma típica meia calça preta. Aos poucos, conseguia observar a cena protagonizada por Joe e meu bebê. Meu marido deitou-se de bruços, instruiu Matthew a subir em suas costas e segurar firme em seu pescoço, para que pudesse se levantar sem machucar o pequeno. Continuei imóvel em um canto reservado, de onde eles não conseguiriam me avistar, um sorriso surgia aos poucos em meus lábios. Matt deu passinhos rápidos e tentou subir nas costas de seu pai. Então, Joseph começou a fazer flexões, subindo a descendo de forma pausada, mas divertida o suficiente para que meu pequeno soltasse uma alta gargalhada. Não se importava nem um pouco com o peso sobre seu corpo. 
- De novo, papai! - com os olhinhos brilhantes, Matthew pediu com uma voz adorável. Joe cessou as flexões para descansar brevemente, divertindo-se com o entusiasmo do bebê. Pensei em procurar minha câmera, mas correria o risco de perder as ações seguintes, e isso, definitivamente, eu não queria. Era muito melhor ter algo como aquilo gravado plenamente em minha memória. 
- Segure firme, garotão! Vamos lá! - já ofegante, mas disposto a continuar, meu marido aconselhou o filho, que se mantinha firme em suas costas, segurando a área do pescoço do pai com as pequenas mãozinhas. Seus risos incessantes ao subir e descer enquanto Joseph dava continuidade aos exercícios provocavam risos em mim também, assim como em Joseph, que logo voltou a ficar deitado e assistiu o pequeno sair de cima de si, batendo palminhas como se agradecesse pela grande aventura. Ainda deitado, meu marido olhou sorridente para o filho e rapidamente se ergueu e o pegou no colo, erguendo-o no ar. 
- Com licença, rapazes! - falei em um tom cordial, finalmente escolhendo me aproximar dos dois. Recebi um par de olhares distintos, apesar de um ser imensamente parecido com o outro. Olhares acolhedores que fizeram um calor bom abraçar meu peito. - Não quero atrapalhar as aventuras de vocês, portanto, continuem. - assegurei, acomodando meu corpo em um sofá próximo dos homens de minha vida. Só queria ficar admirando ambos. 
- Por onde esteve esse tempo todo? - Joe perguntou, despreocupado, enquanto ajeitava a blusa de mangas longas que usava. Matt se distanciou um pouco de nós e foi descobrir mais um pouco do mundo do outro lado da sala, doidinho para tocar nos enfeites colocados em uma estante alta. 
- Cantando e tocando piano. Consegui finalizar uma música, é um fato inédito. - demonstrando-se interessado, Joseph cruzou os braços na altura do peito e recostou o corpo na parede, olhando em minha direção. Cruzei minhas pernas e recostei minhas costas na parte mais confortável do móvel, de repente pensativa. 
- Você ama isso, não é? - ele indagou atencioso. Deduzi que se referia ao meu apresso pela música em um geral. 
- Não consigo evitar. - admiti sorridente. 
- E quanto eu terei a honra de dizer “Eu sou o marido dela!”, diante de uma multidão de fãs enlouquecidos por você? - após soltar a questão no ar, ele torceu os lábios e contraiu as feições, deixando-as descontentes pelo uso daquelas palavras. - Não, não quero ninguém enlouquecido por você. Aliás, você pode usar uma máscara durante seus shows, assim isso não vai acontecer. - ele riu durante sua demonstração de ciúme, me fazendo rolar os olhos. Mais pensativa do que antes.
- Talvez um dia. - minha curta resposta não o convenceu, fazendo-o dar passos rápidos até mim. 
- Um dia pode ser muito tarde, Demi. - ergui meus olhos em sua direção. Ele estava estranhamente sério. Sério como tive a chance de visualizar na manhã daquele dia já em sua metade. - Seria incrível ver isso se tornando realidade logo. - inquieta, me desencostei do sofá e tombei a cabeça para um lado, prendendo meus olhos em um Matthew que se divertia com seus brinquedinhos ao canto do recinto.
- Você está dizendo coisas estranhas hoje. Há um motivo específico para isso? - indaguei, e quando parecia prestes a conquistar uma resposta, o som da campainha levou minha investigação pelos ares. Joseph correu em disparada até a porta e a abriu. 
- Entrega para Joseph Jonas! - uma voz desconhecida avisou, então inclinei meu corpo para espreitar de quem se tratava, conseguindo ver um homem trajando o uniforme de um entregador. Logo meu marido retornou até onde eu estava, com uma caixa retangular segurada pelas mãos. Examinando-a, ele a depositou sobre o sofá e sentou-se para abri-la, me olhando de forma surpresa, enquanto eu apenas correspondia seu olhar. Finalmente se livrando da caixa, meu marido revelou uma garrafa. Julguei se tratar de uma típica garrafa de whisky. Analisei suas feições de repente paralisadas e, eu diria, assombradas. Tudo bem que ele optou por abandonar o velho whisky, mas por que ficou tão surpreso com aquele misterioso e impróprio presente
- Vou jogar isso fora. - disse simplesmente, segurando o objeto com força enquanto se dirigia ao cômodo que possuía uma lixeira. Ao voltar para a sala, notei certa exasperação em seu rosto. Totalmente sério, ele se sentou no chão ao lado do filho e ali permaneceu. 
- O que foi? - perguntei amigável, vendo-o apenas discordar com a cabeça e permanecer mudo. 
Pouco tempo depois, tendo a súbita necessidade de respirar o ar frio das ruas de Londres, levantei-me do sofá e perguntei se meu marido poderia fazer companhia a Matt durante minha ida ao centro. Tinha algumas coisas para comprar. Sem esperar resposta, caminhei até as escadas com o intuito de chegar até meu quarto e pegar minha bolsa, mas Joseph surgiu como um vulto a minha frente e impediu que eu cumprisse o trajeto. Olhei para ele de maneira curiosa, esperando sua explicação por ter barrado meus passos. 
- Onde vai, Demi? - perguntou, visivelmente interessado. 
- Já disse, vou ao centro comprar algumas coisinhas para o Matthew e aproveitar para dar início ao enxoval do mais novo membro da família! - sorri com minha própria explicação, assistindo meu marido concordar com a cabeça e retirar as chaves do carro de um dos bolsos de sua calça.
- Você não vai sozinha. - determinou categórico, revelando um olhar cauteloso que tentava alertar a existência de algo encoberto diante de nós. Pela segunda vez naquele dia, pude reparar mais uma amostra do que contatei se tratar de demonstrações exorbitantes de proteção. Como se eu fosse uma jóia frágil demais para permanecer um segundo sequer sem a supervisão de um guardião.
- Tudo bem, me espere aqui enquanto pego minha bolsa. - dei de ombros e subi rapidamente as escadas. Cheguei ao quarto, calcei minhas botas, peguei minha bolsa Birkin e fui até o espelho para dar apenas uma ajeitada nas ondas de meus cabelos soltos. Já no andar de baixo novamente, peguei meu bebê no colo e acabei por perceber que seria bom levá-lo comigo, deixá-lo apreciar um pouco a agitação das ruas. Afinal, a cada novo dia, ele sentiria mais e mais a necessidade de explorá-las. Explorar todo um mundo ansioso para vê-lo. 

Saí animada de uma loja para bebês, jubilosa por ter finalmente comprado a primeira roupinha de todo um enxoval. Apesar de desejar que fosse uma menina, ainda era cedo demais para saber, então optei por comprar um conjuntinho de lã branco, bem pequeno e delicado. Ficaria adorável em ambos os sexos. Acenei para Joe do outro lado da rua, que segurava Matthew enquanto o bebê se distraia com alguns balões decorativos na entrada de uma loja de doces. Durante meu simples ato de atravessar a rua, já com algumas sacolas, percebi que um homem se aproximou rapidamente e pareceu vir em minha direção, a boca entreaberta como se estivesse prestes a perguntar alguma coisa. Ele me chamou, não pelo nome, apenas com um “Hey!”, então cessei meus movimentos e virei o rosto, querendo descobrir o que ele queria. Por fim, acabei por descobrir que era apenas um turista perdido demais em seu roteiro de viagem. Enquanto ele me agradecia pelas informações com seu inglês embolado, senti meu marido se aproximar e lançar um olhar ácido para o homem, que apenas entendeu a atitude de Joseph como um convite para se retirar. Pedi desculpas à pessoa que já tinha se afastado e olhei brava para Joe, que continuava com aquele exaustivo semblante fechado. Matthew parecia não se incomodar com a tensão pairando entre nós, ele apenas queria brincar com a própria orelha do pai, que o mantinha em seu colo. 
- Qual é o seu problema hoje? - ralhei em uma repreensão, já retornando a caminhar, incomodada com sua atitude tão protetora. Não havia necessidade alguma. - Primeiro não queria me deixar sair sozinha de casa, agora simplesmente ataca com o olhar uma pessoa que queria apenas me pedir uma informação... O que mais você pretende, Joseph? Socar o próximo que me olhar? - fui ignorada por um Joseph que se recusou a me conceder explicações, passando apenas a me seguir, olhando ao redor de forma vigilante. Bufei, mas vitrines diversas aos poucos trataram de me distrair, levando meu incômodo embora. Pelo menos por enquanto. 
- Vou manter você a salvo a qualquer custo. - Joe revelou em um murmúrio quando eu já não pensava mais na possibilidade de conseguir uma resposta. Desviei minha atenção da agitação ao nosso redor e o encarei com um ponto de interrogação expresso em minha face. 
- Me manter a salvo de quê?
Uma gota de chuva tocou minha bochecha, conduzindo meu rosto a se erguer para examinar um céu cinzento. Joseph imitou meu movimento e deu um sábio sorriso. Chuva em Londres... Há muito tempo algo não me surpreendia tanto! Ironias à parte. 
- Da chuva, por exemplo. - explicou calmamente, colocando a touca do agasalho de Matthew na cabeça do pequeno, até que conseguíssemos chegar ao carro e livrá-lo do clima ruim. Evitaríamos a qualquer custo que ele ficasse doentinho outra vez.
- Não precisa se preocupar, Joe, eu me sinto muito bem! - arrisquei tocar naquele assunto, vendo-o me olhar com uma sobrancelha erguida. Deduzi que sua super proteção era consequência de minha gravidez. Não existia outra explicação plausível, certo? - Fiquei mal no início da gestação do Matt porque era a primeira vez que lidava com todo aquele turbilhão de sensações e descobertas. Mas agora, acredite, tudo está bem melhor. - garanti com um sorriso sincero que aos poucos se transformou em satisfeito, já que ele concordou com a cabeça e se desfez do semblante duro. 
- Desculpe, meu amor, eu só estou um pouco... - pensou na palavra que utilizaria a seguir. Gesto suspeito. - Apreensivo. Não é nada que mereça sua preocupação. - mesmo desconfiada, assenti, dando continuidade ao nosso percurso. 
Cerca de meia hora depois, quando pude finalmente comprar tudo que era necessário, Joseph me chamou para irmos até uma loja de brinquedos, já que nosso filho estava inquieto enquanto apontava para a chamativa vitrine. Determinados a fazer uma das vontades do bebê, não hesitamos em nos colocar na direção da loja. Durante o caminho, as cenas seguintes ocorreram de forma rápida e incompreensível. O rosto de Joe permaneceu congelado em uma região específica, pasmo. Pude ver com clareza, seus olhos verdes escureceram de súbito, tornando o rotineiro brilho então opaco. Tentei alcançar a visão que ele mirava, mas, como sempre, tudo que consegui enxergar foram vários rostos desconhecidos, rostos que não representavam nada alarmante para mim em particular. Porém, eu pressentia que algo estava errado. Aquela não era a primeira vez que ele repentinamente congelava os movimentos ao observar petrificado uma região qualquer, como se estivesse frente a frente com uma assombração. Em um movimento brusco, Joseph se virou e alterou seu rumo, me chamando para que nos afastássemos dali. Segui-o a passos determinados, ainda olhando para trás, tentando encontrar o motivo de seu desesperado em meio a multidão. Com o filho em seu colo, ele estendeu sua mão livre para deixá-la próxima de mim, pedindo com o olhar aflito que eu a segurasse. Assim que concordei e entrelacei nossos dedos, senti os ossos se pressionando fortemente contra os da minha, causando um leve desconforto. Ele apertava minha mão com muita força, demonstrando ter medo de me perder. Elevando os níveis de agonia que aos poucos me desesperavam. Quis parar de andar e confrontá-lo, exigir que evidenciasse o problema. Lembrava-me de situações semelhantes em Paris; uma vez enquanto passeávamos pelas ruas e outra durante nossa visita a um clube noturno. Afinal, qual era o maldito grande enigma? 
Joseph, pare já com isso! Não suporto te ver assim, eu juro que não suporto. Dói. Principalmente porque não sei o motivo. - persisti com pesar na voz, brecando meus movimentos até que pude atrair sua atenção. Virando-se contrariado e agitado, ele soltou minha mão e ergueu a sua para deixá-la precisamente firme em meu ombro, olhando tão fundo em meus olhos que por um instante pude acreditar estar sendo abatida por uma tontura sem explicação aparente. O chão pareceu tremer sob meus pés. 
Demetria, não... - incerto de como prosseguir, ele mordeu o próprio lábio e bagunçou os cabelos de forma impaciente. - Não seja teimosa, vamos sair daqui! Eu só estou tentando proteger você... Proteger nossa família do pior. - atordoado, ele sugou o ar com força, fechando os olhos ao liberá-lo. - Vamos para a casa, eu... - seu pedido desesperado fora interrompido assim que sentiu a necessidade de respirar fundo novamente antes de continuar. Preso em uma agonia ininterrupta. - Eu te imploro. - despejou as palavras, revelando a falha em sua voz ao terminá-las. Olhei com mais atenção para suas íris, debatendo comigo mesma se aquele brilho de fato ressaltava a presença de lágrimas. 
- Só se você me contar o que está acontecendo! - exigi em voz elevada e dotada de firmeza, preocupada não apenas com suas reações estranhas, mas também com a insuportável ideia de que ele temia algo e não me contava do que se tratava. - Por favor... - pedi baixinho, uma súplica que o comoveu ao ponto de desfazer a tensão impregnada no ar e se aproximar para beijar minha testa, amenizado minha confusão por instantes curtos demais. Se toda a situação não merecia minha preocupação, como ele mesmo disse, então por que parecia que, na verdade, o clima sombrio se devia a algo ligado diretamente a mim? 
- Vou contar quando tiver certeza que você está segura. - explicou com uma valorosa convicção, apoiando ternamente sua mão na parte de trás da cabeça de Matthew, levando-a para se aconchegar em meu ombro, a fim de garantir uma proteção maior também para o filho. Sem objeções, o pequeno fechou os olhos e se aconchegou mais ao pai. Parecíamos pessoas sob a mira de seres perigosos, correndo pelas ruas em uma demonstração de pânico. Não era certo. 
Frustrada, apenas concordei com um olhar triste e entrelacei nossos braços, contornando a distância até onde o carro permanecia estacionado. Naquele instante, o calor aconchegante em meu peito pareceu sofrer com uma inconveniente e inesperada rajada de vento. Tentei respirar fundo e mandar o estranho frio embora, apesar de que a temperatura pareceu cair ainda mais quando entramos no veículo e, ao colocar o cinto de segurança, troquei outro olhar com meu marido. 
Não gostei do que senti no instante em que ele desviou o olhar, travou a mandíbula e segurou o volante com firmeza.


Véspera de Ano Novo

O relógio marcava oito e quarenta e três, provavelmente ainda um pouco cedo para que eu me preparasse, mas bastante tarde para controlar minha empolgação. Eu já havia colocado o vestido branco, assim como singelas jóias, saltos, borrifado perfume nas áreas certas e cuidado da maquiagem, parando em frente ao espelho para conferir meu penteado. Um coque com alguns fios soltos. Realmente, em épocas como aquela, era como se eu fizesse uma viagem ao tempo e recuperasse a essência da infância, conseguindo obter enormes expectativas para aquela noite. Acredito que qualquer um consegue se entusiasmar com a aproximação de um novo ano, porque o fato, inevitavelmente, remete a um novo começo. Algo que muitas pessoas buscam para si. Eu, por outro lado, não precisava de um novo começo. Precisava de uma calorosa continuidade à vida que levava. 
Pela visão periférica, enxerguei Joseph e Jamie no banheiro, ambos voltados para seus reflexos no largo espelho. Meu marido tinha creme para barbear nas áreas certas de seu rosto, assim como Jam. Ergui uma sobrancelha, curiosa com a atitude dos dois. Eu não me lembrava de notar algum sinal de barba no rosto de meu filho mais velho. Mas, quando me aproximei e pude ouvir com mais precisão a amigável conversa entre ambos, percebi que Joe apenas instruía Jamie sobre como uma barba deveria ser feita. Ao mesmo tempo, os dois olharam firmemente para o espelho.Joseph deslizou o barbeador pela extensão do rosto, contornando as curvas da face enquanto dizia a Jamie como deveria seguir com os movimentos para obter um bom resultado. Rindo sozinha. Neguei com a cabeça e assisti Jam olhar um pouco confuso para o pai ao tentar repetir suas ações, por mais que se mostrasse determinado a seguir dedicado todas as instruções. Uma lembrança surgiu. 

Flashback

O garoto de olhos curiosos e reações incertas ergueu o rosto para conseguir enxergar melhor a entrada da casa, encolhendo os ombros quando notou que estávamos chegando perto dele. Ansiosa, esfreguei minhas mãos cobertas por luvas e apoiei uma delas sobre as costas de Jamie, que tinha um casaco grosso e calças quentes protegendo o corpo de um implacável inverno. Joseph abriu a porta, olhando sorridente para o garoto ainda hesitante. Aos poucos, felizmente, conseguimos que ele perdesse um pouco o receio e adentrasse nossa casa. Segurei firme sua mão, enquanto Joe nutria um olhar seguro para o garoto sardento, subindo as escadas, nos guiando até um cômodo que Jamie apreciaria muito ver. Chegando ao corredor de portas, meu marido segurou firmemente uma das maçanetas e a girou, revelando um quarto de paredes azuis, modelos de aeronaves em miniatura presas em pontos estratégicos de teto e uma decoração que se encaixava com a faixa etária de nosso... Filho
- Esse é o seu quarto. - me coloquei na frente de Jamie para que pudesse deslizar meus dedos por seus cabelos, lhe lançando um olhar mais do que confiante, vendo-o, aos poucos, iniciar uma sequência de passos que cessou quando seus olhos claros se fixaram em um dos aviões. O garoto apenas virou o rosto em nossa direção e revelou um sorriso repleto de gratidão. Sabíamos que ainda era cedo para exigir que ele se apegasse a nós, que se dirigisse a nós por “pai” e “mãe”, afinal, a adoção ocorrera rápida o bastante para tirá-lo do orfanato, mas também rápida o suficiente para que Jamie ainda pudesse se sentir totalmente confortável ali. A fim de proporcionar a ele um pouco de privacidade enquanto se acostumava com o ambiente, Joseph e eu nos entreolhamos e avisamos a nosso filho que estaríamos no andar de baixo caso ele precisasse de algo. 
Quando fiz menção de encostar a porta, ouvi sua voz infantil me chamar. Olhei em sua direção e o vi parado; os olhos agitados, as mãos inquietas, a boca entreaberta revelando sua indecisão sobre falar algo ou não falar. 
- Obrigado por... - ele começou, mas levou os olhos a outra direção quando não encontrou a continuação que buscava. - Me deixar fazer parte da sua família. - as sardas de seu rosto, graças ao frio, estavam mais visíveis, o que lhe dava um aspecto genuinamente adorável e distinto. 
- Sabe como você pode agradecer? - Jam ergueu uma das sobrancelhas, curioso para ouvir. - Continue sendo esse garoto incrível que você é. Isso basta. - ele concordou com a cabeça, orgulhoso de si, voltando a prestar atenção em seu novo quarto. Encolhi meus ombros em uma demonstração de conforto, o sentimento de dever cumprindo lavando a alma. Mas senti que ainda tinha algo para mencionar. - Jamie... - voltando a se virar, ele prestou atenção em meu rosto. - Agora essa casa não é apenas minha e do Joseph, ela é sua também. E tomara que você seja muito feliz aqui. É o que nós queremos. Correspondi ao sorriso repleto de sinceridade que recebi, fechando a porta. 

Fim do flashback

Acordei de meus pensamentos, vislumbrando dois dos homens da casa passarem rápido por mim. Jamie foi para seu quarto, com alguns resquícios de creme de barbear no rosto, mas Joseph levou o dedo indicador até a boca e pediu que eu não dissesse nada. Aos risos, observei meu marido cheiroso se dirigir até seu guarda-roupas e retirar dali uma bonita camisa em um tom escuro de azul. Ele parecia mais sereno, livre da inquietação constante que o atingiu alguns dias antes. Porém, ainda assim, existia algo errôneo no ar. Meu instinto me dizia, ou melhor, ele afirmava, que Joseph escondia alguma coisa. 
Mas eu não queria pensar nisso. Não no último dia do ano. 
- Acha que os meninos vão continuar aceitando tão bem a gravidez? - soltei a pergunta no ar, Joe instantaneamente abriu um sorriso e concordou com a cabeça, vestindo um casaco e fechando alguns dos botões bem rápido, vindo para mais perto para que eu pudesse ajeitá-lo para ele. Costumes de marido e mulher. A reação de nossos filhos ao descobrirem que teriam um irmãozinho - ou uma irmãzinha, claro -, fora mais do que comemorativa, fora esplêndida. Não apenas eles, mas também o restante da família reunida acabou por comemorar mais minha gravidez do que o Natal em evidência. 
- Não acho, tenho certeza. - respondeu convencido, colocando um fio solto de meu cabelo atrás de minha orelha e acariciando minha barriga com a outra. Ele estava apaixonado pela minha barriga, pelo menos fora o que deduzi aos risos. - Pronta? - concordei em silêncio, segurando sua mão ao sair de nosso quarto. Então tive outra lembrança, essa bem propícia ao conteúdo de nossa conversa. 

Flashback

Foi ao avistar a entrada de minha casa que finalmente tive a gratificante confirmação de que nada daquilo se tratava de um sonho. Havia um tipo novo de sentimento circulando pela minha corrente sanguínea, algo que conseguia ser magnífico e assustador ao mesmo tempo. Aquele era o momento na minha vida em que uma mulher floresce e descobre a mistura de experiências conhecidas como o dom da vida. Confesso que era um pouco surreal. Durante minha vida toda, convivi vendo mulheres com seus bebês, mulheres exercendo uma de suas mais bonitas funções, mas nunca tinha parado para pensar muito bem em como seria quando de fato ocorresse comigo. Pensar que um pequeno ser humano recém chegado ao mundo cresceria, se desenvolveria, conheceria pessoas e lugares, enfim, viveria sua vida, graças a mim, era no mínimo surpreendente. Eu me sentia mais do que abençoada, sentia que minha existência por fim fazia total sentido. Por entre o enlace carinhoso de meus braços, embrulhado em uma manta azul - igual ao lindo macacão e casaquinho que usava - havia um bebê que bocejava, ainda incerto sobre onde estava, se perguntando onde tinha ido parar o lugar aquecido e protegido onde permaneceu por nove meses. Em meio a resmungos, seu pequeno, quentinho e frágil corpo se mexia, como se buscasse a posição correta para se aconchegar melhor ao meu colo. Meus olhos permaneciam vidrados até nos mais triviais e calmos movimentos dos dedinhos de suas mãos. Quando Joe saiu do carro e se dispôs a ajudar, me divertindo por estar visivelmente ansioso e um pouco atrapalhado, segurei uma dessas mãozinhas e a beijei com todo o meu amor, vendo um pequenino par de olhos sonolentos se fixarem em meu rosto. Matthew tinha apenas poucos dias de uma vida que eu lutaria com unhas e dentes para tornar perfeita. 

Eu não sabia se chorava ou se ria escandalosamente do homem sentado a minha frente. Ainda um pouco cansada e debilitada, já tinha me acomodado em minha confortável cama, observando com olhos atentos meu marido paparicar o bebê em seus braços. Ele fazia caretas, se demonstrava abobalhado por Matt, vez ou outra me fazendo acreditar que poderia chorar a qualquer momento. Porém, quem começou a chorar fora o bebê. O som agudo e contínuo, ao invés de incomodar, me deixou feliz. Obviamente que, após intermináveis noites em claro, eu mudaria minha forma de pensar, mas por enquanto queria curtir cada ato do pequeno pedacinho de vida que fora passado cuidadosamente para os meus braços. Joseph se aconchegou ao meu lado, encostando a cabeça em meu ombro, não queria se afastar. Ele estava tão - ou mais - orgulhoso quanto a mim. Parecia que Matthew fazia parte da família desde sempre. Parte daquela casa desde sempre. Um resmungo frágil escapou por sua garganta quando comecei a amamentá-lo. Em um minuto, eu entrava em pânico ao imaginar a mera possibilidade de machucá-lo, mas no seguinte, já me sentia capaz de qualquer coisa que ele precisasse. Qualquer coisa. 
Quando me dei conta, chorava desimpedida ao olhar paralisada para o pequeno saciando seu apetite. 
- Ei, o que foi? - Joe percebeu meu estado, ficando a minha frente. Ele demorou um pouco para identificar meu pranto, pois estava ocupado demais babando em nosso bebê para notar minha súbita preocupação. Seus atos atenciosos durante a gravidez eram mínimos caso eu tentasse compará-los com os de depois de meu parto. Era bonito vê-lo tão presente, amando tanto o filho que conhecia há tão pouco tempo. Enxuguei lágrimas teimosas com as costas de minha mão livre, fungando. Apaixonada pela imagem que meus olhos tinham a sorte de presenciar. Então era mesmo verdade, eu tinha uma linda família. 
- Ele é tão pequenininho... - comecei em um murmúrio, extremamente sensível, fitando Matthew largar meu seio e levar uma das mãozinhas até o rosto, bocejando outra vez. Tudo nele era perfeito. Absolutamente tudo. Sua existência era perfeita. - Tenho medo de machucá-lo, não sei. Dá para acreditar que esse anjinho estava em meu ventre há pouco mais de alguns dias? - Joseph sorriu compreensivo e se ofereceu para voltar a segurar nosso filho, me deixando aliviada por um instante. Sim, eu queria segurá-lo pela eternidade, mas precisava controlar meu estado emocional naquele momento para poder aproveitá-lo melhor. Ser a mãe que ele merecia. 
- Nada disso, Demi. Veja só como ele parece te procurar! - os olhinhos de Matt se movimentavam rapidamente, enquanto ele parecia disposto a vasculhar por minha imagem. Quando enfim conseguiu capturá-la, não desgrudou sua atenção de mim. Joseph se mostrava mais pai do que nunca, revelando uma habilidade paternal surpreendente. - Acho que terei um sério concorrente de agora em diante. - rimos juntos, felizes. Altamente felizes. - Parece que Matthew teme não receber os cuidados que precisa? - ele questionou, satisfeito quando neguei com a cabeça. O medo subitamente tinha se esvaído. Eu só queria cuidar dele; dar banho, alimentá-lo, beijar as bochechas fofas e coradas. - Não, porque ele sabe que vai receber. Ele sabe, só de te olhar, que você será a melhor mãe do mundo. Não é, garotão? - dirigiu-se exclusivamente ao pequeno, que se mostrava duvidoso sobre deixar os olhos abertos ou fechados. Sua língua fora colocada para fora, um reflexo típico de bebês, disso eu sabia bem.
- Olha, ele está mostrando a língua para nós! - ri bobamente, apontando para seu rostinho.

Fim do flashback


Quando uma noite está destinada a ser especial, ela será especial não importa o empecilho invasor. Pelo menos era a minha convicção até o momento. A mistura estonteante de conversas, gritos de empolgação e a simples harmonia fraternal rodeava o parque Primrose Hill, lugar que escolheremos para esperar juntos a chegada de mais um ano. Havia centenas de mesas espalhadas por uma vasta campina verde, uma área que possibilitava a visão da London Eye e do Big Ben, lugares que abrigariam o verdadeiro espetáculo de fogos de artifício. Vários conjuntos de pessoas estavam separados um dos outros, cada um comemorando a sua maneira. Como uma espécie de evento, a região mais parecia uma interminável festa que duraria até o nascer do sol. Minha mãe também estava ali, assim como Dominic e Jennifer que, aparentemente, andavam bem próximos naqueles dias. Jamie deu alguns passos para longe, mas se mantendo em meu campo de visão. O garoto era uma das pessoas mais ansiosas pelas badaladas do Big Ben. Matthew permanecia mal humorado em meu colo, escondendo o rostinho por estar assustado devido a todo o barulho que não estava acostumado a ouvir. Apesar de ainda faltar um pouco para a meia noite, alguns solitários fogos de artifício já estampavam um céu escuro e sem nuvens. 
- Vem aqui, meu garoto! - Joseph, parado ao meu lado, chamou ternamente o filho, logo fazendo com que ele esticasse os bracinhos e praticamente pulasse no colo do pai. Joseph apontou para um dos conjuntos de luzes ao céu, procurando entreter o pequeno, afastá-lo de seu estado inquieto. Com sua mão livre, meu marido apontou para o céu, atraindo a atenção dos olhinhos verdes. Logo, um sorriso empolgado surgiu por entre os lábios de Matthew, já mais calmo. - Não precisa ter medo, eu não vou deixar que nada de mal te aconteça. Vamos, olhe para o céu! Pode olhar sem medo. É legal, não é? - o bebê concordou com a cabeça, e de repente não queria mais saber de olhar para outra direção senão a da imensidão escura e enigmática acima de nossas cabeças. Eu apenas torcia para que não chovesse, porque, caso contrário, nossa diversão seria arruinada. 
Permanecemos ali, conversando entre nós, observando as crianças correndo e a ansiedade pelo réveillon crescendo. Notei certo desconforto em meu estômago, mas disfarçadamente massageei a região e pedi a meu próprio organismo que não ocasionasse enjoos logo naquela hora. Em um passe de mágica, para a minha sorte, consegui respirar fundo e mandar o mal estar embora, torcendo para que não retornasse logo. O vento era firme, bagunçava meu penteado, alertava uma rotineira mudança no clima. A meia noite se aproximava. O frisson crescente parecia fluir pelo ar que circulava por cada pessoa ali, cada pessoa que aos poucos mudava a direção de seu olhar e acompanhava a paisagem a nossa frente. 
Logo meus ouvidos teriam de se acostumar com uma fervorosa e alta contagem regressiva. 
Quando percebi, meus olhos estavam marejados. 
Joseph ficou a minha frente, me abraçando carinhoso pela cintura, por um instante ignorando toda a agitação e fingindo que éramos os únicos no parque. 
- Eu sempre choro no último dia do ano, quando faltam poucos minutos para a meia noite. - expliquei e ele concordou, apesar de um ponco descrente perante minha revelação. Não ousava tocar meus lábios, pois queria esperar até a mudança do relógio. Abracei seus ombros e descansei minha cabeça em seu peitoral, observando Matthew correr de um lado para o outro do gramado, sendo perseguido por minha mãe. Ao lado dela, estava um Jamie elétrico que não sabia se olhava para os lados ou para o céu. Um pouco a frente de nós, um casal prestes a se beijar. Joseph e eu trocamos risinhos maliciosos quando os lábios de Dominic e Jennifer se juntaram, mas a moça logo se livrou do contato e estapeou o braço do advogado. 
- Não quero ver você chorando, Demi. - senti seu dedo indicador ficar abaixo de meu queixo, enquanto o polegar tocava a região com uma mistura de firmeza e suavidade. - Quero vê-la feliz. 
- Mas são lágrimas de felicidade. - insisti, sendo abraçada novamente. 
- Eu prefiro os seus sorrisos de felicidade, seus beijos de felicidade. Quem sabe até...
- Shhh! - toquei meu dedo indicador em seus lábios quando percebi que ele acabaria se empolgando e falando demais. Não estávamos sozinhos, então ele poderia esperar até que chegássemos em casa. Inclinando o rosto para se livrar de meu dedo, Joe riu e encostou sua testa na minha, visto que a contagem regressiva logo teria início. Olhava firme em minhas íris, deixando-as paralisadas com a beleza das suas. Ele enxergava além do que dizia ser uma beleza que o encantava. Ele enxergava quem eu seria mesmo sem uma forma. Mesmo que não enxergasse... Ele me enxergaria. 
(Coloque a segunda música para tocar e deixe repetindo até o final da cena completa!)

Dez...

Fui pega de surpresa com a velocidade do tempo ao transcorrer. Um afinado coro de vozes em uníssono percorreu os quatro cantos do parque. A atmosfera ficou carregada, o clima de suspense circulando pelo ar gélido. Joseph respirou fundo e desceu as mãos da cintura que segurava para que pudesse segurar as minhas, inertes. Um toque prolongado responsável por emitir uma mensagem fora realizado. Algo que não pude compreender de imediato. 

Nove, oito...

Perdida em pensamentos volúveis, ouvindo a gargalhada gostosa de meus filhos, prendi minha atenção no olhar distraído do homem que me tinha em seus braços. Uma ansiedade indefinida expressa em suas feições. Fiz menção de me soltar de seu enlace, acompanhando seus olhos zelando por meus movimentos pausados. 

Sete, seis, cinco...

Algo despertou uma corrente de arrepios por minha pele, percorrendo a distância entre o topo de minha cabeça até a ponta de meus pés. Joseph fez alusão de dizer alguma coisa, mas se conteve e trancou os lábios em uma linha reta. Parecíamos estátuas sem vida paralisados daquela forma, esperando uma reação de nós mesmos ou do mundo ao redor. Não era uma sensação ruim, mas também não era boa. Por um curto espaço de tempo, parecíamos estar sendo transportados para outra dimensão. Por um segundo, foi como se o tempo congelasse. 

Quatro, três, dois...
Um
.

Uma sequência de quatro zeros foi exibida em relógios alheios. 
O poderoso estouro dos fogos de artifício iniciais penetrou por minha audição, me despertando novamente para a realidade. O primeiro badalar do Big Ben ressoou certeiro, revelando raios que escaparam de seu interior, atingindo o céu com destreza. Senti meu corpo ser puxado com determinação, lábios sendo pressionados contra os meus. Um pouco atordoada, correspondi ao beijo fervoroso e ágil de meu marido, que me segurava com a suposta pretensão de nos tornar um só. Eu quase não conseguia acompanhar sua variedade de ações trabalhando em conjunto para manter o contato, fincando minhas unhas em seu ombro com firmeza quando comecei a sentir falta de ar. Eu não enxergava o que acontecia ao meu redor, mas podia ouvir tudo. Por mais que não quisesse ouvir. O gosto da boca de Joe criava a ilusão de que eu poderia ir para qualquer lugar que quisesse. Segurei os cabelos de sua nuca com mais força, enroscando nossas línguas por uma última vez antes de finalizar nosso primeiro beijo do ano. Ao desfazer o encaixe, senti uma repentina tensão irradiar do corpo másculo para o meu. Antes de pensar em olhar nos olhos daquele que me beijava sempre como se fosse a primeira vez, ergui meu rosto para deslumbrar o espetáculo de luzes sobre nossas cabeças. Desenhos em formas brilhantes preenchiam e alegravam o céu em um conjunto de cores cuja existência, apesar de brilhante e majestosa, era demasiada breve. Após apreciar a comemoração, voltei minha atenção para Joseph, que nada fazia a não ser continuar mantendo aquele abrigo seguro para meu corpo. 
- Com um começo de ano assim, posso esperar coisas boas de todo o seu restante. - sussurrei ao pé de seu ouvido, tentando quebrar a atmosfera tensa e de origem desconhecida. Sem responder nada, ele fechou os olhos com força e respirou fundo, olhando para algo atrás de mim antes de descer os olhos maliciosamente até meu corpo e segurar o lábio inferior.
- Não há nada para fazer ou ver aqui. Vamos para casa, comemorar o ano novo de um jeito só nosso. - sugeriu, uma ardilosidade esfuziante escapando através do som hipnotizante de sua voz rouca. Eu não queria recusar, e não recusei. Espalmei seu peito e uni nossos lábios, dando-lhe diversos beijos curtos. Passei meus braços por seus ombros novamente e enlacei seu pescoço, encostando meus lábios em sua orelha para dizer:
- Me espere no carro, vou procurar os meninos e avisar a mamãe que estamos indo antes. - ele apenas concordou e me soltou com pesar, oferecendo seu casaco quando notou que passei a abraçar meu próprio corpo, mas neguei. Afastando-se rapidamente, ele sumiu como uma sombra tímida na escuridão. Logo não pude mais identificá-lo em meio ao aglomerado de pessoas saltitantes, chorosas e entusiasmadas. 
Corri em disparada em busca de minha mãe, olhando para todos os lados na expectativa de encontrá-la o mais breve possível. O toque estridente de meu celular irrompeu, me obrigando a abrir a bolsa enquanto ainda corria, para poder retirá-lo dali. Atendi apressada, ouvindo a voz de minha mãe do outro lado da linha. Ela apenas disse que Matthew estava sonolento e que Jamie queria ir para casa, então, quando eu disse que de fato era essa a intenção, ela avisou que nos esperaria no estacionamento, ao lado do carro de Joseph. Cessei meus passos e dei meia volta, vasculhando pelo caminho mais rápido que me levaria até o tal estacionamento. Vez ou outra acabava esbarrando com alguém, algo inevitável visto a quantidade de pessoas circulando. Quando finalmente cheguei ao local almejado, vi apenas mamãe e meus filhos com ela. Matthew adormecido em seu colo e Jamie parado, apenas olhando para mim. Joseph não estava com eles.
Na verdade, Joseph não parecia estar em lugar algum. 
Eu tinha contornado aquela região duas vezes, e em nenhuma delas vi meu marido. Tentando focar meus pensamentos em algo feliz, a fim de deter a incômoda agitação interior que se instalou por meu ser, acenei para minha família e disse com um gesto de mão que ia procurar por Joseph, para que pudéssemos ir embora. 
Ao passar do tempo em que eu me esforçava o máximo para conseguir driblar todos que cruzavam meu caminho, uma nova quantidade de fogos de artifício explodia pelo ar logo acima, elevando a frequência de meus batimentos cardíacos, despertando sustos constantes que me deixavam desnorteada. Meus pés já se mostravam cansados pela corrida que logo tive que encerrar, mantendo passos aflitos pelo local. Já não conseguia mais procurar com calma, já tinha olhos desesperados e movimentos incontidos. Era uma sensação semelhante a que se sente quando somos crianças e por um breve momento não conseguimos encontrar nossa mãe dentro de um supermercado. Ela criava a ilusão de que havia algo barrando a passagem de minha garganta, me obrigando a respirar com mais empenho. Eu me sentia sozinha perante uma multidão. 
Vários minutos depois, encontrei Dominic e Jennifer pelo caminho, que se ofereceram para me ajudar a procurar um Joseph até então sem paradeiro. Tentei ligar para seu celular, xingando mentalmente quando a voz da caixa postal fora a única resposta obtida. Fui juntamente com o casal para uma parte mais afastada do parque, onde árvores mais densas se concentravam em maior quantidade. Meu olfato prontamente captou aquele perfume, um perfume tão familiar. Não importava que a mistura de aromas ali fosse de fato enorme, consegui identificar o perfume deJoseph mesmo misturado com tantos outros. 
Mas eu não queria seu perfume, queria ele. Onde estaria?
- Aqui! - Dominic gritou segundos após se afastar de Jennifer e de mim, abaixando-se para inspecionar um tecido jogado em uma área próxima do tronco de uma árvore extensa. Jen e eu nos entreolhamos e seguimos para lá. 
Ofegante, sentindo um desconforto penetrar meus ossos, abaixei o olhar para examinar a peça de roupa jogada. Era um casaco. Um casaco que reconheci. Tive que piscar os olhos algumas vezes, respirar intensamente algumas vezes. Dizer a mim mesma que não podia ser verdade, algumas vezes. Um medo tangível se alastrou pelo meu corpo em conjunto com uma rajada de calafrios levando minhas pernas a um estado de tremura. Jennifer se abaixou ao lado do loiro e tocou na veste, abrindo-a sobre o chão para revelar uma mancha vermelha impregnada no tecido.
Sangue.
A mórbida e inevitável possibilidade cegou a razão. Era o momento em que o desespero inicia o ato de corromper o bom senso. O casaco era o mesmo que Joseph vestia naquela noite. Antes eu tivesse encontrado o dono da roupa, e não a dita cuja. Nós três encaramos o nada a nossa frente, tomados pela inútil esperança de que Joe surgiria em nosso campo de visão a qualquer momento. Em vão. 
Não parecia real, todo aquele conjunto absurdo de cenas em sequência estava embaçado e irreal demais, como um sonho. Um sonho nebuloso e interminável que faz você acordar com o coração acelerado e suor na testa. Um sonho que acabaria a qualquer momento. Onde estaria esse momento?
- I-isso é... - minha voz falhou, meus lábios trêmulos impediram minha voz de soar com clareza. - Isso é do Joseph. - contei aos dois, que no exato instante ergueram os rostos para me olhar. Engoli em seco, escondendo meu rosto com as mãos. A respiração dificultada aos poucos me deixando aérea, o chão ficando cada vez mais longe. Não de uma maneira agradável. 
- Tem certeza absoluta, Demetria? - Dominic quis saber, mas tudo que pude fazer em resposta fora balançar a cabeça positivamente. 
Tentei recapitular os fatos em minha mente: eu não conseguia encontrar meu marido, ele não atendia minhas ligações, ele não estava em lugar algum, parecia ter evaporado com o vento. E seu casaco permanecia jogado ao chão de grama e terra, marcado com uma fatal mancha de sangue. Removi a prisão que minhas mãos mantinham minha visão e voltei a fitar o tecido, enquanto Dominic vasculhava pelos bolsos. Surpreendendo a nós três, um bilhete amassado se encontrava dentro de um deles. Sem fazer questão de ler, o homem o ergueu para que eu pudesse pegá-lo. Logo o fiz, quase rasgando o papel ao puxá-lo para mim, demonstrando meu desespero. Desdobrei a folha, tendo certa dificuldade graças ao vento agora mais intenso. Eram poucas as palavras ali. Poucas e cruéis. 
Demi, tudo vai ficar bem
De certa forma, o esperado fora que um sorriso surgisse em meus lábios, um sorriso em consequência de sua tentativa de me acalmar, não importasse o que estivesse acontecendo. Ou pelo menos um leve alívio de função tranquilizante ao meu ser. Mas um rasgo marcava o papel. Um rasgo rente a palavra “bem”. O pânico novamente penetrou meu corpo e nocauteou meus ossos. Meus dedos trêmulos se desprenderam do papel, deixando-o escapar de minha posse e sair voando pelo vento, dançando para longe com o ar gelado. Joseph me ofereceu seu casaco, talvez na intenção de induzir a leitura daquele breve recado. Minhas convicções tinham se dilapidado diante daquela revelação insuportavelmente asfixiante: não, nada estava bem. Talvez ficasse, mas não estava.
Movida por uma tontura que fez meu corpo perder o equilíbrio e cair sentado no chão, senti minha felicidade ruir como um castelo de areia em meio a tempestade tropical. Eu sabia, a harmonia estranhamente feliz protegendo nossa vida como um véu impermeável logo seria rompida. O véu, rasgado.
Então ele tinha motivos para estar apreensivo daquela forma. Ele sabia. Sim! Ele sabia que algo aguardava por nós. Algo obscuro. Mas por que não me disse nada? Por que escolheu deixar que saíssemos de casa naquele dia? Poderíamos, naquele exato instante, estar protegidos em nosso lar, aquecidos pela certeza de que tínhamos um ao outro. Perto. Proximidade. Proximidade essa que pareceu distante o suficiente para se tornar inalcançável. O que eu diria aos meus filhos? O que eu diria se, com o passar dos dias, o homem responsável pela minha alegria plena continuasse desaparecido? Não, eu não conseguia deixar de pensar na excruciante possibilidade de que ele demoraria a voltar. Algo dentro de mim fazia essa certeza reverberar. Minha própria mente revelou-se minha inimiga.
Jennifer e Dominic levantaram-se e se dispuseram a me amparar, sustentando com cuidado meu corpo para que eu conseguisse levantar. 
Não era real. Não era real. Não era real. 
- O que você tem? - Dominic perguntou, preocupado com meu rosto pálido. Minha visão desfocada dificultava minha percepção de tudo ao redor. Um zumbido alarmante em meus ouvidos não permitia que eu escutasse com clareza os sons que me ladeavam. 
- Estou com tontura. - respondi de qualquer jeito, tonta demais para conseguir distinguir minha própria voz. Minha cabeça girava, eu não sabia por quanto tempo aguentaria continuar de pé. 
- Vamos te levar para casa. - foi a vez de Jennifer se manifestar. Eu não sabia se eles me carregavam ou se minhas pernas se encontravam em um estado de dormência forte o suficiente para me impedir de senti-las se movendo. 
- Não, eu preciso encontrá-lo! - esbravejei, lutando contra minha própria fraqueza física. - Preciso encontrá-lo! - repeti, na tentativa debilitada de convencê-los a não contrariar minha vontade. Não sabia definir se minha voz permanecia alta ou baixa demais. Um braço de Dominic passou por meu ombro, enquanto um de Jennifer abraçava minha cintura para que eu não caísse. 
Olhei o horizonte, exasperada por conseguir pensar apenas no sangue naquela maldita peça de roupa. E se o sangue pertencesse a dele? Onde Joe estava? Aos pouco, senti como se uma ruptura se formasse abaixo de mim. Então o chão se abriu sob meus pés cansados. O mundo a minha volta foi capturado por uma escuridão completa. Não era mais possível sentir qualquer coisa. Nem mesmo dor. 

(Coloque a terceira e última música para tocar!)
Deduzi que o ambiente desfocado que minha visão debilitada localizou era meu quarto. Acabei por ceder ao peso de minhas pálpebras outra vez, não querendo lidar com a iluminação preenchendo o local. Minhas pernas doloridas se moveram lentamente, assim como meus braços, também doloridos, resultado de toda uma musculatura tensa que aos poucos resultava em uma sensação de total torpor. Abrindo novamente os olhos, dessa vez de forma mais calma, inclinei minha cabeça para o lado. A confusão ainda presente em minha mente não me deixava lembrar com clareza dos fatos ocorridos naquela noite. Eu só sabia que precisava verificar uma coisa. Meus dedos tocaram a região de minha barriga, eu queria checar se meu bebê continuava ali dentro. Aparentemente, mesmo que eu não tenha sentido nada, ele continuava. Eu sabia que sim. 
Quando meu corpo se ergueu em um impulso, meus olhos deram de cara com Jamie. O garoto sentado sobre a beirada da cama me olhava preocupado, seus olhos continham indícios de lágrimas, visto que estavam inchados. Levei a mão até minha cabeça, segurando na área de minha testa para tentar controlar o latejar enquanto eu me movia. Troquei outro olhar com meu filho, que se moveu desconfortável. Em seguida, mamãe adentrou o cômodo com Matthew em seus braços. Ele não parecia mais sonolento, muito pelo contrário, sua agitação constante para sair do colo dela, obrigou-a a colocá-lo sentado sobre a cama. Ainda em silêncio, sem coragem de permitir que minha mente funcionasse como deveria, trazendo então as temidas lembranças, observei meu pequeno engatinhar para ficar mais perto de mim. Aconchegou-se em meu colo, deitando a cabeça sobre minhas pernas, olhando para meu rosto de forma curiosa. De três olhares que eu recebia naquele instante, apenas um não carregava pena. Apenas o de Matthew parecia tranquilo, contrariando a situação detestável de nossa família.
- Mamãe, adê papai? - o bebê perguntou baixinho, coçando os olhinhos. Um bico se formava nos lábios finos. Ergui meu rosto e encarei o de minha mãe, visivelmente contraído em feições alarmadas. Ela meneou com a cabeça quando entendeu a pergunta implícita em meu olhar. Joseph não havia retornado para a casa, não tinha dado notícia alguma. Eu nem precisei verbalizar a pergunta para constatar o fato. Constatar o infortúnio. Fora impossível não notar a pulsação acelerada que voltou a dificultar minha respiração. Cada músculo de meu corpo pareceu enfim acordar, proporcionando um peso que me forçou a deitar na cama novamente. Incerteza banhava minha alma enquanto meus olhos perdidos permaneciam grudados no teto branco. Eu não conseguia expressar reação, não conseguia reagir. Nem sequer sabia o que de fato estava acontecendo com minha vida. Um cataclismo eminente sumiu com a alegria incessante que uma Demetria nutria pela manhã. Uma Demetria que, naquele momento, encontrava-se sem chão. Joseph jamais iria para algum lugar distante sem antes me avisar.
Retornei a lançar um olhar para meu filho, sentindo seu corpo voltar a se aproximar do meu. Uma de suas mãos tocou meu rosto, enquanto ele se manteve deitado ao meu lado, ainda esperando uma resposta que eu não queria dar.
É só um pesadelo.
É só um pesadelo.
É só um pesadelo.
Abra os olhos agora!
- Eu... - vacilei, sentindo a ardência rodear meus globos oculares. Ela tardou a vir, mas não deixou de marcar presença. E como poderia? - Eu não sei, meu ursinho. A mamãe gostaria muito de saber, mas não sabe. - confessando a dolorosa verdade, uma lágrima solitária correu por minha bochecha. Acariciei o cabelo de Matt e percebi que o pequeno desfez o semblante calmo, uma ruga se formou em sua testa, um choro aos poucos conquistando seu início. Nunca pensei que em algum dia na vida precisaria usar aquela resposta quando me perguntassem sobre o paradeiro deJoseph. Joseph, que se mostrou determinado a me proteger de um mal que acabou caindo sobre ele mesmo. Não demorou para que minha mãe se aproximasse e oferecesse seu ombro para que eu chorasse copiosamente, sem conseguir pensar em meus filhos, em meu estado, na vida sendo gerada dentro de mim, no mundo ao redor. Eu só queria acordar logo e ter um belo par de olhosverdes me garantindo que aquele fora apenas um dos pesadelos mais longos de minha vida. 
Mera ilusão. O pressentimento sombrio e o aperto em meu peito alertavam que aquele era apenas o começo. 
Em um impulso torto, ergui meu corpo e segurei no móvel mais próximo para não cair. Mamãe tentou me impedir de continuar, mas logo me desvencilhei de sua repreensão e procurei por meu celular, discando desesperadamente uma curta sequência de números. 
- A polícia precisa saber disso, eles têm que fazer alguma coisa! - voltei a chorar, recostando meu corpo à parede mais próxima para não acabar despencando, esperando até que alguém me atendesse. - Eu não posso acreditar que isso esteja mesmo acontecendo!
Todos os dias anteriores foram semelhantes ao paraíso na Terra, banhados com a acolhedora magia presente em um final feliz de filme... Até que o roteiro mudou. Até que sombras caíram sobre esse paraíso utópico. 


Joseph's P.O.V

Pingos de água provenientes de uma goteira insistente chocando-se contra o chão. 
O som repetitivo me coagiu a acordar de um forçado estado de inconsciência, tendo como primeira reação o ato de fechar minhas mãos em punhos. Mãos presas por alguma coisa. Aos poucos abri meus olhos, piscando as pálpebras diversas vezes para afastar a vertigem e a vista embaçada. A área de minha testa latejava, minha garganta estava seca e meus batimentos cardíacos passaram de quase nulos para desenfreados quando minha cabeça dolorida se ergueu em um ímpeto. Dor. Vencido pelo insuportável incômodo na região de meu crânio, voltei a inclinar a cabeça para baixo, tentando regularizar minha respiração ruidosa. Eu não sabia dizer onde estava, não conseguia me mover. Minhas mãos e pés estavam atados. A única coisa visível diante dos meus olhos era uma penumbra; um local frio e solitário, com um desagradável odor de mofo. Senti frio, visto a ausência do agasalho que eu usava anteriormente. Acho que não saber quanto tempo se passou e se estava longe ou perto de casa era a pior parte. Ao tentar me movimentar outra vez, consegui lembrar de tudo. Parcialmente. 
Eu caminhava sobre um campo, ouvia o barulho dos fogos de artifício, procurava meu carro pelo estacionamento lotado, pensava em Demetria, sorria, ouvia um barulho, virava o rosto para encontrá-lo, sentia algo se chocar contra a parte de trás da cabeça, então uma dor potente pela região. Caia quase inconsciente no chão, enxergava um rosto desconhecido... E apagava. 
Pude, tardiamente, assemelhar tudo. As três vezes em que eu vi o ser. Duas em Paris e uma em Londres. O whisky que recebi, certamente uma de suas marcas mais imutáveis. Por último, e mais importante, o pesadelo em que Demetria corria perigo. E, olhando ao meu redor, analisando minha situação incompreensível, era fácil notar a semelhança presente com aquele pesadelo. No entanto, existia uma crucial diferença. A troca de lugares.
Era contraditório ao fato, mas me senti aliviado. 
Não era Demetria presa ali.
Que o peso do mundo desmoronasse sobre as minhas costas, mas jamais sobre as dela. O lugar de fato não me intimidava, só me intrigava, mas seria absolutamente diferente com Demi. Se as coisas tivessem ocorrido como no realístico pesadelo, ela seria a vítima. Ela estaria nas mãos de demônios ainda desconhecidos por mim. Foi reconfortante notar a falta de eficácia de meu subconsciente ao tentar me alertar alguma coisa. Sim, era melhor que minha mulher sofresse a salvo, ao invés de sofrer em perigo. 
Só então, compreendi a gravidade do acontecimento. Compreendi que alguém - ou um grupo de pessoas - tinha me sequestrado. Ou, pelo menos, me afastado por tempo indeterminado de minha família. A imagem de Demetria chorando fora inevitável, então voltei a cerrar meus punhos e fazer força com ambos, soltando o ar com força quando percebi que nada mudava. Mentalmente, eu pedi a ela que aguentasse firme, que não se deixasse abater. Mas era tolice, porque ela não poderia me ouvir. 
Algum tempo indeterminado se passou. 
Imóvel, ainda incapaz de erguer meu rosto, ouvi passos tórridos cada vez mais próximos. Um ruído agudo alertou que uma porta ainda escondida por entre aquele espaço estava sendo lentamente aberta, incomodando meus olhos com a claridade repentina gerada graças a luz presente em um corredor que pude notar, apesar de meus olhos implorarem pela escuridão. O chão de aspecto deplorável sob meus pés atados ficou visível, as paredes maltratadas e escuras também. Foi possível descobrir a grande amplitude do lugar denominado cativeiro. Alguém parou diante de mim, despertando minha vontade de lutar para erguer o rosto e confrontar o desgraçado com um olhar, porque era o máximo que eu conseguiria no momento. Assim que o fiz, diversas cenas passaram diante dos meus olhos. Cenas de um passado, cenas que pensei não ser mais capaz de lembrar. Mas eu era. Será que aquela era apenas uma visão recorrente de um estado repentino de loucura? Eu tinha perdido minha sanidade? 
Você. - murmurei de forma quase inaudível, entregando uma surpresa amarga ao vê-lo novamente. 
Déjà vu
Porém, aquela era a minha atual realidade, não um pesadelo inútil. E quando ela teria fim? Era o que eu mais almejava descobrir. 
Algo atingiu a lateral de meu rosto com violência, forçando o reflexo de virá-lo bruscamente para um lado. Um latejar se espalhou por toda a região, causando ardência pela área de meus olhos e nariz. Travei a mandíbula e grunhi, não encontrando outra sair senão cuspir a pouca quantidade de sangue que de repente surgiu em minha boca, seu gosto ruim evidente. Resisti a dor, fingi ignorá-la. Fui petulante ao ousar rir com escárnio e olhar diretamente nos olhos do agressor, mesmo que isso pudesse vir a me custar um olho roxo. Em todo o caso, eu não estava surpreso com nada do que vi. Com absolutamente nada. Na verdade, questionei a mim mesmo como não tinha pensado naquela hipótese antes. Mas continuaria em silêncio, continuaria firme na decisão de que logo aquele inferno teria fim. E sustentaria apenas uma mensagem em mente, apesar de saber que ela não chegaria tão cedo aos ouvidos de quem eu queria: 
Demetria, eu não sei o que está acontecendo, mas fique bem. Não importa o quanto esse mal entendido dure, eu vou voltar para você, vou resistir a qualquer coisa por você e nossa família. Logo ficaremos juntos novamente. Ficaremos bem, como sempre ficamos. Eu te amo.

/Joseph's P.O.V

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