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terça-feira, 21 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 21

Luzes (especial de Natal)
(Músicas do capítulo: Us Against The World do Coldplay, People Help The People cover feito pela Birdy, Cold December Night do Michael Bublé e Bigger Than Love do My Favorite Highway. Se possível, deixe todas carregando e as coloque para tocar quando cada aviso surgir.)



Foi um sentimento de satisfação que senti enquanto olhava minha imagem no espelho. Não necessariamente satisfeita com minha aparência - apesar de estar -, mas com quem eu era. Meus lábios se curvaram em um sorriso quando escutei gargalhadas altas que me impulsionaram a abrir a janela e procurar pelos donos de risos tão espontâneos, cheios de vida. Recuei meu corpo quando um pequeno avião de controle remoto passou próximo da janela, dando um passo a frente quando o mesmo já se encontrava do outro lado do jardim. Debrucei-me, olhei para baixo, encarei o jardim e recebi um aceno de Matthew, juntamente com um de Jamie e outro de Joseph, que tinha o controle em mãos. Quando meus meninos cresceram tanto? Matthew tinha cinco anos e Jamie quinze. Correspondi o aceno e saí da janela, retornando a prestar atenção no som que ouvia escapar através de um dos outros quartos do corredor. Era um som agradável, um som que me motivou a persegui-lo. Meus passos lentos aos poucos foram rompendo a distância, então finalmente me vi diante de um ambiente rosado. As paredes eram pintadas em um tom bem clarinho da cor, enquanto a decoração consistia em tons mais fortes de rosa e lilás. Prateleiras com bonecas de pano, um mini piano branco ao canto e um enorme urso de pelúcia também branco sobre a cama, semelhante ao que ganhei quando criança. Uma garotinha estava sentada sobre um felpudo tapete rosa, ela segurava um pequeno bule e brincava de servir chá para suas bonecas colocadas sentadas ao seu redor. Ela se parecia muito com Matthew, apesar de seus cabelos - adornados por uma tiara rosa - serem consideravelmente mais claros. Os olhos eram iguais aos de seu pai, e muitas vezes suas feições também se igualavam. Sorri, me sentindo impressionantemente grata pela vida que tinha. Os olhos verdes da pequena - com apenas três anos de idade - se ergueram e, assim que me encontraram, seu corpo coberto por um vestido florido e um casaquinho de lã branco se levantou. Ela correu com toda a vontade em minha direção, enquanto eu me ajoelhava para recebê-la. Seus sapatinhos pretos de boneca chocando-se contra o chão, produzindo um barulho que preencheu minha audição e me motivou a abrir os braços a sua frente. Ela praticamente se jogou em meus braços, passando os seus por meus ombros. Toquei o topo de sua cabeça e acariciei seus cabelos, sentindo o aroma doce que emanava dos mesmos, descendo meus dedos até encontrar os delicados cachinhos que se formavam apenas nas pontas.
- Mamãe! - ela voltou a me abraçar, mas dessa vez mais brevemente, já que suas mãozinhas logo tocaram meu rosto e seus olhos, que me admiravam, pareciam maravilhados. Ela enxergava um rosto de mãe coberto pelas feições do amor. - Quando eu crescer, quero ser igual a você. - sua voz fininha e angelical, apesar de ainda um pouco embolada devido a idade, não eliminou a veracidade que ela tentava transmitir.
- Você será melhor que a mamãe, minha princesa! Minha... - crispei meus lábios quando tentei dizer seu nome, mas de repente não sabia qual era. Vasculhei cada mísero canto de minha memória, aos poucos sentindo um súbito pânico se alastrar por meu interior. A garotinha franziu o cenho e se mostrou aborrecida. Aborrecida pela mãe ter esquecido o nome de sua própria filha.


Desconfiei possuir um sorriso por entre os lábios antes mesmo de acordar. Meus olhos se abriram ligeiramente e tive que esfregá-los para conseguir enxergar de forma aceitável. O quarto claro, estranhamente escuro ao mesmo tempo devido ao sol que ainda não havia nascido, me possibilitou olhar ao redor e enxergar tudo com clareza. Até mesmo meu futuro. Tratei de eliminar a parte final do sonho de minha mente e me concentrei na imagem da garotinha com suas feições de boneca. Aquela era a minha filha, minha princesinha. Que logo estaria conosco. 
Sem conseguir desfazer o sorriso bobo em meus lábios, senti como se a percepção do momento controlasse minhas pernas, fazendo-as se jogarem para fora da cama, me deixando de pé em segundos. Ignorei minhas pálpebras pesadas e a ardência em meus globos oculares, trôpega de sono. Retirei do chão o longo robe branco que repousava ali desde a noite anterior e o vesti. Observei um Joseph adormecido sobre a cama, as típicas feições serenas de anjo que dominavam seu rosto enquanto dormia, alguns curtos fios de cabelo caídos em sua testa e o peito coberto por uma blusa cinza de frio subindo e descendo calmamente me fizeram suspirar. Depois de um breve momento de contemplação, me dispus a caminhar na ponta dos pés para não acordá-lo. Chegando ao banheiro, toquei o interruptor de luz e vi o recinto iluminar-se, todo aquele branco incomodando minhas retinas. Segundos depois, já mais habituada com a claridade, me encaminhei até um dos armários brancos do local, onde eu guardava meus cosméticos e produtos de higiene feminina, vasculhando pela pequena e retangular embalagem escondida atrás de alguns hidratantes corporais. Após finalmente encontrar o teste de gravidez, segurei-o como se minha vida dependesse dele e soltei o ar pela boca com força, enfim abrindo a embalagem. Preparei-me para a etapa seguinte, indo até o vaso sanitário, torcendo mentalmente para que o resultado fosse distinto dos outros que tive o azar de observar durante os dias anteriores. 
Negativo
Um risquinho, apenas um risquinho, quando na verdade eu precisava de dois!
Encarei aborrecidamente o teste segurado por meus dedos como se tivesse a capacidade de mudar o diagnóstico com a força do pensamento, suspirando desanimada quando percebi que nada mudava. Sentei-me sobre o chão mesmo, apoiando as costas na borda da banheira, esticando as pernas e fechando os olhos para descansá-los por um breve momento. Meu ciclo menstrual estava atrasado, mas todos os dez testes que fiz insistiram no resultado negativo para uma gravidez tão almejada. E eu não poderia deixar de enaltecer o fato de que me sentia como se estivesse grávida, apesar de não estar. Inerte, senti uma ruga se formar em minha testa, um sinal de frustração. Como era possível que um embrião não estivesse implantado em meu útero quando as memórias de Paris, de tão apaixonantes e cálidas, permaneciam ferozmente vívidas e quase palpáveis? E é claro que não deixamos de tentar, até mesmo depois de retornar a Londres. Talvez o efeito contraceptivo ainda estivesse circulando por meu organismo, apesar de minha ginecologista negar essa possibilidade. Talvez minha ansiedade em excesso estivesse desencadeando a falta de sucesso em minhas tentativas de engravidar. Lembrava-me de ter lido que isso pode de fato vir a ocorrer com mamães desesperadas pela maternidade. Sim, eu poderia deixar aquela inquietação e melancolia de lado e me submeter ao exame Beta hCG, mas quando engravidei de Matthew, primeiro descobri pelo teste de farmácia, depois confirmei qualquer suspeita através do exame médico. E, ciente de que em minha primeira gravidez tudo ocorreu bem, eu gostaria de repetir todo o processo. Hábito estranho e desnecessário, eu sei. No entanto, a margem de erro nos testes da primeira opção era minúscula, sem mencionar o fato de que fiz dez deles. 
- Ei, meu bebê, onde você está? Não seja tímido! - murmurei ao tocar minha barriga em uma carícia circular, mesmo sabendo que, exceto meus órgãos, não havia nada ali dentro. Por enquanto, é claro. 
Portanto, me dei conta de que deveria levantar daquele chão e sorrir. Eu tinha um marido maravilhoso me esperando em nossa cama e filhos saudáveis adormecidos em seus quartos. Era apenas questão de tempo para que um terceiro desse o ar de sua graça. Impaciência não me ajudaria em nada. E convencida disso, logo me levantei e voltei ao quarto, largando o robe no chão e erguendo as cobertas para me aquecer embaixo delas. 
Estávamos em dezembro, meu mês favorito desde que me conheço por gente. Eu mal podia esperar para iniciarmos nossas exageradas compras de Natal, passar horas montando a árvore e espalhando os outros enfeites pela casa. Sentir o clima natalino levar qualquer tristeza embora, mesmo que não permanentemente. 
Demetria, volte a dormir. O sol ainda não nasceu. - a voz sonolenta de Joe despertou minha atenção. Cruzei os braços na altura do peito e permaneci da forma que estava: com as costas apoiadas sobre a cabeceira da cama, fitando meu marido seriamente. 
- Não quero dormir, quero que o teste de gravidez dê positivo! - resmunguei baixinho, desistindo de buscar paciência, certa de que até um bico tristonho eu tinha formado nos lábios. Joseph se mexeu minimamente e tentou alcançar meu braço com sua mão, deslizando os dedos pelo local. Pegando-me de surpresa, ele se ergueu por segundos e me induziu a deitar, passando seu braço por minha barriga para que eu não conseguisse me erguer novamente. Sem dizer nada, encarei o teto, aquela incerteza sufocante voltou a embaçar minhas convicções e esconder as soluções de meus planos. - O que há de errado comigo? - perguntei, talvez mais para mim mesma do que para Joe, determinada a controlar uma pequena remessa de lágrimas que tentou inundar meus olhos.
- De errado? Nada. Mas você sabe que essa preocupação toda não vai resultar em nada, pelo menos não no que você quer. Não é com preocupação que se faz um bebê. Aliás, eu acho você poderia fazer o exame médico, não vejo motivos para manter essa tradição de esperar pelo resultado positivo do teste de farmácia. - Joe não abria os olhos para falar, mas ainda assim fazia questão de abrir um sorriso, contribuindo para que eu sentisse uma ingênua vontade de rir. Ele estava de fato com a razão, mas eu nutria certo receio de realizar tal exame e constatar um resultado negativo. Mais uma vez. 
Sempre me sentia bem naquela cama com ele. É claro que me sentia bem com ele em qualquer lugar, mas aquela parte de nosso quarto parecia tão propensa e levar nossas inquietações embora, proporcionar apenas alívio, paz e felicidade. Bom, talvez a cama seja mesmo a melhor amiga de um casal. 
Joseph não parecia acordado, apesar de estar. Segurei seu braço e o ergui para livrar meu tronco, me virando para ficar mais próxima de seu corpo. Meus lábios tocaram os seus, que preguiçosamente desceram e depositaram um beijo em meu queixo. Senti um gostoso frio na boca do estômago quando suas mãos escondidas pelas cobertas voltaram a enlaçar minha cintura de forma mais determinada, causando uma tremenda aproximação. Sua respiração quente chocando-se contra meu pescoço frio, proporcionando em mim uma calma que aumentava gradativamente, aos poucos cedendo ao sono que dava indícios de sua volta. 
- Eu gostaria que você abrisse os olhos um pouco. - pedi com a voz manhosa, tocando seus pontos de barba quase invisíveis. Porém, ele não atendeu meu pedido, apenas sorriu largo. 
- Não preciso te ver para saber o que te incomoda, já mencionei isso. - Joseph frisou ao me largar, erguendo seus braços e repousando a cabeça sobre eles. 
- Podemos tentar no Havaí, não é? - mudei bruscamente de assunto, apoiando um cotovelo sobre o colchão para sustentar meu tronco, erguendo minhas sobrancelhas e deixando um risinho malicioso soprar. - Teremos belas praias como inspiração... 
- E nosso histórico com praias é bem revelador. Acho que teremos chances promissoras no Havaí. - Joe completou, finalmente abrindo os olhos e deixando as íris verdes me alcançarem, depois me analisarem e, por fim, me confortarem. - De qualquer maneira, Demi, nossa viagem a Paris foi incrível e eu não mudaria nada. Nem mesmo essa conversa que estamos tendo agora. - ele desfez a posição anterior e se aproximou, brincando com os lábios pelo meu pescoço e queixo, o roçar de nossas pernas criando uma distração para a minha preocupação. - Não se preocupe, mulher. Eu não vou desistir, mesmo que você pense em fazer isso. 
Pensei em responder e lhe recompensar pelas palavras confortáveis com um beijo e agrados, mas de repente o choro de Matthew era o único som distinguível em nosso quarto. Trocamos um olhar que dizia “Oh, aí está ele!” e sorrimos um para o outro. Joe se ofereceu para verificar do que o pequeno precisava, mas eu já estava de pé novamente e apenas neguei sua proposta, saindo do quarto rapidamente. Queria ter um momento com meu bebê mais do que qualquer outra coisa. Adentrei seu quarto, maravilhada com a imagem que encontrei: Matt de pé em seu berço, as mãozinhas segurando as grades com firmeza, um sorriso surgindo em seus lábios assim que me viu. Sem hesitar, eliminei qualquer resquício de distância entre nós e depositei um beijo em sua testa. 
- Bom dia, amor da minha vida! - falei com uma voz carinhosa, vendo-o perder o equilíbrio, cair sentado sobre o colchãozinho e rir de si mesmo. - Como você se sente, meu ursinho? Está bem? - vendo Matt apenas concordar com a cabeça, fiz seu corpo se deitar delicadamente e chequei sua fralda, levando-o ao trocador para trocá-la. Depois o peguei em meus braços e o tirei do local. Felizmente, após poucas semanas, Matthew havia se curado ágil e completamente de uma amigdalite, voltando a ser meu pequeno curioso e bagunceiro. Mas, obviamente, eu não deixaria de perguntar como ele se sentia por um longo tempo. 
Quelo papá! - ele anunciou, batendo palminhas e olhando fixamente para mim, como se para reforçar seu pedido. 
- Já com fome, mocinho? - ri de seu gesto com as mãozinhas, um pouco surpresa por ele ter acordado com fome tão cedo. Ajeitei alguns fios de cabelo em sua testa e abaixei a blusa do pijama de ursinhos que ele usava, já que a mesma se ergueu durante suas tentativas de se aventurar sobre seu próprio trocador, mas não antes de fazer leves cócegas por sua barriginha, conquistando aqueles risos tão gostosos de ouvir. Ele se encontrava na idade de querer explorar e descobrir, não bastava apenas olhar, ele precisava tocar em tudo. Isso dificultava um pouco banhos, alimentações e trocas de fralda, mas eu não deixava de me divertir com sua energia revigorante. 
Ainda com Matt em meus braços, saí de seu quarto e fui até o meu, apenas para que o bebê pudesse acenar para o pai, recebendo um lindo sorriso de Joseph, que ainda estava preguiçoso demais para abandonar a cama. 


Assim que terminei de me arrumar para que pudéssemos oficialmente dar início a nossas compras de Natal, enquanto ia telefonar para minha mãe e dizer a ela que estávamos prontos - já que ela iria conosco -, ouvi a campainha tocar. Não esperei por Nancy, me dirigi até a porta e senti meu corpo inteiro se arrepiar devido ao ar terrivelmente gelado que adentrou minha casa. Algo estava diferente em meu corpo naquele dia. Desde o momento em que acordei, notei uma sensibilidade não habitual em meus seios, juntamente com uma leve sensação de fraqueza, algo semelhante a uma tontura. Como já havia engravidado antes, conhecia bem os sintomas iniciais. Então, a menos que estivesse paranóica e sofrendo com meras reações psicológicas, poderia acreditar que estava grávida. 
Uma Jennifer sorridente permanecia parada a minha frente, segurando uma larga e familiar caixa branca. Olhei do objeto para seus olhos, vendo-a concordar com a cabeça como se já soubesse qual era a pergunta que meus olhos curiosos tentavam fazer. Imitei seu sorriso e pedi rapidamente que ela entrasse, dando passos rápidos até a sala para que pudesse ver meu vestido. Será que estava perfeito como no dia em que o usei pela primeira vez? Certo, talvez fosse melhor não criar tantas expectativas, mas era impossível não sentir meu coração acelerado e procurar apressadamente pela tampa da caixa. 
- Bom, fiz o melhor que eu pude. - ela ajeitou os óculos e colocou a caixa em meu colo, me dando total liberdade para abri-la na hora em que eu quisesse. - Não ficou cem por cento perfeito, mas você só consegue notar as partes costuradas e consertadas se olhar muitíssimo de perto. - concordei com um gesto de cabeça e puxei a tampa para cima, enxergando vermelho por todos os lados. Com cuidado, segurei o tecido exposto aos meus olhos e me levantei para poder tirá-lo completamente dali, estendendo seu volume e deixando o comprimento cair até alcançar o chão. Eu sentia meus olhos brilhando e minha boca entreaberta, uma súbita sensação de alívio enquanto observava o trabalho milagroso feito por Jennifer. Ela era apenas modesta com o que dizia, afinal, eu mal conseguia enxergar qualquer possível defeito pela extensão de meu vestido vermelho de noiva. Estava perfeito! 
- Jennifer... - tentei, ainda perplexa, colando-o sobre meu corpo só para relembrar de como ele ficava em mim. - Você é um gênio! - elevei meu tom de voz e olhei alegremente para ela, que apenas fazia um gesto de desimportância com a mão e tentava argumentar que não tinha feito nada demais. - Eu falo sério, isso está incrível! 
- Fico feliz por você ter apreciado meu trabalho. - voltei a me sentar ao seu lado, não conseguindo esconder a alegria que sentia, prestes a chamar Joe para conferir o resultado. - E posso dizer mais uma coisinha? - a loira arriscou, unindo as sobrancelhas.
- Pode. 
- Eu não sei o que houve, realmente não sei o que te levou a rasgar esse vestido maravilhoso, mas... - ela ajeitou seu cachecol e meneou a cabeça negativamente, fazendo com que eu mordesse meu lábio inferior e abaixasse a cabeça, pensando em suas palavras. - Com certeza não se pode comparar com o que você deve ter sentido no dia em que o usou. Se disser que não deu um mínimo sorriso sequer nesse dia, vou saber que está mentindo. Então nem pense em tentar assassiná-lo outra vez, é uma ordem! - Jennifer apontou um dedo em minha direção e tentou soar severa, mas logo disparou a rir quando constatou meu semblante congelado e assustado. 
- Obrigada. - eu disse ainda sorridente, vendo-a concordar. - Então, Jennifer, agora vamos acertar o valor, certo? - ela franziu o cenho. 
- Não, Demetria, nós não temos nada para acertar. É um presente... Um presente de Natal! E me chame de Jen! - ela juntou as palmas das mãos e pude jurar ter visto seus olhos mais brilhantes do que antes, como se lágrimas se acumulassem ali. 
- Tem certeza, Jen? - insisti, aos poucos notando que de fato ela queria chorar. - Espere aí... Por que você está chorando? - seu corpo se mexeu desconfortável e ela adiantou-se a levantar, limpando os cantos dos olhos com as costas de sua mão. 
- Nada demais, eu sempre choro nessas épocas festivas. Bom, agora preciso mesmo ir. - concordei e a acompanhei até a porta, agradecendo novamente e muitas outras vezes pelo brilhante conserto de meu vestido, sentindo certa necessidade de recompensá-la de alguma forma. Pensei por instantes enquanto ela me dizia algo que não pude escutar, tendo uma boa ideia. Por que não?
- Sabe, se você ainda estiver por aqui no Natal e não tiver companhia, pode se juntar a nós. A casa fica cheia nesse dia, acredite! - assegurei, vendo-a pensar um pouco antes de responder. 
- Vou pensar, ok? - sorriu um pouco incerta. Eu estava prestes a me despedir dela quando senti um incômodo na boca de meu estômago, como se algo estivesse tentando subir por minha garganta aos poucos. Tentei engolir em seco e respirei fundo, notando que a sensação aliviada apenas por meros segundos, retornando mais forte no instante seguinte. Meus olhos se congelaram em um ponto qualquer do chão enquanto Jennifer tentava descobrir o que se passava comigo. Mesmo com a sensação de mal estar aos poucos ficando mais evidente, eu sorri. Sorri porque estava com náuseas. 
Estou enjoada, estou enjoada, estou enjoada... Estou enjoada!, era a repetitiva comemoração produzida em minha mente. 
- Eu estou me sentindo enjoada... - soltei com a voz pausada, comemorando internamente, fazendo de tudo para controlar uma leve tontura que tentou me abater, encostando-me à porta enquanto ela arqueava uma sobrancelha e tentava encontrar o lado bom de minhas palavras. Apenas eu poderia enxergar o lado positivo no momento. 
- E por que isso seria bom? - perguntou Jen, se aproximando, provavelmente notando a palidez de meu rosto. Escondi minhas mãos geladas dentro dos bolsos de meu casaco e continuei com a combinação de respirar fundo e engolir a seco. A mulher a minha frente pareceu, sozinha, chegar a uma explicação, arregalando minimamente os olhos e levando-os agilmente até a região de minha barriga. - Ah! 
- Tire suas próprias conclusões! - exclamei, sendo forçada por meu estômago agitado a me despedir o mais rápido possível. Ela concordou e foi embora rindo, enquanto eu fechei a porta com força e comecei a pedir por meu marido. Obriguei minhas pernas a se movimentarem mais depressa e parei no começo da escada, segurando com firmeza no corrimão. - Joe! - instantes depois ele surgiu ainda no andar de cima, me olhando um pouco preocupado, visto a forma apressada que eu utilizava para chamá-lo. Mesmo vestido de forma tão simples, ainda conseguia me arrancar suspiros. Sorri abertamente, vendo-o descer lentamente degrau por degrau, aproximando-se ainda com receio no olhar. - Joe, eu... - porém, desfiz aquele sorriso e pensei melhor. Se aquele enjoo era o primeiro indício do que eu acreditava ser, não seria mais propício fazer uma surpresa ao meu marido? Sim, seria. - Eu te amo! - mudei o conjunto de palavras, dizendo empenhadamente para não possibilitar a chance de promover alguma desconfiança. Tentei disfarçar um risinho e mudei de direção, acenando feito uma criança ao correr na direção do banheiro antes que ele pudesse dizer qualquer coisa. Certamente o deixei confuso, mas logo Joseph perceberia que fora por uma boa - ou melhor: ótima! - razão. 

Tão rápido como veio, minha indisposição fora embora. Eu tinha me alimentado bem naquele dia, então não poderia existir outra explicação. Apesar de torcer para que os enjoos esperassem eu chegar em casa para se manifestarem outra vez, ainda assim torci para senti-los novamente, pois então teria uma exuberante confirmação. Tentei parecer calma durante todo o percurso que meu marido, minha mãe, os meninos e eu fazíamos de carro, sem grandes alterações em minhas feições, reprimindo e controlando sorrisos inconscientes que brotavam em meus lábios todas as vezes que Matt olhava para mim ou que eu enxergava alguma mulher transitar pelas ruas carregando um recém-nascido. E deixando um pouco essa expectativa de lado, concentrei minha atenção em Matthew, exageradamente feliz por finalmente estar vendo-o participar de nossas compras. Em seu primeiro Natal, ele tinha apenas dois meses de vida, então tudo que conseguira fazer fora admirar as luzes das decorações com os curiosos e frágeis olhinhos verdes, tentar alcançar os enfeites sem sucesso. Porém, um ano depois, ele poderia se divertir a aproveitar as festividades como qualquer um de nós. O pequeno, vez ou outra, apontava seu dedinho indicador através da janela do carro para mostrar alguma grande decoração, olhando maravilhado para os enfeites espalhados por cada canto de Londres. As ruas eram mais do que movimentadas, o trânsito um pouco caótico. Músicas natalinas soavam de lugares diversos, produzindo melodias que perambulavam por todas as direções, a alegria expressa nos rostos de famílias repletas de sacolas e gigantescas listas de compras. Conjuntos feéricos de luzes, apesar de ainda dia, já preenchiam todas as extensões das ruas, proporcionando o típico entusiasmo exagerado da época. Gorros de Papai Noel disponíveis nas mais variadas lojas - Matthew acabou nos convencendo a comprar um para ele -, assim como os típicos candy canes. Mamãe seguia com Jamie a frente de nós, enquanto Joseph, Matt - que era segurado pelo pai, já usando seu gorro - e eu, caminhávamos mais lentamente. Estávamos bem ao centro da Regent Street, meus olhos atentos a lista feita por minha mãe para que não me esquecesse de nada. Os itens eram vários, mas alguns estavam destacados com uma estrela vermelha que os antecedia. 
*Árvore (a maior possível);
*Enfeites (a quantidade que conseguirmos levar);
*Presentes (a melhor e mais demorada parte!);
*Adiantar a compra de todos os ingredientes necessários (e alguns desnecessários, por que não?) para a ceia. E não se esquecer do essencial: o peru
Fazíamos aquelas compras com certa antecedência, devo admitir, pois eu gostava de ter tempo o suficiente para escolher os presentes a dedo e embrulhar todos com esmero, enquanto minha mãe queria ter o privilégio de escolher os alimentos mais frescos o possível, por mais que ainda tivesse de esperar poucos dias para poder efetuar seu preparo devidamente. Os homens conosco apenas se divertiam ou reviravam os olhos devido a nossa demora dentro das lojas. Matthew era uma exceção, obviamente, visto que o pequeno não parava quieto, apontando para todas as direções e impressionando-se quando via algo inédito aos seus olhos. 
Já com diversas sacolas de compras e com uma gigantesca árvore escolhida - que seria entregue em nossa casa no dia seguinte -, fomos em direção a Oxford Street, sabendo que ainda teríamos de visitar o shopping Westfield Stratford City para escolher alguns presentes que ainda faltavam em nossa lista. Se bem que contar com presentes reservas nunca é uma péssima ideia. 
Contemplei a imagem de Matthew segurando de forma desajeitado um pacote, o seu presente, mesmo que ele ainda não soubesse do que se tratava. E com isso em mente, acabei me deparando com uma vitrine um tanto quanto interessante. Deixei que todos passassem a minha frente e dei um passo adiante para olhar melhor. Diversas cores delicadas e adoráveis preencheram meus olhos que brilharam. Aquela era uma loja especializada em roupas para bebês, mais precisamente para meninas. A vitrine brilhante e bem decorada contava com uma infinidade de vestidinhos tão pequenos que poderiam ser colocados facilmente em uma boneca. Notando que Joe havia parado de caminhar e me chamava alguns passos a frente, sem consciência alguma do motivo de minha distração, olhei por uma última vez para os vestidos e sorri internamente, sentindo o vento frio levar meus cabelos para trás enquanto voltava a caminhar. E ele não me afetou, sequer causou qualquer mísero desconforto, já que eu estava devidamente aquecida com a esperança do que nos aguardava. 

Dentro do shopping, deixamos que mamãe e os meninos fossem até a praça de alimentação comprar algo para comer enquanto Joseph e eu permanecemos sentados apenas esperando. Vez ou outra eu começava a rir nervosamente, o que acaba resultando em olhares investigativos por parte dele, que apertava minha mão com mais força como se quisesse arrancar alguma verdade. Sentindo as carícias que seus dedos faziam sobre os meus, respirei fundo e desviei o olhar, caso contrário não conseguiria mais evitar a menção do fato que empenhadamente eu tentava ocultar. 
- Eu falei com alguns parentes por telefone ontem. - ele começou, quebrando o silêncio. - Os pais da minha mãe, meus avós. - explicou olhando firme em meus olhos, então tive que fazer o mesmo e procurar por qualquer tipo de inquietação transmitida através das íris intensas, mas felizmente ele parecia calmo com a situação, sabendo lidar bem com algo que antes o deixava apenas deprimido. - Eles nos convidaram para visitá-los em Greenwich
- Greenwich? - indaguei, percebendo que o hospital infantil também era localizado naquela região. Joe concordou, demonstrando que sabia o motivo de minha questão, olhando incerto para o meu rosto. Fugir não era uma opção verossímil, eu não poderia me esconder da realidade. E, caso algum assunto ligado àquele hospital entrasse em meu caminho outra vez, eu estaria disposta e encontrá-lo e descobrir de uma vez por todas a completa verdade. 
- Não é uma boa ideia, Demi? - ele investigou receoso e eu contrariei com a cabeça, reforçando nosso contato visual. Desejava muito que ele tivesse a chance de adquirir mais contato com aquelas pessoas, a família de sua mãe. Faria um bem inestimável a ele. Suavizei minha expressão tensa e simplesmente sorri enquanto acariciava seu rosto com uma das mãos. 
- Parece bom. Na verdade, parece ótimo. E eu fico absolutamente feliz por você tomar a decisão de se reaproximar deles. - Joseph correspondeu meu sorriso, demonstrando-se satisfeito. Ao longe enxerguei Matthew se aproximar segurando na mão de Jamie, apontando em nossa direção para avisar a sua avó que tinha nos encontrado. 
- Devo avisar que a Regina, minha avó, é bastante hospitaleira e já adiantou que nós devemos ficar hospedados com eles por, no mínimo, três dias. - eu ri quando ele torceu os lábios, admirando a ruga que se formou em sua testa. Os olhos ficaram semicerrados e a expressão lhe trouxe características de uma criança. 
- Tudo bem. Se quiser, nós vamos. Arrumo as malas dos meninos hoje mesmo, porque você sabe o quanto eu adoro fazer isso! - garanti, recebendo um selinho rápido de meu marido. 
- Vou ligar de volta quando chegarmos em casa e avisar que estamos indo amanhã, certo? - Matt se aproximou do pai e abriu os bracinhos, um pedido para ir até seu colo. Assistindo meu marido realizar a vontade do filho, concordei. - Podemos voltar para casa alguns dias antes da véspera do Natal. 
Era uma chance de ouro para Joseph, uma chance para enfim deixar mágoas de lado e trazer de volta a sensação de que não tinha apenas nossos filhos e a mim, mas também um conjunto de pessoas que ele calorosamente poderia se arriscar a chamar de família. 
Talvez aquele fosse um primeiro vislumbre da magia do Natal.


Greenwich, UK

O carro estacionou diante de uma suntuosa propriedade, ladeada por uma vasta quantidade de árvores longilíneas cujos galhos eram cobertos apenas por folhas secas, revelando os indícios deixados por uma breve nevasca que caira na noite anterior. Aquela era a residência dos Montgomery, a família de Elizabeth. Ao meio de diversos caminhos enfeitados por gramados muito bem cuidados e plantas coloridas, havia uma majestosa fonte, cujas águas se movimentavam constantemente, produzindo um barulho amigável para minha audição. Juntamente com as geladas correntes de vento que receberam meu corpo ao sair do veículo, pude identificar o canto de alguns pássaros que sobrevoavam em bando a área das árvores, revelando que a extensão daquele jardim era de fato enorme. Joseph também saiu do carro e levou seus olhos em minha direção, revelando toda a inquietação que dominava seu interior. Tentei lhe passar confiança com um olhar determinado, mas não tivemos tempo para conversas secretas, visto que logo duas mulheres se aproximaram sorridentes. Uma delas aparentava ter sessenta anos, isso ficava evidente ao passo do tempo em que ela se aproximava, tornando possível visualizar seus cabelos grisalhos, pouquíssimos fios permaneceram cobertos por um claro de tom de loiro, que se destacavam diante dos tantos outros esbranquiçados. Sua pele alva contava com algumas rugas que, devido ao sorriso que expressou no momento, ficaram mais visíveis nos cantos de seus olhos e lábios. E apesar da idade, ela parecia muito bem, muito alegre. Ao seu lado, uma mulher de cabelos alaranjados de tão ruivos, olhos surpreendentemente verdes e as feições muito semelhantes às da falecida mãe de Joseph. Inclusive, notei quando meu marido parou abruptamente de andar ao avistá-la. Desviei meus olhos delas por um instante e contemplei a paisagem preenchendo uma das laterais da casa, onde um bandstand abrigava algumas pessoas que olhavam em nossa direção. 
- Olhe só para você... - a senhora começou a dizer, aproximando-se cautelosamente de Joseph, que fazia o mesmo. Permaneci a alguns passos de distância de ambos, apenas assistindo a cena. Meu marido fora abraçado por um breve momento, sua avó explicitando com um sorriso genuíno nos lábios o quanto estava feliz por ver o neto. Vi Joe apenas concordar com a cabeça e corresponder meio incerto ao abraço. Os olhos claros da senhora se ergueram e me alcançaram, virando-se e enxergando meus meninos que saíam do carro. Jamie ajudou Matthew a descer e segurou em sua mãozinha, o conduzindo até onde eu estava. Os olhos da avó de meu marido brilharam ainda mais. - Trouxe até uma miniatura sua! - ela se referia a Matt. Desfazendo o abraço, Regina afastou-se aos poucos do neto e veio em minha direção. Com ela mais próxima de mim, fora possível admirar seus olhos. Os olhos completamente idênticos aos de Joseph. - E você deve ser a Demetria. - concordei com um aceno e sorri, estendendo minha mão para cumprimentá-la, mas não recebi a sua. 
- É um prazer conhecer a senhora. - eu disse educada. 
- Deixe disso, querida, venha me dar um abraço! - tendo minha mão ignorada, a recolhi e senti que Regina se aproximou, passando os braços por meus ombros. Achando seus gestos adoráveis, correspondi e voltei a trocar um olhar com meu marido, que me presenteou com apenas um fraco sorriso. - Está muito frio aqui fora, vamos entrar. - Regina determinou assim que me soltou e cumprimentou os meninos. A mulher ruiva que lhe fazia companhia era sua filha mais velha depois de Elizabeth, Lacey. Ela era a única ruiva como o pai, Regina me explicou, o restante dos filhos do casal possuíam cabelos loiros ou em tons bem claros de castanho. Assim que adentramos a sala principal, de tamanho surpreendente, notei que outros membros da família já estavam reunidos ali para receber Joseph. Isso me preocupou um pouco quando a agitação tornou-se evidente e meu marido congelou seus movimentos. Ele detestava atenção demais, detestava ser observado daquela forma. 
Tempos depois, eu já havia sido apresentada a todos eles. Era sem dúvidas uma família notável. Regina sentava-se em uma poltrona ao centro do cômodo, como se fosse a rainha. Seu marido David, um empresário aposentado, que também aparentava ter seus sessenta anos, se mostrava completamente orgulhoso por ter o neto que a tanto tempo não via por perto. Ele era disposto e muito alegre, nem aparentava ter a idade que de fato tinha. O casal possuía ao total quatro filhos, não citando Elizabeth. Eram eles Ewan, o mais velho dos homens, que tinha apenas uma filha enfermeira e era divorciado. Lacey, a mais velha depois da mãe de Joseph, casada e com dois filhos, Ed de dezesseis anos e Mackenzie de seis; ambos ruivos como a mãe e o avô. Finn, o mais novo dos homens, que tinha os cabelos mais escuros, também casado e com um filho de quatro anos chamado Travis, assim como uma garota de nove chamada Vivien. E, por fim, Joanne, a mais nova, casada e com apenas uma filha recém-nascida de nome Hilarie. Todos eles, sem exceção, pareciam orgulhosos enquanto olhavam para Joseph... E não era difícil encontrar uma explicação plausível: ele era a prova da existência de Elizabeth, ele era o que ela poderia deixar de mais precioso no mundo antes de partir. 
Devo admitir que fiquei um pouco espantada com o tamanho da família, e duvidava fielmente que conseguiria me recordar com facilidade dos nomes de todos, mas o importante era que, aos poucos, Joseph parecia aceitar onde estava. Apresentações feitas, fomos conduzidos até outro cômodo, onde uma vasta mesa de vidro contava com diversos pães doces e salgados, bolos, tortas, assim como sucos e muitas opções de frutas. Não estávamos com muita fome, então aceitamos apenas alguns petiscos para não fazer desfeita e depois chegamos até o quarto em que ficaríamos. Procurei por Jamie e Matt, mas Lacey me garantiu que ambos já haviam se misturado com o restante das crianças. Então, agradeci a ela com um aceno e fechei a porta, encostando-me à mesma e fitando um Joseph que rapidamente ajeitou as malas em um canto e largou o corpo na cama, soltando um longo suspiro enquanto olhava para o nada. 
- Me sinto um peixe fora d'água. - ele bufou ao dizer em um tom baixo para que apenas eu pudesse ouvir. 
Caminhei até a cama e me sentei ao seu lado, me deitando para poder ficar exatamente igual a ele. Com as mãos sobre a barriga, encarei o teto claro com um lustre de cristal ao centro e soltei um risinho que contrariava seu desabafo. 
- Não vejo motivos para isso, já que eles também fazem parte da sua família. E se não nos sentirmos a vontade com nossa família, então com quem iremos nos sentir? - Joe não quis responder, apenas fechou os olhos e respirou fundo, levantando-se em um pulo e me chamando para sairmos do quarto. Antes de segui-lo, me levantei e fui examinar a vista privilegiada da janela com sacada na parede ao lado. 

Na tarde daquele dia, Lacey e o casal Montgomery se dispuseram a nos levar para conhecer toda a propriedade, passear pelos arredores. Jamie estava perdido por entre o jardim com as outras crianças, enquanto Matthew segurava firmemente minha mão, estranhando um pouco o local. Sentindo frio e pensando que poderia ter escolhido uma roupa mais quente do que a que eu usavaatualmente, toquei o ombro de Joseph coberto pelo casaco escuro com a mão livre e apontei para seus avós a nossa frente. Eles estavam de mãos dadas como um casal de jovens namorados, uma cumplicidade vívida passando de um para o outro quando se olhavam. Lacey parou ao meu lado e começamos a conversar, foi então que uma espécie de estábulo entrou em meu campo de visão e Matt pediu para vir em meu colo quando enxergou um dos cavalos presentes ali dentro. David riu do gesto do pequeno e nos chamou para ir até lá. 
- Esse é o Hunter. - ele apresentou a nós o animal que possuía uma brilhante pelagem escura. Acariciei entre suas orelhas com a mão livre, assistindo Matthew tentar me imitar, mas recolhia a mãozinha quando o animal fazia menção de se mover. Seus olhos verdes se arregalaram quando Hunter levou a cabeça para ficar mais próxima de nós, como se pedisse por mais uma carícia. 
- Olha, mamãe! - Matthew disse alto, procurando pelo pai para garantir que o mesmo estivesse observando a situação. A mão do bebê tocou levemente a cabeça de Hunter, que soltou um som pela boca que fez Matthew rir e repetir o gesto. Joseph observava tudo de longe, desviando o olhar algumas vezes para um canto qualquer, o vento bagunçando seus fios de cabelo. David aproximou-se dele e tentou engatar uma conversa, mas percebeu que o neto parecia um pouco deslocado, então apenas deu um tapinha em suas costas e um sorriso, voltando a se focar nos cavalos. 
- Aquela ali é a Snow, que pertencia a Elizabeth. - meu marido pareceu retornar a realidade quando ouviu o nome de sua mãe, aproximando-se ágil da égua de pelagem branca, muito mais calma que o anterior, visto que não se assustou com nossa presença em momento algum. Joe levou sua mão até o centro das orelhas do animal e sorriu sem mostrar os dentes enquanto o acariciava. 
- Ele é um cavalo, Matt! - expliquei ao meu filho, que ainda não tinha desviado os olhos. 
Avalo? - ele perguntou empolgado, balançando os bracinhos. 
- Sim, um cavalo bem grandão. - continuei, só para ouvi-lo me imitar de forma engraçadamente errada. 
Avalo gandão
- E quando você crescer um pouquinho mais, vai poder montar nele, sabia? - o pequeno ergueu uma sobrancelha, estranhando um pouco o que eu havia dito, mas depois pareceu assimilar o fato e um sorriso foi surgindo aos poucos em seus pequenos lábios. Satisfeito, juntou as palmas das mãos e soltou um gritinho de empolgação, desviando o olhar rapidamente para as crianças que passavam correndo pela região. 
- Deixe-o ir com elas, Ed cuida muito bem de todas. - Lacey disse quando percebeu que Matthew tentava impulsionar o corpo para baixo e se livrar de meu colo. Seu filho Ed se aproximou e chamou o bebê para se juntar a eles, segurando sua mão e afastando-se aos poucos. Pedi que tomasse cuidado, então voltei a prestar atenção na irmã de Elizabeth, que parecia disposta a conversar comigo. Joe havia sumido completamente, assim como seus avós. Provavelmente estavam caminhando mais adiante. 
- Esse lugar é muito bonito. - comentei para quebrar o silêncio. 
- Concordo. - ela encarou algumas árvores ao nosso redor e respirou fundo antes de continuar. - Será que fui a única a notar o desconforto do Joseph em estar aqui? 
- Eu não diria que é desconforto, ele só... Não sabe o que fazer. - tentei explicar. - Joe não superou a morte da mãe, eu sinto isso. - Lacey sorriu por um segundo, por mais que não conseguisse esconder o marasmo presente em suas feições. 
- Elizabeth teve Joseph muito jovem, mas nossa mãe nunca pôde reclamar, porque também a teve muito jovem. Beth era a mais velha de nós, como você deve saber. Ela abriu mão de muitas coisas por aquele homem... Joseph. - o escárnio escorreu por sua voz enquanto falava. Encostei-me a um dos troncos das árvores presentes ali e me dispus a ouvir. - Homem que no final não se mostrou merecedor de nada. Aliás, poucos homens no mundo conseguem se mostrar merecedores de alguma coisa que tenha relação com uma mulher. Poucos, Demetria, poucos. E parece que você encontrou um deles. - Lacey desviou brevemente do assunto principal, sorridente ao olhar para mim e apontar para a região onde meu marido caminhava com os avós, perto de lindas roseiras. - Meus pais são pessoas fortes, fortes demais. Mas eu acho que não é justo, sabe? Mamãe vive dizendo que é cruel o fato de ter que enterrar um filho, quando na verdade são os filhos que devem enterrar seus pais. Percebeu como ela ficou feliz quando vocês chegaram? Joseph é tudo que nos resta de Beth. Preciso conversar com ele mais tarde e pedir que não volte a se afastar. - ela concluiu, e eu concordei em silêncio, sem coragem para dizer mais nada. - Ele precisa saber também que fiquei com ela até o seu último suspiro, e qualquer um duvidaria se eu dissesse que minha mãe parecia muito calma, feliz em seu leito de morte. Então, eu penso: se ela foi embora sorrindo, por que nós não devemos sorrir? - sorri sem mostrar meus dentes, sentindo aos poucos a tristeza que pairava por todo aquele local tomar conta de mim. - Mesmo assim, ela foi embora muito cedo. Ninguém jamais esperaria que seu coração fosse fraco a esse ponto. Só espero que o Joseph... - interrompeu sua fala e olhou com os olhos arregalados para mim, fora em um rompante que ela simplesmente disse o que não deveria. E estava totalmente arrependida disso. - Esqueça. 
- O que você pretendia dizer, Lacey? - insisti, um pouco receosa. 
- Nada demais, eu só costumo pensar em voz alta. Não se importe com isso. - ela segurou uma de minhas mãos e sorriu amigável. - Venha, vamos nos juntar aos outros e depois podemos tomar um chá de tarde no jardim de lírios do outro lado. 
Tive que concordar e segui-la até a área onde uma grande concentração de roseiras se acumulava. Joseph se aproximou e estendeu uma delas em minha direção, sorrindo daquela forma que despertava a sensação de borboletas em meu estômago. 
- É para você. - segurei a flor e a ergui para aproximar as pétalas de toque aveludado de meu nariz, inalando o suave perfume. Juntei nossos lábios e fiz o melhor que pude para aliviá-lo por um tempo da tensão que não parecia querer se afastar. Aos poucos, percebi, Joe foi cedendo, passando até a fazer parte do entrosamento da família. O vínculo familiar era expresso até nos mais simples atos daquelas pessoas. Certamente era o tipo de família que, não importasse a ocasião, se reuniam em volta de uma farta mesa e conversavam horas a fio. Ou faziam uma fogueira no extenso jardim dos fundos e viravam a noite contando histórias e relembrando bons momentos. Por que se afastar de pessoas assim? 


O bonito céu acima de minha cabeça era presenteado com os primeiros raios de uma aurora, distribuindo agradáveis tons de laranja, roxo e rosa por entre escassas nuvens mal humoradas que anunciavam a chuva propensa a cair mais tarde. Sendo pega de surpresa, senti mãos enlaçarem minha cintura enquanto um corpo se colava ao meu, um queixo repousava sobre meu ombro esquerdo e um beijo solitário e quente era depositado carinhosamente em meu pescoço. Virei meu rosto para conseguir enxergar o rosto de um Joseph ainda sonolento, cujos cabelos bagunçados despertarem a vontade de apertar suas bochechas. Não posso fazer muito se ele sempre acorda com aquele semblante que despencava sua idade. Senti a falta de seu toque pouco tempo depois, vendo-o ficar ao meu lado e apoiar as duas mãos sobre a grade branca da sacada, observando distraidamente o céu, da mesma forma que eu fazia antes. Por algum motivo, estávamos acordando todos os dias antes do sol ousar nascer. Contemplei o silêncio que se fez entre nós e fechei os olhos para sentir melhor a brisa matinal que acariciou a pele exposta de meu rosto. Quando percebi, lá estavam meus dedos tocando com cuidado minha barriga ainda sem sinal de qualquer mísera saliência. Eu não sabia se de fato estava grávida, não me submeti a outro exame de farmácia antes de irmos para Greenwich, os enjoos não retornaram, então contava apenas com uma positiva intuição. Em um rompante, afastei a mão da região quando senti o olhar de Joseph cair sobre a mesma, e tentei disfarçar. Sorri ingenuamente para ele e abaixei o rosto, fingindo distração ao brincar com os fios soltos de meu cabelo que se agitava com o calmo vento. No entanto, seus olhosverdes intensos continuavam a me medir. 
- Você pretende procurar o hospital? - certamente eu não esperava por aquela pergunta, e isso ficou evidente assim que minhas mãos se fecharam sobre a grade e senti o ar sendo solto por minha boca de forma profunda. Eu queria responder, mas sinceramente não sabia o que responder. Sentia medo, medo do que poderia encontrar lá, indefesa diante do incerto. 
- Acha que eu devo? - insegura, procurei por alguma orientação em seus olhos, encontrando apenas uma dúvida semelhante a minha. Joseph aproximou-se um pouco mais, o bastante para nossos braços se tocarem. 
- Faça o que considerar melhor, mas pense que você pode se surpreender e descobrir que não há motivos para temer. - aconselhou meu marido, o tom sincero em sua voz rouca de repente me fez sentir um filete de coragem surgir juntamente com os raios de sol. Eu simplesmente adorava quando Joe se mostrava uma pessoa positiva, deixando aquele brilho acolhedor de suas íris me encontrar. 
- Obrigada, meu amor. Eu vou pensar nisso com calma, e depois veremos o que podemos fazer. - ele concordou prontamente. Querendo desviar daquele assunto, deixei que um sorriso brincalhão surgisse por meus lábios e vi Joseph trazer seu rosto para perto do meu, dando um beijo no canto de meus lábios. Segurei o lábio inferior com meus dentes e abaixei o olhar, erguendo-o agilmente enquanto soltava um risinho. Ele logo percebeu minhas insinuações de algo, até o momento, oculto. Não pude deixar de vibrar com a imagem do momento em que minha gravidez seria de seu conhecimento. 
- O que você está escondendo, mulher? - sua voz deliciosamente rouca irrompeu por seus lábios, arrepiando meus poros, talvez pelo fato de que eu realmente escondia algo. Mas temia que ele viesse a descobrir antes da hora, antes que a certeza estivesse brilhando para qualquer um ver. Precisava ser perfeito... O momento em que ele tomaria consciência de que seria papai por uma terceira vez tinha de ser memorável
- Você me conhece tão bem, sempre sabe que algo está acontecendo, não é? - passei meus braços por seus ombros e provoquei seus lábios com minha língua, sentindo seus pontos de barba contra a pele lisa de meu rosto. Grudei nossos lábios, beijando-o com vontade. Barrando suas intenções de continuar a falar e investigar meu segredinho. O fato de ter abandonado definitivamente os cigarros contribuía para que suas roupas sempre estivessem com um aroma bom, me deixando inebriada toda vez que eu chegava perto demais. Nossas bocas se separaram e ele não demorou e me fitar outra vez daquela forma intensa, querendo desvendar minha mente. - Mas dessa vez vai precisar se esforçar mais, Jonas. Não vai descobrir agora! - tomei distância logo depois, desviando quando sua mão tentou puxar minha cintura. 
- Onde pensa que vai, Demi? Volte aqui! - neguei com meu dedo indicador, assistindo-o me seguir pelo quarto. Sorri enigmática e adentrei o banheiro, me livrando do roupão rosa e abaixando descaradamente as alcinhas de minha camisola. Mandei-lhe um beijo no ar e tranquei a porta para tomar um breve banho, comemorando internamente. 

(Coloque a primeira música para tocar e deixe repetir durante as duas próximas cenas, incluindo a do principal com o Jamie!)
Risos empolgados rodeavam meu corpo sentado sobre um balanço localizado nos fundos da propriedade. Eu mantinha os olhos colados em Matthew, por mais que soubesse que os mais velhos não deixariam nada acontecer a ele. A minha frente, era visível um pequeno campo onde os homens da família jogavam futebol. Ainda era cedo, o ar frio da manhã era rigoroso, mas nenhum deles parecia se importar. Inclusive meu marido, que corria de um lado para o outro daquele campo. Vezes demonstrando suas habilidades com a bola de futebol, vezes rindo e conversando com seus tios, primos e avô. Finalmente ele parecia à vontade, e eu deveria ter um largo sorriso bobo observando toda a cena. Ajeitei-me no balanço e firmei os pés no chão quando ouvi o som da porta atrás de mim se abrir lentamente. Virei-me e encarei uma Regina sorridente que me chamava para entrar. Então, checando as crianças e meu marido mais uma vez, aceitei acompanhá-la. Em silêncio, a elegante e gentil senhora me conduziu por um longo caminho de dois corredores e uma escada, até que chegamos ao andar de cima de sua casa. Aos fundos do corredor, ela abriu calmamente uma porta e a empurrou, possibilitando que eu enxergasse um quarto que não parecia pertencer àquela época. Não precisei pensar muito para constatar que se tratava do quarto que pertenceu a Elizabeth no passado. Em uma das paredes, havia uma foto dela de quando era ainda muito jovem. Os móveis de limpeza impecável, assim como uma cama intocada faziam a decoração do cômodo de forma solitária. Sobre uma escrivaninha aos fundos, vários portas retratos com diversas imagens, alguns mostravam Elizabeth sozinha e outros a destacavam com amigos e familiares. Regina tocou um deles e revelou um amargo sorriso, dirigindo-se até a cama após abrir uma das gavetas da escrivaninha e retirar dali algo que julguei ser uma roupinha de bebê. O ambiente revestido por um incômodo clima melancólico me forçou a respirar fundo e abraçar meu próprio corpo. Regina sentou-se confortavelmente e retirou algo de um dos bolsos do casaco que usava. Ergueu seu rosto e me chamou para sentar ao seu lado, batendo a palma da mão contra a superfície macia da cama. Assim que o fiz, ela estendeu um pequeno macacão branco em minha direção, até que eu o peguei e deixei o mesmo estendido sobre minhas pernas, fitando-o sem saber bem o que a mulher tentava me dizer. 
- Esse foi o primeiro macacão que ela comprou quando soube que estava grávida. Eu sei que não deveria guardar coisas assim, mas não consigo evitar. - confessou com a voz culposa, abaixando a cabeça para fitar o próprio colo. - Tenho algo para você. - disse simplesmente, atraindo meus olhos para uma caixinha preta que era firmemente segurada por seus dedos enrugados. Regina sequer esperou por alguma resposta de minha parte, então abriu o objeto e me permitiu enxergar o que antes era escondido. Um anel de esmeralda lapidada com diamantes, pelo que pude distinguir. Meus olhos se arregalaram instantaneamente.
- Regina... - tentei, mas ela negou com a cabeça em um pedido para que eu me calasse. 
- O anel passa de geração em geração. Minha bisavó usou, minha avó usou, minha mãe usou, eu usei... E a última mulher a usá-lo foi minha falecida filha. Agora é a sua vez. - meu queixo caiu insignificantes centímetros quando ouvi suas palavras, tentando protestar, mas simplesmente não sabia o que dizer. A senhora fitou minhas expressões e soltou um risinho satisfeito, contente por eu demonstrar surpresa perante o que ela havia me contado. Sem hesitar, retirou o precioso anel da caixinha e segurou minha mão que repousava sobre a cama, colocando-o sobre a palma e fechando meus dedos, como se sugerisse que eu escondesse a jóia. - Ouça o que tenho a dizer e depois o coloque. Não ouse contrariar as ordens de uma mulher com a minha idade! - advertiu ela. Apesar de assentir, continuei um pouco incerta enquanto olhava para o valioso anel. Era ao valor sentimental que eu me referia. E não parecia certo... Regina tinha outras filhas, então por que dar o anel a mim? - Elizabeth me pediu para entregá-lo a você. Lembro-me com muita clareza de suas palavras: - ela limpou a garganta e levou uma mão até seu peito. - Demetria é um anjo na Terra. Não de asas, mas de coração. Demetria salvou meu menino. - uma pausa fora feita, a mulher carregava lágrimas nos olhos, lágrimas que aos poucos corriam por seu rosto e pingavam em seu colo. - E eu acreditei nela, ainda acredito e sempre vou acreditar, minha jovem. Somos tolos quando não acreditamos no que passa a ser tão óbvio diante de nossos olhos. - ouvindo com atenção suas palavras sábias, senti instantaneamente meus olhos marejarem. Voltei a tentar pronunciar alguma coisa, mas tudo que consegui fora um soluço. Mal pude conhecer Elizabeth como deveria, mas tinha a plena certeza de que, naquele momento, ela era nada mais, nada menos, que um anjo. 
- Regina, eu sinto muito pela sua perda. - minha voz embargada a fez erguer o rosto e negar com a cabeça, limpando as lágrimas de seu rosto e me pedindo com um gesto de mãos para que eu fizesse o mesmo. 
- Estou em paz com isso, Demetria. Deus achou melhor tirá-la desse mundo e dar o descanso que ela merecia. Não sou ninguém para tentar retrucar algo assim. Não se pode substituir ninguém, porque cada pessoa é uma soma de pequenos e belos detalhes¹, mas veja só o que minha Beth deixou para nós: Joseph, seu marido. - apontou para mim. - Um belo marido por sinal, não concorda? - tive que rir graças a forma que ela utilizou para o comentário. Depois, sem saída, fui convencida a colocar o anel em meu dedo de uma vez por todas, caso contrário, vovó Regina ficaria brava de verdade. - Lembre-se: no dedo anelar, acima de sua aliança de casamento. - assenti e posicionei o anel acima de meu dedo anelar, descendo-o até que se juntou a minha aliança. Não pude evitar de contemplá-lo, ouvindo Regina comemorar o fato de que havia servido perfeitamente. - Entregue-o a sua filha mais velha quando ela se casar, caso ainda pretenda e consiga ter uma menina. - apenas sorri internamente em resposta, olhando em sua direção para reforçar a confirmação de que seguiria seu conselho, ainda em silêncio. Sim, eu o entregaria a minha filha
- Vou cuidar muito bem dele, eu prometo, Re... 
- Vovó, me chame de vovó! - ela protestou mais do que audível. 
- Obrigada por confiar em mim, vovó. - arrisquei, recebendo um gentil abraço lateral. 
- Eu é que devo lhe agradecer por fazer Joseph feliz, querida. - assegurou ela, levantando-se. Segui seus movimentos e recebi um olhar afável, diferente dos que havia recebido anteriormente. - Chá? - perguntou Regina com uma voz jubilosa, caminhando em direção a porta. 
- Hum... Qual? - investiguei, certa de evitar alguns tipos de chá caso estivesse... Grávida. 
- Camomila, é claro. - respirei com alívio, feliz por poder me aquecer com um bom chá quentinho. 
- Então eu aceito! 


Joseph's P.O.V

Seria mentira se eu dissesse que me sentia totalmente bem. Uma dúvida cruel parecia fixa a mim, sem intenção alguma de se afastar. Era certo permitir que um vínculo se formasse com aquelas pessoas? Sim, era a minha família, mas eles não estiveram muito presentes durante toda a minha vida. Talvez, até aquele momento, eu não tivesse coragem para tentar me aproximar, pois sentia como se eles tentassem procurar por minha mãe em mim. A péssima impressão de que eles se mostravam prestativos apenas para ter a memória de minha mãe por perto. Mas eu não queria ser a memória de alguém, queria que eles me enxergassem como alguém independente de Elizabeth, me enxergassem apenas como seu filho. Apesar de tudo, era bom estar ali e sentir que existem mais pessoas para contar do que imaginamos ter por perto. Eu deveria seguir os conselhos de Demetria e deixar certos pensamentos de lado. Me permitir ser feliz plenamente, como minha esposa gostava de sempre reforçar. E ao pensar nela, tive que sorrir. O que estaria escondendo, afinal? Obviamente eu estava sedento para descobrir, mas também queria assisti-la se esforçar para esconder até que julgasse necessário. 
Estiquei minhas pernas e abaixei um pouco o rosto para encarar um Jamie distraído que olhava para o por do sol escondida por entre algumas árvores. Estávamos sentados sobre a grama há algum tempo, apenas descansando após uma duradoura partida de futebol. Era bom reconhecer o quanto ele gostava de estar perto de mim, era bom perceber - mais uma vez - que o fato de Jamie não ser meu filho legítimo não significava absolutamente nada. O garoto percebeu estar sendo observado e ergueu seu rosto para me olhar, sorrindo sem mostrar os dentes. Eu não disse nada, apenas continuei a olhar para frente, eram tantos os pensamentos em minha mente que parecia impossível tentar ordená-los. 
- Pai, você acredita em reencarnação? - franzi o cenho ao ouvir aquela pergunta repentina, desdobrando os cotovelos apoiados na grama para que pudesse me deitar por completo. Jamie me imitou e permaneceu esperando paciente por uma resposta. A verdade é que eu não sabia o que responder. Filhos sempre pegam os pais de surpresa com certas perguntas. Felizmente ele não havia me perguntado nada relacionado a sexo
Ri sozinho ao ter aquele pensamento, negando com a cabeça. 
- Nunca parei para pensar nisso, Jam. - respondi olhando para o céu alaranjado. - Eu acho que as pessoas simplesmente morrem e não voltam mais para esse mundo, de forma alguma. - concluí convicto, notando que o garoto ao meu lado ergueu seu tronco e me olhou como se discordasse. Ainda deitado, ergui uma sobrancelha. - Parece que você discorda de mim. 
- Eu acredito em reencarnação! Acredito que, quando uma pessoa morre e ainda tem alguém que ama ou que precisa de proteção na Terra, ela volta. - Jam explicava com certo nível de empolgação, e eu me sentia obrigado a sorrir mediante sua determinação a me convencer de que estava certo. - Não como um fantasma, mas como... - ele encarou os cavalos no estábulo do outro lado. - Um animal, por exemplo, e isso explicaria porque os cachorros são tão leais aos seus donos. - tive que concordar. - Ou pode voltar até mesmo como uma força... Para assistir e proteger quem ama. Então, quando os entes queridos estiverem em paz, ela pode ficar em paz também. - meu filho se calou e assim permaneceu por algum tempo que não calculei. Eu estava perdido em pensamentos outra vez, pensamentos que me faziam criar um debate interno. Jamie era uma criança, é claro que, para ele, o mundo era diferente da forma que um adulto o considerava, mas não custava muito tentar compreender seu raciocínio. Nunca fui muito adepto a crer em determinadas coisas, mas depois de tantas alegrias que de repente surgiram em minha vida, seria justo dar uma chance ao desconhecido, certo? - Tenho certeza que sua mãe está por aqui. - fechei os olhos quando ouvi o garoto mencionar minha mãe, erguendo o corpo e respirando fundo, na tentativa de ignorar a estúpida vontade de chorar. - Ela pode ser uma coruja, ou uma borboleta... Até mesmo estar no vento. - sorri para ele, bagunçando seus cabelos da forma exagerada como sempre fazia. 
- Quando foi que você cresceu tanto e ficou tão inteligente assim, garoto? - perguntei admirado, vendo-o simplesmente dar de ombros. 
- Tenho bons pais e boas pessoas por perto, então foi fácil. - quando tentei respondê-lo, pude ouvir o som da voz de minha Demetria ao longe. Meu filho e eu nos viramos para encontrá-la e avistamos a mulher parado em frente a porta da casa com Matthew em seus braços, nos chamando para comer bolo. - Bolo! - Jamie gritou e se levantou apressado, correndo sem fazer questão de me esperar. Ri de sua empolgação e fiz menção de levantar, mas dei fim aos movimentos quando o vento ficou mais forte. Ele soprou perto de mim, não tão forte como estava antes. Poderia parecer tolice, mas, quando percebi, já estava sorrindo para o nada. 
Oi, mãe. - eu disse com a voz baixa, olhando para uma região acima de mim. Depois, apenas neguei com a cabeça e decidi me levantar de uma vez. Minha mãe poderia não estar ali, mas existia um lugar que jamais seria abandonado por ela: minha memória. 

Mais tarde naquele dia, enquanto eu estava em uma das salas da casa brincando com Matthew, assistia Demetria conversar animadamente com as outras mulheres. Elas riam todas juntas, às vezes de forma exageradamente audível. Matthew olhava delas para mim e parecia questionar a sanidade de todas. Peguei-o para se sentar sobre minhas pernas e deixei nossos rostos frente a frente. Era a hora de uma boa conversa entre pai e filho
- Nunca queira saber o que as mulheres conversam quando estão juntas e longe dos homens. - pronunciei em um tom sério, vendo Matt erguer uma sobrancelha.
Pu quê? - não sei se ele entendeu o que eu disse, mas mesmo assim demonstrou interesse.
- Porque é assustador! - fingi uma expressão de medo e arregalei os olhos para diverti-lo. - Sabe o que mais? Nunca tente apressar uma mulher quando ela estiver se arrumando, porque isso vai resultar em uma demora ainda maior. - era inexplicável o tamanho do orgulho que eu sentia em meu peito quando olhava para aquele bebê. 
- Mamãe demora. - Matt reclamou fazendo um bico, me divertindo. Será que, mesmo tão pequeno, ele já sabia que sua mãe fazia parte do time das mulheres que demoravam muito para se arrumar? 
- Que bom que você concorda comigo. - passei a mão por sua cabeça. - E quando uma mulher te bater, mesmo que não tenha doído, finja que sim! Porque se você disser que não doeu, ela vai bater de novo e... Bom, homenzinho, essa é a hora em que vai doer de verdade. - fiz uma careta que arrancou uma risada dele. - Jamais pense em revidar, tente beijá-la ao invés disso. 
Bezu? - Matthew perguntou, levando uma mão até a cabeça como se estivesse confuso. Demetria andava ensinando algumas palavras a ele sem que eu soubesse. 
- Sim, meu garoto. Entendeu? Toda vez que ela tentar te bater, tente beijá-la. Siga os sábios conselhos do seu pai, certo? Agora toca aqui! - ergui a palma de minha mão e a deixei ao alcance da sua, que logo se encostou a minha em um cumprimento. 
Inesperadamente, percebi que David, meu avô, havia se sentado ao meu lado. Ele não disse nada, apenas observou meu rosto e depois o do meu filho, mudando o rumo de sua visão para qualquer canto do cômodo. Matthew olhava para ele curiosamente, erguendo o rosto e me perguntando silenciosamente de quem se tratava. 
- Como vai, Joe? - a voz rouca de David perguntou, eu apenas concordei com um aceno. 
- Estou bem. - aos poucos ele parecia mais à vontade para falar, visto que até atraiu a atenção de Matthew várias vezes enquanto eu esperava o desenrolar daquela incerta conversa. 
- Meu neto mais velho, um homem feito! - dei de ombros, sorrindo sem mostrar meus dentes. Demetria olhou rapidamente na direção onde nós estávamos e apenas deu um aceno, demonstrando estar feliz por ver neto e avô conversando depois de tanto tempo. Ela queria que eu permanecesse próximo daquelas pessoas, queria que eu não me sentisse sozinho. O que ela precisava saber, na verdade, é que quantidade não me importa. Desde que eu tenha a ela e a nossos meninos, o resto não me atrai. 
David não tentou prolongar a conversa, apenas ficou me encarando com um semblante aturdido. Parecia que ele tentava dizer algo, mas não conseguia encontrar determinação para isso. Respirei fundo sem que ele percebesse, sorrindo para meu filho que estava feliz por ter conseguido pegar um dos enfeites de uma mesa ao nosso lado. Algo deveria estar errado, notei assim que coloquei meus pés naquela casa e troquei o primeiro olhar com meu avô. Ele carregava nos olhos um alerta, um alerta que pacientemente tentou dirigir a mim sem sequer abrir a boca. 
E aquilo me irritava. 
- Algum problema? - perguntei de qualquer forma, deixando implícito meu interesse pelo assunto. 
- Nenhum, desde que você prometa ter cuidado. - ergui uma sobrancelha diante de um súbito conselho que pareceu inútil ao momento. Com o que eu deveria ter cuidado? 
- Não entendi. - respondi sem olhá-lo. 
- Estou apenas te alertando. Existe mais do que você sabe por ai. - Matthew se agitou sobre meu colo, então, um pouco confuso devido as palavras de David, coloquei meu filho sentado sobre o chão, assistindo-o engatinhar pelo local, satisfeito por estar livre. 
- Se está preocupado, é porque sabe de alguma coisa. E não venha com enigmas, diga a verdade completa. - desafiei-o, olhando em sua direção. Não queria parecer grosseiro, mas que outra saída você tem quando uma pessoa te alerta do perigo, mas não diz onde esse perigo está? 
- Eu diria se soubesse, Joseph. Porém, acho que você não precisa se preocupar por hora. - ele não elevava sua voz, continuava a proferir todas aquelas palavras estupidamente enigmáticas como se estivesse apenas comentando sobre uma mudança brusca no tempo ou a palhaçada que fora o jogo de futebol transmitido naquela tarde. 
- Não é condizente você fazer um alerta de perigo e depois aconselhar que eu não me preocupe! - já exasperado, ergui meu corpo e fiquei de pé a sua frente. Meu filho alcançou uma de minhas pernas e ficou a segurando, tentando se equilibrar. Quis ser inocente como ele, pelo menos naquele momento. Eu sabia que algo naquela casa tiraria a minha calma, só não quis dizer precipitadamente para Demetria, pois sabia que ela diria se tratar de coisas da minha cabeça. 
- Ter preocupação e tomar determinadas precauções não é um desperdício na vida, se pararmos para pensar. - ele também se levantou, cruzando os braços na altura do peito, demonstrando indiferença pelo meu súbito estado irritadiço. 
- David... - nem sequer me incomodei por dispensar o uso do “”. - Eu não sou um garoto. Minha função não é ser protegido, a minha função é proteger... 
- Olha, papai! - antes que eu pudesse terminar de falar, Matthew me chamou animado, querendo mostrar que havia conseguido tirar o próprio tênis com o auxílio do outro pé enquanto abraçava minhas pernas. Sorri fracamente para não desapontá-lo e murmurei um “É isso aí, meu garoto!”. David encarou meu filho e pareceu entender exatamente ao que eu me referia quando utilizei a palavra “proteger”. - Se você sabe de alguma coisa, qualquer coisa que possa expor minha família ao perigo, por favor, diga agora! - continuei, vendo o velho homem menear com a cabeça e se afastar para segurar um porta retrato. A foto ali era de minha mãe. Bufei e virei o rosto na direção contrária. 
- Não vejo como um perigo a sua família, mas como um perigo direto a você, sua pessoa. - desistindo de continuar ali ouvindo aqueles malditos conselhos incompletos, me abaixei para pegar Matt outra vez, tentando acalmar seus resmungos. Ele deitou sua cabeça em meu ombro e pediu pela mãe. 
- Desisto dessa conversa. - avisei, ouvindo o choro de um Matthew que pareceu sentir a minha frustração. - Vou chamar Demetria e Jamie, nós vamos embora. - dei as costas para meu avô e grudei os olhos na porta a frente, determinado a subir para o quarto, pegar nossas coisas e sair dali. 
- Por favor, Joseph, não! - parei de andar, mas não ousei virar para olhá-lo. - Desculpe, eu só estou tentando fazer com que você não se torne alguém como... 
Meu riso descrente o interrompeu. 
- Alguém como o meu pai? Não se preocupe, David. - então me virei, o queixo erguido, por mais que aquela confissão tivesse provocado um estranho efeito em mim. Eu não gostava quando mencionavam aquele homem, Joseph. Não gostava de sentir a raiva que pairava sobre meu ser quando a memória dele surgia. Olhei firme nos olhos que exalavam experiência do homem a minha frente, deixando desaparecer o tom de aspereza na voz quando notei sua expressão de revolta mediante a simples menção de meu pai. - Eu apodreço embaixo da Terra antes disso acontecer. - assim dito, saí andando sem esperar por ouvir palavra alguma, e realmente não ouvi. Porém, aquele silêncio pesaroso também não me agradou. 

/Joseph's P.O.V


Saving Grace Children's Hospital

Meus movimentos cessaram quando encarei a construção a minha frente. Hannah, a filha do filho homem mais velho de Regina, era enfermeira naquele hospital. Obviamente fiquei surpresa quando descobri, não tardando a pedir informações a ela. Eu não sabia direito se deveria surgir tão repentinamente àquele local, mas dar as costas e voltar correndo feito uma criança assustada não traria vantagem alguma, traria? Feliz por ter me protegido com roupas quentes, olhei ao meu lado e suspirei, me arrependendo amargamente por não ter permitido que Joseph me acompanhasse. Certo, na verdade esse não era bem o motivo dele não estar comigo, o motivo correto fora o fato de que, naquela manhã, seus avós decidiram que precisavam ter uma conversa com ele. Ao sair de casa juntamente com Hannah, que se ofereceu para me dar carona até o Saving Grace, percebi a forma consternada como Joe me olhava, demonstrando sua infelicidade com aquela conversa. Lembrava-me também dele indagar centenas de vezes se eu estava confortável com a ideia de visitar sozinha aquele hospital. Eu disse que sim, apesar de hesitante. Bom, eu estava determinada a exigir sua companhia em uma provável segunda visita. Se é que eu teria coragem de colocar meus pés ali novamente. 
- Sentindo falta do glamour de Grey's Anatomy? - Hannah brincou, despertando minha atenção para o seu rosto. Chacoalhei a cabeça e sorri minimamente a ela, repetindo o ato de erguer o rosto, examinando a imensidão do local. Sua fachada era toda em vidro, possibilitando a visão interior proporcionada graças às janelas de alguns dos andares. Tentei com empenho manter a respiração normal, relaxando meus ombros assim que uma das gigantescas portas automáticas de vidro se abriu para nos receber. 
Como de costume, a primeira coisa que se nota ao adentrar um hospital é o forte cheiro tão característico de limpeza. O teto acima de minha cabeça era intocável, o piso de um branco dolorido para olhos desacostumados. Ao meu lado esquerdo, uma parede com acesso a três elevadores. Ao lado esquerdo, a extensa recepção que contava com várias fileiras de simples cadeiras pretas para que pacientes e visitantes pudessem aguardar. Recepcionistas vestidas com seus uniformes em um tom claro de azul atendiam agilmente algumas pessoas, enquanto enfermeiras, médicos e pais com seus filhos circulavam por todas as direções. Notei que Hannah se despediu apressada e foi correndo em direção aos elevadores, provavelmente já atrasada. 
Foi então que percebi algo que me deixou paralisada. 
Todos os funcionários, médicos e enfermeiros de repente tinham suas atenções concentradas em minha presença. Eu me sentia estranhamente como se fosse uma ilustre celebridade que coloca os pés dentro de um local de muita circulação, sendo bombardeada com olhares analíticos que aos poucos iam me deixando mais e mais desconfortável. Será que todos ali me conheciam? Mas como? E por que Joseph não estava ali comigo? 
Senti meu corpo retesar quando, de dentro de um dos elevadores, cujo típico som preencheu minha audição quando a porta se abriu, avistei um médico se aproximar. Trajava uma vestimenta azul marinho coberta por um jaleco branco, seu nome aparecia bordado em um bolso lateral na altura de seu peito. Philip Wright. Um gorro branco em sua cabeça, típico de cirurgiões. Provavelmente ele era um renomado cirurgião. Seus olhos eram claros e alguns fios grisalhos de cabelo escapavam da proteção do gorro, revelando uma idade um pouco elevada, beirava os cinquenta anos. É claro, o irmão de meu pai. 
Não pude evitar de arregalar os olhos, recuando um passo, revelando minha covardia. E eu diria que ele também não esperava, diante de vários rostos, ver o meu. Sim, ele sabia quem eu era e nem precisei pronunciar qualquer mísera palavra para que ele tivesse certeza. Era o que seu olhar congelado dizia. Logo as pessoas ao redor parecem lembrar que tinham funções a exercer por ali, então desviaram suas atenções de mim. Exceto por Philip, que parou a minha frente e cruzou os braços. 
- Você veio. - a semelhança com Quentin não era precisa, mas qualquer um seria capaz de deduzir que eram parentes. - Por acaso meu irmão deixou sua parte desse hospital para uma mulher que não fala? Bom dia, Demetria. - senti o tom de desafio em sua voz e engoli em seco. 
- É claro que eu falo! - escapou sem que eu percebesse, e minha voz revelou o quão incomodada eu estava. Porém, desfazendo toda uma posição de imponência, o médico a minha frente estendeu a mão, sugerindo um cumprimento que logo fiz questão de realizar. - Bom dia. - apesar de ser a voz superior ali, Philip, visto as roupas que usava, preferia se comportar como um típico cirurgião abarrotado de compromissos, descartando a hipótese de transitar pelos andares do hospital simplesmente dando ordens. Era impossível evitar os arrepios desconfortáveis que corriam pelo meu corpo quando eu olhava para ele. Afinal, aquele era o irmão do monstro que eu deveria chamar de pai. - Como você sabe quem eu sou, sendo que nem me ouviu dizer o nome? - cruzei meus braços também, tentando encontrar uma explicação. Philip deu de ombros e fitou uma enfermeira que se aproximava com alguns papéis em mãos, entregando alguns a ele. 
- Sou irmão do seu pai, como não saberia quem você é? E não me olhe como se eu fosse o maluco do Arthur. - advertiu ele com um tom de voz bem humorado. Ergui uma de minhas sobrancelhas, incomodada com um detalhe. 
- Por que utilizou o nome Arthur ao invés de Quentin? 
- Tanto faz. - ele respondeu indiferente, com a atenção centrada no que aparentava ser o prontuário de um paciente. O homem virou o corpo em direção aos elevadores e repousou os olhos sobre mim. - Não há nada de interessante para se ver no térreo, então me acompanhe. - ele sugeriu apontando para um dos elevadores. Pensei por um instante e concordei, aos poucos reconhecendo que ele não era meu pai, ele não tentaria me causar nenhuma dano. - Aliás, sou um cirurgião pediátrico e cardiotorácico, caso esteja interessada em saber. - apresentou-se devidamente ao apertar o botão que nos levaria até o terceiro andar. 
Eu caminhava em silêncio ao encalço de Philip, que cantarolava despreocupado uma canção que não me preocupei em identificar. Pelos corredores brancos e impecavelmente limpos do andar, fotos de crianças sorridentes decoravam as paredes. Onde o silêncio era imprescindível, como nas áreas próximas a leitos e consultórios, as fotografias consistiam em crianças fazendo um sinal de silêncio com o dedo indicador a frente da boca. O movimento era mediano, pude observar durante o percurso que fazíamos alguns leitos ocupados por crianças adormecidas. 
- Esse hospital é o reflexo de quem ele foi. - Philip falou ao parar de andar, a frente de uma porta que indicava um laboratório. - Apesar de meu irmão ter quebrado o espelho e arruinado o próprio reflexo. - comentou tristemente, voltando a me olhar. Eu estava cansada de permanecer muda. 
- Isso não faz o menor sentido. - tentei manter a voz baixa, visto que ao meu lado se encontrava a fotografia de uma criança pedindo silêncio. - Eu não tenho conhecimentos em medicina, nunca passou pela minha cabeça exercer tal profissão... Por que deixar parte desse hospital para mim? 
- Por que não pergunta ao seu pai? - ele ergueu as sobrancelhas quando constatou o óbvio. - Ah, é claro, isso seria impossível. 
- Você é bem humorado demais para um médico. - ironizei, assistindo-o retornar a dar passos vertiginosos depois que recebeu um envelope entregue por um funcionário. Sem saída, voltei a segui-lo. 
- Se eu me deixar levar pelo clima desse lugar, vou viver em lágrimas, Demetria. E sobre sua pergunta anterior... Venha comigo, vou lhe dar um motivo para acreditar que você pode, sim, fazer algo por aqui. 
Cerca de cinco minutos depois, havíamos subido muitos andares, inclusive a vista panorâmica me permitia enxergar grande parte da cidade diante de meus olhos, em tamanho diminuído. Meu entendimento era pouco para conseguir classificar o que poderia encontrar em cada uma daquelas alas, mas pelo clima do andar onde estávamos, deduzi que quadros clínicos mais sérios eram tratados por ali. 
(Coloque a segunda música para tocar e deixa repetir durante todas as cenas do hospital)
Uma das primeiras portas do corredor praticamente vazio fora aperta, revelando um quarto de paredes azuis. Ao centro, uma cama revelava um garotinho que deveria ter no máximo oito anos. Apesar de parecer bem, rapidamente consegui notar que ele respirava de forma dificultada, mesmo tendo uma mangueira de oxigênio ajustada ao seu nariz. Tinha cabelos claros e uma pele alva muito pálida. 
- Olá, William, como se sente? - Philip perguntou com uma voz que julguei ser paternal, trocando rápidas informações com outro médico, que só naquele momento percebi estar dentro do quarto. Analisou minuciosamente o prontuário do garoto, enquanto o mesmo levou seus olhos até mim. 
- Bem, doutor. - ele respondeu com a voz fraquinha, respirando fundo. Tentei curvar meus lábios e sorrir para ele, por mais que sua situação estivesse me comovendo ao ponto de barrar qualquer sorriso. 
Demetria, esse é William Maxwell, tem sete anos. Ele sofre de uma doença cardíaca conhecida como Cardiomiopatia Dilatada... - Philip pausou a explicação quando notou a confusão expressa em minhas feições. - Bom, digamos que essa doença faz com que o coração do William aumente de tamanho, um aumento deveras prejudicial. Consequência: não bombeia o sangue para o corpo como deveria. 
O garotinho se movimentou e ergueu um pouco o tronco, sendo auxiliado pelo outro médico presente. Ele queria dizer alguma coisa. Não para Philip, mas para mim. 
- Eles dizem que o meu coração é quebrado. - sua voz era fraca e a respiração ruidosa, parecia sentir uma leve falta de ar. Meus olhos estavam marejados, eu detestava ser tão fraca diante certas situações. William não precisava ver uma mulher estranha chorando graças a sua condição. - Perguntei para a minha mãe se ele é quebrado como alguns brinquedos velhos que eu tenho, mas ela disse que é muito pior. - sem conseguir evitar, dei mais alguns passos e passei por Philip, que me olhou em silêncio enquanto eu caminhava até ficar ao lado da cama de William. Ele parecia me conhecer há muito tempo, parecia me ter como uma confidente, sentindo-se livre para revelar tristes fatos de sua jovem vida. - Uma vez meu pai disse que o coração dele bateu mais forte quando viu minha mãe pela primeira vez. Eu gostaria muito de sentir algo assim também... - ele estava se controlando para não chorar, enquanto Philip mantinha o rosto virado na direção da janela. - Mas parece que eu vou morrer quando o meu coração acelera. - uma única lágrima escorreu pelo rosto do garotinho. Senti como se um nó se formasse em minha garganta. 
- O que vocês podem fazer para ajudá-lo? - perguntei instintivamente aos dois médicos, sendo prontamente respondida pelo irmão de Quentin. 
- William precisa urgentemente de um transplante de coração, não existe outra maneira de lidar com sua doença. Ele está há algum tempo na fila de espera e nós estamos confiantes de que um órgão adequado e em bom estado irá aparecer em breve. 
- Qual é o seu nome? - William perguntou a mim, voltando a se deitar. 
Demetria. - respondi ternamente, deixando que um largo sorriso surgisse por meus lábios e levasse segurança ao garotinho. Foi impossível não imaginar a preocupação que assolava seus pais. Eu era mãe, a simples ideia de ver um filho preso ao leito de um hospital me assombrava de forma insuportável. 
- Você tem filhos, não tem? - Philip se manifestou com aquela pergunta enquanto se preparava para examinar William, optando por primeiramente medir sua pressão cardíaca depois consultar seus sinais vitais. 
- Sim. Dois meninos. - contei assim que me sentei em uma das poltronas confortáveis do quarto. O médico a minha frente sorriu, provavelmente pela primeira vez no dia. Ele não parecia incomodado com o fato de que uma criança que sofria com uma doença tão séria estava ali, apenas o observando. Mesmo assim, era visível a forma cuidadosa como o examinava. 
- Eu costumava ter uma vida assim. Esposa e filhos, uma família. Bom, filhos ainda tenho, é claro. 
- É difícil conciliar as turbulências de uma carreira como essa com a atenção que uma família necessita, não é? - perguntei com a voz baixa, vendo-o erguer o rosto em minha direção. Ele negou com a cabeça. 
Demetria, médicos só não encontram tempo para uma família quando não querem encontrar. Como em qualquer outra profissão, limites precisam ser impostos. - assegurou convicto, anotando algo no prontuário do garoto. 
- Esse era... Ou melhor, esse é o sonho do meu marido. Ser médico. - comentei distraída com William, que prestava atenção em mim. Ele parecia interessado no que eu dizia. Era adorável. 
- E você tem medo de que ele perca completamente o interesse pela família caso se torne um de nós? - indagou Philip, prontamente neguei com a cabeça. 
- Não... Eu o apoio totalmente nisso. 
- Aí está algo que eu não tive de minha esposa: apoio. Acho que isso é essencial. - de repente, ele parecia deixar que mais sentimentos transcorressem por suas palavras, deixando visível o pesar que sentia por não ter recebido tal apoio. 
A cena seguinte de fato ocorreu muito rápido para que eu pudesse entendê-la com clareza. Um dos equipamentos ligados a William começou a apitar, mas não era o som dos bips que informam atividade cardíaca. 
- Doutor, a pressão arterial do paciente está subindo! - uma enfermeira que havia adentrado o quarto pouco tempo antes alertou, fazendo com que o médico prontamente viesse até mim, pedindo que eu me levantasse para sairmos do quarto. Sentindo o desespero presente em seus olhares pairar pelo ar, olhei mais uma vez para um William que parecia lutar para continuar respirando e simplesmente disse: 
- William, me faça um favor! - disse alto, com a esperança de que ele pudesse ouvir e responder. 
- Qual? - ele tentou, enquanto o outro médico repetia “Estabilize!” várias vezes, provavelmente ordenando que os procedimentos corretos fossem realizados para que a pressão do garoto obtivesse controle.
ResistaViva! Você vai sentir seu coração acelerar por alguém, acredite em mim! - quando percebi, a porta do quarto já havia sido fechada diante de meus olhos. Philip e eu estávamos fora do recinto. Olhei sem reação para ele, que parecia não ter presenciado a cena anterior, totalmente calmo. - Como você faz isso? - perguntei aturdida, a sensação de não ter fôlego o suficiente. 
- Isso o quê? 
- Agir como se nada estivesse acontecendo... Aquela criança pode morrer a qualquer momento! 
- Apesar de fortes, Demetria, eles não têm força o suficiente, e nós, médicos, somos os encarregados de fornecer a quantidade de força que eles precisam. - explicou objetivo, lendo rapidamente outro prontuário em mãos. - Vamos, o tour continua. - ainda abalada com o que presenciei no quarto de William, soltei o ar com calma e voltei a segui-lo, desejando que as cenas seguintes não fossem semelhantes às anteriores. 

Já recuperada, lá estava eu visitando outro quarto. Esse tinha as paredes pintadas em rosa claro e algumas bonecas colocadas sobre um sofá ao canto. Uma garotinha de cabelos negros estava sentada sobre a cama, encarando o nada. Pude notar que uma tiara com um laço vermelho lateral estava em sua cabeça, e a espécie de camisola que usava era de ursinhos coloridos. Philip explicou que aquela não era uma paciente sua, mas alegou que eu precisava conversar com ela. Alegou que eu gostaria de conversar com ela. 
- Olá, como se sente? - ele perguntou amigável a garotinha, que ergueu o rosto, apesar de seus olhos continuarem perdidos. - Temos companhia hoje. - avisou a ela. - Demetria, essa é Madeline Bailey, ela tem oito anos. 
Eu não acreditei. 
O primeiro paciente que visitei naquele hospital se chamava William, porém, pensei se tratar de apenas uma mera coincidência. Mas o nome da menina a minha frente era Madeline, e esse era o nome de minha filha no estranho sonho que tive tempos antes... O sonho que relatava um epílogo. William e Madeline, meus filhos no sonho. William e Madeline, pacientes de um hospital pertencente a meu falecido pai e seu irmão, na realidade. Realmente fazia algum sentido, ou era uma complexa perturbação de minha mente? Espantosa era a forma como um simples sonho pôde, misteriosamente, significar e mostrar tanto. Quem iria imaginar que durante o ato de sonhar eu descobriria algo como aquilo? Meu sonho retratou a ideia de que aquelas duas crianças precisavam de ajuda, precisavam da minha ajuda. Bom, não diretamente, mas se eu aceitasse lidar com parte do Saving Grace, tudo mudaria. Filhos precisam de pais. Crianças doentes precisam de ajuda para encontrar a cura. 
Era uma informação difícil de processar. 
- Oi, como você se chama? - Madeline perguntou, fazendo com que eu parasse abruptamente de divagar. Visivelmente desconcertada com a descoberta. Foi então que, sem qualquer mínima explicação de Philip, constatei que ela não enxergava. Absolutamente nada. Levei meu corpo de movimentos incertos até sua cama e senti que a menina captou meus movimentos, já que os sentidos de uma pessoa desprovida de visão se tornam mais aguçados. Ela manteve os olhos vidrados em uma vaga direção, o que me entristeceu. 
- Oi, meu nome é Demetria. - respondi, notando que um ursinho de pelúcia rosa era carinhosamente segurado por suas delicadas mãos. 
- Assim que nasceu, Madeline foi diagnosticada com uma deficiência rara no nervo ótico, chamada Displasia Septo-óptica. Estamos realizando toda a sua avaliação pré-operatória. Ela será operada amanhã. - deixei que meu sorriso se alargasse depois que ouvi aquela explicação, finalmente encontrando uma boa notícia por aqueles corredores. A pequena Madeline de repente demonstrou-se radiante. - É claro que ela não vai recuperar totalmente a visão, a princípio enxergará apenas vultos, mas aos poucos será possível melhorar e muito sua condição de vida. 
- Fico muito feliz por você, Madeline! - segurei sua mão, sentindo seus dedos se fecharem sobre a minha. Talvez meu instinto maternal estivesse muito aflorado naqueles dias... E lá estavam mais lágrimas teimosas e inesperadas. 
- Eu nasci assim, sabe? Sei que a grama é verde, o céu é azul e o sangue é vermelho porque me disseram. Eu vivo com base nas histórias que as pessoas contam e nos detalhes que elas dão. 
- Trate de se desacostumar com isso, Madeline, pois logo você poderá ver o mundo com seus próprios olhos. - Philip determinou com a voz carregava por convicção, a típica convicção de alguém formado em medicina. 
- Não me importo se tiver que esperar mais um pouquinho, sei que vai valer a pena. - a garotinha confessou graciosamente. - Meu papai diz que o mundo é muito violento, então talvez seja melhor esperar que ele se cure... Tenho chances de enxergar e conhecer um lugar bem mais bonito, não acha? - para alguém que nunca tinha visto o mundo, que não tinha a mínima noção das cores e nem das formas antes de tocá-las, Madeline era certamente impressionante. As janelas de sua alma estavam fechadas, mas portas de seu destino começavam a se abrir. A inocência, bondade e esperança presentes em uma criança são elementos que certamente podem salvar um mundo. Senti uma onda de paz vagar pelo meu interior, uma sensação gratificante que não poderia explicar nem se tentasse. De repente me peguei imaginando a reação de Joseph quando conhece aquelas crianças. Eu precisava voltar àquele hospital com ele! 

Estávamos de volta ao térreo, e apenas poucas horas haviam se passado. Eu precisava ir embora, apesar de uma parte de mim insistir para que eu continuasse a transitar pelas dezenas de corredores e andares, insistir para que eu descobrisse mais e mais detalhes de um lugar que me receberia de braços abertos, um lugar que fora deixado especialmente para mim. Ansiosa para voltar a casa dos Montgomery e contar tudo a meu marido, caminhei em direção a porta, ainda com Philip ao meu lado. Voltei a olhar de forma surpresa para a fachada de vidro e para a recepção, no momento repleta de gente. 
- Não olhe assustada, metade dele é seu. - o médico parou de andar assim que eu o fiz, lançando a ele um olhar agradecido por ter se mostrado disposto a me mostrar algumas realidades presentes ali. 
- Mesmo depois do que passei aqui, continuo sem entender... - expressei o que tinha fixo em mente, vendo-o negar com a cabeça, erguendo as sobrancelhas em dúvida. 
- Eu também não entendo muitas coisas, então especifique. 
- Quem teve a estúpida ideia de colocar metade de um hospital nas mãos de alguém que chora ao ver pessoas sofrendo com dor? - disparei a falar, gesticulando com as mãos ao apontar para direções específicas do prédio. Algumas pessoas voltaram a me encarar. 
- Com certeza não fui eu. - Philip mostrou as palmas das duas mãos como se alegasse inocência. - Provavelmente seu pai. - ergueu o dedo indicador, como se descobrisse algo importante. - Sim, está certo, foi o seu pai. - rolei os olhos e me senti melancólica por um instante. Não me fazia bem lembrar de Arthur... Quentin... Ou seja lá quem ele foi. Felizmente Philip não era alguém de coração gelado como seu irmão, isso era visível de qualquer distância. 
- O que você sugere que eu faça agora? - perguntei, desesperada por um conselho que clareasse um pouco a nuvem de incerteza que não me permitia encontrar o caminho correto para tomar a decisão. Philip fingiu pensar e eu assisti a porta de vidro se abrir quando meu corpo ficou próximo da mesma. Virei-me para ouvir o que ele tinha a dizer. 
- Vá para a casa e pense muito, pense com cuidado. Você não é obrigada a assumir nada, é uma decisão unicamente sua. Ficaremos bem até lá. - garantiu com um sorriso amigável. Concordei com a cabeça e fiz um breve aceno com a mão em despedida, dando-lhe as costas e encarando o lado de fora do hospital. Porém, ouvi meu nome ser chamado antes de pensar em procurar meu carro em um lotado estacionamento. 
- Diga, Philip. - esperei pacientemente até que ele falou de uma vez: 
- Quentin ficaria orgulhoso de você se estivesse vivo. - ri com indiferença, escolhendo não pensar muito em Quentin. Seria desrespeitoso xingá-lo diante de seu irmão, apesar dos pesares. 
- Eu duvido. - sibilei sem emoção, dando de ombros como se não me importasse. 
- Duvida porque desconhece muitas coisas, não sabe de várias razões para explicar determinados fatos. - ele retrucou com a voz bem humorada de sempre, me fazendo prestar mais atenção. Arqueei uma sobrancelha e continuei a encará-lo seriamente, mas não obtive nenhuma explicação. - Volte quando puder, eu tenho uma história para contar. 
Simplesmente concordei e segui meu caminho. Um turbilhão de pensamentos confundia a atenção que eu deveria dedicar a tudo ao meu redor, porém, era impossível não divagar quando os rostos de William e Madeline surgiam perfeitos em minha mente. Indefesas crianças que lutavam empenhadamente para continuar a fazer parte de um mundo que ainda não estava pronto - e provavelmente nunca estaria - para se despedir de ambas. 
O que eu poderia fazer por aquele lugar, afinal? Não muito, de certo. Eu não sabia controlar minhas emoções quando exposta a situações de alta complexidade, meu emocional extremamente sensível sempre me impediria de pensar com clareza quando a mesma seria caso de vida ou morte. 
Doutora Demetria... Não, não era uma vida para mim. 
Mas talvez existisse alguém capaz de feitos inimagináveis e uma vontade sobre-humana de salvar vidas. Era apenas questão de tempo para descobrir o desfecho de uma história que tinha tudo para dar certo. 


Memórias ainda muito consistentes ocupavam meus pensamentos. Devo ter feito um dossiê verbal para Joe quando cheguei do Saving Grace naquele dia. Assisti suas feições se modificarem a cada novo fato relatado, me acompanhando nas reações que conquistei ao passar do tempo enquanto mencionava William e Madeline, enquanto me questionava como certas coincidências na vida podem vir a ser veementemente surpreendentes. Meu marido contou que a conversa que teve com os avós fora breve, o casal apenas lhe contou algumas histórias sobre Elizabeth e disse o quanto ela se orgulhava do filho que tinha. No mais, acho que eles queriam apenas um tempo com o neto para matar a saudade de algo que nunca veio a existia de forma concreta. Mas que, a partir daquele momento, poderia existir. 
Continuei a pentear meus cabelos molhados enquanto ouvia o som do chuveiro ligado se misturar com o de uma chuva que se iniciava. O agradável cheiro de terra molhada adentrando a janela me fazia inspirar com mais vontade. Meus meninos estavam em algum canto da casa brincando com as outras crianças, já que ainda era cedo demais para dormir. Iríamos embora à manhã seguinte, então rapidamente me ergui e comecei a ajeitar algumas coisas dentro da mala, sentindo frio quando o vento feroz soprado para dentro do quarto agitava meus cabelos. Era impossível usar uma camisola, então tive que vestir uma calça rosa de moleton e um casaco resistente. 
Enquanto eu aprumava as roupas dentro das malas para conseguir fechar os zíperes, o cheiro de banho substituiu o de chuva por alguns instantes. Joe já estava vestido e apenas secava os cabelos com a toalha enquanto ia até a janela para olhar a chuva. 
- Eles são incríveis. - comentei sem olhá-lo, vendo-o se virar para mim. - E seus avós? - sorri maravilhada, pensando no fato de que casais idosos são a prova de que nem tudo está perdido. Não quando o assunto é amor. - Joe, eles são o exemplo de que o amor não precisa ter fim. A forma como a Regina olha para ele, a forma como o David retribui o olhar dela... - suspirei, arrancando um risinho de meu marido que se afastou da janela e sentou-se sobre a cama, olhando na direção onde eu permanecia. 
- Acha que eles são bons juntos? Espere até nos ver como um casal de idosos. Tenho certeza que seremos até melhores que eles. - deixei de fazer tudo que estava fazendo e virei meu corpo a sua frente, caminhando até que pude conquistar a proximidade que queria. Ainda de pé, apoiei minhas mãos sobre os ombros do homem que continuava sentado e olhando para cima, para os meus olhos. 
- Eu acredito cegamente em você. - sussurrei. O olhar de Joseph adotou aquele aspecto profundo, então um suspiro escapou por sua garganta e ele segurou para beijar a mão que se afastava de seu ombro. 
- Foi só você aparecer na minha vida e foi como se, aos poucos, eu recuperasse o que não acreditava ter. - fui pega de surpresa ao ter a mão puxada, sendo carinhosamente jogada - se for possível - na cama. Aos risos, nos cobrimos e permanecemos encarando o teto. - Acho que ninguém é capaz de entender como eu me sinto ao seu respeito, mas não importa. Às vezes eu também não entendo, mas nem de longe isso é ruim. 
- Algumas coisas os outros não precisam entender, desde que nós sejamos capazes de pelo menos buscar incessantemente por uma explicação. - senti sua mão embaixo das cobertas tatear na busca de algo por meu tronco, arrancando uma risada encabulada de meus lábios. 
- No momento estou buscando outra coisaDemi. - dei um tapinha ligeiro e indolor em sua mão, que se recolheu para longe de mim. 
- Será que você não se cansa de ser tão bom? - indaguei sendo tomada pela sensação de conforto que a combinação da chuva, uma cama confortável e ele ao meu lado produzia. Em um impulso ágil, Joe deu um jeito de se colocar por cima de mim e grudou a boca em meu pescoço, subindo até minha orelha. Ri sentindo mínimas cócegas. 
- Quer que eu seja mau? Mau de um jeito que você vai gostar muito, é claro. - ele fingiu um semblante misterioso, deixando a voz sedutoramente mais rouca perante a sugestão de mudança, mas logo voltou a me distrair com a imagem de seus dentes lindos se revelando graças ao sorriso brando que deu, os olhos se encolheram minimamente quando o fez. 
Minutos depois, após termos bagunçado toda a cama graças a uma mistura de guerra de travesseiros com demonstrações de afeto, percebi que deveria sair do quarto, procurar Jamie e Matt e colocar meus meninos para dormir. 
- Ninguém no mundo faz ideia de como eu amo dormir com chuva! - comentei satisfeita ao notar que a tempestade do lado de fora não aliviaria tão cedo. Porém, Joe não me permitiu levantar. 
- E quem disse que vou deixar você dormir agora? 


Londres
Poucos dias depois...

Luzes pisca-pisca por todos os lados.
O brilho de algumas delas refletia em um pequeno par de olhos verdes, cujo seu brilho próprio era ainda mais elevado. Matthew estava com o gorro de Papai Noel que tanto insistiu para comprarmos durante as compras de Natal, ele tentava engatinhar por entre um chão repleto de enfeites, luzes pisca-pisca e as bolas que seriam colocadas na árvore que naquele exato instante tinha sua estrutura sendo montada por Joe e eu, enquanto Jamie separava os enfeites que iríamos usar. Devo confessar que na loja aquela árvore não parecia tão grande, ela quase era capaz de atingir o teto! As janelas ao redor do cômodo estavam embaçadas devido a neve que havia começado a cair pela manhã. Eu estava com roupas simples naquela tarde, uma blusa de moleton vermelha, jeans confortáveis e sapatilhas nos pés. Joseph parecia uma criança enquanto se perdia por entre todos aqueles ornamentos, vezes tropeçando pelos pisca-piscas espalhados pelo chão, fazendo com que nosso bebê desse aquelas gargalhadas gostosas. Já havíamos colocado uma guirlanda verde e vermelha na porta, enfeites brilhantes que representavam flocos de neve presos ao teto em uma área próxima à porta e meias decorativas acima da lareira. Inclusive uma delas era bem pequenina, para que pudesse representar Matt. Devido ao calor da lareira, não conseguíamos notar a temperatura cruelmente baixa... Ou talvez isso se devesse ao fato de que parecíamos quatro crianças ali naquela sala, simplesmente nos divertindo. Joseph e eu seguramos o extenso cordão que continha as luzes e fomos cuidadosamente enrolando-o por toda a extensão da árvore. Depois, com todos os outros itens da decoração selecionados, começamos a espalhá-los de forma triangular por toda a árvore. Matthew fazia questão de me ajudar, pegando as bolas nas cores vermelha, verde, azul, prata e ouro e entregando gentilmente a mim. Eram bonecos de neve em miniatura, estrelas, falsos candy canes, laços, entre outros. Nossa árvore certamente era a mais enfeitada da cidade! 
Os galhos das pequenas árvores em nosso jardim também foram adornados com luzinhas. Naquele início de tarde, Jamie e eu passamos um bom tempo no jardim branco construindo alguns bonecos de neve, enfeitando-os com garros vermelhos e echarpes verdes. Também acrescentamos luzes e alguns enfeites em toda a extensão da escada principal. 
Faltava apenas uma bola decorativa para ser colocada na árvore, mas a mesma não estava sendo segurada pela mãozinha de Matthew. Joseph e Jamie começaram a jogá-la um para o outro enquanto eu tentava pegá-la e acabar com a diversão fora de hora de ambos. Comecei a elevar meu tom de voz enquanto pedia para que me entregassem logo a bola, mas os dois fingiam não ouvir durante risos e tentativas de não permitir que eu conseguisse capturá-la. Olhei sorridente para meu bebê sentado ao chão nos observando e esperei até que o enfeite fosse parar nas mãos de meu marido outra vez, caminhando a passos vertiginosos em sua direção até que consegui me jogar sobre ele, despencando nossos corpos no sofá logo atrás. Os meninos riam enquanto nós travávamos uma infantil guerra para descobrir quem teria a bola. Mesmo concentrada em meu Joe para que ele não começasse a fazer cócegas em mim ou algo parecido, eu conseguia ouvir as gargalhadas de Matthew ecoando por todos os cantos do recinto. 
- Então você quer guerra? - Joseph desafiou, ele estava sobre mim no sofá, nós nem mesmo sabíamos o paradeiro do enfeite. 
- Pode apostar, soldado! - determinei enquanto mantinha a palma de minha mão impedindo seu rosto de se aproximar do meu. Naquele momento, sim, éramos crianças por completo. 
Depois que nossa “guerra” teve fim, finalmente consegui o enfeite em forma de bola vermelha com detalhes brancos e fui até a árvore para posicioná-la em alguma região estratégica, dando passos para trás a fim de contemplar nosso trabalho bem feito. Jamie e eu iniciamos uma comemorativa dança desajeitada em, enquanto Joe ria e pegava Matthew no colo, colocando em suas mãozinhas a ponteira em forma de estrela. Ergueu o pequeno no ar e disse a ele o que deveria fazer. Mesmo sem compreender muito bem, Matt acabou conseguindo encaixar a estrela ao topo. 
Joseph ligou os pisca-piscas na tomada, presenteando nossas visões com um belo conjunto de luzes. Pronto, a árvore estava iluminada. E logo com vários presentes colocados embaixo dela. 
Supesa! - Matt exclamou, abrindo os bracinhos. Uma alegria contagiante irradiava através de seu sorriso com dentes faltando. 
Comemoramos tanto que de repente uma súbita ideia passou pela cabeça de Joseph, sendo aprovada urgentemente por Jamie. 
- Peguem os casacos, nós vamos patinar! 


(Coloque a terceira música para tocar!)
Sinos badalavam em direções diferentes, como se avisassem que aquela era uma noite mágica. Finas camadas de neve branquinha cobriam o jardim e o telhado da casa, realçando uma fria e iluminada beleza natalina. Havia um característico aroma espalhado por todos os cantos de minha casa, era doce e distribuía alegria. Não só aos estômagos, ansiosos pela farta ceia, mas também aos corações, juntamente com a súbita vontade de difundir o sentimento de compaixão, proporcionar a comodidade. Cada floco de neve que era expulso do céu parecia trazer novas correntes invisíveis de entusiasmo, expectativa, nostalgia... Sensações que apenas a época mais deslumbrante do ano é capaz de proporcionar e derreter o gelo até dos corações mais congelados. Ao som de músicas natalinas, encarei a sala de minha casa com a sensação de meu peito estar aquecido. A sensação de estarmos todos juntos produzia uma espécie de calor que envolvia o peito, amaciando os batimentos cardíacos e deixava o simples ato de respirar mais fácil. Boa parte da família Montgomery estava li, e como não convidá-los? Mamãe e Peter também estavam conosco, assim como Charlotte, seu cão Max, Jennifer - que me surpreendeu ao aparecer - e Dominic. Bom, eu tentava fingir que não reparava nos olhares sugestivos que ambos trocavam contra a vontade, porque tinha muitas coisas para fazer naquela incrível noite. No entanto, fui obrigada a rir quando Joe se mostrou impressionado pela presença do loiro e disse sem fazer cerimônias “Não me lembro de ter te convidado!” Todos riram, é claro. 
Encarei meu marido ao longe, notando como seus olhos rapidamente se grudaram em meu vestido vermelho. Usar essa cor naquela época era uma de minhas tradições mais fortes. Devido ao frio, escolhi colocar por baixo uma blusa que combinava e aquecer minhas pernas com uma meia calça preta. Deixei meus cabelos soltos e formei leves cachos nas pontas. Nos pés, sapatos de salto alto. Eu tinha que usá-los enquanto podia. Joseph sorriu e logo sumiu de meu campo de visão, ele vestia uma camisa branca, um casaco marrom por cima e jeans de lavagem escura. Jamie também estava com uma camisa branca. 
Crianças serelepes passaram correndo por mim, aumentando a agitação que revestia minha casa. Conversas de várias direções eram cortadas por risos altos. Matt estava sentado no centro da sala, de costas para a majestosa árvore iluminada. Eu havia vestido meu bebê com uma adorável camisa vermelha, uma pequena calça jeans e colocado um par de all star vermelho em seus pés, o que combinou perfeitamente com o gorro de Papai Noel que o pequeno se recusava veementemente a retirar da cabeça. Matthew nunca havia se divertido tanto como se divertia naquela noite. Parecia gente grande tentando conversar com todo mundo, um homenzinho. 
Quando verifiquei se ninguém prestava atenção em meus atos, acrescentei uma minúscula meia decorativa acima da lareira que funcionava a todo o vapor. Agora eram cinco delas. 
Feliz por ter minha casa cheia, fui a passos vertiginosos até a cozinha, vendo que minha mãe já estava ali apreciando um dos perus ao forno. Não seria plausível arriscar servir tanta gente com menos de dois deles. Passamos o dia todo na cozinha, até mesmo as crianças se ofereceram para ajudar. Bagunça, muita bagunça. A bancada transbordava com diversas travessas, muitas nozes, frutas e receitas diversas a enfeitando, desencadeando um apetite que fazia minha barriga roncar incessantemente. Enquanto eu picava alguns tomates e ria de algo que uma das filhas de Regina dizia enquanto ajudava minha mãe com as frutas, percebi que a avó de Joe adentrava a cozinha com um grande sorriso no rosto. Deixei de lado o que fazia e fui abraçá-la, já que devido ao frenesi instalado no momento em que todos os convidados chegaram juntos, não podemos nos falar como seria propício. 
- Obrigada pelo adorável convite! - ela agradeceu e logo seus olhos claros se dirigiram a bancada. A mulher levou as duas mãos sobre sua cintura e pareceu pensar em algo. Lacey, que permanecia em silêncio ao seu lado, ergueu as sobrancelhas e se preparou para dizer alguma coisa. - Demetria, querida, eu sei que essa é a sua casa, mas vou pedir encarecidamente que me deixe preparar um dos recheios. 
- É hora da receita do recheio secreto da Regina! - Lacey parafraseou sua mãe. Dei de ombros em concordância, mas ergui um dedo para avisar algo. 
- Certo, o recheio pode ser o da vovó, mas o molho é meu! - determinada, levei pomposamente as mãos até a cintura, gesto semelhante ao de Regina. 
Quatro mulheres cuidando de uma ceia parecia não ser o suficiente. Sempre acabávamos nos lembrando de que faltava alguma coisa. Eu já estava com dor nas panturrilhas por correr de um lado para o outro. Naquele momento reclamei por minha casa ser tão grande. Os homens estavam conversando na varanda, todos eles, falavam sobre uma espécie de sorteio que fazia parte das tradições de Natal da família Montgomery. Um sorteio seria feito e o dono do nome selecionado teria que se vestir de Papai Noel. Fora uma ideia pensada apenas para divertir as crianças, e aos adultos também, obviamente. 
Consegui, depois de vários afobados minutos, reservar um pouco de tempo para conversar com uma Jennifer que parecia aérea dentro de minha sala. Era a única que não havia se entrosado com ninguém. Estávamos sentadas em um banco localizado na parte coberta do jardim, assistindo a neve cair. Logo percebi que Jamie e Dominic estavam próximos, conversando alguma coisa e olhando em nossa direção. Jennifer encarou Dominic por um instante e mudou a direção dos olhos, abaixando um pouco a cabeça. Apesar de estar bem arrumada, ela não demonstrava empolgação alguma com aquele clima festivo. Enormemente diferente de mim, que só não estava dançando e correndo pela casa porque não tinha idade para isso. 
- Por que eu tenho a impressão de que você não gosta do Natal? - investiguei, observando-a soltar um risinho discreto. 
- Eu costumava gostar, mas agora tanto faz. Não posso negar que a decoração da época é algo muito bonito de se olhar, mas só isso. O sentimento que todos alegam ter... Há muito tempo me esqueci de como é. - olhei de soslaio para Jamie e Dominic e fiz um sinal com a mão para que se afastassem, visto que a presença do advogado começava a incomodar Jen, mas os dois fingiam não me notar. Relaxei meus ombros e continuei a falar, determinada a contagiá-la com o espírito do Natal. Posso ser muito persuasiva quando quero. 
- Sabe, eu vejo as luzes de Natal como pequenos pontos de esperança que nos guiam uma vez ao ano. Uma vez ao ano parece que enxergamos certas coisas de forma diferente e buscamos mais. Mais amor, mais esperança, mais distância daquilo que nos deprime... - Jen nada dizia, apenas escutava. - Já reparou como sempre paramos para olhar as decorações natalinas e, consequentamente, nos distraímos com as luzes? 
- O que me incomoda nessa época é o fato de que todos os sentimentos bons e ruins, sem exceção, parecem adquirir mais intensidade. 
- É por isso que no Natal temos o sentimento nostálgico que consegue alegrar e deprimir ao mesmo tempo. - falei sem prestar muita atenção em minhas palavras. Mas, ao contrário de Jennifer, eu não tinha do que reclamar. 
Durante cada minuto daquela noite, me via perdida em devaneios. Devaneios esses que me faziam sorrir sozinha, sendo flagrada por alguém que questionava minha grande quantidade de entusiasmo. Garanto que se eles soubessem o que eu sabia, entenderiam. 

/Demetria's P.O.V

Logo Demetria percebeu que sua presença estava sendo solicitada na cozinha, então pediu licença a Jennifer e se afastou, deixando-a sozinha no banco da varanda. Aos poucos, Jamie e Dominic rompiam a distância que os separavam dela. Primeiro, o garoto aproximou-se sozinho e ocupou o espaço vago no banco, sorrindo sem mostrar os dentes para a loira que correspondeu sem vontade. Ele se perguntava o motivo de alguém ter a coragem de mostrar desânimo no Natal. Parecia até um crime. Os olhos da mulher se ergueram quando um terceiro indivíduo revelou-se na parcial escuridão, cujas luzes interferiam e faziam com que o rosto de Dominic fosse iluminado. Jennifer fez menção de se levantar e voltar para dentro da casa, mas foi a vez de Jamie se manifestar e pedir docemente que ela permanecesse ali. 
- Eu não quero conversar com você! - Jennifer ralhou para o advogado, que não demonstrou hesitação perante o fato de que sua presença não era bem vinda ali. 
- Não estou falando nada. - ele começou, despreocupado. - Jamie, você me ouviu dizer alguma coisa?
- Não. - Jamie negou enquanto tentava barrar um riso. Logo, o banco era ocupado por três pessoas. Jamie era quem estava no meio, com o corpo um pouco encolhido, como se a tensão entre o casal diminuísse o espaço disponível ali. 
- Jennifer, vamos tentar reverter isso, por favor. Não é certo ficar assim, e eu prometo que não vou dizer a coisa errada, como costumo fazer. - Dominic arriscou-se após um sufocante tempo em que o silêncio dominou a situação. A mulher, pela primeira vez, levantou o rosto para finalmente olhar o advogado nos olhos.
- Você só diz isso porque é Natal. As pessoas esperam o fim do ano para prometer o que não vão cumprir. - revelou cética, conquistando um semblante de poucos amigos de Dominic e um torcer de lábios de Jamie. 
- E você é uma amargurada! - dois pares de olhos se arregalaram em resposta ao comentário desnecessário do homem. Jennifer bufou irritadiça e levantou o corpo, dando passos largos e pesados pela neve. Que acabava dificultando um pouco sua fuga. Dominic recebeu um beliscão de Jamie. 
- Dominic, peça desculpas, você não vai consertar nada desse jeito, seu idiota! - o garoto demonstrou indignação, fazendo com que Jen congelasse seus movimentos para escutar, já um pouco longe dos dois. 
- Me desculpe, Jen. - o loiro falou baixo demais, mas alto o suficiente para que a mulher a sua frente pudesse ouvir. Ela não queria retornar àquele banco, mas as palavras positivas que ouviu deDemetria mais cedo a motivaram a dar uma chance. Não tinha nada a perder.
O banco voltou a ser ocupado por três pessoas.
- Meus ouvidos vão absorver apenas o que você disser de útil. - alertou a loira com a voz séria. Estranhamente, isso despertava em Jamie uma vontade incontrolável de rir. 
- Você tem que entender uma coisa: eu não me importo com o que fui, me importo com o que posso ser. E isso depende de você. - Jen sentiu o peso das palavras de Dominic sobre seus ombros, como um estranho arrependimento. E juntamente com esse peso, sentiu também um braço ser passado por seu ombro. Tentou recuar e virou o rosto bruscamente, mas relaxou a musculatura quando constatou que era Jamie quem a abraçava. Na verdade, ela e Dominic eram abraçados pelo garoto de sorriso grande. 
- Sabe o que eu acho? Que vocês dois se amam! - Jam proferiu, erguendo as sobrancelhas e o queixo. - E depois dizem que adultos enxergam as coisas melhor que as crianças... Até parece! Bom, pelo menos no caso de vocês isso não é válido. - negou inconformado com a cabeça e se levantou, correndo pela neve na intenção de retornar a sua casa quando sentiu o maravilhoso cheiro que vinha da cozinha. Jennifer e Dominic tinham pontos de interrogação em suas faces.

Demetria's P.O.V

Aquela era, sem dúvidas, a centésima vez que eu esperava estar longe dos olhares de mamãe e vovó Regina para degustar minimamente algumas das refeições já prontas. Apenas as crianças que brincavam por perto me enxergavam provar o purê de batatas, as saladas e vários dos tipos de arroz disponíveis, mas sorriam cúmplices para mim, uma alegação de que não revelariam meu segredinho. Sim, eu estava há algumas horas sem comer, já que realizar a ceia em minha casa exigia muita atenção aos mínimos detalhes para que nada desse errado, e isso poderia explicar meu estômago que roncava desenfreado. Mas eu não sentia um apetite tão potente assim desde... 
- Com fome, Demi? - larguei a colher que segurava sobre a bancada, tensionando os ombros e arregalando os olhos quando notei vovó Regina parada ao meu lado, com um sorriso brincalhão nos lábios. Eu tinha sigo pega com a mãe na massa, quase que literalmente. Sentia-me uma criança sequestrando brigadeiros antes da hora. 
- Faminta! - revelei, mastigando uma generosa quantidade de nozes moídas. Porém, vovó nada fez, apenas abaixou o olhar até os dedos de minha mão esquerda e sorriu agradecida por encontrar o anel de esmeralda em meu dedo anelar. 
Observei a neve caindo do lado de fora com os olhos perdidos, cantarolando e tentando investir a pouca atenção que conseguia manter útil em algumas louças que eu organizava para levar até a enorme mesa da sala de jantar para arrumá-la com a ajuda das crianças. Sim, elas se ofereceram para me ajudar a arrumar a mesa. Quando eu estava prestes a sair do cômodo, meu corpo quase se esbarrou com o de um Dominic visivelmente afoito. Pensando que ele desejava uma bebida, mais precisamente uma cerveja, e com medo de que ele decidisse apreciar um dos pratos antes da hora, dei meia volta e caminhei em seu encalço, observando seus movimentos. Depositei uma pequena pilha de pratos sobre a bancada livre e esperei por alguma reação. Minha mãe e Regina haviam desaparecido, apenas as crianças continuavam a brincar e cantar as canções natalinas. 
- Oi, Jonas. - ele falou de qualquer jeito, com o olhar fixo no chão. Dominic tinha o hábito de me chamar por meu sobrenome de casada. 
- Quer uma cerveja? - perguntei amigável, massageando meu pescoço quando pude senti-lo um pouco tenso, talvez por causa de meus intermináveis esforços naquele dia. 
- Não, prometi a mim mesmo que não beberia hoje. - concordei com um aceno de cabeça. 
- Eu também não vou beber. Na verdade, não é algo que sinto falta... Tanto faz. - dei de ombros, levando uma cereja até minha boca. E dizendo mentalmente a meu estômago para que parasse de roncar e se revirar ao mesmo tempo. 
- Sempre fico bêbado no Natal, e não quero que aconteça esse ano. A Jennifer está aqui, não quero que ela me veja cantando Last Christmas enquanto fico rolando na neve. - franzi o cenho e me segurei ao máximo para não rir, enfiando ervilhas goela abaixo. 
- Então você quer causar uma boa impressão? - sugeri, ainda mastigando.
- Ou fazer com que ela não me odeie tanto, pelo menos hoje. - confessou espontaneamente. Era estranho vê-lo tão... Amigável. Ou triste, eu não sabia explicar com clareza. - E qual é a sua desculpa para não beber? - Dominic forçou um sorriso e olhou em minha direção. 
Suspirei profundamente e fechei meus olhos. Eu não conseguia mais guardar aquela informação dentro de mim, sentia que precisava contar a alguém antes que tivesse uma síncope. Dominic não era a pessoa mais propícia a ouvir tal novidade, mas quando percebi já tinha escapado por meus lábios.
Eu estou grávida. - então, no momento em que pronunciei, foi como se a certeza finalmente se concretizasse. Eu estava grávida! Paris deu certo, nossas tentativas empenhadas deram certo. Meu bebê estava apenas tímido para se revelar nos primeiros dias, durante os testes que eu havia feito anteriormente. A princípio, Dominic me encarou meio assustado, mas tudo que eu conseguia fazer era sorrir, um sorriso que estava prestes a não caber em meu rosto. A vontade asfixiante de gritar e sair dançando pelo cômodo retornou.
- Uau! Mas você não teve o mini Joe há, não sei... Alguns meses? - suas feições pareciam as de uma criança confusa. 
- Matt tem mais de um ano, Dominic! - efetuei a correção de sua pergunta.
- E por que me contou sobre a gravidez?
- Por que eu sentia estar prestes a explodir se não contasse a alguém. - saí de trás da bancada e cruzei meus braços enquanto caminhava até ele. - Por favor, não diga a ninguém, especialmente ao Joe. - tive que me controlar ao máximo para não deixar que meus olhos ficassem marejados quando a imagem de meu marido descobrindo sobre minha gravidez ocupou todo o espaço em minha mente. Imaginar seus lindos olhos verdes brilhando fez meu coração acelerar. - Eu quero contar após a meia noite. Quero que seja uma surpresa... Não só para ele. - como me esquecer de mamãe e de meus meninos? - Você carrega o segredo de uma mulher, Dominic, tem ideia do grau de seriedade dessa situação? - quando percebi, erguia e apontava uma colher em sua direção, vendo-o recuar assustado e com uma sobrancelha erguida, olhando do objeto para mim. - Carregar um segredo assim é tão importante quanto carregar um bebê! - minhas feições ameaçadoras se contraíram em um empenhado sorriso quando me vi acariciando a região de meu ventre. Depois voltei a olhá-lo severamente, fazendo com que o homem engolisse em seco e olhasse para os lados, buscando ajuda. 
- Certo, agora eu estou assustado. - girei em meus calcanhares e disparei a andar pela cozinha de um lado para o outro, mexendo nervosamente em meus cabelos soltos.
- Não tenho a mínima ideia de como contar ao Joseph. Não posso simplesmente dizer, precisa ser... Especial!
- Por que estamos tendo essa conversa? - bufei em resposta, apoiando meu corpo na bancada, tamborilando os dedos sobre o mármore enquanto tentava com insistência ter uma ideia brilhante. Mas ideias brilhantes não surgem quando você está determinada a tê-las, infelizmente. 
- Porque, além de minha ginecologista, você é a única pessoa no mundo inteiro que sabe oficialmente. - desfazendo-se do medo, o advogado sorriu presunçoso. Logo as crianças retornaram a correr por uma região próxima, então me senti obrigada a sussurrar. 
- E depois arriscam dizer que eu não sou um cara legal. - comemorou, vindo até a bancada e vasculhando algo comestível. Dei um tapa em sua mão e voltei a suspirar preocupada. 
- Preciso pensar em uma forma de contar, e o tempo restante até a meia noite é curto... - aflita, consultei o relógio de parede. Dominic, de repente pensativo, se esquivou das crianças e ficou a minha frente. Quase pude ver uma lâmpada brilhar acima de seus cabelos loiros. 
- Você guardou algo do mini Joe recém-nascido?
- Guardei, claro. Muitas coisas. - respondi lentamente, tentando compreender onde ele pretendia chegar. 
- Então escolha uma, embrulhe e dê ao seu marido como um presente. Agora, o que você irá dizer... Com isso eu não posso ajudar, não sou bom com essas coisas. Desculpe. - arqueei uma sobrancelha e me perguntei internamente como ele havia conseguido pensar em uma ideia tão... Brilhante. 
- Faça um embrulho bem bonito! Se quiser, eu ajudo. - uma voz fina e delicada surgiu, fazendo com que eu abaixasse meu rosto para verificar de quem se tratava. - E não se preocupe, não vou contar ao Joe! - Mackenzie, a filha ruiva de Lacey se manifestou. Continuei a fitá-la por segundos que pareceram intermináveis, até que tive um estalo.
- Já sei! - falei mais alto do que deveria. - Venha, Mackenzie! - estendi minha mãe na direção da garotinha, pedindo com um olhar animado que ela me segurasse. Já pronta para subir correndo as escadas e embrulhar mais um presente, olhei agradecida na direção de um Dominic que não entendia nada. - Obrigada pela ideia!
- Ei, Jonas, espere aí! - o homem pareceu se recuperar de um longo estado de distração, afastando-se da bancada e arregalando os olhos enquanto apontava para Travis e Vivien, que olhavam sorridentes para ele. - Vai me deixar sozinho com eles? - se não fosse um absurdo, eu diria que o homem estava com medo das crianças. 
- Divirtam-se! - exclamei sem me importar em responder a pergunta de Dominic, então Mackenzie e eu acenamos em despedida para os presentes na cozinha e sumimos do cômodo a passos vertiginosos, que logo nos levaram até o andar de cima.


Ho ho ho!
Meia noite. O badalar dos sinos segurados por pessoas que transitavam pelas ruas cobertas de neve anunciou o dia vinte e cinco de dezembro. A melodia composta por felicitações ressoava por todas as direções, misturada aos sons dos latidos de Max, dos cumprimentos e palavras amigas, palavras de conforto trocadas entre entes queridos. Jamie, Matthew, Mackenzie - que acenou com um olhar cúmplice quando me viu - e o restante dos pequenos correram na direção de um homem com a vestimenta tradicional de Papai Noel. Todos caíram na gargalhada quando, durante o sorteio para escolher quem encarnaria o bom velhinho, fora o nome de Dominic escolhido por entre o de todos os outros homens. O loiro chacoalhava um sino e tinha um saco de tecido vermelho apoiado nas costas, segurado pela outra mão. Ele encarava as pessoas com um misto de desânimo e frustração, por mais que demonstrasse vez ou outra querer rir. 
Segui meu caminho, contornando a distância que me separava do jardim dos fundos, onde certamente eu encontraria Joseph. Ele havia desaparecido de meu alcance quando faltavam apenas dez minutos para a meia noite. Durante o trajeto, enquanto eu parava incontáveis vezes para abraçar alguém e desejar Feliz Natal, continuei sendo capaz de ouvir toda a comemoração do lado de fora, uma notável agitação que acelerou meus batimentos cardíacos enquanto meus pés já doloridos sobre saltos altos batalhavam para me conduzir até meu destino. Eu tinha um pequeno embrulho quadrado em mãos. Mackenzie havia me ajudado a escolher um papel de presente dourado, e assim que embrulhei uma caixinha que continha algo muito especial dentro, enfeitei o presente com um laço em fita azul. E preso abaixo da mesma, havia um simples cartão com uma única palavra. 
Parabéns
(Coloque a quarta e última música para tocar!)
Finalmente consegui chegar ao jardim. Através da neve e dos diversos conjuntos de luzes, avistei meu marido sentado sobre um dos bancos, olhando distraidamente para cima. Aproximei-me com cautela, segurando o presente com mais força, já que minhas mãos trêmulas poderiam derrubá-lo na neve a qualquer momento. Parei atrás do banco e respirei fundo, sentindo o perfume deJoseph se misturar com diversos outros aromas daquela agradável noite. Logo o homem percebeu não estar mais sozinho e se virou, dando um sorriso enviesado quando me avistou. Meus cabelos estavam levemente bagunçados, minha roupa também estava. Mas nada disso importava.
- Oi. - falei, minha voz irrompeu de minha garganta suave e baixa, como um sussurro. A ansiedade parecia transbordar em quantidades generosos de meu ser. - Feliz Natal! - caminhei até chegar a frente do banco, ficando de frente para Joe. Ele ergueu sua mão para segurar a minha livre. 
- Feliz Natal, Demi. - respondeu, os olhos apaixonantes grudados em meu rosto corado e cálido. 
- O que está fazendo aqui sozinho? - perguntei inconformada, vendo-o fitar o embrulho segurado por mim. 
- Só pensando. - meneei com a cabeça, dizendo àquelas apressadas lágrimas que ainda não era o momento certo para molharem meu rosto.
- Você adora pensar, não é? Às vezes eu gostaria de poder ler seus pensamentos. - então, éramos apenas nós dois ali. A grande quantidade de pessoas espalhadas por nossa casa temporariamente passou a não fazer diferença alguma. 
- Não seria muito bom... - Joe torceu os lábios e bagunçou os cabelos. Os olhos verdes iluminados pelas luzes próximas de nós. - Eu não poderia te surpreender das mais infinitas formas. - desisti de permanecer em pé, visto que minhas pernas estavam bambas. Sentei-me em seu colo, vendo-o fitar o espaço vago no restante do banco. - Não é como se não tivéssemos espaço, Demetria... - olhei-o abismada, torcendo os lábios e depois os transformando em um bico. Tentei me erguer, mas Joseph não permitiu. Uma de suas mãos abraçou minha cintura e a outra repousou sobre minha coxa coberta pela meia. - Por que você leva certas coisas que eu digo a sério? - sussurrou ao pé de meu ouvido. - Fique aqui. 
Joseph havia mencionado que gostaria de sempre ter a oportunidade de me surpreender... No entanto, naquela noite, eu é quem estava a cargo da importante tarefa de produzir uma surpresa. Uma grande surpresa. Linda surpresa. 
- Seu presente! - revelei o embrulho rapidamente, assistindo Joseph encará-lo sem muito interesse. - Pensou que eu tinha me esquecido de você, não pensou? - sorri e depositei um selinho em seus lábios frios. - Preciso que abra agora, por favor.
- Estou olhando para o meu verdadeiro presente agora. - sinceridade, intensidade e gratidão. Três coisas que enxerguei pintando suas íris naquele momento. - O mesmo presente que ganho há alguns poucos e bons anos, e ainda assim sempre parece que é a primeira vez. - depositei as mãos sobre meu colo, sentindo uma ruga se formar em minha testa, uma ardência fixa em meus globos oculares. Não, eu não seria mais capaz de segurar aquelas lágrimas. 
- Eu até pensei em me embrulhar e colocar um laço vermelho no cabelo, mas não daria muito certo... - torci meus lábios e Joe riu com gosto, logo eu o acompanhei. - Agora abra esse presente, homem! - voltei a enfatizar o embrulho, saindo de seu colo e me sentando sobre o banco, dando liberdade para ele abrir seu presente. Joseph olhou por um tempo para o mesmo, dividindo sua atenção dele para mim. 
Parabéns? - questionou a palavra escrita de forma caprichosa no cartão. 
- Você não vai entender se não abrir. - ansiosa, eu garanti. 
Joe negou com a cabeça e depois rolou os olhos, finalmente se rendendo. Primeiro, o laço fora puxado. Depois, o papel de presente rasgado. Borboletas voavam livremente por meu estômago, pelo menos era isso que parecia estar acontecendo. Eu esfregava nervosamente minhas mãos, quase gritando e dizendo a ele que deveria agilizar seus movimentos. Talvez estivesse fazendo de propósito. Então seu presente fora revelado diante de nossos olhos. 
Joseph segurou o pequeno e branco sapatinho de bebê, pensando se deveria sorrir ou me questionar o motivo, ainda oculto, de ter ganhado algo como aquilo. 
- Um sapatinho de bebê? - ele manteve o cenho franzido, enquanto o analisava. 
- Sim, para você colocar no pé de seu filho. - expliquei, fechando os olhos por um instante. Meu marido tentou falar, mas parou enquanto - ainda - tentava compreender. 
Demi, acho que ele não serve no Matthew... Muito menos no Jamie. - riu ao pronunciar a segunda opção. Soltei o ar com força e me aproximei o máximo que pude, segurando seu rosto com as duas mãos, obrigando-o a me encarar nos olhos.
- Não estou me referindo a eles, Jonas! - meu tom emocionado de voz revelou a Joseph algo até então desconhecido. Deixei que uma lágrima quente escorresse por minha bochecha, enquanto ele não ousava dizer nada, apenas continuava imóvel segurando o sapatinho. Seus olhos paralisados diante dos meus aos poucos adquiriam um brilho mais perceptível. Ele estava perplexo, boquiaberto, atônito... Feliz. Feliz era eufemismo. Procurei por sua mão livre e a segurei firmemente junto a minha, enquanto a outra acariciava minha barriga. Joseph olhou embasbacado para a região e, depois, me pegando de surpresa, soluçou. Dando início a leve choro. As lágrimas presas em seus olhos serviram apenas como estímulo para elevar a quantidade das minhas. Eu estava totalmente pronta para as futuras transformações em meu corpo, que voltaria a se remodelar para lidar com uma gravidez. 
Demetria... - ele tentou, piscando seus olhos, libertando mais lágrimas. - Aconteceu? 
Aconteceu! - gritei desimpedida, assistindo um homem emocionado a minha frente não hesitar antes de me puxar para um intenso abraço que, pelo menos para mim, teve o poder de levar todo o frio embora. Estávamos agarrados um ao outro, como se o ato de romper o contato fosse impossível, impróprio, intolerável. - Eu me sinto tão grata! - conseguia sentir suas lágrimas molhando meu rosto, suas mãos firmes em minha cintura, vez ou outra escorregando até minha barriga. Quando enfim nos soltamos com pesar, ele eliminou indícios de lágrimas com as costas de sua mão e mirou o sapatinho outra vez. Depois segurou meu rosto com as duas mãos e passou a distribuir uma quantidade interminável de selinhos em meus lábios, algo que me fez rir. Rir e chorar ao mesmo tempo.
- Eu te amo tanto... - Joe tentava se manter firme e calmo, pausando a fala para respirar fundo. - Meu Deus, serei pai de novo! Ouvirei você gritar comigo de novo! - ele comemorou no tom mais alto que sua voz foi capaz de atingir, e de forma contraditória ao momento, caímos na gargalhada quando uma das inesquecíveis memórias de minha gravidez anterior adentrou ambas as mentes. 
- Prometo que vou tentar não gritar com você. - assegurei, sentindo o calor de um corpo passar para o outro, irradiando a sensação de que, não importava o que aconteceria ao redor, não nos afetaria. O que tínhamos era infinito. Nós éramos a infinidade. Joe prontamente negou com a cabeça, um gesto que não demonstrava a aprovação de meu comentário. Parecia que ele tentava dizer que queria me ouvir gritar. 
- Eu não me importo que você grite. - e lá estava ele me beijando fervorosamente outra vez. E eu permanecia imóvel, apenas entregue. 
- Se eu gritar, você pode gritar de volta. Então nós vamos começar a brigar... Mas tudo bem, porque depois ficaremos bem. - repousei minha mão sobre a sua firme em minha barriga. - Como sempre ficamos. - olhei firme em seus olhos, percebendo que meu ato o deixou nas nuvens. 
- Nossos meninos terão um irmãozinho! - lembrou ele, maravilhado com a ideia. Murchei minhas feições alegres, adquirindo outras repletas de seriedade. 
Irmãzinha! - corrigi pomposa, erguendo o queixo para reforçar minha convicção. - E nem sequer tente me contrariar dessa vez, porque a intuição é muito forte! - expressei, imaginando todos os vestidinhos que poderia comprar. Imaginando como seriam os nove meses seguintes. Imaginando como seria ver o rosto de meu terceiro filho pela primeira vez.
- Então que venha uma mini Demetria ao mundo. - ele concordou de bom grado, sorrindo bobamente. Deixou o silêncio pairar por segundos, apenas para me presentear com suas palavras seguintes. - Todo o peso vai embora quando você me olha, Demetria. Tudo, tudo que é ruim vai embora. Obrigado, obrigado por permitir que você e eu sejamos nós
- Eu te amo, Joseph. Só que... - encarei a porta entreaberta da cozinha, com água na boca devido ao cheiro que vinha dali. - Sei que esse é um momento especial, mas eu estou faminta! E tem uma ceia lá dentro que... - tentei explicar, vendo meu marido rir e concordar.
- Vamos comer! - Joe disse empolgado e ergueu sua mão, pedindo que eu imitasse seu gesto, deixando ambas fechadas em punhos à mesma altura. Ambas colidiram, os dedos dobrados roçando-se. Como um cumprimento de super heróis. Como a garantia de que, juntos, faríamos com que a sensação aconchegante do Natal se prolongasse por muito mais tempo que um mero dia. E tendo apenas as belas luzes como testemunhas, nos beijamos apaixonadamente. Depois, nos levantamos radiantes dali e fomos correndo em direção a nossa casa, prontos para espalhar a notícia. A notícia de que seríamos pais outra vez. 

¹ - Trecho retirado do filme Antes do Pôr-do-Sol

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