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sábado, 18 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 19

Ensaio para o futuro
(Músicas do capítulo: Strangers In The Night, que pode ser ouvida na versão de Frank Sinatra ou na versão instrumental de Peter Hughes Orchestra, fica a sua escolha. E Let's Do It (Let's Fall In Love) na versão de Ella Fitzgerald. Se possível, deixe ambas carregando e as coloque para tocar quando cada aviso surgir.)




Hospital infantil. Mãe biológica de Jamie. Meu sonho de adolescência se tornando algo insuportável. Incerteza diante de tantas coisas fora do lugar. Lágrimas bloqueadas pela minha insistência em não deixá-las cair. “Chorar só resolvia quando você tinha a idade do Matthew, Demetria, mas agora é outra história; não resolve mais.” 
Escondi meu rosto com as mãos e respirei fundo, sem coragem alguma de voltar a erguê-lo e encarar a realidade. Meus pensamentos se atracavam uns contra outros como pessoas desesperadas perante os primeiros indícios de uma iminente catástrofe, encontrando a violência como único meio para a defesa. Continuei com meu corpo sentado sobre o sofá, os cotovelos apoiados sobre os joelhos e o rosto escondido. Através do espaço vago entre meus dedos, fitei minhas sapatilhas singelas enquanto ouvia Joseph próximo de mim, que vez ou outra respirava fundo, mas sem dizer nada, só fazia questão de me deixar perceber que permaneceria por perto. Pensei em me levantar e procurar por Jamie, tentar conversar, mas assim que a tal Zoe foi embora, com a promessa de que aquilo não estava finalizado, o garoto simplesmente se poupou de qualquer palavra e subiu correndo para o quarto, batendo a porta o mais forte que pode. Eu não poderia julgá-lo, longe disso, pois sabia como era a sensação de ver alguém depois de tanto tempo aprendendo a lidar com a indiferença de seu abandono. As pessoas não podem confiar que certos sentimentos são tão mutáveis assim, que lágrimas podem facilmente se transformar em sorrisos ou vice versa. O abandono, seja ele qual for, é algo que marca, marca muito mais do que o necessário. 
E o amor verdadeiro não precisa de explicações, tampouco de motivos para existir. Ele simplesmente existe. Laços de sangue importam quando nada é capaz de rompê-los, mas existe muito mais do que isso. Jamie não fora gerado por mim, não tinha o meu sangue, mas eu o amava como se tivesse. Ele era o meu filho, jamais importaria o que tentassem argumentar contra. Estava feito, e seria assim para sempre. 
Ergui minha cabeça, encarando o rosto de Joseph de forma levemente embaçada, por ter permanecido muito tempo com a visão bloqueada. Instantaneamente me lembrei do hospital, das revelações postas à mesa naquela noite. Não sabia como contaria a ele, não sabia como lidar com o acumulo de omissões. Com aquela, já eram duas. Três, se eu contasse com o sonho que tive com o epílogo de minha vida. Mas parando para pensar, qual é a importância de um sonho quando a realidade está tão definida diante dos olhos? 
- Só há um meio de comprovar. - falei em tom fraco, mantendo nosso contato visual. Joseph cruzou os braços na altura do peito e encarou o chão. Se quiséssemos saber se Zoe falava a verdade, teríamos de permitir que os processos recomendados fossem feitos; tais como exames de sangue, ou até mesmo o início do que poderia acabar se tornando uma batalha na justiça pela guarda de Jamie. Eu não queria pensar nisso, só a hipótese fazia minha cabeça latejar. Ela não tinha direito algum sobre ele, ela não se importou com ele quando mais deveria. Não é justo aparecer de supetão como uma assombração e achar que possui algum direito. Eu estava disposta a autorizar que apenas os testes de sangue fossem feitos, apenas eles. Não que tivéssemos intenção de permitir que uma estranha levasse nosso filho, mas algo me dizia que era o certo. Aliás, ela poderia muito bem ser uma impostora, então seria melhor aniquilar a duvida de uma vez por todas. 
- E você quer comprovar? - Joseph indagou com a voz firme, erguendo os olhos e os deixando sobre mim. Suspirei e neguei com a cabeça. 
- A questão não é o que eu quero, mas sim o que será melhor para o nosso filho. - frisei bem as duas últimas palavras, vendo Joe erguer o corpo e se sentar ao meu lado, ainda optando por não me tocar. Instantes depois, esperando por alguma resposta, senti sua mão pousar em meu ombro, iniciando um leve carinho. 
- Nós sabemos o que é melhor para ele. E nós também sabemos como é ser abandonado por alguém que deveria estar sempre por perto e cuidando de nós. - ele tinha uma triste mistura de sabedoria com angústia na voz. Não tive outra saída a não ser concordar, embora acreditasse instintivamente que não parecia certo virar as costas para um problema e esperá-lo ir embora. Ele não vai. 
- Eu sinto como se ele fosse meu filho legítimo, sabe? - desviei brevemente do assunto principal, sentindo que meus lábios se curvaram em um repentino e passageiro sorriso. - Sinto como se eu o tivesse gerado, dado a luz a ele... E eu não posso perdê-lo, Joseph. - meus olhos lacrimejaram e rapidamente meu marido intensificou seu toque, levando sua outra mão até meu outro ombro, descendo ambas por meu tronco e me abraçando de um jeito desajeitado, mas que ainda assim era capaz de me confortar minimamente. - Não posso perder o meu garoto. - me surpreendi com minha voz quase inaudível, como se tivesse medo de que alguém soubesse. 
- E quem disse que você vai? - a falta repentina de seus braços ao meu redor causou um frio desconfortável, mas Joseph se afastou apenas para segurar meu queixo entre o polegar e o dedo indicador para fazer meu rosto se virar em sua direção. Ele tinha aquele sorriso determinado brilhando nos lábios, um sorriso que dizia que ele era capaz de qualquer coisa no mundo. Que nada poderia derrotá-lo. Era em momentos como aquele, sendo presenteada por aquele sorriso, que eu me sentia obrigada a sorrir de volta, pois sabia que era o certo a fazer. Sabia que, juntos, venceríamos o que tanto parecia invencível. - Foi aquela estranha que fez você pensar assim? - fechei os olhos quando senti seus lábios quentes em minha testa. - Pare com isso, mulher! - Joseph segurou firmemente minha mão direita, levantando-se e tentando me fazer levantar também, não me dando tempo para contestar. Lançou-me um olhar curioso quando repeti seus movimentos, seus lábios se abriram como se fosse dizer mais alguma coisa, provavelmente perguntar onde eu tinha ido com tanta pressa, mas em seguida tratou de travar os lábios em uma linha reta e negar com a cabeça. Optou por me deixar ouvir algo mais compreensivo ao momento. - Vem comigo, Demi, você parece cansada, mas nada que nossa cama e seu marido não possam resolver. - ele apontou para si com a mão livre, adotando a típica expressão de grandeza, conseguindo me divertir um pouquinho. Aproximou-se de meu ouvido, deixando de propósito seus lábios encostarem-se ao lóbulo de minha orelha. - Sabe com o que cansaço combina? Com massagem! - olhos brilhantes me fitaram interessados. Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha e ergui as sobrancelhas, gostando da sugestão. - Chegou a minha hora de retribuir todas aquelas massagens que você me fez... - Joe tentou me beijar, mas fui rápida ao recuar um passo e olhar para baixo. Após isso ergui os olhos em sua direção com medo de tê-lo decepcionado, mas o semblante do homem permanecia sereno como antes. Talvez até mais. 
- Desculpe, Joseph, mas acho que hoje... - ele rapidamente me cortou, rindo de minha dedução equivocada. Olhou para o lado, o cenho franzido como se não acreditasse, depois voltou a deixar o rosto virado no mesmo ângulo anterior, atingindo meus olhos com seu olhar resoluto. 
Demetria, eu sei que você não está bem. Não é isso que estou procurando agora, você deveria saber. - Joe riu despretensiosamente por um brevíssimo momento. - Às vezes parece que mal me conhece, Demi. O que procuro é uma forma de aliviar o seu medo. E é só me dizer como posso fazer isso e eu farei. 
- Para ser bem sincera, eu não sei se você pode... Não completamente. - confessei baixinho. 
- Então me deixe pelo menos ficar por perto enquanto ele vai embora sozinho, certo? - senti seus lábios em minha bochecha, uma mão carinhosa abraçando minha cintura. Sentia-me frágil naquele momento, via as situações que me cercavam como peças de concreto extremamente próximas, aproximando-se mais e mais até que não restasse mais espaço, e eu estava ao centro, como uma vulnerável peça de cristal, apenas esperando o momento do impacto mortal. Sabia que era um baita de um exagero, mas sempre fui dramática; meus níveis de drama fazem com que eu crie metáforas absurdas. Notei a ardência inesperada nos olhos novamente e, mesmo tentando esconder, meu marido percebeu, levando minha cabeça para se recostar em seu ombro. - Tudo bem, meu amor, tudo bem. Algo me diz que mais coisas aconteceram, e vou esperar até que você queira me contar. Eu não sei confortar como você consegue, mas prometo que vou me esforçar. E, por favor, não chore. Sou forte perante muita coisa, mulher, mas perante isso... Eu não posso ser. - balancei positivamente a cabeça, erguendo-a e esfregando meus olhos como se quisesse exigir que as lágrimas ficassem quietas lá dentro. - Vamos para o nosso quarto agora, sim? 
Sorri agradecida, o máximo que minha preocupação constante permitiu, e não fora muito. Fui guiada escada acima por uma mão cálida e terna que, com aquele toque tão determinado, me fez perceber que jamais sentiria vontade de soltá-la. Tinha algo de mágico em Joseph quando ele se mostrava disposto a me ajudar a passar por alguma coisa. A forma preocupada como ele me olhava, ao mesmo tempo tão veemente, sugeria que queria roubar meus problemas para si; aliviar minha inquietação, arrumando qualquer desculpa durante esse ato para tocar meu rosto; obrigar-me a sorrir mesmo que tivesse que dizer alguma bobagem para conseguir. Era em momentos como aquele que eu sabia que não tinha só um marido, tinha um amigo. E foi perdida naqueles pensamentos - que felizmente mascaravam outros - que continuei a caminhar desanimada até o quarto, apenas com a intenção de dormir um pouco e torcer para que clareza me viesse à mente no dia seguinte. Clareza o suficiente para abranger a escuridão da dúvida em meio ao desconhecido. 
Paramos em frente a porta de nosso quarto, mas minha vontade de checar se meus filhos passariam bem a noite interveio em meu cansaço. Olhei incerta para a porta do quarto de Jamie, observando que Joseph acompanhou a direção com os olhos. Embora ele soubesse que eu tentaria retrucar, abriu a porta do nosso quarto e me fitou decidido. 
- Eu vou conversar com ele, vá para a cama e não se preocupe. É do Jamie que estamos falando. - satisfeita pelo tom prestativo em sua voz, que me deixou subitamente mais calma, assisti meu marido se afastar, enquanto eu adentrei o quarto de meu bebê para beijar sua testa. Se eu não fizesse isso todas as noites, antes de dormir, pairava a sensação de que faltava algo, consequentemente levando meu sono embora. 
Permaneci inerte sobre a cama, encarando um ponto vago do quarto, simplesmente brincando com meus próprios dedos, entrelaçando uns com os outros. Percebi que Joe entrava no recinto, rapidamente vindo para perto e me permitindo sentir o peso de seu corpo cair sobre a cama. 
- Ele está bem, fique tranquila. - continuei com o rosto virado para o outro lado, apesar de feliz com o que fora dito. Puxei o ar com força antes de tentar iniciar uma confissão, apesar de não saber se seria capaz, não enquanto os acontecimentos estivessem tão frescos na memória. Compreensivo, ele continuou mudo, alegando com seu silêncio que estava tudo bem caso eu só quisesse conversar na manhã seguinte. Desistindo de esperar alguma reação minha, ele aconchegou mais o corpo e se deitou completamente, movimentando as cobertas que também me cobriam. Virei-me rápido, a tempo de interromper seus planos, lançando-lhe um olhar que transmitia urgência. Joseph não fez muito a não ser assentir com a cabeça, esperando por minhas palavras. 
- Eu... Eu recebi uma ligação hoje. De um hospital infantil. - notei como sua atenção estava totalmente entregue a mim, ele dificilmente piscava durante minha revelação. - Sabe quem é, digo, quem era, o dono desse hospital? - apenas negou com a cabeça. - Meu pai. - sentindo o silêncio cair, suspirei e esperei por alguma reação dele, mas o homem continuou imóvel, uma sobrancelha levemente erguida enquanto os lábios decidiam sobre deixar alguma palavra escapar ou não. - Tem mais. - anunciei, ouvindo minha voz fraca. Eu não gostava de como minha voz soava quando fraca. - Parte desse hospital foi deixado para mim, como uma espécie de herança. - o azul de seus olhos ficou mais evidente, visto que ambos se arregalaram quando soltei a última parte da notícia. - Saí daqui daquela forma brusca, hoje mais cedo, para ir a cada de minha mãe, pedir explicações. Ela confirmou, ele realmente era um médico. Um médico muito dedicado a profissão, por sinal. 
Demetria, isso... 
- Sim, não faz sentido. Mas você sabe como eu sou, sabe que sua esposa é só um pouquinho sentimental... - ri sem emoção, sabendo que o uso do diminutivo era inadequado. - Não tenho a mínima ideia se é algo totalmente verídico, de como é esse hospital... Mas já me sinto responsável. E talvez seja por isso que pareço tão frágil, agora, falando com você. 
- E não te deram um endereço ou nada parecido? - perguntou curioso. 
- Só sei que o hospital é localizado em Greenwich. 
- Você pretende procurá-lo? - era a pergunta que eu mais esperava, e também a que mais temia. 
- É a coisa certa a se fazer, não é? - vasculhei por algum vislumbre de convicção em seus olhos, novamente me sentindo uma criança que não sabe definir bem o certo do errado, então tem como única opção procurar o auxílio de um adulto. - Tem mais uma coisa. - a expressão desconfortável no rosto de meu marido era visível. - No dia do aniversário do Matt, o Sean apareceu e disse que eles ainda contam comigo para aquele musical. - meu tom de voz subiu consideravelmente, exasperado. Quando Joseph percebeu que eu começava a reunir todas aquelas coisas em mente e já deixava o desespero pela confusão de ideias surgir, meneou com a cabeça e levou sua mão até meu ombro, pedindo gentilmente que eu deitasse meu corpo. Apenas uniu nossos lábios, sem a intenção de intensificar o beijo, depois eliminou o contato e foi a vez de nossas testas se juntarem. - É muito para mim, é muito... - confessei em um sussurro esganiçado, desejando poder mandar aquela fraqueza embora, mas ela era tão teimosa quanto minha vontade de detê-la. 
- Honestamente, eu poderia ficar alarmado com tudo que acabei de ouvir, mas você é Demetria Jonas, a mulher mais corajosa e forte que eu conheço. Você se sente incapaz agora, mas amanhã já vai estar disposta a solucionar qualquer empecilho, consertar qualquer erro. Essa é uma das coisas que eu mais gosto e admiro em você: sua coragem. - o brilho acentuado em seu olhar despertou uma súbita vontade de sorrir, eu diria até que meus lábios se curvaram sem nem mesmo solicitar minha permissão. 
- Obrigada por... - olhei para o teto, fechando os olhos em seguida, sentindo sua mão segurar a minha embaixo das cobertas quentinhas. Como aquele homem conseguia ser tão bom para mim, em todos os sentidos? - Existir. - concluí, o fazendo sorrir prontamente. 
Demi, você deveria agradecer à minha mãe por isso, mas como não é possível... De nada. - respondeu em tom divertido, e eu tinha certeza de que aquela era a primeira vez, ou pelo menos a única vez que eu me lembrava, em que ele falou da mãe sem se mostrar abatido. Era um sinal de que estava aprendendo a lidar com a perda, tornando-se um homem forte outra vez. Ele certamente era mais forte do que imaginava ser, mais resistente do que sonhava ser, eu enxergava e sentia isso claramente. - E, lembre-se sempre disso: na alegria e na tristeza. - distraída com sua tentativa de me consolar, fui pega de surpresa ao sentir seus lábios roçarem nos meus, iniciando um beijo mais afetuoso do que o anterior. Não era fervoroso, mas cheio de ritmo; línguas mais cúmplices do que nunca. Sentindo o toque de seus lábios quentes abandonarem os meus para que pudessem depositar um beijo carinhoso em meu queixo, brinquei com os dedos por seu cabelo, inebriada com seu cheiro, notando que, quando eu estava daquele jeito com ele, o resto definitivamente poderia esperar. Assim que nos separamos, Joseph deu um jeito de levar minha cabeça para se aconchegar em seu peitoral e ficou brincando com os fios de meu cabelo até que finalmente consegui adormecer. 

In an ordinary fairy tale land there's a promise of a perfect happy end, and I imagine having just short of that. Is better than nothing



Realmente acreditei que não encontraria o que procurava. Eu me sentia patética por continuar vasculhando informações na internet ao invés de correr atrás da questão para enfim resolvê-la. E quanto mais informações chegavam aos meus olhos, mais a situação parecia insondável. Olhei a quarto solitário ao meu redor e suspirei, voltando minha atenção para a tela do notebook colocado sobre o chão coberto pelo tapete felpudo. Eu estava sentada sobre o mesmo, praticamente sendo abraçada pelo gigante urso de pelúcia de Matt, que, por algum motivo que não me recordava, acabou indo parar em meu quarto. Já tinha me acostumado com os pertences do bebê espalhados pelos quatro cantos da casa. Ele parecia um enorme travesseiro, confortável para minhas costas. Eu tinha certeza de que Matthew não se importaria em deixá-lo comigo por um tempo. Ri, imaginando o quão infantil deveria estar, me recordando de que aquela era a forma que eu costumava ficar quando era garotinha e estava aborrecida com algo, pensando em coisas tão mais simples e sendo abraçada por ursos de pelúcia gigantes em meu quarto. 
O silêncio perambulando pelo ambiente fazia parecer que eu me encontrava sozinha em casa, apesar de não estar. E lá estava outra foto, outro artigo marcado pelo tempo feito por alguém que obviamente admirava as ações de Quentin Wright, o médico. Uma foto do um enorme prédio branco ladeado por grandes árvores surgiu assim que dei outro clique. Na frente desse prédio, dois homens dotavam de sorrisos grandes e satisfeitos, como se felizes pelo que conquistaram. Pude reconhecer um deles, Quentin, e o outro tinha uma aparência muito semelhante. Talvez seu irmão, julguei. Continuando a pesquisar, fui me deparando com fotos e mais fotos de meu pai com crianças; seres inocentes que, por mais que sofressem com doenças graves e, em muitos casos, sem cura, não deixavam de sorrir, como se diante daquele homem de olhar sincero, acreditassem que um futuro melhor as aguardava. Ainda tinham a chance de uma longa vida pela frente. Tive que fechar meus olhos com força, reprimindo uma parte absurda de meu ser por querer sentir orgulho dele. Não, ele não merecia orgulho algum. Ainda era espantoso reconhecer que era a mesma pessoa que tentou arruinar a minha vida, e que por muito pouco não conseguiu. A pessoa que teve o coração tão frio para ser capaz de brincar com os sentimentos de uma mulher vulnerável duas vezes; a pessoa que só queria enxergar o que lhe parecia certo, mesmo que o certo para ela consistisse em pisar na felicidade alheia. A pessoa que matou a sangue frio alguém que tivera a chance de viver graças a ela.
Uma lágrima quente escorreu por minha bochecha fria. 
Afinal, o que poderia ter acontecido? Eu sabia bem que durante a vida muitas coisas mudam da água para o vinho, mas era pavoroso analisar aquela mudança. Era como se a boa alma de Quentin tivesse sido arrancada de seu corpo para dar lugar a uma malignamente corrompida. Mas o que leva um ser humano a passar por isso? Muita culpa? Intolerância ao que enxerga diante dos olhos? Ou talvez a simples perda da vontade de viver. Por trás daquele sorriso sincero, existia um homem destruído, um homem que nem sequer tentou correr de volta em direção a luz. Não deveria importar tanto, visto que já estava morto, pagando por tudo de mal que causou em vida. Mas e suas boas ações? Onde elas ficavam diante de tudo isso? Eu continuava a olhar consternada para a foto que revelava Quentin abraçado com um garotinho que possivelmente tinha câncer. 
- Por quê? Eu aceitaria o total abandono, mas não tudo que você fez após ele. - quando percebi, já falava sozinha, com a tela do notebook, como se de algum lugar ele pudesse ouvir e se atormentar com a enorme culpa. - Será que era tão difícil assim se manter quem você costumava ser, seu covarde? - respirei fundo, repreendendo a mim mesma por ser tão estúpida e conversar com alguém que não estava ali para ouvir, e, mesmo se estivesse, não ligaria a mínima, provavelmente começaria a rir e me chamaria de fraca. 
Assustei-me quando de repente um barulho se fez presente no silêncio confortável do quarto. Ergui meu tronco, olhando ao redor e sorri abertamente quando vi duas mãozinhas apoiadas sobre a cama, como se o dono de ambas tentasse subir na mesma. Notando que o pequeno queria brincar, continuei fingindo que não o enxergava, até que o peguei de surpresa, deixando que o som de sua gargalhada gostosa presenteasse minha audição. 
- Quem deixou o mocinho sair do cantinho de brincar, hein? - tudo que recebi fora um conjunto de feições que variavam entre sapecas e adoráveis. Ele veio em passinhos rápidos até onde eu estava, então passei minhas mãos por baixo de seus braços e o trouxe para mais perto, vendo Matt me olhar sério, como se prestasse atenção no que eu tinha a dizer. - Não faça isso sem que a mamãe, o papai ou qualquer outra pessoa esteja por perto, viu? - beijei a pontinha de seu nariz, acariciando sua mãozinha que tentava caber dentro da minha. 
Fiu, mamãe. - o pequeno resmungou olhando insistentemente para o meu rosto. Sentindo aquele conforto em meu peito por comprovar que o “mamãe” já era pronunciado perfeitamente, o envolvi mais no calor de meus braços, visto que alegava frio. 
- Que tal irmos pegar um casaco bem quentinho para você? Vamos! - beijei o topo de sua cabeça e tentei me levantar, mas ele soltou um som pela boca como se protestasse, apontando para a tela do notebook, onde uma foto daquele homem continuava a ser exibida. Fiquei paralisada por segundos, negando com a cabeça enquanto ele olhava com os olhinhos brilhando. - Não, bebê, não é ninguém importante. 
Pu quê? - perguntou ele, segurando uma mãozinha com a outra, procurando insistente por uma resposta. 
- Um dia eu te explico, pode ser? - Matt apenas assentiu com a cabeça, abençoado por ser capaz de se esquecer tão rápido de qualquer problema. 
Saí do quarto, cantando de qualquer jeito alguma canção, simplesmente porque isso divertia meu bebê, principalmente quando eu afinava ou engrossava a voz de propósito, só para ver o sorriso com dentes faltando, as bochechas coradas e os bracinhos que se movimentavam animadamente. Matthew era a minha fortaleza; a única pessoa no mundo que conseguia, mesmo que não intencionalmente, levar qualquer tristeza embora. Joseph e o resto de minha família também eram capazes disso, claro, mas com o pequeno ser era algo mais especial. 
Em um ímpeto ouvi uma porta bater, revelando um Jamie que se assustou ao me ver e tentou mudar o corpo de direção, para que não se chocasse contra o meu. Encarei-o sem entender, pedindo com o olhar que ele me dissesse qual era o problema, mas o garoto abaixou a cabeça e disparou a descer as escadas. Por que ele tanto me evitava depois que descobriu que sua mãe biológica estava viva? Fora um choque para mim também, mas doía vê-lo se afastando daquela forma, como se alguma mínina parcela de culpa pelo seu abandono pertencesse a mim. Pedi à Nancy - que milagrosamente surgiu no corredor - que levasse Matthew até seu quarto e lhe agasalhasse melhor, então fui a passos rápidos e decididos atrás de Jamie, descendo as escadas de dois em dois degraus para ganhar tempo e conseguir impedir que saísse pela porta principal. 
- Jamie, espere! - pedi em voz alta, vendo seu corpo congelar. Ele já tinha a mão coberta por uma luva de inverno segurando a maçaneta, pronto para girá-la. Virando apenas o pescoço, ele pode me encarar por um momento. Olhos marejados. - Converse comigo, por favor... Eu sou a sua mãe. - virou-se completamente, lutando para, sem muito sucesso, conseguir engolir as lágrimas. Ele não me deixava saber o que passava por sua mente, não me dava a chance de afugentar seus temores. Jamie era só um garoto de onze anos, o que poderia saber da vida? E por mais que fosse deveras inteligente, não poderíamos esperar que compreendesse de bom grado todas as complicações da vida. O aparecimento de Zoe o abalou mais do que fui capaz de prever. 
- Eu gostaria muito que fosse... - fungou, passando as mãos pelo rosto para se livrar de algumas lágrimas. Eu nunca o vira tão sério, a voz, apesar de ainda um pouco infantil, tão fria. - Queria ter a sorte que o Matthew tem. - meu coração bateu mais forte, mais dolorosamente. Custava acreditar que ele tinha mesmo dito o que o ouvi dizer. 
- Não diga algo assim, meu garoto, você sabe que para nós não existe diferença entre vocês. - tentei lhe passar o máximo de confiança que podia, mas a insatisfação se fez presente em seu rosto, até suas sardas pareciam mais apagadas naquele momento. 
- Desculpe por não conseguir acreditar nisso agora, Demetria. E me deixe em paz! - sua mão girou a maçaneta e seu corpo sumiu através da porta, que se manteve aberta, deixando que uma corrente de vento arrepiasse meu corpo parado em frente a mesma. Ele escolheu se referir a mim pelo meu nome, como não fazia há muito tempo. Sem pensar no impacto que isso causou, corri porta a fora e o avistei caminhando rápido até o portão. 
- James! - eu me lembrava com dificuldade da última vez em que arrisquei chamá-lo por seu nome real. O apelido sempre pareceu bem mais adorável e apropriado, mas certamente não combinava com minha voz tão dura no instante em que me vi sendo severa com ele pela primeira vez. O garoto jamais fez algo que merecesse repreensão, sempre fora mais do que educado e compreensivo. Parecíamos dois melhores amigos ao invés de mãe e filho, então por que de repente permitir uma mudança na situação? Intolerável. O corpo dele se manteve imóvel, esperando pelo que eu diria a seguir. Dei um passo, ficando mais próxima de meu filho. - Você não vai falar desse jeito comigo, não é justo. - evidentemente ele captou o choro preso em minha garganta, responsável por falhar minha voz. - E volte aqui agora mesmo, não vou permitir que saia sozinho. 
Pude senti-lo fraquejar, os braços inquietos, a cabeça baixa, o som de um choro que se iniciava finalmente desimpedido. Não tive tempo de pensar em mais nada antes de vê-lo correr em minha direção, largando os braços ao redor de meu corpo e chorando copiosamente. Apenas o envolvi com meu abraço e depois acariciei seus cabelos, sussurrando em seu ouvido que tudo estava bem. O garoto vulnerável que vi naquele momento jamais deveria ficar exposto, Jamie era alegre e forte demais para se sentir daquela forma. 
- Me desculpe, mamãe, por favor... - ele soluçava, praticamente implorando meu perdão, sendo que eu não tinha absolutamente nada para perdoar. Fiz seu rosto de desencostar de meu ombro e o segurei com as duas mãos, limpando uma das lágrimas agitadas que molhavam completamente seu angelical rosto. - Me desculpe, eu estou com medo, não quero ir com ela e me afastar de vocês. - meu objetivo era transmitir o máximo de força que possuía com um olhar terno, porém ele desviou o seu, respirando fundo e encarando um ponto vago. 
- Ei, olhe para mim. Olhe para mim! - insisti, logo conseguindo o que queria. Olhos azuis brilhando em lágrimas me fitavam desorientados. - Jamais peça desculpas por sentir medo. - aconselhei, vendo que ele concordava com a cabeça, mas ainda não havia conseguido se desfazer totalmente de seu pranto. - Eu te amo muito, ok, garoto? E não vou deixar que nada nos separe. - aos poucos eu conquistava sinais de um sorriso aliviado que levemente ia se revelando. - Você continua sendo o escolhido para cuidar da Demetria aqui quando ela ficar bem velhinha. - riu, me obrigando a acompanhá-lo. Ele tinha apenas medo, não dissera nenhuma das palavras anteriores para tentar me ferir. Meu único dever naquele momento era levar seus males embora, não importasse o que tivesse que fazer para conseguir. Na minha presença, e na presença do restante de nossa família, ele precisava se sentir a salvo. 
- Sim, eu vou cuidar, apesar de que já vou estar um pouco velho também. - lamentou pensativo, livrando-se aos poucos do pânico que abandonava sua mente. 
- Seremos dois velhinhos radicais e bem vistosos! - juntei as palmas de minhas mãos, sorrindo como se tivesse a mesma idade que ele, ou talvez menos. 
- Seremos! - disse animado, me puxando na direção contrária de onde, antes, tentou fugir com determinação. Voltamos a entrar em casa, apagando o breve desentendimento de nossas mentes. Mas eu torcia internamente para que ele jamais considerasse apagar os meus conselhos. 

Story books full of fairy tales, Kings and Queens and the bluest skies. My heart is torn just in knowing you'll someday see the truth from lies...


Com a atenção centrada nas ruas a minha frente, aproveitei um sinal vermelho para verificar se Jamie estava bem. Ele olhava distraidamente para as ruas através do vidro do carro. Eu tinha ido buscá-lo na casa de um amigo, onde ficou boa parte da tarde fazendo tarefas da escola. A baixa temperatura me obrigou a escolher um cachecol branco, um bom casaco em couro marrom cobrindo uma blusa preta bem quentinha, jeans reforçados e Ankle Boots que combinavam com a cor da jaqueta para não congelar de frio. Avistando o sinal verde, voltei a dirigir calmamente, optando por não dizendo nada e deixá-lo sozinho com suas divagações por um momento, mas logo ele decidiu que cortar o silêncio era propício. 
- Eu não me importo. - disse simplesmente, me obrigando a desviar o olhar da rua por breves segundos, prestando atenção em suas feições. - Uma coisa é gerar um filho e amá-lo a vida inteira, outra muito diferente é se desfazer dele como se fosse um objeto inútil e depois pensar que tem algum direito. - a princípio fiquei espantada com suas palavras tão precisas, no entanto era uma coisa boa, ele precisava mesmo desabafar. Continuei a ouvir em silêncio. - Eu vou fingir que você deu a luz a mim, tudo bem? - sorri. - Por que é o que realmente parece. Obrigado por isso, mãe.
- Grávida na adolescência, huh? - arqueei uma sobrancelha, escondendo outro sorriso que queria surgir e balançando a cabeça negativamente. - Teria sido uma loucura! Mas eu gosto de fingir isso também. - trocamos um olhar cúmplice, então tive uma ideia. - Quer saber? Por que não deixamos isso para lá e vamos tomar sorvete? - eu sabia que fazia frio do lado de fora do carro, mas vivíamos em um país com um clima dolorosamente baixo, e ignorar a vontade de sorvete era inadmissível, certo? - Vamos pedir o maior disponível! - sorri, esfregando as mãos como se estivéssemos arquitetando um grandioso plano. 
- O maior! - Jamie exclamou empolgado. 
Pouco tempo depois, entramos em uma sorveteria que, para a minha surpresa, contava com várias mesas já ocupadas. Enquanto meu filho escolhia qual das deliciosas combinações iria querer, ficar olhando ao redor do local na procura de uma mesa. Em meio a diversos rostos desconhecidos, um deles se sobressaiu, atraindo instantaneamente minha atenção. Uma mulher de pele alva com cabelos alaranjados de tão ruivos estava sentada sozinha em uma das mesas, finalizando seu sorvete e olhando de forma monótona para o visor de seu celular. Ela tinha uma boina vermelha na cabeça, luvas negras nas mãos e um casaco vermelho com bolinhas brancas; continuava com o mesmo rosto magro que eu me lembrava. Eu a conhecia, tinha total certeza. Quando percebi, já sorria sozinha enquanto avisava a Jamie que já voltava, caminhando até a mesa dela. 
- Eu conheço você! - a mulher ergueu desanimadamente o rosto, mas seus olhos claros se arregalaram quando deram de cara com minha expressão. 
- Pelo amor de Deus! - segurou-se para não se levantar em um pulo, quase derrubando o restante de seu sorvete. Voltei a sorrir, não acreditando que era mesmo ela, principalmente depois de tanto tempo. Você simplesmente não esquece o rosto da garota com quem pegava roupas e sapatos de sua mãe e fingia que estava em um grandioso desfile de moda. - Branca de Neve! - ela disse alto, levantando-se completamente para tentar me dar um abraço, por mais que a mesa ainda estivesse entre nós. Ri, um pouco sem graça por sua voz desde sempre escandalosa estar sendo capaz de atrair a atenção das pessoas para nós. 
- Oi, Pequena Sereia! - imitei seu tom de voz empolgado, me lembrando de que era com aqueles nomes que nos referíamos uma a outra. Seu nome verdadeiro era Melissa Rhodes, fui capaz de recordar com clareza. Toda menina tem uma melhor amiga, e aquela fora a minha. Eu nem me lembrava quando tínhamos nos conhecido, talvez apenas um pouco depois da maternidade. Pelo menos era isso que nossas mães, também amigas, costumavam contar. Nossa amizade teve que se conformar com a distância quando seus pais se divorciaram e a mãe de Melissa decidiu mudar de país. Fomos nos distanciando até perder completamente o contato, infelizmente algo comum. Sabia que nós não éramos mais as mesmas pessoas, que não tínhamos conhecimento alguma sobre a vida uma da outra, mas foi bom revê-la. - Não nos vemos desde... - tentei, pensativa, até que ela cruzou os braços e bufou, lembrando-se com clareza. Seu rosto branco emoldurado pelos cabelos vermelhos continuava a fazê-la se parecer com uma boneca. 
- Desde que minha mãe pirou na batatinha após pedir o divórcio e resolveu que nos mudaríamos para outro continente! - Melissa gesticulava enquanto falava, ela continuava com a forma um pouco agitada e afobada de ser. Sem responder nada, a vi olhar bem para mim, como se me analisasse. - A pequena Miss Sunshine se transformou em Kate Middleton, vejam só. - rolei os olhos, não acreditando que ela não mudara em absolutamente nada, apenas no crescimento. Na última vez em que a vi, tínhamos apenas uns quinze anos ou talvez menos. Eu não me parecia com a garotinha do filme Pequena Miss Sunshine, vale constar, só era um pouco simples e discreta no quesito aparência. 
- Você não perdeu a mania de fazer essas comparações, não é? - Melissa negou com a cabeça, percebendo que eu olhava para trás de segundo em segundo para me certificar de que Jamie continuava por perto. O garoto já tinha encontrado uma mesa e, sozinho mesmo, sem me esperar, saboreava seu sorvete que mais parecia uma mini montanha. 
- Bons hábitos nós mantemos, certo? Mas e você, garota, como está? 
- Estou casada e tenho dois filhos. - contei-lhe presunçosa, sorrindo abertamente ao pensar em minha família. Apontei para Jamie do outro lado, vendo-a olhar para ele e depois voltar a olhar para mim, visivelmente impressionada. Melissa mal conseguiu disfarçar a surpresa, como se jamais esperasse isso de mim. Sim, houve uma época em minha vida em que eu jurei jamais me casar. Mero equívoco, claro. 
- Você se casou? Sua danadinha mentirosa! - rimos mais uma vez, como melhores amigas. Não éramos, obviamente... Só que continuava a parecer que sim. 
- E você, Melissa? Encontrou seu príncipe encantado? 
- Só se ele estiver usando uma fantasia de sapo e se recusar a removê-la, Demetria. - assim como eu me lembrava de seu nome, ela se lembrava do meu. Melissa torceu os lábios, olhando para a janela que proporcionava a vista para uma rua movimentada, suspirando em seguida. - Digamos que eu não tenho muita sorte com essas coisas. Nunca tive, você sabe bem. - recordei-me de alguns momentos que passamos durante a escola, a frustração que ela sentia sempre que constatava estar gostando de um garoto problemático ou que já tinha namorada. Eu, que era, digamos assim, mais inocente, sempre acabava adquirindo as funções de cúpida, tentando ajudá-la com seus romances tumultuados. 
- Mas você está saindo com alguém? Namorando? É casada? - não controlei minhas perguntas, realmente interessada. 
- Se lembra de quando, durante o baile da escola, eu estava determinada a flertar com Adam Collins, e que ele era tão degustável quanto um daqueles cupcakes calóricos disponíveis lá? - Melissa sempre falava o que pensava, por mais que seu vocabulário por vezes se revelasse um pouco extravagante. - E que até o final da noite eu teria ambos? - eu não me lembrava com clareza do acontecimento mencionado, mas concordava com a cabeça para não deixá-la constrangida. - Bem, eu tive. Na verdade, um deles eu ainda tenho, apesar de acreditar muito que deveria ter corrido atrás apenas do cupcake. - concluiu, um pouco aborrecida. 
- Espere aí! Você está com o Adam desde aquele tempo? 
- Sim, estou. Terminamos e reatamos umas cem vezes. Ele me seguiu quando fui embora para o Canadá, e eu não tive saída, simplesmente não resisti. Triste é saber que poderia ter conquistado algo melhor. 
- Não diga bobagens, Melissa, eu duvido que você não tenha conquistado coisas boas na vida! E aquele sonho de mudar a opinião do mundo sobre uma dezena de questões? Fora que você era a garota mais cobiçada do colégio. - relembrei com a voz maliciosa só para irritá-la. - Então, se não está satisfeita com o Adam, pode encontrar facilmente alguém melhor. - comentei sincera, vendo-a sorrir tristemente. 
- Ah, é claro, Demetria... O farmacêutico, que me vende analgésicos quando minha cabeça ameaça explodir após uma briga com o maldito do Adam, é o único homem que parece me entender ultimamente. - ela olhou apressada em seu relógio de pulso, levantando-se e me obrigando a fazer o mesmo para se despedir com um abraço. - Preciso ir, a redação da revista onde trabalho está uma loucura hoje! Mas nem pensar em perder o contato, ok? Passe-me seu número agora! - rapidamente o anotei em seu celular que fora estendido em minha direção, entregando-o a ela e me despedindo com mais um aceno rápido. Feliz por reencontrar uma amiga, me encaminhei até a mesa de Jamie, fingindo estar magoada por ele não ter me esperado para devorar o sorvete. 

Quando retornamos para a casa, surpreendi-me ao notar uma pequena agitação no jardim. Juntamente com algumas risadas, escutei um dos gritinhos empolgados de Matthew e o latido de algum cão. Jamie e eu nos entreolhamos e fomos praticamente correndo até o local, onde nos deparamos com Charlotte, que, sentada no gramado, segurava a coleira de um Golden Retriever de cor caramelo que divertia completamente meu bebê. Ele olhava para o cão curiosamente como se perguntasse “Quem é você, amigo?”, seus passos vacilantes entregavam seu receio em se aproximar, mas sempre acabava optando por romper a curta distância, gargalhando e se afastando outra vez quando o animal tentava alcançá-lo. Por fim, já mais familiarizado, passou os dois bracinhos pelo cão e tentou abraçá-lo, rindo novamente quando o mesmo tocou o focinho em sua bochecha, olhando para mim e dando a entender que gostaria que sua mãe o assistisse abraçado com o cão. Não consegui evitar sorrir, notando que meu irmão também estava li, pois saia de dentro da casa. 
- Esse cão já deve ter uns cem anos. - Peter zombou, se abaixando para acariciar o animal entre as orelhas. 
Charlotte o olhou torto e preparou-se para retrucar. 
- Max não é velho, ele é um cão experiente! 
Jamie logo se enturmou com os dois, enquanto eu pedi que tivessem cuidado com Matt. Adentrei minha casa, mas minutos depois ouvi a voz desesperada de Jamie gritar por mim. Fui a passos rápidos até o jardim, tendo uma surpresa não muito animadora. Zoe estava de volta, olhando para todos nós com uma expressão fechada, sem qualquer vontade de se esforçar para parecer simpática. Jam veio para mais perto de mim, segurando minha mão com força, evitando olhar para a mulher. 
- O que você quer? - arrisquei perguntar, vendo-a erguer os cantos dos lábios antes de começar a falar. Retirou rapidamente um papel da bolsa, o estendendo para que eu conseguisse pegá-lo. 
- Falei com o meu advogado, e sei muito bem que a intenção inicial de vocês é solicitar que um exame de DNA seja realizado. Então, tratei de me adiantar e conseguir a permissão. - Charlotte, Peter e até mesmo Matthew ficaram quietos de repente, olhando de Zoe para Jamie e eu, que continuávamos imóveis, sem acreditar que ela realmente não pensaria em desistir. - Foi bom falar com você. - disse secamente a mim, olhando com um repentino sorriso para o meu filho. - Nos vemos em breve, querido. 
O silêncio voltou a se instalar, mas fora cortado por um latido agoniado de Max. Até o animal não se sentiu bem com a presença da mulher. 
- Vamos segui-la! - de repente, Charlotte teve um estalo. Ela e meu irmão já tinham conhecimento do problema que enfrentávamos. 
- Ficou maluca? - Peter a olhou como se ouvisse algo absurdo. 
- Pense comigo: se ela tiver algum podre, ficaremos sabendo. - prestei atenção na ideia da irmã de Joseph, constatando que não era tão ruim assim. - E o Peter pode até fotografar! 
- Desde quando eu sou um paparazzi? - enquanto ele reclamava, observei a mulher sumir pelo portão, caminhando tranquilamente pela rua, atravessando-a e seguindo seu caminho já do outro lado. 
- Não é paparazzi, é fotógrafo investigativo! - a garota concluiu brilhantemente. Logo me vi entrando em casa com pressa e pegando a chave do carro outra vez. Passei por Jamie, que por instinto começou a me seguir. Gritei por Nancy, pedindo que fosse pegar Matthew. 
- O que vocês estão esperando? Vamos segui-la! - exclamei para os outros dois, que se apressaram em me seguir. Depois que brigaram por um tempo para descobrir quem ficaria no banco do passageiro, girei a chave na ignição, olhando séria para o rosto de meu irmão, sentado ao meu lado, com sua câmera em mãos. Charlotte e Jamie estavam no banco de trás, mas com os corpos inclinados e os braços apoiados nos bancos da frente, para que pudessem enxergar a vista da janela da frente com mais nitidez. Logo estávamos na rua, e eu tentava manter a pouca velocidade do veículo, visto que a mulher não parecia ter a intenção de caminhar rápido e olhava cautelosa para trás sempre que podia. 
Provavelmente já estávamos seguindo-a há quinze minutos, o que já nos deixava impacientes. Um pouco longe, ela não seria capaz de distinguir que nós a espionávamos. Eu ouvia as conversas empolgadas dos presentes no carro como se fôssemos investigadores profissionais, mas só conseguia pensar no que faria caso encontrasse algo. Qualquer ato ilegal arrancaria as chances dela de tentar ganhar a guarda de Jamie. 
- Olhem, ela parou. - Peter apontou para uma região mais afastada da rua, perto de uma praça precariamente abandonada. Contei mentalmente até três, um pouco nervosa por toda a situação em que nos envolvíamos. 
Estacionei meu carro alinhado ao acostamento e todos nós paramos para olhar. Semicerrei os olhos, notando que Zoe havia parado em frente a um simples sobrado, tocado a campainha e esperava pacientemente. Pouco tempo depois, um homem surgiu, olhando para os dois lados da rua antes de olhá-la. Troquei mais um olhar com meu irmão, apontando para a câmera, pedindo para que ele ficasse com ela pronta caso precisássemos registrar alguma coisa. De fato algo estava errado naquela situação. A mulher entregou ao homem um envelope que provavelmente guardava dinheiro, recebendo em seguida uma pequena embalagem de plástico branco. 
- Não perguntem a motivo, mas suponho que sei o que ela está comprando. - Charlotte comentou com a voz baixa, quebrando o enigma da cena e tornando a realidade ainda mais evidente para mim. Zoe comprava drogas. Mas ninguém teve coragem de dizer isso em voz alta, porque Jamie estava conosco, e não era algo que ele precisava ouvir. Não seria saudável descobrir que a mulher que lhe deu a vida possivelmente se tratava de uma viciada. 
- Peter, a câmera! - o garoto alertou meu irmão, mesmo que não soubesse bem do que se tratava. Peter agilmente se preparou e deu alguns cliques, registrando várias fotos iguais, apenas por precaução. Olhamos uns para os outros, até que decidi por nos tirar dali, dirigindo de volta para a casa. No caminho, retirei o celular do bolso de meu casaco e liguei para Joseph, contando-lhe que tínhamos novidades. No fundo, apesar disso parecer um pouco errado, eu estava feliz. Pelo menos ninguém poderia tirar meu menino de mim. Eu apenas esperaria que ela tentasse um próximo passo para expor seu descuido diante de quem quisesse ver. 

And you are the mother, the mother of your baby child. The one to whom you gave life. And you have your choices, and these are what make man great, his ladder to the stars



O som desconfortável de uma porta sendo aberta atraiu a atenção de um senhor que permanecia sentado no sofá em frente a uma televisão constantemente ligada. Rapidamente, ele desviou sua atenção da mulher que enxergava adentrar o local e voltou a fitar um programa qualquer que era transmitido. Essa mulher, por sua vez, sorriu para uma senhora que se aproximou, provavelmente a que cuidava do senhor, então depositou um embrulho redondo sobre uma mesa de madeira com um simples vaso de flores brancas ao centro. Jennifer se aproximou com cautela do homem cujo nome era Michael, sentando-se ao seu lado no sofá, esfregando as mãos um pouco nervosa. Fazia muito tempo que não o via, os contratempos de sua vida agitada a impediram de visitá-lo com mais frequência. Ela tentava evitar, mas não conseguir desfazer o olhar comovido que direcionava ao senhor. Michael era o pai de Dominic, um homem bom, mas que infelizmente sofreu com as injustiças da vida. Sua esposa o abandonou assim que ele adquiriu o cruel Alzheimer, o deixando mais debilitado do que nunca. Na época do acontecido, Jennifer namorava com Dominic, então sempre que podia ia visitar o homem que não se permitia sair da Inglaterra. Apesar da doença, eles sempre foram bons amigos. Porém, quando o único filho de Michael decidiu que não poderia mais atrasar a vida e ficar cuidando de seu pai doente, as coisas começaram a desmoronar aos poucos. 
- Tudo bem, Michael? - Jennifer perguntou ternamente, levando sua mão até a dele, sorrindo abertamente. Era doloroso imaginar o que se passava com Michael; perder todas as suas memórias, as boas e ruins, se recordar apenas às vezes, mas somente para esquecê-las logo após. - Eu trouxe algo para você. Biscoitos, se lembra? Aqueles que eu e... - cessou a fala, não gostando do que teve de se lembrar. - ...seu filho fazíamos, se lembra da bagunça que provocávamos na cozinha e das broncas que você dava em nós? - Michael a olhou abismado, piscando os olhos e coçando a cabeça quase que completamente careca, apenas alguns poucos fios brancos continuavam sobre a mesma. 
- Filho, minha jovem? Eu não tenho filhos. E você é a Mary, não é? Casada com o Dominic, vocês tem três filhos. - a mulher desviou o olhar e negou com a cabeça, paciente o suficiente para corrigir tudo. 
- Dominic é o seu filho, Michael. E, não, meu nome não é Mary. Não sou casado com o Dominic e nós não temos filhos. - distraído, o senhor permaneceu em silêncio, enquanto Jennifer apenas remoia algumas memórias, sem coragem de se levantar dali. 
- Por que está aqui? - ele perguntou com a voz ruidosa. 
- Porque pareceu certo te visitar. 
- Mas eu não te conheço. - disse um pouco exasperado, a confusão se espalhando por seus olhos. Jennifer suspirou e voltou a falar novamente as mesmas coisas de antes, finalmente o fazendo compreender. Pelo menos por enquanto. - Oh, sim, meu filho Dominic. Onde ele está? - então ele conseguira se lembrar do filho, causando um rápido sorriso na mulher que, antes de pensar em responder, levou os olhos rapidamente até a porta quando percebeu que alguém tentava abri-la. Apressou-se ao levantar e se preparar para sair quando identificou o responsável pelo barulho. Dominic. 
- Jennifer. - ele sussurrou, reprimindo um sorriso que era barrado devido a sensação de vazio que sentia sempre que a via. 
- Quem é ele? - Michael quis saber, não reconhecendo o próprio filho, mas Jennifer estava consternada demais para pensar em explicar alguma coisa decente. Despediu-se com palavras desajeitadas do senhor e passou rápido pelo homem alto, fazendo com que seu ombro se chocasse contra o braço dele, provocando um impacto entre ambos. Dominic encarou o pai que o fitava como se enxergasse um estranho e deu meia volta, puxando a porta e indo atrás de Jennifer a passos vertiginosos. Gritou por ela, fazendo com que a mulher parasse onde estava, a alguns metros de distância. Virou-se de má vontade, as mãos fechadas em punhos e o semblante frio como aquele dia. 
- Você não precisa mais se sensibilizar com a situação e vir visitá-lo. - rude, recomendou enfiando as mãos nos bolsos do casaco. 
- Não sou egoísta como você. Não abandono as pessoas que um dia foram boas para mim. - rebateu segura de si, mas por dentro estava abalada. Sempre estava quando perto dele. 
- Então você nunca vai superar o que aconteceu, não é? - foi se aproximando gradativamente da mulher, até que finalmente a pouca distância conquistada possibilitava o insolente ato de alcançá-la. Fez menção de tocar seu braço, mas Jennifer recuou e lhe lançou um olhar fulminante. 
- Não se atreva. 
- Jennifer... - tentou, mas sem sucesso, visto que a voz alta e irritada da loira logo o cortou. 
- Eu tenho nojo da pessoa que você se tornou. E tenho ainda mais nojo de mim por ter acreditado em você, nas suas mentiras descabidas. - o homem tentou fingir que não notava as lágrimas que já se formavam nos cantos dos olhos de Jennifer, porque era melhor ignorar. Já tinha a machucada o suficiente para escolher se manter distante. 
- Não comece com isso... - e fora interrompido outra vez. 
- Meu sonho sempre foi casar, ter filhos, construir uma família. E você me iludiu, me fez esperar pacientemente que a sua droga de faculdade acabasse, pois alegou que após o término dela nós começaríamos nossa vida juntos. - falava sem parar, no fundo aliviada por finalmente expor a ele tudo o que sentia, da forma exata como sentia. - E para que, Dominic? Para depois rir na minha cara e dizer que casar comigo não era nem sequer o último dos seus planos! Eu tinha a porcaria de um vestido de noiva guardado, já tinha escolhido os nomes que daria aos filhos que teríamos... - parou, um pouco impressionada consigo mesma e sem fôlego. Dominic era nada mais do que um homem estático, absorvendo dolorosamente as palavras agressivas e sinceras que entravam por seus ouvidos. Mas era um covarde, também, então não ousou responder. - EU ODEIO VOCÊ! - ela gritou, virando-se e voltando a correr até a direção de seu carro. Sem pensar, ele passou a correr atrás dela, sendo mais rápido e conseguindo segurar seu braço esquerdo, obrigando-a a parar. Sem hesitar, Jennifer virou bruscamente o corpo trêmulo e acertou um tapa estalado no rosto do irlandês, que apenas segurou o local, a olhando seriamente. 
- Esqueça o passado, Jennifer. Isso vai acabar com você. - foi tudo que disse, fazendo soar como um conselho amigável, incapaz de proferir algo mais. 
- Espero que a marca no seu rosto não lhe atrapalhe na hora de ser um canalha com qualquer mulher. - evitando a sugestão dele, ela debochou, soltando um risinho infeliz. - E não estrague tudo para aquela família, a família do homem que você está ajudando com a empresa. Eles realmente parecem boas pessoas. - se referindo a Demetria e sua família, a loira encostou-se ao seu veículo, ainda ouvindo a voz dele, irritada por não conseguir fazê-lo calar a boca de uma vez. 
- Não tenho intenção alguma de estragar nada, pare com isso! - então ela se virou, cruzando os braços e fingindo uma expressão compreensiva. 
- Ah, eu sei bem que não. - logo elevou o tom de voz. - Mas você atrai estragos, então pode acontecer involuntariamente. 
- Quando vai parar de me alfinetar desse jeito? 
- Quando você morrer! - ralhou aborrecida, sentindo o rosto queimar quando constatou que ele ria de seu nervosismo. Jennifer deixou apenas que um último olhar, esse enojado, deixasse o homem incapacitado outra vez. - Como eu pude amar alguém assim? - repreendendo mentalmente a si mesma, entrou em seu carro e bateu a porta, mas Dominic grudou-se a mesma e, devido a janela aberta, disse em um tom de voz que beirava a esperança: 
- Pena que você ainda me ama, não é? Eu sei. - ela o olhou nos olhos, girando a chave na ignição e gargalhando friamente. 
- Continue vivendo dentro do seu mundinho desprezível de faz de conta, seu estúpido! - arrancou com o veículo, quase derrubando o corpo de Dominic no chão por estar apoiado ao mesmo no momento de sua saída brusca. O homem simplesmente respirou fundo e voltou para dentro da casa de seu pai, aborrecido consigo mesmo. 

Tell myself, on the ride home, getting tired, hating all I've known. Holding on, like it's all I have. Count me out, when it's clear that I, find it hard to say. And you, find it hard to care”



Joseph's P.O.V

Com tantas coisas melhores que eu poderia estar fazendo, optei por permanecer com o corpo largado na poltrona, fitando as diversas garrafas colocadas sobre minha mesa. Segurei uma delas, prestando atenção em seu rótulo. Aquele era o whisky mais velho que eu tinha, e também o melhor de todos eles. Sinceramente não sei se Demetria me viu saindo de casa com várias garrafas naquela manhã, mas como ela não me ligou preocupada e nem nada parecido, provavelmente não percebeu. Talvez eu estivesse me precipitando, querendo desesperadamente mudar alguns hábitos em minha vida, mas isso é sempre necessário, certo? Eu gostava de um bom gole de whisky durante algum momento de distração, ou de irritação, era como se ele me ajudasse a pensar com mais certeza das coisas, porém, como previsto, algo me dizia para parar. Eu estava longe de ser um alcoólatra, mal conseguia ficar bêbado. Aliás, não me lembro da última vez em que perdi o controle de tudo ao redor graças a vários copos virados. A questão é que eu não queria mais beber o conteúdo daquelas garrafas, e mesmo que não soubesse explicar o motivo, quis me livrar de todas. Decidido, me levantei com pressa e devolvi a que segurava ao seu lugar, ao lado das demais. Peguei uma simples caixa de papelão no chão e a coloquei em cima de minha mesa, afastando alguns papéis para conseguir espaço. Aos poucos, fui colocando garrafa por garrafa dentro da caixa, às vezes fazendo uma pausa para olhar alguns dos rótulos, me lembrando de alguns momentos marcantes em que o velho whisky esteve presente. Devo admitir, não foram muitos. Eu mal conseguia me lembrar de whisky quando estava feliz. Com todas as garrafas dentro da caixa, fitei um solitário maço de cigarros abandonado em um dos cantos da mesa. O peguei, verificando quantos ainda estavam disponíveis dentro da embalagem. Poucos. Há exatas duas semanas eu sequer pensava em fumar, feliz por finalmente conseguir me livrar de um quase-vício. Suspirei antes de jogar o maço dentro da caixa e a fechei, levando-a até minha porta. A abri e pedi a um funcionário que passava por ali: 
- Livre-se disso, por favor, é só lixo. 
Poderia não significar muito, e de fato não significava, mas eu sentia como se estivesse me livrando de uma parte de mim que não me agradava. Não tinha a intenção de ser o melhor homem do mundo, aquele que não bebe - afinal, eu jamais deixaria de apreciar um bom vinho -, aquele que não fuma e que nunca comete erros. Eu era um ser humano por vezes impulsivo, por vezes apegado ao egoísmo e a tantas outras frivolidades da vida, mas podia sempre buscar o melhor... Então buscaria. 
Voltei e me sentar e peguei meu celular, discando rapidamente um número. Esperei impaciente por ser atendido, observando a vista da cidade através da janela larga do local. Quando finalmente me atenderam, me endireitei na poltrona e limpei a garganta antes de começar a falar. 
- Olá, é o Joseph. Sim, liguei exatamente para saber disso. - sorri olhando para uma foto de Demetria sozinha e em seguida para uma dela com nossos filhos. Já conseguia imaginá-la completamente impressionada quando soubesse o que eu tramava. - Sim, eu sei que é muito dinheiro a ser gasto, mas não me importa. Você sabe quais eram os meus planos iniciais, você sabe que isso nunca me agradou plenamente. Então, eu quero usar o dinheiro para algo que valha a pena. - rolei os olhos, pois não gostava de quando tentavam contrariar minhas decisões. O dinheiro era meu, e eu faria o que bem entendesse com ele. - Veja só quem fala em desperdício, você torra seu dinheiro em Las Vegas! - comentei com bom humor. Estava falando com um velho conhecido, responsável por cuidar de alguns assuntos direcionados a Empire. Não era necessariamente meu empregado, mas mesmo assim me ajudava naquela surpresa. - Eu não sei se vou continuar sendo o dono de tudo isso por muito tempo, é melhor fazer o que posso agora, não acha? Não quero saber se é um bom investimento ou não, você ainda não percebeu que pouco me importo com isso? O importante é ela, meus filhos, e o que posso dar a eles. Você sabe que eu mantenho essa companhia exclusivamente para que nada falte a eles, caso contrário já a teria vendido ao primeiro interessado que surgisse. - eu realmente tinha me equivocado quando tentei acreditar que me focar com mais empenho nos assuntos relacionados à minha empresa me tornaria mais próximo dela, porém não foi bem o que aconteceu. Fingi que gostava do fazia nas diversas vezes em que aprovei projetos, supervisionei reformas e tantas outras coisas, mas... Nada. A felicidade só surgia quando o relógio anunciava que eu poderia finalmente ir para casa. Não parecia certo viver assim, na verdade era sufocante e frustrante, porque eu me mesmo já me irritava com minhas habilidades de estar sempre tão indeciso quando o assunto era trabalho. - Mas logo vou estar em busca de outra coisa, eu sei. Enquanto isso, vou me centrar no que importa.Demetria merece, aliás, eu gastaria o dobro desse dinheiro, o triplo, talvez até mais, gastaria tudo que eu tenho se soubesse que a faria feliz. - o homem do outro lado da linha tentava dizer que eu cometeria uma burrada, voltando a me deixar irritado. - Entenda, isso não é para mim, nunca foi. Me arrependo do dia em que dei ouvidos ao meu pai e assumi a Empire, mas não sou um garoto, não posso simplesmente sair daqui e viver de sorte. Mas nunca deixo de imaginar o que poderia estar fazendo se não estivesse preso a essa empresa; tenho um filho com apenas um ano de idade, e ele dificilmente consegue me ver durante o dia. - encarei novamente a foto em que Matthew estava presente. Seu crescimento dia após dia só me orgulhava, eu queria estar mais presente. - Bom, já chega de conversar. Nada do que você disser vai me fazer mudar de ideia. A vida não é só isso, meu amigo, não é. Algum dia você vai me entender, eu garanto. E até lá, não se esqueça de deixar tudo pronto com o arquiteto, falamos sobre o restante dos planos dessa construção depois. - encerrei a ligação, colocando o celular sobre a mesa e indo caminhar pelo escritório, apenas divagando sobre o que viria a acontecer. Eu tinha planos, vários deles, e mal conseguia esperar para poder colocá-los em prática. O visor de meu celular se iluminou e um alerta rotineiro indicou uma mensagem. Ergui uma sobrancelha ao constatar que se tratava de minha esposa, então apertei o botão para ler. 
Gosta desse?
Havia uma imagem anexada à mensagem, logo pude ver. Era uma foto que Demetria mesma tirou de si, dando mais prioridade ao seu corpo, querendo mostrar o vestido que usava. Provavelmente dentro do provador de alguma das lojas que adorava. Rolei os olhos, inconformado com o fato de que ela insistia em me pedir opinião como se eu entendesse de vestidos... O que eu entendia, na verdade, era apenas a forma mais veloz de retirá-los do corpo dela. Mas decidi responder, pois Demi sempre gostava quando eu o fazia. 
Já disse que qualquer coisa fica bem em você, até mesmo nada.” 
Sorri graças ao que tinha enviado a ela, imaginando que provavelmente minha mulher fez o mesmo. Cerca de um minuto depois, o alerta de outra mensagem atraiu minha atenção, e senti meus dentes segurarem meu lábio inferior com força, involuntariamente. Demetria era uma mulher cruel com minha sanidade. Cruel. 
Se você diz...” 
Na imagem que meus olhos fitavam descaradamente, a mulher tinha os cabelos um pouco bagunçados, da forma que eu mais gostava; a deixava mais sexy. Seus olhos eram inocentes e brilhantes como sempre, mas seu sorriso fechado era pecaminoso. Seu tronco estava nu, vi seu braço colocado de maneira reta sobre seu busto, cobrindo parcialmente seus seios, deixando instigantes sinais do que seu braço escondia, de forma que apenas atiçava minha imaginação. Ri sozinho dentro do escritório, digitando novamente. Fui breve. 
Demetria, Demetria... Cuidado.
A imaginei sorrindo ao ler, não pude evitar. 
Vamos almoçar?” 
Outra mensagem logo chegou, porém descartando o assunto anterior. Enviei outra perguntando onde ela pretendia almoçar e segundos depois a resposta veio com um endereço. Ficava perto da empresa, então apenas disse a ela que estava a caminho e me levantei rápido, saindo de minha sala e indo ao seu encontro. 

If I was a simple man, would we still walk hand in hand? And if I suddenly went blind, would you still look in my eyes? What happens when I grow old? And all my stories have been told? Will your heart still race for me? Or will it march to a new beat? If I was a simple man...


/Joseph's P.O.V


Poucos dias se passaram desde a primeira visita repentina de Zoe, Jamie ainda tentava lidar com descobertas incomodas e com o medo que ainda o deixava desconcertado vez ou outra. Tínhamos marcado uma reunião com a possível mãe biológica, porque seria plausível dizer a ela que não estávamos dispostos a abrir mão de Jamie. Tratei de separar algumas cópias das fotografias que meu irmão havia tirado, simplesmente para poder lhe mostrar e ver se a mulher teria coragem de negar mesmo com provas tão vívidas. Estávamos Joseph e eu sentados no sofá de nossa sala de estar, apenas esperando pela chegada da mulher. Eu permanecia olhando para meu próprio sapato do pé direito, o movimentando em círculos enquanto me mantinha com as pernas cruzadas. Percebendo que meu filho mais velho ainda não tinha descido, avisei a meu marido que ia atrás dele, levantando-me e caminhando até seu quarto. Ao adentrar, o vi sentado em sua cama com a cabeça baixa. Sentei-me ao seu lado, em silêncio. Seus olhos marejados eram o motivo de sua hesitação para erguer o rosto. Seus lábios se crisparam assim que o fez, um olhar que parecia me bombardear com tantas perguntas, uma delas certamente era uma busca incessante pela explicação da mentira que lhe fora contada anos antes. Por que lhe disseram que sua mãe, aliás, seus pais, estavam mortos? 
Ouvimos, mesmo dentro de seu quarto, a campainha tocar. 
- Eu quero que ela desapareça, não ligo para um exame de sangue idiota. E não aja como se eu fosse novo demais para entender o que tudo isso significa, porque eu entendo, sim. - não parecia uma criança diante de mim, dizendo tudo aquilo, mas sim um adulto com experiência o suficiente para se sentir totalmente aborrecido com a mais recente descoberta. Eu poderia repreendê-lo pela forma grosseira como estava se portando, mas não encontrei oportunidade. Conseguia entendê-lo. - Se ela não se preocupou quando eu era um bebê indefeso, por que tenta agora? É tarde demais! - logo Jamie já saia pela porta do quarto, me deixando para trás. Com certo medo do que poderia vir a acontecer no andar de baixo, o acompanhei e desci as escadas rapidamente. Zoe estava parada próxima a porta, e sorriu ao ver o garoto, desfazendo o sorriso quando notou como o olhar dele parecia repleto de... Ódio. Talvez não fosse ódio, mas a definição certamente não era positiva. 
Recebendo apenas um aceno em concordância de Joseph, que continuava sentado observando a cena, caminhei até a mesinha de centro e peguei uma das fotos, a estendendo na direção de Zoe, que olhou para a mesma um pouco surpresa. Seus olhos azuis se arregalaram e sua boca entreaberta ameaçou permitir que palavras fossem proferidas, mas nada disso aconteceu. Antes que eu pensasse em começar a aconselhar a mulher para se afastar, caso contrário estaria se submetendo a problemas mais sérios, tais como ter que arcar com as consequências de seu vício durante a luta por uma guarda e problemas judiciais, Jamie entrou em minha frente e foi caminhando até ela, olhando firme em seus olhos. 
- Jamie... - Zoe começou, mas calou-se ao notar que Jamie tinha algo mais importante a dizer. De repente, a fragilidade não o acompanhava mais. 
- Eu passei nove meses dentro da sua barriga, mas foi ela - ele apontou para mim, e continuei imóvel - que ficou ao meu lado quando coisas boas e ruins aconteceram. Eu posso ter o seu sangue, mas é dela que eu tenho orgulho. - quando percebi, já sorria com lágrimas brotando em meus olhos. - Você pode ser minha mãe biológica, mas ela é a mãe que eu amo. Vá embora, Zoe, você não passa de um rosto desconhecido que eu não pretendo conhecer. - meu garoto nunca parecera tão maduro, tão certo sobre suas palavras. Eu não era a única segurando lágrimas por ali, Zoe também fazia isso, mas eu sabia que os motivos não eram semelhantes. A mulher voltou a fitar a fotografia presa por meus dedos distraídos, limpando o rosto com as costas de sua mão e olhando desolada para o garoto que permanecia estagnado a sua frente, como se esperasse qualquer mísera resposta para voltar a falar o que sentia. No entanto, surpreendendo a todos nós, Zoe simplesmente deu um último sorriso fraco, fez menção de tocar o topo da cabeça de Jamie - que não permitiu - e murmurou um “eu sinto muito”, acreditando que apenas ele poderia ouvir. Sem coragem ou vontade para um protesto em forma de defesa, me lançou um olhar como se pedisse perdão e depois lançou um igualmente arrependido a Joseph, afastando-se aos poucos, sumindo pela porta e indo embora... Não sabíamos se para sempre, mas por enquanto era uma certeza. 
Infelizmente uma tristeza súbita me acometeu, quase como se eu fosse capaz de imaginar o martírio que aquela mulher decepcionada com sua própria pessoa enfrentava, como se, por mais que me sentisse ameaçada com sua presença, a entendesse. Não completamente, mas pelo menos um pouco. Afinal de contas, quem é que não comete erros na vida? Alguns são irremediáveis, é um fato, mas, mesmo assim, será que algo surge em nosso caminho para, pelo menos, aliviar um pouco a dor proporcionada pela culpa promovida graças a uma decisão errada que tomamos? Eu não desejava o mal para Zoe, de forma alguma, nem a conhecia para falar a verdade. 
Troquei um sorriso com Jamie e ele logo veio para perto, me abraçando. 

Naquele mesmo dia, recebi uma ligação de Karlie. Ela foi breve, não revelou o que realmente queria, só pediu que eu fosse ao seu loft no centro. Concordei, me arrumando brevemente e optando por ir a pé, já que a distância não era tão significativa. Cheguei cerca de vinte minutos depois, passando pela portaria, pegando um elevador e tocando a campainha, na espera de uma Karlie arrumada demais para estar dentro de seu lar surgiu na porta, me convidando para entrar com um aceno. Observei o vasto cômodo a minha frente, enxergando também três malas - uma grande, uma média e uma pequena - arrumadas em um dos cantos. Karlie colocou-se a minha frente e nos guiou até um dos sofás, onde se sentou e pediu que eu fizesse o mesmo. Ainda sem entender, concordei e larguei o peso de meu corpo sobre o mesmo. Prontamente ela estendeu sua mão esquerda para que eu a olhasse, então pousei meus olhos sobre a mesma, notando a ausência de seu anel. 
- Qual é o seu problema com anéis de noivado? - olhei inconformada para ela, que apenas soltou um risinho e suspirou antes de pensar em responder. 
- Eu o devolvi para o Brandon, é claro. Não posso me casar com ele. - confessou, balançando a cabeça de forma positiva, feliz com sua decisão. A vida, às vezes, é feita de decisões repentinas, mas Karlie levava isso a novos extremos. 
- Não? Karlie, me diga, você ainda gosta do Caleb, não gosta? 
Ela me olhou por um momento, e durante esses insignificantes segundos eu senti medo. Mas ri, é claro, escondendo o receio que aquele olhar obscuro me causou. - E nem pense em deixar essa pergunta sem resposta! 
- Isso importa? - olhou com tédio para mim, encarando em seguida suas unhas pintadas de preto. - Não, não importa. E mesmo que eu ainda gostasse dele, o cara não seria merecedor. Você sabe bem o porquê. - levantou-se, caminhando pela sala. - Vou embora da Inglaterra. 
- E para onde você vai? - arregalei minimamente os olhos, um pouco triste com a notícia. Já estava mais do que acostumada com a presença dela, nós até que funcionávamos bem como amigas. Peguei-me distraída fitando a janela, me perguntando o que tinha feito para que todas as minhas amigas acabassem sempre se afastando de mim. O problema era comigo? Certo que reencontrei Melissa, mas, como eu já havia dito, nós não éramos mais próximos uma da outra. 
- Por aí. Vai ficar bem sem mim por um tempo, não vai, gata? - ela sorriu puxando uma das malas, provavelmente para colocá-la mais perto da porta. 
- Vou sentir sua falta. - lamentei com a voz baixa, cruzando os braços como uma criança emburrada. - Será possível que eu estou fadada a conviver apenas com homens? Primeiro todo aquele desentendimento com a Cassie, e agora você indo embora assim tão repentinamente. - Karlie voltou a se aproximar, rolando os olhos, pois sempre se incomodava com minhas crises de sentimentalismo. Abraçou-me delicada, segurando meus dois ombros e sorrindo depois. 
- Não diga asneiras, Demetria. Sua mãe voltou para Londres, tem também a irmã pirralha do Joseph e... - suas feições espertas começaram a sugerir alguma coisa. - Que tal começar a pensar em ter outro bebê? Quem sabe dessa vez venha uma linda menininha! - adicionou emoção a voz de propósito, só para acrescentar mais motivação a sugestão. Eu não sabia explicar o motivo de ter sentido meu coração palpitar mais freneticamente naquele momento, juntamente com meu estômago que, como se tão embasbacado quanto eu, começou a se revirar. A ideia, a simples e ingênua ideia de ter outro bebê andava mexendo com minhas emoções e pensamentos. Eu tinha, sim, vontade de engravidar pela segunda vez; sorria sozinha só de me imaginar comprando todo um enxoval novamente, reconhecendo todas as mudanças em meu corpo novamente, dando a luz novamente... Porém, Joseph certamente não planejava ter outro filho tão cedo. Mantenha isso como um plano para o futuro, Demetria!, eu disse a mim mesma, afugentando a vontade crescente. 
- Você vai ficar bem? - mudei de assunto, preocupada com ela. - Karlie, você precisa parar de fugir das coisas. Uma hora ou outra vai ter que se firmar em algum lugar. 
- Por acaso isso é uma lei? Não, certo? Então me deixe vagar por aí, não custa nada. Minto, custa sim, mas eu tenho muito dinheiro sem destino, então que seja. - suspirei e concordei com a cabeça, cansada de me portar como se fosse sua mãe. Perguntei se ela precisava de ajuda para arrumar alguma mala ou para carregar as já arrumadas para fora, mas minha amiga disse que tudo estava sob controle. Karlie se despediu outra vez, fingindo não estar tão comovida. Ela tinha a mania de se fazer de forte, mesmo quando chorava internamente. Disse que logo eu teria notícias suas, e, caso pensasse em ter outro bebê e obtivesse sucesso na tentativa, deveria chamá-la imediatamente. Concordei sorrindo, porém conformada com o fato de que meu útero ainda teria de esperar, possivelmente, alguns anos para voltar a exercer seu papel principal. 


Do you hear, do you hear that sound? It's the sound of the lost gone found. It's the sound of a mute gone loud... It's the sound of a new start. - pronunciei em um tom ritmado, gostando de como as palavras soaram todas juntas, colocando o violão de lado para anotar brevemente o pedaço da letra do um que dia viria a ser uma canção completa em meu velho caderninho de músicas. Voltei a dedicar minha atenção ao violão, sentada sobre a cama, segurando o braço do instrumento e olhando para cima, como se a inspiração estivesse grudada no teto, apenas esperando meu chamado para se desprender e cair sobre mim. Encarei Matthew por um instante, o vendo distraído com seus blocos coloridos de montar. - Ei, ursinho, olhe para a mamãe! - acenei animadamente para atrair sua atenção, vendo-o erguer o rostinho e me olhar. Perdi minha concentração por instantes, quase soltando um gritinho empolgado, pois não sabia controlar meus ataques de mãe coruja quando o via com roupinhas tão adoráveis como aquela. Meu bebê vestia um agasalho com capuz e a parte adorável do mesmo ficava por conta das orelhinhas em tecido presas a esse capuz, que o faziam parecer um ursinho de pelúcia. Após admirá-lo um pouco, voltei a me dedicar ao que fazia antes. - Escute e me diga o que acha, sim? - mesmo sem vê-lo concordar, me preparei para cantar outro pedaço da música. - Kiss, with a mouth of shooting stars. Of lost and broken hearts. Unafraid you can name your scars with a touch of a new heart... - finalizei o trecho montado espantosamente rápido em minha mente, vendo o bebê menear com a cabeça, como se negasse uma aprovação. - Ah, você não gostou? - franzi o cenho, o vendo fazer um bico e continuar a negar com a cabeça. - Não mesmo, bebê? Ok, e dessa parte aqui... - parei brevemente para anotar mais alguns versos. - Oh... And it goes with where you go. Don't lose faith for the friends. You don't. Need a thing, you already know... You are right as you are. - o bebê não entendeu metade das palavras soltas de forma melodiosa por meus lábios, mas bateu palminhas, sorrindo empolgado. - Obrigada, meu amor! - fingi me exibir, rindo e depositando um beijo no topo de sua cabeça. 
Feliz por ter metade de uma música composta, guardei meu violão e soltei meus cabelos antes presos em um rabo de cavalo, guardando também meu caderninho e dedicando um pouco de minha atenção a Matt, ajudando-o a montar o que aparentava se tratar do início de uma torre de blocos. Cheiro de banho recém tomado entrou por minhas narinas quando ouvi meu filho resmungar por seus blocos terem desmoronado e caído para diversos cantos da cama. Vendo-o determinado a pegá-los, repousei minha mão sobre suas costas, caso ele fosse para muito perto da ponta da cama e pudesse até vir a cair. Fui pegar um brinquedo do outro lado do quarto assim que Matthew apontou para o mesmo, então olhei na direção do banheiro da suíte e assisti Joseph sair de lá apenas com a toalha amarrada um pouco abaixo de sua cintura, gotículas de água repousavam sobre todas as partes descobertas de seu corpo másculo. O sorrisinho enviesado que ele tinha nos lábios era constante. Suas mãos se grudaram na toalha branca, insinuando que pretendia tirá-la e ficar completamente nu. 
Papai! - seu rosto se virou rapidamente na direção do bebê que o chamou animado, e no exato instante seu sorriso de segundas intenções desapareceu enquanto ele tentava a todo o custo não permitir que a toalha se soltasse de seu corpo. Gargalhei vendo meu marido retornar correndo até o banheiro, tendo que se trocar por lá. Ele realmente não sabia que tínhamos companhia em nosso quarto. 
- Não foi dessa vez. - ergui os dois braços, dobrando os cotovelos e abrindo as mãos, um gesto que mostrava decepção. Matthew me imitou, desfazendo então o semblante surpreendido deJoseph, que já havia retornado completamente vestido, determinado a ficar um pouco com o filho também. 
Permanecemos daquela forma, auxiliando o bebê em sua brincadeira, conversando coisas simples com ele e entre nós. Incomodada por sofrer com quase um minuto de silêncio, respirei aliviada quando a voz de meu marido se manifestou. 
- É tão errado assim querer uma vida mais simples? - desviei minha atenção de Matthew para seu rosto, não sendo capaz de entender de imediato. - Não tem problema se eu nunca conseguir me tornar um médico, realmente não tem, eu só... - ele encarava o chão, os olhos verdes perdidos, a expressão ao mesmo tempo conformada e aborrecida. - Não sei explicar, Demi. - levei minha mão até a região de sua coxa, como uma carícia, algo que o estimulasse a continuar. Logo Joseph tornou a falar. - Sabe, talvez eu diga isso porque nada material nunca me faltou, mas ter todo esse dinheiro, essa responsabilidade em excesso com um trabalho que não me agrada... - Matthew parou de brincar quando percebeu que o pai o observava com indícios de um sorriso por entre seus lábios, mas não era um sorriso totalmente afortunado. - Eu perdi os primeiros passos dele, Demetria. E posso vir a perder outros momentos importantes. - o homem olhou em minha direção, visivelmente triste, expondo sua apreensão, segurando o lábio inferior com os dentes e se mexendo desconfortável. - Isso parece errado, muito errado. 
- Não se culpe por isso, Joe, não é algo que podemos prever. - esforcei-me para contornar a situação, pensando em um modo de aliviar suas feições tristes. - Aconteceu tão rápido que até mesmo eu, extremamente perto dele, quase perdi a cena. 
- Eu juro que preferia ser um homem normal, com um emprego normal, ter o suficiente para viver bem, desde que eu não me sentisse obrigado a encarar parte da minha vida, o que eu faço, no caso. Meu trabalho. - não me agradava vê-lo infeliz, principalmente quando ele tinha usufruía de vários motivos para vibrar de felicidade. Mas a vida é sempre assim; dentre centenas de coisas que colocam um sorriso em nosso rosto, a única capaz de eliminá-lo é a que se sobressai, roubando a atenção voltada para as que realmente deveríamos levar em consideração. - Gostaria de poder viajar com vocês, sem ficar me preocupando com uma companhia que a qualquer momento, sem mais nem menos, pode vir a falir. Porque nesse ramo essa é a realidade. Um dia você tem tudo, no outro pode não ter nada. - Joseph abriu sua mão para receber o bloco amarelo que Matthew ergueu em sua direção, voltando a sorrir quando o pequeno tentou ficar de pé na cama e foi para perto dele, passando um dos bracinhos pelo seu ombro, pedindo colo. Joe envolveu seus braços por Matt e ameaçou lhe fazer cócegas pela barriga, deitando-o na cama e arrancando diversas risadas não só do bebê, mas minhas também. 
- Eu não sei o por que, mas ouvir isso me fez muito bem. - toquei seu rosto na altura da têmpora direita, deslizando meu dedo por toda a extensão, até sentir seus lábios depositarem um beijo terno em meu dedo indicador. - Você vai encontrar seu lugar, Joseph Jonas, acredite em mim. 
- O meu lugar é ao seu lado. - respondeu sem hesitar, esquecendo-se de Matthew por um instante e me puxando pela nuca para driblar a distância e me trazer para mais perto. Beijamo-nos apaixonados, quase deixando os corpos caírem na cama, mas lá estava nosso filho para impedir que isso acontecesse, enfiando-se no meio de nós, dizendo palavras desconexas em meio a risos. 
- Só quero que você seja feliz, e que faça o que gosta. - disse a meu marido depois que nos soltamos, porém ele continuava a distribuir um carinho circular por minha coxa coberta pelo tecido de minha calça. Joseph não era um homem ganancioso, centrado em seus bens materiais. Por vezes parecia nem se importar com toda a fortuna que tinha. No fundo era um homem simples, um homem que apenas quer aproveitar o que realmente importa na vida. - Coloque tudo a venda, livre-se do que não te faz bem. Nós podemos começar de novo. - com a voz carregada por uma certeza infindável, eu aconselhei, não deixando que em momento algum minha expressão o fizesse acreditar que não teria apoio. 
- Isso é egoísmo, eu sei. Minha família vive bem do jeito que tudo está, mas eu nunca consigo sentir satisfação o suficiente com... - selei nossos lábios para impedi-lo de continuar depreciando a si mesmo. 
- Ei, meu amor, pare com isso! Você não pode viver infeliz para manter a felicidade dos outros. Independente do que decida fazer, nós três estaremos ao seu lado te apoiando. Não é, Matt? - Matthew concordou com a cabeça, balançando animadamente os bracinhos. - Viu só? Existe apoio melhor do que esse? - Joe negou com a cabeça, maravilhado com os gestos do filho e sorrindo em agradecimento para mim. - Nós podemos comprar outra casa, uma não tão grande assim... Vamos viajar para onde quisermos. Vamos viver sem precisar temer. Livres
- Vamos... 
Meus olhos piscaram acelerados como asas de uma borboleta pronta para fugir, meu coração pareceu atingir minhas costelas, tamanha a força com que bateu. Eu tive que forçar minha audição a comprovar que ele tinha mesmo dito aquelas palavras logo após as minhas: 
Vamos ter outro bebê?” 
Olhando-o perplexa, foi como se eu tivesse saído de um transe, de repente notando que ele olhava inexpressivo para o meu rosto, procurando uma explicação para sua esposa ter ido fazer uma visita ao mundo da lua. Sim, eu juro que escutei sair por seus lábios. As palavras perfeitamente ditas! Porém... 
- O que você disse? - indaguei com certo desespero na voz, querendo reforçar a certeza do que tinha escutado. 
Demi, em que mundo você se meteu? - reclamou de minha dispersão. - Eu disse para irmos comer alguma coisa. O Matt está com fome, não está, garotão? - Matthew soltou um som afirmativo com a boca, querendo descer da cama sem auxílio, resmungando um exagerado e estridente “nããão!” quando o pai tentou ajudá-lo. - Rapazinho, você é pequeno demais para querer imitar sua mãe e ser mandão desse jeito. - Joe o provocou, apesar da voz se manter paternal como sempre, finalmente conseguindo descê-lo da cama, segurando em sua mãozinha para guiá-lo. 
Meus ombros, antes tensos, relaxaram desanimados; minhas feições, antes contraídas em um sorriso sonhador, murcharam. Era só o que faltava! Eu estava ficando louca e imaginando coisas? Precisava urgentemente tirar a ideia de engravidar pela segunda vez da cabeça, pelo menos por enquanto. Tinha me distraído enquanto conversávamos sobre seu futuro profissional, indo parar em uma realidade alternativa onde ter outro bebê não era apenas um anseio meu. 
- Ah, comer, é claro. Sim, vamos comer! - encenei empolgação, mas não consegui enganá-lo. 
- O que foi? Diga, Demi. - tentava arrancar a verdade de mim com suas íris potentes e voz persuasiva. Desviei o olhar, sendo obrigada a soltar um risinho inconformado. Como ele não notava o que acontecia internamente comigo, seria melhor manter em sigilo, por mais que a insana vontade de reunir meus pensamentos e verbalizá-los causasse aquele frio na boca do estômago de cinco em cinco segundos. 
- Nada! - exclamei, me levantando ligeiramente e o apressando para irmos logo. 


Ainda era cedo, mas eu já me encontrava com o bonito vestido azul cobrindo minhas curvas, contemplando minha imagem no espelho de corpo inteiro. A cor era alegre, perfeita para um casamento. Percebi que não estava mais sozinha no quarto quando mãos rapidamente enlaçaram minha cintura e um beijo singelo fora depositado em meu pescoço. Girei em meus calcanhares para acompanhar os movimentos rápidos de Joseph pelo quarto. Ele tinha um largo sorriso no rosto, como se comemorasse uma notícia próspera. Encarei-o curiosamente, vendo sua atenção ser depositada a mim novamente. O homem caminhava em minha direção desfazendo-se de sua gravata, a deixando aberta e pendurada em seu pescoço. Segurei as duas pontas da mesma quando a distância era insignificante e o assisti arrancá-la de uma vez, jogando-a longe. 
Instantaneamente me lembrei da conversa que havíamos tido naquela manhã. Então simplesmente ficou evidente, embora ele ainda não tivesse me revelado nada. 
- Consegui. - começou, ainda sendo incapaz de esconder o sorriso. Sim, as negociações para a venda da Empire tinham sido iniciadas. - Mas metade da empresa permanecerá como minha. O comprador é um velho conhecido, alguém que tem conhecimento de como as coisas funcionam por lá. Vamos com calma. - ele baixou o olhar para tirar seus sapatos enquanto desabotoava a camisa, como se quisesse incessantemente se livrar das roupas que usava em seu trabalho. Eu estava feliz, porque sabia que era o que ele sempre quis. E finalmente estava conseguindo. - E estou me dando férias a partir desse momento, longas férias. Porque tenho planos para nós, senhora Jonas. - seus dentes seguraram seu lábio inferior com força, e os diversos fios espalhados em várias direções de sua testa o deixavam com um ar sufocante de tão sedutor. Passei a brincar com os botões de sua camisa aberta, abrindo os dois restantes. 
- E eu posso saber quais são esses planos? - indaguei com uma sobrancelha arqueada, mas ele fez um som negativo com a boca e me roubou um selinho. 
- Ainda não. 
Olhei-o indignada enquanto o mesmo se encaminhava para o banheiro, alegando que iria tomar um breve banho antes que tivéssemos realmente que começar a nos preparar para o casamento deCameron e Lexi. A cerimônia seria realizada no final daquela ensolarada tarde. 

Branco definitivamente era uma cor que favorecia a máscula beleza de Joseph. Coincidência? Acho que não. 
Sentada sobre a borda da banheira, eu assistia-o enquanto o homem se barbeava habilidosamente diante do largo espelho de nosso banheiro. A camisa branca ainda aberta revelando seu peitoral extremamente perfumado. Eu não sabia dizer se era pelo contraste promovido graças as íris intensamente verdes, mas o branco de sua camisa realmente o deixava encantador. Através do reflexo no espelho, Joseph me analisou enquanto dividia sua atenção entre meus olhos presos a sua imagem e a concentração que necessitava para não se machucar. Ri de leve quando ele, de propósito, piscou sedutoramente para mim e assumiu uma expressão presunçosa, gostando de estar sendo fitado por um extenso tempo. Eu deveria estar dentro do box tomando um banho quentinho, mas era simplesmente tão bom observá-lo, então provavelmente já estava atrasada. Apesar de não mencionar nada, ele também passava bastante tempo prestando atenção em minhas feições, como se desconfiasse dos devaneios que vinham com cada vez mais frequência. Na noite anterior, durante um momento íntimo nosso, eu acabei por deixar escapar um lamento, o obrigando a me olhar daquela forma questionadora e preocupada. Eu lamentei simplesmente porque sabia que ainda me prevenia com meios contraceptivos, e porque não tinha coragem para lhe dizer “vamos levar isso adiante e fazer outro bebê”. É claro que minha insuportável insistência no assunto não arruinou nossa noite, muito pelo contrário. Joseph é um homem que consegue levar qualquer problema com um simples toque, então imagine o que diversos deles podem proporcionar. Sim, é como pisar no paraíso. E ele não tirou os olhos dos meus em momento algum durante nosso momento; meus olhos lhe revelavam coisas que nem eu mesma sabia classificar; ele compreendia o que se passava dentro de mim com apenas esse gesto. Bom, se Joe realmente foi capaz de compreender na noite anterior, tinha optado por não compartilhar a descoberta. 
Demetria, pare de tentar abaixar minhas calças com a força do pensamento. - balancei a cabeça tentando sair de meu mundo de pensamentos complexos e ri de seu comentário, percebendo que ele já tinha terminado de se barbear e fechava preguiçosamente os botões da camisa. O cabelo permanecia molhado, dando-lhe um ar jovial. Levantei-me da banheira e puxei a fita delicada de meu curto robe de cetim perolado, o deixando cair de meu corpo em segundos. 
- Vou tomar meu banho e parar de perder tempo com um homem convencido. - girei em meus calcanhares, fazendo meus cabelos se agitarem, como se para fazer charme. O ouvi rir e adentrei o box, deixando a água quente cair sobre meu corpo, enquanto ainda conseguia enxergar apenas sua forma embaçada se mover de um lado para o outro. Eu sempre perco a noção de tempo e espaço quando estou no banho, então provavelmente se passaram mais de dez minutos, visto que ele já começava a me chamar impaciente. 
- Precisa de alguma ajuda? Vamos, Demetria! 
- Não me apresse, rapaz! - ralhei, removendo toda a espuma perfumada de minha pele. 
Mais algum tempo se passou, eu me divertia com sua falta de paciência. 
- Vou ter que entrar aí, mulher? - ameaçou, ficando parado de frente para o box, pude ver bem sua silhueta. 
- Se tiver coragem... - provoquei, desligando o registro e tateando por minha toalha, a enrolando em meu corpo e saindo calmamente do box. Joseph me lançava um olhar abismado. 
- Nós não somos os noivos, então por que a demora? - cruzou os braços na altura do peito e eu simplesmente o ignorei, dando passos até o outro lado do recinto e não me incomodando em molhar todo o chão. Sequei-me totalmente, pouco me importando com o fato de que ele presenciava meu corpo despido minuciosamente. Após paparicar minha pele distribuindo o hidratante que a fazia parecer aveludada, escolhi uma lingerie apropriada para o vestido que usaria, a coloquei e voltei a vestir meu robe, preparando a pele de minha face para iniciar a maquiagem. Foi a minha vez de encará-lo no reflexo do espelho. 
- Se nós já não fôssemos casados, eu te pediria em casamento agora mesmo. - comentei vasculhando por minha base. Ele sorriu torto com meu comentário, penteando despreocupadamente seus cabelos para trás. Uns cinco minutos seguidos por silêncio me incomodaram, e até hesitei antes de lançar aquela pergunta, mas era necessário. 
Joe, você quer mesmo ir? - investiguei, empenhada em passar o rímel que já deixava meus cílios mais longos e curvados. O homem bufou, me olhando como se eu tivesse perguntado algo absurdo. Parou atrás de mim, apoiando as duas mãos em meus ombros, visto que eu estava sentada e olhou fundo em meus olhos pelo reflexo. 
- Por favor, Demetria, pare de me perguntar isso! - pediu quase em desespero, mas logo o semblante severo se desfez, então ele se abaixou para sussurrar algo ao pé de meu ouvido. Céus, eu sentia que podia sofrer um desmaio devido ao perfume inebriante, me embriagava. A fita que mantinha o robe firme ao meu corpo foi se soltando aos poucos, fazendo com o tecido delicado e escorregadio deslizasse para baixo, revelando um dos meus ombros. Senti um beijo ser apaixonadamente depositado ali. - E vista logo alguma coisa, antes que eu não te dê tempo o suficiente para isso. Se é que me entende. - ele pensava que podia simplesmente me arrepiar com suas palavras e depois sair caminhando desimpedido para longe. Homens! 
Encarei meu reflexo no espelho, repreendendo a mulher que me fitava por não conseguir se desfazer de sorrisos que decoravam seus lábios em intervalos muito curtos de tempo. 


Ergui minimamente a saia de meu vestido Jenny Packham para sair do veículo, firmando primeiro meu pé direito coberto por uma sandália Jimmy Choo no chão e recebendo o auxílio de meu marido, testando minha sanidade com aquele terno. Levantei o olhar e apreciei o belo local onde a recepção dos convidados aconteceria. Era um enorme salão, e sua área exterior contava com canteiros de diversas flores coloridas, a arquitetura lembrava um castelo. A decoração espalhada por todas as direções era delicada e de muito bom gosto, totalmente clássica, não poderia combinar melhor com o casal. A cerimônia na igreja fora linda, Joseph até se segurou para não rir quando percebeu meus olhos marejados diversas vezes, e eu simplesmente o cutucava no ombro e tentava não acabar rindo também. 
Seria estranho e inconveniente se nós começássemos a rir do nada, certo? 
O vento de fim de tarde insistia em tentar bagunçar meu cabelo feito em um penteado lateral com ondas encaracoladas, preso com uma presilha em brilhantes. Olhei para algumas mulheres que conversavam animadamente perto de um dos canteiros, comprovando que todas atenderam a exigência posta no convite de casamento: black tieJoseph e eu enlaçamos nossos braços e juntamente com vários outros convidados, adentramos o salão. Logo avistei a noiva que caminhava graciosamente de um lado para o outro. Lexi tinha se livrado do vestido de saia volumosa e digno de uma princesa que usara na igreja, vestindo então um bem mais leve, porém com detalhes semelhantes e também na cor branca. Peguei-me maravilhada com tudo, sentindo a inevitável sensação de nostalgia. Suspirei, me recordando de como é ser uma noiva e segurei o braço de Joseph com mais força, deixando que ele notasse minhas feições que oscilavam entre demonstrar emoção e saudade. 
- Vamos nos casar de novo? - brinquei, falando bem perto de seu ouvido enquanto procurávamos os noivos para cumprimentá-los. 
- Por que você não disse mais cedo, Demi? Estávamos em uma igreja. - aos risinhos, soltei-me dele quando finalmente pude avistar Cameron do outro lado, recebendo cumprimentos e mais cumprimentos de várias pessoas. Puxei animadamente a mãe de Joseph, já sabendo que ele não deveria estar se sentindo muito a vontade naquela situação. Lexi sorriu abertamente e acenou, vindo em passos apressados em minha direção. Mas antes que ela pudesse me alcançar, Cameron já estava ao nosso lado, olhando feliz para ambos de nós. Joseph olhou para o lado, provavelmente incerto sobre o que dizer, mas eu não pensei duas vezes antes de juntar as palmas das duas mãos e olhar para Cam como apenas uma mãe orgulhosa faria. 
Cameron... Você se casou! - ele riu de minha voz revestida com empolgação. - Eu estou tão orgulhosa! - o abracei aos risos, notando como seus olhos brilhavam. A todo o instante ele parecia virar o rosto, como se quisesse contemplar a imagem de sua esposa diversas e diversas vezes para mantê-la viva na mente. Suspirei outra vez, simplesmente adorando tudo. 
- Obrigado, mãe! - agradeceu, entornando os lábios como se eu realmente fosse sua mãe e ele estivesse se sentindo constrangido. Depois alegou que era brincadeira e afrouxou a gravata, olhando incerto para Joseph que fez o mesmo. Ao lado dos dois, apenas assisti meu marido estender sua mão na direção dele, oferecendo-lhe um singelo cumprimento, mas que para mim significou muito. 
- Felicidades, mate. - disse com um sorriso que poderia ser verdadeiro ou falso. Ficaria a dúvida. Porém, se eu tivesse que arriscar, diria que pude identificar intenções verdadeiras. 
- Obrigado, Joseph. - Cameron agradeceu da mesma forma, um pouco formal demais. - Que bom que vocês puderam vir. A Lexi vai ficar muito... Ah, aqui está ela. - a noiva com covinhas expostas em sua face parou totalmente agitada ao nosso lado, vindo logo me dar um abraço apertado. Correspondi da mesma forma, desejando-lhe tudo de bom que fosse possível e impossível também. Quando nos soltamos, a morena disfarçou e segurou minha mão, me puxando para outra direção do salão como se pedisse discrição. 
- Deixe-os, venha comigo! - olhei para Joseph para me certificar de que ele não se importava em ficar por ali com Cameron, então deixei Lexi me conduzir pelas diversas mesas ornamentadas enquanto chegávamos até uma área mais afastada. 
Paramos de andar perto de um dos diversos corredores que davam acesso aos banheiros, área dos fundos, cozinha e estacionamento. Ela ajeitou a tiara prateada que fazia parte de seu penteado impecável e sorriu mais uma vez antes de começar a falar o que realmente queria. Fitei-a extremamente curiosa, não aguentando mais esperar para saber do que se tratava. 
- Lexi, eu sei que hoje é o seu dia, mas... Não me deixe curiosa! - pedi gesticulando com as mãos, vendo-a erguer as suas e pedir paciência. 
- Certo, certo... Eu tenho um presente para você. 
- Você se casa e eu ganho presente? 
- Espere só um momentinho! - saiu correndo em direção ao estacionamento, segurando a saia do vestido para que não caísse. Aceitei o champagne que um educado garçom servia enquanto a esperava, procurando por meu marido com os olhos, mas não o encontrei. Poucos minutos depois Lexi retornou com um pequeno embrulho em mãos. Tomou minha taça de champagne e estendeu o presente, como se promovesse uma troca, mas não bebeu do conteúdo. Sem hesitar, comecei a desfazer o embrulho e logo constatei se tratar de um livro. Seu título era Fogo e Gelo e a arte da capa era incrível. Um iceberg aparentemente inabalável sendo atacado por chamar que, mesmo abaladas pela temperatura baixa, conseguiam aos poucos derreter o iceberg. Quem ganharia a batalha? Abaixo da ilustração, li o nome “Alexandra Fitzgerald”. Ergui meu rosto em sua direção, impressionada por descobrir que ela era a autora. 
- Lexi, isso é incrível... 
- Muitas coisas que aconteceram ultimamente me deram inspiração para finalizar esse livro, e olha que era um projeto bem antigo. Não vou falar sobre o que se trata, mas quero que saiba que você está nos agradecimentos. - ergui minhas sobrancelhas e me permiti folhear as primeiras páginas, logo localizando meu nome em meio a vários outros. 
À Demetria Jonas, por me mostrar que a coragem e a esperança são maiores que qualquer male
Provavelmente eu tinha um sorriso que logo mal caberia em meu rosto, e tudo que fiz fora abraçá-la, mais do que agradecida. Depois ficamos passeando pela área, enquanto ela parava vez ou outra para conversar com os convidados, mas simplesmente não me deixava sair de perto, alertando que ainda tinha mais algo a revelar. 
Parecíamos duas crianças saltitantes enquanto comentávamos sobre casamentos, sobre a sensação de pisar em um altar e ver tantos olhares sendo direcionados a nós. Irritada e cansada dos saltos altos, Lexi encontrou uma mesa livre, então fomos nos sentar. 
- Vamos, me conte. - pedi empolgada. Ela fez um pouco de suspense, por vezes rindo e por vezes desviando o olhar para procurar seu marido. Aproximou-se mais, como se apenas eu pudesse ouvir, pegou um dos docinhos colocados perfeitamente ao lado de vários outros e então sussurrou: 
- Não estou comendo esse docinho apenas por mim, entende? - encarei o chão para tentar compreender suas palavras, obtendo uma luz segundos após sua dica. Arregalei meus olhos e abri a boca para dizer algo, já prestes a balançar as mãos em sinal de comemoração. - Eu estou grávida! 
- Oh, Meu Deus! - falei um pouco alto demais, atraindo a atenção de convidados em uma mesa próxima. Lexi levou o dedo indicador até os lábios e pediu silêncio. - Parabéns, parabéns, para... 
- Shhh, Demi, o Cameron não sabe... 
- Como assim ele não sabe? - arqueei uma sobrancelha, perdida na situação. Provavelmente ela estava de poucas semanas, então era fácil esconder. 
- É o meu presente de casamento para ele. – torceu os lábios, lembrando-se de um pequeno detalhe. – Um presente que ele ajudou a fazer, convenhamos, mas tudo bem... - eu não sabia se apertava suas bochechas ou se a parabenizava mais uma vez, totalizando dezenas de parabéns. Lexi, sem dúvidas, era uma mulher adorável, merecedora de suas conquistas. 

Joseph's P.O.V

Eu realmente não entendo o motivo da fascinação que as mulheres têm por casamentos. Digo, é óbvio que só faltei gritar de tanta felicidade nos meus dois com Demetria, principalmente no segundo quando nosso Matthew, ainda dentro da barriga de Demi, chutou pela primeira vez. Mas estar em um casamento como convidado era algo tão monótono... Nem mesmo minha esposa estava ali sentada ao meu lado, comentando sobre tudo ao redor enquanto eu apenas tentava beijá-la. Entediado, fiquei encarando a taça que minutos antes tinha champagne, mas eu logo tratei de mudar sua situação. Percebi que alguém se sentou ao meu lado, e até pensei ser Demetria, mas quando virei o rosto meu sorriso se desfez. Era Cameron. Ele não me olhava, preferia observar toda a extensão do salão, mas sua expressão era divertida. 
- Estou nervoso. - disse, olhando em minha direção e respirando fundo. 
- Por quê? - arrisquei perguntar, reprimindo um risinho de deboche. 
- Porque eu me casei, é óbvio. - não tardei a deixar que o riso escapasse, fazendo-o me olhar seriamente. Baguncei meus cabelos e busquei com os olhos por outra taça de champagne disponível. 
- Deixe de ser tão vulnerável, Wolfe. - para a minha surpresa, ele não se aborreceu com minha sugestão, apenas concordou com a cabeça e depois riu. Ficamos em silêncio por um tempo, esperando quem seria o próximo a dizer algo. Desistente, decidi ser o responsável por isso. - Eu definitivamente não sei dar conselhos, mas se soubesse, sabe qual eu daria agora? - questionei, surpreso comigo mesmo por estar me dispondo a lhe dar um conselho. Realmente, as coisas haviam mudado, pelo menos superficialmente. Já não me causava aquele ódio absurdo olhar em sua direção, então julguei ser um bom sinal. 
- Por que eu aceitaria um conselho seu, mate? - a voz zombeteira de Wolfe me fez rolar os olhos, dando de ombros. 
- Vejamos... - fingi pensar. - Talvez porque da última vez em que eu te dei um conselho, ele salvou sua vida. - o homem ficou em silêncio, pensando sobre o que eu inconscientemente mencionei, sem nem mesmo me preocupar com o fato de que provavelmente ele não queria ter aquela lembrança justamente no dia de seu casamento. Ajeitou-se na cadeira e tirou a gravata, a colocando sobre a mesa e terminando sua bebida. - Meu conselho é esse: não importa quantas vezes pareça o contrário... É agora que a sua vida melhora. Acredite. 
- Nunca duvidei disso, Joseph. E, como já disse, estou nervoso. Eu tenho medo de não ser o marido que ela merece. - confessou, desfazendo-se do semblante zombeteiro e da implicância na voz. Ele realmente precisava dizer isso a alguém, e optou por mim. 
- Apenas deixe que ela saiba o quanto você a ama, todos os dias. - provavelmente parecíamos dois patéticos trocando conselhos e palavras como aquelas, mas não estava sendo tão ruim quanto pensei que seria. Cameron era um cara legal, apesar dos pesares. 
- Veja só o que Demetria foi capaz de fazer com o monstro... Joseph Jonas tem sentimentos. - meu rosto se torceu em uma careta, um claro sinal de repreensão. Neguei com a cabeça, sem me dar ao trabalho de pensar em uma resposta. 
- Para início de conversa, Wolfe, se eu fosse mesmo um monstro, teria deixado que aquele trem passasse por cima de você. - rebati, percebendo que tinha utilizado palavras demais. Palavras desnecessárias demais. Era um dia importante para dele, então eu deveria no máximo tentar ser mais amigável, certo? - Desculpe. - falei sem pensar outra vez, não acreditando que tinha feito um pedido de desculpas a ele. Bom, já estava feito. 
- Ah, tudo bem, o erro foi meu mesmo. - deu de ombros, conformado com seus atos inconsequentes do passado. Assisti o garçom depositar outros dois copos com alguma bebida sobre a mesa, vendo Wolfe pegar um e indicar o outro com um aceno para que eu bebesse também. - Obrigado por, você sabe, me impedir de cometer aquela loucura. - comentou de má vontade, incomodado por estar tendo que se lembrar novamente daquele dia. - Caso contrário, eu não estaria aqui. Graças a você, Jonas, eu tive a chance de me casar com a Lexi. - sorriu sincero, e eu me obriguei a retribuir, mas sem dizer nada. Depois, antes que pudesse perceber, já ria novamente. 
- Isso faz parecer que eu sou alguma espécie de cúpido, então vou ignorar. Só não seja um idiota duas vezes, porque será imperdoável. - Cameron negou com a cabeça, olhando para qualquer parte do salão, depois cruzou os braços, pronto para começar a fazer piada outra vez. Era típico dele. 
- Você é um babaca, sabia? - eu até poderia levar como ofensa, mas sabia que ele me atacava somente na intenção de continuar sustentando uma conversa desinteressada, como se não ligasse a mínima. 
- É a minha opinião, ninguém decretou que você precisa concordar com ela, Cameron. - me defendi. 
Ignorando todas as palavras trocadas, Wolfe ergueu seu copo e encarou o meu, como se quisesse propor um brinde. Peguei o copo sobre a mesa, esse ainda com todo o conteúdo, e imitei sua ação. Deixamos que os dois se chocassem de propósito, até que ele disse: 
- Um brinde a nossas belas esposas. - concordei, chocando os copos pela segunda vez, só para reforçar o brinde. Ele sorriu sem mostrar seus dentes e eu fiz o mesmo, bebendo o conteúdo do copo enquanto o repreendia com os olhos por caçoar de algo, provavelmente alguma coisa que eu não fazia mais questão de lembrar. Eu sabia que jamais seria amigo daquele homem, mas a sensação de que não precisávamos mais viver em guerra era boa. Sem ressentimentos. 

/Joseph's P.O.V

O momento em que Lexi revelou sua gravidez fora sem dúvidas um dos mais especiais da noite. Como quem não queria nada, ela caminhou até o impecável e gigante bolo e simplesmente disse “hey, acho que esse bolo precisa ser cortado agora mesmo, sabe como é, estou tendo um desejo...”. Muitos dos convidados presentes não precisaram de mais nada para captar a mensagem, já outros continuaram sem entender nada. E Cameron era um deles. Então, desistindo dos enigmas, Lexi optou por ser direta, soltando a novidade enquanto sabia que seu marido estava distraído “eu estou grávida!”. Ao ser surpreendido com o que ouviu, Cameron caiu no chão. Sim, ele realmente caiu no chão. Mas felizmente fingiu o inesperado desmaio, divertindo até mesmo aos garçons, até que o homem levantou aos risos e simplesmente disse “estou bem, pessoal, melhor do que nunca” Bastou essa declaração para que um empenhado coro de aplausos fosse puxado por alguém do outro lado do salão, fazendo o som que vinha dos quatro cantos penetrar por minha audição. Surpreendi-me por perceber que até mesmo meu marido aplaudia. Pouco tempo depois, alguns casais, inclusive os noivos, dançavam na gigantesca e iluminada pista de dança. 
Encarei minhas próprias mãos sobre meu colo, um pouco incomodada com o silêncio de um Joseph distraído sentado ao meu lado. Chamei sua atenção ao tocar um de seus ombros, deslizando meus dedos pelo local em um carinho. Ele segurou minha mão e virou-se na cadeira para ficar mais próximo de mim. Soltei o ar pesadamente pela boca e debati comigo mesma se deveria compartilhar algumas incógnitas de minha mente ou não. Como já esperado, ele notava quando eu começava a ficar distante e inquieta, segurando meu queixo entre o polegar e o dedo indicador, praticamente me obrigando com os olhos insistentes a desabafar. 
- Seja lá o que esteja passando pela sua cabeça agora, compartilhe comigo. - pediu de uma forma que lembrou absurdamente uma criança, seria um pecado negar. Virei a taça da champagne para molhar minha garganta com um último gole disponível, observando a pista de dança antes de começar. 
- Já adianto que é algo trivial, você provavelmente vai rir quando eu terminar de contar, mas sinto que foi mais do que simplesmente uma ilusão. - sem dizer nada, Joe me deu liberdade para continuar, segurando minha mão sem se importar com todo o tempo que já vinha fazendo isso. - Há meses, sim, meses, tive um sonho. Eu poderia tentar ignorá-lo, mas o mesmo está fixo em minha mente desde o dia em que vi todas aquelas imagens reunidas em cenas que me deixaram ansiosa. Parecia o epílogo de nossa vida, sabe? Como se fôssemos personagens de um filme com final feliz. - crispei meus lábios, não muito contente com a explicação que utilizei. - E algo em especial nesse sonho me deixou... Pensativa. 
- O quê? - curiosidade brilhava em seus olhos. Fechei os meus, aproveitando a música suave que rodeava todo o ambiente amplo. 
- Primeiro, me deixe dizer que tive o privilégio de te ver com mais idade e, eu juro, mal posso esperar para que o momento chegue. 
- Estou entendendo direito? Você prefere o Joseph aqui com mais idade? - gargalhei de seu semblante ofendido, tocando seu rosto e juntando nossos lábios. - Eu não estava careca, estava? - ergueu as sobrancelhas, temendo por minha resposta e esquecendo-se de fingir desapontamento enquanto queria mais e mais detalhes de algo que não seria expulso de minha mente tão cedo. Pelo menos não enquanto uma realidade semelhante batesse à minha porta. 
- Não, apenas grisalho. Tão sexy! - ri, suspirando com a lembrança. - Deixe-me continuar... - baixei o olhar, mordendo meu lábio inferior ao pensar que havia chegado à parte mais crucial. Tinha total relação com um desejo que já me deixava perdido em devaneios há dias. Angustiado com minha dispersão momentânea, ele tocou meu braço para me fazer voltar a prestar atenção em seu rosto e lhe contar o restante. - Joseph, nós tínhamos quatro filhos nesse sonho. E parecia tão real, mas tão real... - sem explicação aparente, meus olhos marejaram. - Bom, pelo menos nós temos meio caminho andado, não é? - encolhi os ombros, constatando que não conseguiria compartilhar com ele minha vontade. Era melhor deixar para lá. No entanto, tinha algo em suas feições levemente contraídas em um sorriso que ele fazia questão de manter encoberto. A forma como ele me olhava sem se manifestar, como se distraído com o movimento de meus lábios, esperando por uma oportunidade para aprontar alguma coisa, exatamente como uma criança diante de seus pais que a olham seriamente. Aborrecida com meu fracasso ao tentar disfarçar minha vontade não realizada, e evitando continuar aquela conversa, procurei por distração na música que terminava de tocar, esperando para ouvir a próxima. 
(Escolha sua versão preferida e coloque a primeira música para tocar!)
Foi instantâneo. 
Senti os poros de meu braço se eriçar um a um; o arrepio percorrendo minha nuca e descendo pela espinha, tocando todos os lugares possíveis. Minha audição automaticamente se deleitou, e lágrimas brotaram nos cantos de meus olhos sem pedir permissão. A música que começara a tocar era Strangers In The Night. Sim, a trilha sonora do epílogo de minha vida. 
- Essa música... - tentei com a voz trêmula, meu marido vasculhando meus gestos para encontrar uma explicação, começando a ficar impaciente com uma Demetria totalmente estranha ao seu lado. Era mais forte do que eu. - Essa era a música que tocava no epílogo da nossa vida. - alguns segundos de reflexão foram necessários para que um Joseph extremamente galante ajeitasse seu terno e estendesse sua mão em minha direção para que fosse segurada, umedecendo os lábios e proferindo um inusitado convite. 
- Por que esperar pelo epílogo? Vem, dance comigo. - extasiada, concordei de imediato, segurando sua mão e sendo conduzida até a pista de dança, ouvindo meus saltos tilintarem contra o piso branco e brilhante. Joseph habilidosamente agarrou minha cintura, fazendo com que eu segurasse seu ombro, deslizando as pontas de meus dedos por suas costas, mantendo-as repousando por ali. 
Tudo parecia funcionar em câmera lenta, era como se o tempo não fosse nosso inimigo, e sim um fiel amigo que está disposto a nos esperar pelo tempo que fosse necessário. Encostei minha cabeça um pouco aérea em seu ombro, fechando os olhos e entregando-me completamente a ele, submissa aos seus comandos, dando passos para onde ele sugerisse. Não sabia dizer se era o efeito proporcionado pela maravilhosa música, mas meus lábios se curvaram em um sorriso, um sorriso feliz sem pretensões. Altamente protegida pelos braços daquele homem que não cansava de simplesmente olhar para mim sem ser correspondido, percebi que talvez aquele pudesse ser o meu final feliz. Sem tirar e nem por. Eu sinceramente me conformaria com minha vida como ela estava, com todos os exatos detalhes. 
- Obrigado por me apoiar na decisão sobre a Empire. - Joe agradeceu brandamente, deixando sua voz soar baixa e rouca perto de meu ouvido. Simplesmente concordei com a cabeça e abracei seu corpo com mais empenho. 
- Eu te amo pelo que você é, não pelo que tem. Você conseguiu enfrentar muitas coisas, acreditou em si mesmo e se tornou um homem admirável. Diz que foi capaz de se curar apenas por minha causa, mas... - cessei minha fala e discordei com a cabeça, movimentando lentamente meus quadris no ritmo da música. - No fundo sabe que fez isso porque sentia que era o necessário a fazer. Você queria essa mudança, sempre quis, e você a conseguiu, meu amor. Você conseguiu. 
- Não teria conseguido sem você, então pare de teimar e assuma que foi a principal responsável. - sem tempo para pensar em mais nada, seus lábios famintos se juntaram aos meus. Sua língua quente tocou a minha, presenteando-a com uma gostosa carícia que seria difícil abrir mão, exatamente como seria difícil desistir de respirar. Subi uma de minhas mãos e acariciei sua nuca com minhas unhas, deslizando em movimentos circulares que certamente lhe causaram arrepios. Eu me entorpecia com seus toques, sentia plenamente a junção de nossas almas quando o beijava. Sua preciosa mistura de delicadeza e possessividade ao me segurar era mais que tentadora, era irresistível. Eu conseguia sentir seu coração batendo no lado direito do meu peito, tamanha a proximidade de nossos corpos. Ao afastarmos bocas avermelhadas e sedentas por mais, ele não tardou a falar: - Você sabia como eu era, e mesmo assim escolheu lutar por mim. Depois, não satisfeita por ter conseguido me deixar completamente apaixonado, fez questão de me presentear de tantas formas... Com seu apoio, sua fiel amizade, com filhos... - ele sorria um sorriso tão airoso que aos poucos levava meu fôlego embora. 
- Porque eu sempre soube que esse homem... - espalmei minhas mãos ternamente em seu peitoral coberto pela camisa de tecido macio. - ...existia. E valeu mais do que qualquer outra coisa no mundo lutar para que ele tivesse a chance de viver. 
- Eu sinceramente não sei se um dia serei capaz de retribuir tudo que você fez por mim. 
- Continue existindo e eu esqueço de qualquer dívida, senhor Jonas. - expressei-me convicta, voltando a aconchegar minha cabeça em seu ombro. Meus olhos vagaram por diversos rostos, até que localizaram os de Cameron e Lexi. 
Ele tinha apenas olhos para ela, o mundo inteiro parecia insignificante diante dela. Extremamente sentimental naqueles dias, não consegui evitar a estrondosa alegria que aqueceu meu interior. Eu estava absurdamente feliz por eles; Cameron e Lexi mereciam um final feliz depois de tanto martírio em suas vidas. Naquele momento, eu me sentia completa, por mais que a felicidade de ambos não tivesse nada a ver comigo. É como quando você vê algo belo pelo mundo e simplesmente aprecia, por mais que saiba que não houve contribuição alguma de sua parte. Ou quando você torce insistentemente para que o casal do filme fique junto no final, se debulhando em lágrimas quando, após muitas idas e vindas, o desfecho é como o esperado, ou talvez ainda melhor. Algo gratificante de se ver. E, Honestamente, era bonito vê-los juntos. 
Demetria? - Joseph me chamou visivelmente preocupado com minhas lágrimas, então olhei firme em seus olhos lindos e deixei de ser uma espectadora, voltando para o meu conto de fadas.
(Coloque a segunda música para tocar!)
Strangers In The Night se despediu calorosamente de nós, mas a tristeza por sua partida não durou, já que logo uma melodia dançante e encantadora começou a tocar. Eu não queria sair da pista da dança, então me soltei de Joseph apenas para relaxar meu corpo, deixando que ele o segurasse de forma mais pretensiosa depois, acompanhando um pouco incerto os movimentos mais ligeiros de meus quadris. 
- Eu não vejo problema algum em dançar a noite toda, sabia? - comentei de bom humor, fazendo charme ao piscar repetitivamente os olhos, movimentando graciosamente os ombros e roçando nossos narizes enquanto continuávamos com movimentos leves, os corpos mais próximos do que o recomendado. Aquela noite estava sendo melhor do que imaginei, eu até conseguia respirar mais aliviada por esquecer, mesmo que momentaneamente, de assuntos como meu desejo de engravidar. 
Let's do it... - Joseph sussurrou, as feições sérias fixas em meu rosto. 
Let's fall in love. - completei sustentando uma voz melodiosa, mas meu marido rapidamente meneou com a cabeça, querendo dizer que não se referia a música. Franzi meu cenho, os olhos duvidosos procurando por uma pista nos seus, tão brilhantes e misteriosos. Proporcionando-me um rodopio graças as suas mãos firmes que me conduziram para frente, ouvi, de costas para ele: 
Na verdade, eu quis dizer que nós devemos fazer outro bebê. - a explicação irrompeu de seus lábios de forma altamente serena, como o pedido mais doce já proferido. Fiquei reproduzindo o conjunto de palavras na mente pelo menos cinco vezes antes de tentar assimilar tudo, mas sendo incapaz de acreditar. Os planos que ele tinha... Aqueles eram os seus planos! Como se minha língua estivesse presa, busquei por palavras que não encontraram meios de sair corretamente, como se minha garganta estivesse fechada. Girei nos calcanhares e, sem pensar, acertei um tapa estalado em seu braço esquerdo, recebendo um olhar assustado em troca. - Apenas diga que não quer, Demetria, não precisa me bater! - ralhou, tocando o lugar, mas reprimindo um sorriso por saber que eu era capaz de constatar que, na verdade, ele não sentia dor alguma. Maldita mania dos homens de fingir que sentem dor só para que nós, mulheres, nos sintamos mais fortes. 
Joseph! - exclamei, a voz e o gesto birrento me transformaram momentaneamente em uma garotinha. Senti uma bagunça de emoções que oscilavam entre tempestuosas - visto o tapa que lhe dei - e benignas - visto o calor que fez meu rosto pinicar e o coração acelerar. Eu não sabia se ria ou se chorava. Quando percebi, lá estava minha mão atingindo outra vez seu braço. Ele me fitava incrédulo. Mordi meus lábios com força, cruzando os braços atrás de meu corpo e permaneci olhando-o arrependida. - Você tem ideia de como eu venho querendo isso? Mas... Acreditei que não estava nos seus planos, por isso não falei nada. 
- Então é por isso que você andou tão inquieta esses dias? - desvendou ele, revelando-se entusiasmado enquanto protegia a região atingida para que eu não ousasse atacá-lo outra vez. 
- Sim. - concordei com a cabeça, parando abruptamente de dançar, contrariando a música e a todas as pessoas ao meu redor. - Você está falando sério? - perguntei com uma pontinha de receio, temendo vê-lo gargalhar e dizer que não passava de uma brincadeira. Mas ele não faria isso comigo, faria? 
- Vou entender se considerar que ainda é muito cedo. - conformado, Joseph tratou de deixar bem claro. 
- Não, não é isso... Eu pensei que você não queria que nós tivéssemos outros filhos, pelo menos não por enquanto. 
- Eu quero. - as íris verdes mais iluminadas do que nunca brilhavam decididas, uma certeza abundante parecia escorrer pelas mesmas, deixando-me cada vez mais frenética por dentro. Algo proveniente de seu olhar firme esquentou meu peito, assim como seus dentes brancos e expostos fizeram com que uma calmaria fluísse por minhas veias, despertando um valoroso conforto que massageava todo o meu interior. Eu já me sentia potencialmente pronta para gerar vida outra vez. 
- Não sei o que dizer... - admiti em meio a risos soprados nervosamente, tocando minha barriga sem que ele percebesse, já começando a imaginar como seria ter um pedacinho de gente se desenvolvendo em meu ventre pela segunda vez. 
- Diga sim. - Joe me encorajou, extremamente persuasivo. A ideia de ter outro bebê enquanto Matthew ainda era tão pequeno me deixava visivelmente apreensiva, mas existia também um lado bom. Uma quantidade inimaginável de benefícios seria proporcionada aos dois, que poderiam praticamente crescer juntos, brincar juntos e descobrir o mundo do lado de fora de nosso lar também juntos. - Você quer? Quer me ver conversando feito um bobo com a sua barriga por nove meses novamente? - lembranças aquecidas pela saudade adentraram meus pensamentos como uma sequência de imagens perfeitas. - Pois eu quero mais do que tudo. Quero mais frutos do que nós temos. 
- Mais frutos, não é? Uma árvore repleta de frutos. - ele arregalou os olhos e me puxou para mais perto. 
- Vá com calma, mulher. Eu sou só um. - repousou a mão no peito, brincando ao fingir necessitar de fôlego. Eu simplesmente adorava quando ele fazia isso. Nos divertíamos com planos repentinos, fantasiando sobre um futuro não muito distante. Meus olhos cheios de lágrimas se esconderam da mira dele quando o homem girou meu corpo outra vez, me forçando a rodopiar e depois me capturou em seu enlace potente outra vez, voltando a me conduzir no ritmo da música. - Vamos, responda, vamos fazer outro bebê? - naquele momento, sendo levada pela corrente repentina de felicidade, não me preocupei com absolutamente nada. Os atuais assuntos mal resolvidos em minha vida simplesmente evaporaram de meu raciocínio. 
- Mas é claro que vamos! - eu ainda permanecia boquiaberta com nossos pensamentos que funcionaram de forma tão sincronizada. Não conseguia mais esconder o tom risonho em minha voz. Sabe, quando você está tão feliz que ri até para uma formiguinha caminhando sobre alguma superfície. Ou algo assim. 
- Onde ele será feito? Dessa vez vou te deixar escolher. - esbanjando um sorriso, o que certamente receberia o prêmio de melhor da noite, ele indagou, lançando então uma interessante questão no ar. A valorosa certeza de que, não, meu final feliz não era aquele. Simplesmente porque não se tratava de um final. 
- Essa não é uma decisão que posso tomar em segundos. - torci os lábios, já desenvolvendo uma lista de lugares, por mais que soubesse que nosso novo milagre surgiria quando bem entendesse. Essa era a parte que não adiantava planejar muito. - O importante é o seguinte, Joseph Jonas: prepare-se, pois nós teremos outro bebê! 
- Não sei dizer se eu estava mais ansioso para essa conversa ou para começar a colocar o plano em prática.

My dream is now alive in you



Apenas quando adentrei o local de iluminação envolvente e analisei meticulosamente a decoração que pude perceber: estávamos em um restaurante tailandês. Era um clima aconchegante à meia luz, com algumas plantas que harmoniosamente combinavam com o restante da decoração, contrastando com mesas impecavelmente arrumadas de ambos os lados, possibilitando que um vasto corredor ficasse disponível para que clientes e empregados pudessem transitar livremente. O maître gentilmente conduziu Joseph e eu na direção de uma mesa afastada, nos possibilitando ter mais privacidade. Sentei-me, ajeitando a saia de meu vestido Armani que, apesar de não possuir a mesma cor, combinava com as sandálias. Olhei tudo ao redor enquanto meu marido analisava o cardápio, dedicando sua atenção também a uma carta de drinks e outras bebidas típicas do restaurante, algumas possuíam apenas frutas em sua combinação. 
- Você não existe, Joe! Trouxe-me aqui em segredo só porque sabe que eu amo comida tailandesa. - alarguei meu sorriso, pegando o cardápio que repousava ao meu lado na bonita mesa ornamentada. Meus olhos vagaram por todos aqueles nomes de difícil significado, mas eu já estava habituada a reconhecer meu prato favorito diante de todos os outros. Era uma culinária leve e detalhista na mistura de sabores. O garçom parou a nossa mesa, esperando para anotar nossos pedidos. Para começar, ambos optamos por pedir como entrada a salada tailandesa de frango satay. Os pratos, alguns em especial, eram um pouco mirabolantes, então eu preferia os mais leves e normais diante dos meus olhos. Para beber pedi Bankao Cocktail e Joseph pediu Yuzu Martini. Já sozinhos, livres para conversar sobre qualquer coisa, notei que o homem exageradamente perfumado e bem arrumado a minha frente se preparou para falar. 
- Acho que a comida tailandesa é bem... Apropriada para os nossos planos, não concorda, Demi? - a comida tailandesa é, digamos assim, afrodisíaca. Bom, pelo menos é o que dizem. Quando o casal planeja meticulosamente uma gravidez, por vezes ela acaba por tardar a acontecer. Isso ocorre devido a crescente ansiedade que atrapalha a mágica a ser feita. Então teríamos de estar mais do que preparados para “tentar” a quantidade de vezes que fosse necessário, utilizando os mais variados estímulos. 
Desde o dia em que decidimos abrir nossa fábrica outra vez, ainda não havíamos tido nenhum contato mais intenso. Queríamos planejar absolutamente tudo, até mesmo o lugar da concepção. E eu já tinha encerrado o uso de métodos contraceptivos, totalmente pronta para a maternidade. 
Trocamos sorrisos maliciosos e empolgados com a ideia. 
Logo nossa primeira refeição e drinks chegaram, e não demorados para começar a comer. Vez ou outra fazíamos breves pausas para conversar, principalmente para planejar a mais nova etapa de nossa vida juntos. Planejar, planejar, planejar. Reparei que, quando o assunto de suas férias prolongadas vinha em cena, Joseph ficava um pouco distante, como se tentasse evitar o assunto. No fundo, pude perceber, ele começava a se sentir culpado por desistir em partes de sua empresa, como se isso o tornasse um covarde, um mal agradecido. E obviamente aquela não era a verdade. Levei minha mão até a sua que repousava sobre a mesa, entrelaçando os dedos de ambas. 
- Nós já sofremos muito, merecemos essa alegria. Então, por favor, futuro papai de segundo viagem, sorria e aja de acordo com a ocasião. - ele instantaneamente me obedeceu, curvando os lábios em um sorriso satisfeito. - E eu particularmente acredito que não existe ninguém mais merecedor dessa paz do que você. 
Tempos depois, quando já apreciávamos nossos caprichados pratos principais - ambos escolhemos o Pad Thai -, assisti meu marido largar os talheres ao lado do prato, dar um gole em sua bebida e enfiar a mão nos bolsos de seu casaco para procurar alguma coisa. Usei um guardanapo e também beberiquei meu drink, encarando-o ansiosa pela expectativa do que suas mãos, ainda escondidas em seu colo, revelavam. Depois, dois envelopes foram erguidos em minha direção. Ambos totalmente iguais, brancos e retangulares. 
- Escolha um. - pediu, os aproximando para que eu efetuasse a escolha. Não sabia o que poderia diferir um do outro, então escolhi aquele que minha intuição aconselhou. Joe o entregou a mim, colocando o outro sobre a mesa. Recebendo um estímulo seu, abri o envelope que meus dedos seguravam firmemente, adotando uma expressão confusa e ao mesmo tempo iluminada quando constatei que se tratavam de passagens de avião. 
- Passagens para Paris? - senti meus olhos se arregalarem em surpresa, e depois se direcionaram até o outro envelope. A curiosidade falou mais alto. - O que há no outro? - Joseph o pegou e abriu rapidamente, revelando mais duas outras passagens. 
- Essas são para o Havaí. - ele notou que meus ombros se encolheram e minha expressão murchou de maneira perceptível. Paris era um dos lugares mais bonitos do mundo, principalmente em dias ou noites chuvosas, e eu sabia disso sem nem mesmo ter colocado meus pés no país. Porém, Joseph tinha conhecimento pleno de meu fascínio por regiões litorâneas. E eu também nunca tinha visitado o Havaí. - Não se preocupe, estão datadas para o mês que vem, e eu tenho mais duas guardadas, ou seja, podemos levar os meninos conosco. Consegue imaginar Matthew diante daquelas praias incríveis? - os cantos de meus lábios logo começariam a doer, visto que a quantidade de sorrisos que escaparam súbita e inconscientemente por eles nos últimos dias era incalculável. - Já as de Paris são para a próxima semana. - capturei o objetivo que era transmitido através de íris verdes. Um plano: ter um bebê. Destino: Paris. - Eu quero ter muito do que me orgulhar quando envelhecer, Demi, e esse é só o começo. 
- Vamos para Paris! - exclamei mais do que animada, com a repentina necessidade de pedir mais drinks para comemorar. Encostei-me devidamente à cadeira e juntei as palmas das mãos em um gesto mais do que comemorativo. - Vamos fazer um bebê em Paris! 
Quando, precisamente falando, aconteceria? Menino ou menina? Qual o nome? 
Bom, essas foram apenas as primeiras questões que pairaram no ar. Teríamos tempo para outras, muitas delas, cercados por lençóis amarrotados, fantasias tentadoras e inusitadas, trocas dedicas e exageradas de calor, paixão de sobra e muita, mas muita determinação. Paris podia tratar de se preparar para nós. 

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