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domingo, 12 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 16

Xeque-mate!
(Músicas do capítulo: No Light, No Light da Florence + The Machine, Interceptor do Brand X Music, Devotion do Hurts feat. Kylie Minogue, Safe & Sound da Taylor Swift feat. The Civil Wars, How To Save a Life do The Fray e Have You Ever Really Loved A Woman? do Bryan Adams. Se possível, deixe todas carregando e coloque uma a uma para tocar quando cada aviso surgir.)




Nova York

Os ponteiros de um simples relógio pareciam emperrados, ou talvez o avanço no tempo que aquelas quatro pessoas tanto aguardavam estivesse mesmo demorando a chegar. Talvez fosse fruto de suas mentes confusas que não sabiam como dar um passo a seguir, então, consequentemente, o tempo se tornava um inimigo. Quando torciam para que voasse, ele pousava sem avanços. Porém, quando desejavam que parasse, apenas para que pudessem respirar com segurança uma única vez, corria longe de seu alcance, potente como a velocidade da luz, potente como um tiro disparado pelas armas já frias que repousavam no chão daquele quarto. Julian e Olivia não dormiam mais, pois o sonho estranho de minutos antes ainda martelava em suas mentes, eliminando completamente o cansaço. Cassie e Karlie permaneciam imóveis naquele sofá, cada uma pensando em uma solução diferente, provavelmente. A ruiva bufou, cansada do incerto. Não gostava de ficar parada, esperando a próxima ação de quem quer que fosse. A próxima ação sempre deveria ser sua. Provavelmente era a única ali que não temia por sua vida, mas como convencer os outros de que, caso algo ruim fosse acontecer, aconteceria até mesmo se estivessem escondidos embaixo da terra? 
- Se vocês querem ir embora, é melhor arriscar de uma vez. - ela começou, levantando-se e ficando parado no centro do quarto, pronta para ditar possíveis instruções que tirariam todos dali da forma mais segura possível. - Caso Arthur queira nos encontrar, ele fará isso em qualquer lugar. Nos escondermos não é uma opção muito plausível. - os outros dois adultos no recinto se entreolharam e concordaram com a cabeça, prontos para seguir um rumo incerto. Olivia continuava com os olhos distantes, como se ainda sonhasse, porém acordada. - Cara, é sério, alguém precisar parar aquele homem! - Karlie comentou exasperada, cansada de toda aquela história sem sentido. - Quem quer que seja, desde que faça isso do jeito certo. - fez uma breve pausa em seu desabafo, notando que dois pares de olhares acompanhavam suas reclamações um pouco alarmados. Ela não estava errada, eles precisam admitir. - E não adianta vocês me olharem desse jeito,todos nós queremos isso. Todos nós ansiamos pela morte dele. Estou errada? 
Ninguém teve coragem de se pronunciar. 
- O que diabos vou fazer com isso? - depois de alguns segundos de silêncio, Julian começou, apontando para os braços infestados por tatuagens mórbidas. Era angustiante saber que ficaria marcado por toda a vida com algo como aquilo, por mais que tivesse a opção de seguir algum tratamento próprio. No entanto, infelizmente, as marcas não eram apenas em seu exterior. 
- Na verdade, Julian, é algo bem sexy. - Karlie disse inocentemente, unindo as sobrancelhas quando Cassie lhe lançou um olhar mais do que torto. A ruiva se segurou para não rir diante daquela situação, precisava manter seu semblante sério para que ninguém se esquecesse do problema que ainda fazia parte daquela noite. - Por que esse olhar, gata? Você disse que não estava a fim dele. - cruzou os braços e desviou o olhar, erguendo o queixo como um sinal de quem está mais do que satisfeito com o que diz, vitorioso por causar desconforto a alguém. Cassie sentiu as bochechas queimarem ao perceber um olhar de Julian que lhe media. 
- E você está noiva! - a loira respondeu, tentando não fraquejar em meio as palavras. 
- Caleb colocou um anel no meu dedo, e você faz parecer que ele arrancou minhas córneas! Posso olhar para onde eu quiser. 
Como obra do destino, o celular de Karlie tocou e ele se afastou um pouco dos outros dois quando, ao olhar o visor, constatou que se tratava do dito cujo. Caleb. Encostou-se a uma parede e fitou a janela, ainda pensando se deveria atender ou não. Era um daqueles momentos em que ela sentia que precisava falar com ele, mas queria adiar a situação. A vontade de enxergá-lo, mas o impulso de fechar os olhos caso ele aparecesse em sua frente. Estupidez, ela pensou. 
- E aí, noivo! - atendeu com a voz animada, determinada a esconder detalhes daquele dia. Do outro lado da linha, o homem optou por ser direto, sem tempo para jogar conversa fora. 
Nós precisamos conversar... Quando você volta? 
- Logo. - ela torceu para estar certa. 
Tudo bem, então. Nos falamos melhor quando chegar. - Karlie notou o quanto ele estava sendo evasivo e distante. Na maioria das vezes, aquilo não a incomodava, na verdade, nem conseguia detectar indiferença nas pessoas, já que ela sempre conseguia ser uma indiferente de mão cheia. Mas talvez naquele dia, afetada pelos acontecimentos, não conseguia controlar o desapontamento repentino. Sentia que precisava fazer alguma coisa para trazer o homem preocupado e atencioso de antes para a vida novamente. Quando Caleb se despediu, ela não hesitou: 
- Espere! Eu... - ela fechou os olhos, mordendo a própria língua como se fosse uma resposta de seu corpo, que repreendia sua mente por pensar em dizer semelhantes palavras. Não, ela não iria dizer. - Esquece. Até logo! - desligou rapidamente e guardou o aparelho, limpando os pensamentos antes de voltar onde Cassie, Julian e Olivia estavam. 
- Se vocês não se incomodarem, eu quero arriscar e pegar um avião agora! - Julian confessou corajoso, olhando seguro para sua filha, que concordou com um fraco sorriso. Cassie estava muda. 
- É só dizer a hora e eu estou indo! Você vem, Barbie? - Karlie parou próxima a porta e lançou um sorriso para a loira, que retribuiu e se levantou com agilidade. 
- É claro que sim! Mas e a Lexi? - Cassie lembrou a todos, que de repente estavam sem rumo novamente. 
- Vou ligar para a Demetria, tentar pelo menos. Se todos nós a conhecemos, provavelmente Lexi também deve conhecer. 
Logo já estavam longe daquele lugar, próximos a um aeroporto, talvez. Olhando para todos os lados, sentindo os corações acelerados. Com medo. Mal sabiam eles que Arthur já estava no destino em que temiam. 


Demetria's P.O.V

Londres

Meus olhos fitavam uma agitação pelas ruas que estava propensa apenas a piorar. Era como se a falta de luz antecedesse alguma grande catástrofe e as pessoas estivessem apavoradas, pensando até em um possível apocalipse. A verdade é que a escuridão não era minha maior preocupação. Desde o momento em que Joseph conseguiu encontrar o endereço da casa dos Blanchett e foi me buscar, um estranho pressentimento passou a assolar a positividade que eu tentava alimentar com pensamentos calmos, felizes. O pânico por descobrir que aquilo não era um sonho, que meu filho Jamie realmente estava desaparecido enchia meus olhos de lágrimas, por mais que eu não tivesse coragem de deixá-las cair na frente de Joseph. Ele parecia petrificado, atordoado demais para proferir alguma mísera palavra de conforto. Seus olhos eram escuros, angústia e raiva pareciam se misturar ali. Se eu não estivesse tão submergida em medos, tentaria consolá-lo. Joseph acreditava que tudo era culpa sua, eu até arriscaria dizer que ele acreditava incessantemente que algo grave fosse acontecer naquela noite. Desviei meu rosto do seu, fitando as ruas escuras que passavam rapidamente por mim. Meus dedos brincavam nervosamente com o tecido daquele vestido estranho que eu ainda usava, e só então fui me dar conta de que algo estava preso dentro de um dos bolsos. Abaixei meu olhar, segurando o material com força e o puxando. Era uma pecinha bem pequena e metálica, parecia algum tipo de equipamento especial usado em filmes de espiões... E uma luz bem pequena e vermelha piscava toda vez que algum barulho era identificado ao meu redor. Qualquer coisa, até mesmo o simples ato de respirar. 
Joseph, pare o carro! - pedi em voz alta e ainda aturdido ele me obedeceu, olhando meu rosto e o analisando, tentando entender minha expressão, meus olhos presos naquele objeto. 
- O que é isso? - ele perguntou, sua voz rouca e baixa provocou um aperto em meu peito, mas preferi ignorar. 
- Não sei, estava preso no vestido e... Claro! - como pude demorar tanto tempo para perceber do que se tratava? Finalmente chegando a uma conclusão, mostrei o objeto para Joseph, que o analisou por segundos e depois bufei irritada, olhando para frente e me perguntando o que aquela desgraçada estava pensando quando colocou uma espécie de escuta naquele vestido, me obrigando a vesti-lo logo depois, me amarrando em um porão escuro e fugindo de casa, de acordo com as palavras de Sean. Ela era louca! 
Sem pensar duas vezes, abri a janela do carro e joguei a peça para fora, conseguindo escutar o som que fora produzido quando ela se chocou com o chão rústico de concreto. 
Demetria, eu... - Joseph tentou começar a se explicar novamente, mas eu o interrompi. Precisava me livrar daquele vestido antes que tivesse uma síncope. Sim, meu ato poderia parecer superficial, afinal, eu tinha um filho desaparecido, então por que estava sendo estúpida o suficiente para me preocupar com a roupa em meu corpo? Era como se algo naquele tecido fizesse com que eu me sentisse presa, observada. Incapacitada de fugir de algo ruim que me aguardava. 
- Eu preciso me livrar desse vestido! - avisei a ele, abrindo a porta do carro e pedindo para que meu marido fizesse o mesmo. Na verdade, pedi que saíssemos para que ele tomasse um pouco de ar, já que seu rosto pálido começava a me preocupar. 
Caminhamos até a frente do capô, então eu olhei para o paletó que ele vestia e pedi que tirasse. Sem questionamentos, o tomei em minhas mãos e voltei para dentro do veículo, dessa vez deslizando para o banco de trás e me trocando rapidamente, fechando todos os botões da peça. Joguei o vestido pela janela e voltei para o banco da frente, vestida com o paletó preto que felizmente escondia meu corpo até a metade das coxas e ainda usando as meias grossas que aqueciam minhas pernas. Joseph tentou ligar o carro novamente, e quando escutei o roncar do motor, levei minha mão até a sua, inevitavelmente obrigando seu rosto a se virar em minha direção. Acariciei ternamente seu rosto, percebendo o quanto aquilo lhe fez bem. Eu não nutria raiva por ele, de forma alguma. 
- Me desculpe por parecer um fraco, mas eu estou apavorado, Demi. 
- Eu sei, eu sei... Também estou. Mas nós vamos sair dessa, vamos encontrar nosso garoto. Você vai ver, não terá passado de apenas um susto. - tentei acalmá-lo, sorrindo ao descobrir que havia conseguido, pelo menos por enquanto. - E, caso algo drástico aconteça hoje, quero que saiba que eu me sinto mais forte do que nunca, estou preparada para enfrentar o que for. 
- Por que diz isso? 
- Eu não sei. - admiti, incerta com minhas próprias palavras. - Um pressentimento
Assustando ambos, meu celular começou a tocar estridente. Atendi sem nem mesmo olhar no visor, pensando se tratar de algo envolvendo Jamie, provavelmente mamãe avisando que ele já tinha aparecido, mas era a voz de Scarlett do outro lado da linha. Começamos a conversar enquanto Joseph tentava chegar o mais rápido possível em nossa casa. Digerir o que meus ouvidos identificavam era quase impossível. As coisas que Scarlett me contou naquele curto espaço de tempo eram insanas e... Absurdas demais para fazer parte da realidade. Cassie trabalhando para o homem que eu deveria chamar de pai? Julian, o estranho homem que me assustava um pouco, sendo transformado em uma espécie de clone de meu irmão Carter? Lexi correndo risco de vida em um hospital? Não, eu estava ficando louca, não era possível! A mistura de emoções vagando dentro de mim pediu que eu fechasse meus olhos e respirasse fundo por um instante. Sem mais condições de falar com Scarlett, desliguei, encostando minha cabeça no encosto do banco de couro, pensando em como começar a dizer tudo aquilo para o homem ao meu lado. Pensando em como entraria em contato com Cameron para avisar do fatídico acontecimento. 
Porém, o celular voltou a tocar. Era uma ligação de casa, da minha casa. 
Jamie estava bem, Jamie estava com minha mãe e Matthew naquele exato momento. Cameron o encontrou na rua, então o levou de volta. Eu apenas agradeci minha mãe pela ligação e senti as lágrimas voltarem em meus olhos, não me importando com perguntas, não me importando em imaginar o motivo de Cameron ter sido capaz daquele ato depois de certos acontecimentos. Não medindo consequências ao sorrir abertamente e comunicar Joseph, que teve que parar o carro outra vez, tão aliviado que mal sabia o que dizer. 

(Coloque a primeira música para tocar!)
Avistando minha casa, notei uma movimentação que de fato não era familiar. Consegui enxergar a sombra de três homens, que se aproximavam de outra sombra, essa pertencia a minha mãe, que tinha Matthew em seus braços e Jamie parado ao seu lado. Os três, minha família, pareciam imóveis, como se chocados com o que seus olhos enxergavam. Senti como se algo segurasse meu coração e começasse a esmagá-lo lenta e dolorosamente, até que o ar faltou e constatei o choro preso em minha garganta subir sem medir esforços. 
Não! - tudo aconteceu rápido demais. Sem nem saber como, eu já tinha conseguido abrir a porta do carro, colocar meu carro para fora e correr na direção daquela cena tão errada. Ignorava os gritos de Joseph atrás de mim, que implorava para que eu parasse, mas eu não queria parar, eu não iria parar. Aquele maldito não podia estar diante de minha família, não podia! Ignorando a dor nas pernas, sentindo o vento se chocar contra meu corpo e as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, cessei meus movimentos assim que o rosto do homem ao centro do jardim de minha casa se virou, constatando minha presença. Senti o peso de seus olhos contra mim, como se apenas seu olhar fosse capaz de me cobrir com aquele medo que obrigava minhas pernas a tremerem. Três armas se ergueram em minha direção sem perdão do tempo, antes mesmo que eu pudesse respirar novamente. A vontade de correr e alcançar aqueles que eu amava era maior, sim, que aquela voz que gritava para que eu recuasse... Ou seria morta. Sentindo Joseph parar atrás de mim, respirei fundo e tratei de manter minha cabeça erguida, ignorando os três estranhos e fitando apenasArthur. Na quase completa escuridão, senti o ódio movimentar meu corpo, lhe dando permissão para dar um passo a frente. As armas continuavam ali, me observando e a voz de Joseph que continuava me pedindo para parar ficou em segundo plano. Outro passo, outra lágrima. 
- Por favor... - tentei, constatando a falha aparente em minha voz proporcionada pelo choro. - Meus filhos estão aqui, por favor... 
Eu não conseguia acreditar que estava mesmo praticamente implorando algo a ele, mas não tinha direito algum de colocar meu orgulho em primeiro lugar naquele momento. Daria minha vida por meus filhos, aquelas armas não me assustavam. Desde que continuassem apontadas para mim, e não para eles, minha mãe ou Joseph. 
- Abaixem as armas. - a voz solene daquele homem ordenou, tendo o pedido atendido no exato instante. Seu corpo virou-se completamente em minha direção, então ele começou a se aproximar. 
- Está pensando em matar outro filho? - surpreendida com meu tom de voz que mudara drasticamente, deixei que meus olhos acompanhassem os seus, os acertando com o mais genuíno ódio que escorria juntamente com aquelas lágrimas. - Já encontrou alguém de aparência semelhante a minha para quando se arrepender? - cessando seus movimentos, visivelmente surpreso, Arthur abaixou o olhar e logo após isso não segurou um risinho maquiavélico. De repente ele me deu as costas, voltando em passos rápidos até a área do jardim onde minha mãe estava com os meninos. Senti ao mesmo instante a mão de Joseph segurar meu ombro, um pedido claro para que eu não começasse a correr novamente, mas continuei a ignorá-lo, obrigando os músculos de minhas pernas a aguentarem mais um pouco, o pouco que eu precisava correr até alcançar aquele ser e afastá-lo. Obviamente ouvi passos atrás de mim, Joseph não me deixaria sozinha, por mais que eu nem mesmo virasse meu rosto para olhá-lo. 
A forma como Arthur fitou minha mãe fora minuciosa, eu diria até que interessada. Foi como estar recebendo um soco certeiro no estômago quando o rosto dela revelou uma mistura de nojo, pânico e medo. 
- Olá, Sue. - sua voz soou baixa, mas carregada de intenções que a deixavam desconfortável. Eu continuava estagnada, desejando que os sentimentos negativos que cresciam dentro de mim aumentassem sua frequência cada vez mais, até que eu finalmente fosse capaz de dar um jeito em toda aquela situação. Sentindo o acúmulo de forças em meu interior, esperei apenas mais um segundo. O segundo que o desgraçado foi capaz de encostar um dedo nela. Então os olhos dos dois se encontraram. 
A maioria das pessoas já viu pelo menos uma demonstração de amor e carinho entre seus pais. O máximo que consegui enxergar ali, circulando por entre os dois... Era ódio. Não um ódio vazio, não odiavam um ao outro pelo simples fato de existirem, mas sim porque a descoberta de que o que compartilharam estava arruinado deveria ser insuportável. E Joseph sabia o quanto isso me magoava, ele sabia que eu estava prestes a desmoronar e cair sem forças no chão, deixando que as lágrimas me vencessem em um choro que aquele homem, parado diante da mulher que eu mais admirava no mundo, não merecia ver. 
O silêncio tomou conta do ambiente, Arthur de repente abaixou seu olhar e fitou Jamie, que não fazia questão alguma de se esconder atrás de minha mãe ou abaixar a cabeça, ele permanecia da mesma forma, lançando um olhar até mesmo ameaçador ao homem. Em seguida, Arthur voltou a erguer sua cabeça e fitou Matthew, até o momento aéreo a todo aquele caos, apenas olhando tudo a sua volta com os olhos e os sons curiosos de um bebê. Então, meu pequeno encontrou o olhar paralisado daquele que deveria chamar de avô. Lentamente seus olhinhos verdes brilharam marejados, linhas se formaram em sua pequena testa e ele permitiu um choro subir por sua garganta frágil. 
Rompendo um silêncio angustiante, o choro de um inocente surgiu. O aviso mais intenso do quão errado tudo aquilo era. 
Matthew rapidamente escondeu seu rostinho em dos lados dos ombros de minha mãe, tão assustado, tão desesperado para se afastar daquele ser. Eu não consegui me segurar, voltando a chorar desamparada, como se conseguisse sentir a angústia do bebê em meu próprio corpo. Aquela cena parecia afetar a qualquer um presente ali, até mesmo aquele homem tão odiado, que não conseguia fazer mais nada a não ser continuar com os olhos presos em meu bebê. Como um vulto, Nancy saiu correndo de dentro da casa, como se soubesse o que acontecia, arriscando-se o máximo que pode para conseguir levar meus meninos para dentro. E foi isso que ela fez, sem pausas para olhar para trás. Logo os três estavam novamente salvos dentro de casa. Minha mãe levou os braços para trás, dando passos incertos para longe de Arthur, chegando perto de mim. Nós duas finalmente conseguimos nos alcançar, segurando as mãos uma da outra. Mas eu ainda conseguia enxergá-lo, congelado e reflexivo, como se estivesse colocando suas decisões pútridas, iniciativas abusivas e comportamento tão repulsivo em uma balança imaginária. Arrependido, talvez. 
Mas era muito, muito tarde para isso. 
Demetria, você é uma fraca! E eu tenho pena de você. - ele disse já recuperado de um lapso, por simples vontade de me ofender. Soltei a mão de minha mãe e caminhei decidida até ele, passando pelos homens armados e os ignorando completamente. Havia chegado o momento, o momento em que ele ouviria tudo. Tudo. Até que seus ouvidos simplesmente não aguentassem mais e explodissem. Uma vontade nunca fora tão grande dentro de mim. 
- Você, mais do que ninguém, deveria saber que isso é mentira. - comecei, frente a frente com um dos responsáveis pela minha vida. Pelo meu nascimento. - Eu não sou uma mulher qualquer. Já levei um tiro, lutei até não aguentar mais para provar a inocência do meu marido... - senti o olhar de Joseph em mim, mesmo que meu rosto não tenha se virado um instante sequer. Mas depois eu fiz questão de olhá-lo de relance, para me certificar de que estava em segurança. - Lidei com um homem completamente insano que quase conseguiu me matar... Três vezes. E, só para variar, tenho de aguentar firme e ignorar o fato de que a pessoa que eu deveria chamar de pai quer acabar com tudo que eu conquistei. - minha voz ia se elevando aos poucos, eu sentia que poderia explodir em fúria a qualquer momento. - Se eu me sinto fraca às vezes? É claro, mas quer saber a verdade? Eu não sou! 
Ele me aplaudiu. De forma irônica, é claro. Suprimindo minha vontade de correr para longe feito uma garotinha assustada, eu tratei de me fazer acreditar que não sairia dali até que conseguisse consumar aquele martírio, consumar a pose de grandeza que aquele ser acreditava tão fielmente possuir e transformá-la em apenas pó, que seria levado para longe enquanto ele apenas assistia, consumido pela derrota. 
Arthur voltou a se interessar por minha mãe, passando por mim e indo até ela. Com o vento que levou meus cabelos para o lado, virei meu corpo, seguindo sua direção. 
- Diga-me, Sue, como é que consegue viver desse jeito? Tão abandonada, tão imprest... 
- CALE A BOCA, SEU MISERÁVEL! - todos me olharam assim que gritei, com minhas mãos fechadas em punhos e os dentes trincados. Ódio, ódio, ódio. Era tanto que eu não conseguia mais aguentar, ele estava tomando meu corpo sem pedir permissão. 
- Quais serão os outros meios que conseguirá para provar o quão relapso você é quando se trata disso, dessas pessoas que esperaram tanto de você, mas que não conseguiram absolutamente nada? Será que você nunca vai conseguir ficar em paz, Arthur? Vamos tratar de superar o fato de que você deixou de significar qualquer coisa para mim há muitos anos. 
- Mas eu já signifiquei muito para você, minha querida, é isso que importa. E posso trazer tudo isso de volta... É só me pedir. 
Nojo. 
Seu braço se ergueu, ele estava pronto para tocá-la novamente, desprovido de escrúpulos, de bom senso. E eu queria torná-lo também desprovido de vida. 
Minha mãe se afastou, angustiada por perceber que ele barrou o caminho quando ela tentou correr. Seus olhos verdes brilharam com intenções pútridas, e eu já me enxergava correndo novamente, temendo ser tarde demais para evitar a imagem que eu jamais conseguiria retirar da mente caso acontecesse. Fechei meus olhos com força, não conseguindo controlar meus pés apressados que agilmente me colocaram de frente para minha mãe, que se encolheu atrás de mim e segurou meus ombros, como se tentasse a todo custo me afastar. Preparei-me para a dor que aquele golpe causaria assim que o punho de Arthur atingisse meu rosto. Eu sabia que não tinha como evitar, mas não estava arrependida. Aquela mulher desistiu de viver sua própria vida para permitir que seus filhos tivessem uma digna. Minha divida com ela seria eterna. Dor seria o de menos. 
Mas essa esperada dor não veio. Tudo que fui capaz de sentir fora meu coração acelerado. 
Arthur abaixou o braço visivelmente trêmulo, recuando um passo, deixando que eu enxergasse as veias saltadas em seu pescoço. Não conseguia mais controlar meus próprios músculos, os espasmos que me obrigaram a acabar com a distância entre nós novamente. Furiosa, não pensei duas vezes antes de atingi-lo com meus punhos erguidos, perplexa demais com o fato de que a ideia de ferir minha mãe tinha passado por sua mente perturbada. Era intolerável, insuportável, irremediável. Eu o queria morto
- NÃO SE ATREVA A TOCAR NELA... NUNCA! - esbravejei, me transformado em uma pessoa descontrolada. 
- Já toquei, e se não tivesse tocado, você não estaria aqui. - ele respondeu indiferente, isento de qualquer incomodo pelos socos que continuava a receber. Joseph, do outro lado, continuava preso na mira daquelas armas. Eu não sabia se meu coração aguentaria continuar batendo daquela forma frenética por muito tempo. 
Então, eu explodi de vez. A mistura de lágrimas, gritos, socos. De repente me vi empurrando seu corpo, tentando feri-lo com todas as minhas forças. 
- VOCÊ NÃO TINHA O DIREITO DE FAZER ISSO COM ELA, NÃO TINHA! NÃO TINHA O DIREITO DE FAZER ISSO COM NÓS, PETER E EU! - descontrolada, eu desabafava todos aqueles lamentos, o atingindo sem sucesso, sem conseguir causar dor, mas não me importava. Eu queria que ele me assistisse daquela forma, daquela forma que surpreendia a mim mesma. Um estado tão deplorável que causaria pena até em um ser sem qualquer resquício de sensibilidade. Alguém como ele. - Eu desejo que você queime no inferno... E ainda seria pouco. - cuspi as palavras, mortalmente ofegante. - Juro por Deus que se tentar tocar em minha mãe novamente... - Arthur parecia pedir por mais demonstração de violência, mas eu não aguentava mais. Tive que parar e tentar me acalmar, antes que caísse morta naquele chão. - Nada nunca será capaz de apagar o que você fez, e essa maldita dor sempre vai estar dentro de mim. Porque, apesar de tudo, às vezes penso que você poderia ter sido um pai de verdade, um pai que eu tanto precisei quando mais jovem. Sou tola por isso, eu sei. - ele não me respondia, desprezava minhas palavras. A falta de respostas me deixava em estado de choque. - Mãe, entre, por favor! - pedi a ela, que negou com a cabeça e se manteve firme. 
Eu era forte, era capaz de qualquer coisa, sabia que sim. Conseguia me lembrar de Joseph insistindo na vitoriosa que eu era, alegando o quão orgulhoso sempre estaria de mim por simplesmente colocar aqueles que eu amava em primeiro lugar. E jamais abriria mão disso. Arthur Sheppard não era meu pai, e eu não poderia estar mais feliz com aquela descoberta tão óbvia. 
- Tão agressiva, Demetria! Isso vai lhe fazer mal. 
- É o seu maldito sangue correndo pelas minhas veias, então por que está tão surpreso? 
Deixei um sorriso surgir, seguido por um soco. Outro. Mais um. Ele nada fazia, não tomava atitude alguma. Era como se eu estivesse socando uma estátua de mármore, sentindo as consequências em minhas mãos que latejavam e nas lágrimas que deixavam minha visão embaçada. Mas algo não permitia que eu parasse, uma voz dentro de mim gritava "tenha força!" como se soubesse que eu poderia ceder a qualquer momento. Aquele monstro, em um piscar de olhos, poderia simplesmente me jogar para longe caso quisesse. Porém, algo em seu semblante deixava claro que aquela, por enquanto, não era sua intenção prioritária. Por mais que me custasse acreditar, ele finalmente começava a demonstrar indícios de preocupação pelo meu estado, ou sentia simplesmente pena. Ou arrependimento. Desfrutando de uma tremenda amargura depois de ouvir um desabafo tão asfixiante. 
No entanto, ele impediu o soco seguinte, segurando meu pulso com força e maestria, mantendo meu braço parcialmente erguido no ar, enquanto olhava fundo em meus olhos. Sua outra mão correu até um dos bolsos do casaco, de onde ele retirou sem dificuldade um revolver, o apontando na direção de meu marido. Meus olhos se arregalaram, a cena veio em minha mente mesmo antes de acontecer. 
Não! 
Joseph engoliu em seco e ignorou Arthur, fazendo questão de olhar apenas para mim. Nossos olhares atraídos um pelo outro deixavam que toda a lamúria daquele momento ficasse exposta, apontando nossos receios, revelando que éramos não apenas a força um do outro, mas a fraqueza também. Eu não fazia questão de me preocupar com a dor provocada pelo aperto em meu pulso que se manteve firme, apenas tratei de me mover o menos possível para tentar evitar uma tragédia. Como eu poderia tentar impedir uma tragédia, sendo que a vantagem não estava mais comigo? Naquele momento Arthur era o Rei, era o responsável por decidir quando mover nós, como se fôssemos peças de um jogo mortal. Não era possível, simplesmente não era justo reconhecer que a vitória seria dele. Não era aceitável assisti-lo fazer o que queria com todos nós, mostrar que o amor nunca conseguiria vencer batalha alguma. Eu precisava de alguma prova, alguma luz em meio a todo aquele blackout, algo que me ajudasse a impedi-lo de dominar tudo. A vontade de chorar já não fazia mais diferença, ficando em segundo plano. Minha mente tinha como único objetivo encontrar uma solução, meu corpo continuava imóvel apenas esperando a deixa para revidar o ataque. Mas como? 
Arthur percebeu quando tentei puxar meu braço para trás, e isso o fez mirar com ainda mais precisão sua arma na direção de Joseph. Seus movimentos eram calculados, pensava de forma hábil, seu coração era nada mais do que gelado. Cruelmente gelado. Como poderia ser possível alguém se submeter a tal vida tão vazia e sem propósitos positivos? Era simplesmente impossível aceitar que existiam seres que cometiam o ato desprezível de se divertir com sofrimento alheio. 
- Mais um movimento e eu acabo com o motivo de você se contentar em ser apenas... Isso. - como se desapontado com quem eu tinha me tornado, ele cuspiu as palavras com descontentamento, enquanto eu tentava a todo o custo protestar, sem sucesso, pois temia abrir minha boca para falar e isso acabar ocasionando uma tragédia. Uma tragédia que arrancaria minhas forças em uma única vez. Sem piedade, tão rápido que eu mal conseguiria me lembrar de como seria estar viva. - Ele pode ser rico, pode aparentar toda essa grandeza. Pode agir como o vilão... - apontava paraJoseph, lançando-lhe seu típico olhar que dava a sensação que todos eram inferiores. Joseph continuava com o corpo tenso, os olhos espertos atentos a qualquer movimento que pudesse surgir por parte dos outros dois homens que o cercavam. - Mas ele é um humano como qualquer outro. Se eu puxar esse gatilho, ele morre
Silêncio, escuridão, correntes de ar que ao invés de amenizar minha falta de ar, contribuíam para piorá-la. 
Tem certeza? A coincidência é que o mesmo pode acontecer com você. Um mero mortal como nós, alguém que não é capaz de andar sobre águas, mas é tolo e teima em crer no contrário
Demorei a constatar que realmente tinha escutado aquilo, fora um choque perceber que se tratava de palavras frias pronunciadas por minha mãe. Eu não sabia quando e nem como ela tinha conseguido aquele revolver prateado e reluzente que permanecia segurado com força por seus dedos nada trêmulos, apontado para Arthur. Pensei em Nancy, quando a mesma surgiu correndo para o lado de fora para proteger meus meninos. Talvez aquela fosse a explicação, talvez Nancy tivesse ajudado mais do que eu tinha conhecimento. - Mande que seus fantoches abaixem todas as armas, que as joguem no chão, de preferência. Ou eu transformo esse seu cérebro repugnante em migalhas. - senti o aperto em meu pulso se afrouxar aos poucos, até que por fim ele me deixou livre. Abaixei rapidamente o braço e massageei meu pulso com a outra mão, ainda sem coragem de me mover, controlando minha respiração para que não se tornasse ruidosa, olhando paraJoseph de relance a todo o momento. - Você não é o único que sabe surpreender por aqui, meu querido Quentin. - ela não pensava em desfazer aquela pose, sua expressão era fria, sem qualquer tipo de medo. Ela não se permitiria vacilar naquele momento. 
Um pouco incerta, olhei para Arthur, que simplesmente não sabia o que fazer. Como se o impacto das palavras da mulher que o amou um dia fosse forte demais para suportar sem perder a pose de imponente. Diante de nós, ele passou a aparentar uma simples palidez no rosto, olhos inexpressivos, mas que demonstravam o desalento que cobria sua alma. Sua arma então perdeu a direção, o foco desapareceu e ela era mirada para o nada, os dedos do homem provavelmente sem forças até mesmo para puxar o gatilho. Foi então que escutei o som de algo semelhante a um soco, olhando prontamente para frente, sentindo o pânico crescer mais uma vez. Joseph havia aproveitado a distração de um dos capangas de Arthur, consequentemente o acertando violentamente no rosto, chacoalhando seu punho em seguida, com um semblante que representava dor. Minha mãe continuava mirando em Arthur, e isso levou os outros dois homens a abaixarem suas armas, apenas assistindo como covardes. Antes que meu marido pudesse recuperar o objeto reluzente no chão, o ser atingido brevemente se recuperou daquele soco e foi para cima dele, começando uma luta desajeitada. Os dois conseguiram segurar o revolver, tratando de tentar ferir um ao outro. Joseph teve vantagem, acertando novamente o rosto avermelhado que já revelava sangue. O som de um disparo quase me fez gritar de pavor quando os dois juntos, sem intenção, acabaram puxando o gatilho, mandando uma bala para os céus. Joseph grunhiu e atingiu o homem uma terceira vez, conseguindo finalmente deixá-lo jogado no chão, tampando o rosto desfigurado com as mãos. Meu marido se aproximava sem hesitar, a potência daquelas lindas íris verdes vindo de encontro a mim, tendo o estranho poder de relaxar minha musculatura tensa. Os olhos verdes frios como uma impetuosa manhã de inverno, que desejavam apenas o pior para Arthur, assim como os meus e os de minha mãe. A ira de repente se transformou em pavor quando Joseph congelou seus movimentos e eu tive apenas tempo de piscar antes de sentir meu corpo ser puxado novamente, dessa vez segurado por um dos ombros enquanto uma mão impiedosa apertava meu pescoço de forma desajeitada, mas ainda assim capaz de me causar um insuportável desconforto. Enfurecido, Joseph engatilhou o revolver em sua direção, tornando assim Arthur alvo de dois grandes planos de vingança. Repudiando toda aquela situação com todas as minhas forças, tentei lutar contra seu aperto, sabendo que finalmente tinha uma chance, finalmente estava protegida, pois meu marido e mãe não hesitariam em me defender a qualquer custo. 
- Eu juro por Deus que se você não soltá-la agora... Arranco sua vida com as minhas próprias mãos! E, sim, eu vou para a prisão novamente, mas com um sorriso no rosto, meu caro, porque vou saber que te destruí! - Joseph ameaçou com a voz completamente fria, assustadora. 
- Você não sabe o que está dizendo, seu imprestável. - Arthur começou novamente, me mantendo presa. Uma de minhas mãos, que se chocava com seu peitoral, encontrou algo, e eu arregalei meus olhos quando fui me dar conta de que se tratava de uma terceira arma que era segurada de qualquer jeito pela mão que já não se encontrava sobre um dos meus ombros. Fechei meus olhos e soltei o ar pesadamente, dizendo a mim mesma que seria o que teria de ser. Eu me arrisquei, impulsionei meu corpo para trás e então senti meus dedos frios e trêmulos segurarem a arma, a puxando para frente sem que Arthur tivesse tempo de tentar evitar. Com ela em pose, caminhei um pouco para longe, tentando ignorar a aparente tontura. Joseph se virou e ficou de costas para mim, vigiando os capangas que permaneciam da mesma forma. Repeti seus movimentos, também ficando de costas para meu marido, até que ambas se chocaram. Um protegendo o outro. 
- Você não vai arruinar a minha vida. Ninguém vai! - afirmei com a voz já falha, mas que ainda tentava demonstrar algum tipo de força. Tentei não me impor limites, esquecer por um instante da integridade que fazia uma voz implorar para que eu não fizesse o que pensava. Queria de qualquer jeito adquirir um ar genioso, fazê-lo acreditar que o sangue prestes a borbulhar dentro do meu corpo era, sim, o mesmo do seu, mas isso não me tornava de forma alguma parte dele, ligada a ele. Minha perseverança não se inclinaria diante de seus atos tão desumanos, e era apenas questão de tempo até que eu explodisse outra vez. Meus dedos mal conseguiam segurar o objeto como recomendado, mas aquilo não me incomodou. E a repugnância que me invadia toda mísera vez que seus olhos entravam em contato com os meus despertava o instinto de vingança, o instinto de fazer justiça com as próprias mãos. Eu não permitiria que ele levasse embora o que minha mãe lutou tanto para construir: meu caráter. E também não permitira que ele arruinasse o que eu consegui construir: minha família. A coisa mais importante da minha vida, a responsável por até mesmo me obrigar a arrancar sangue de quem ousasse ameaçá-la. - Realmente passa pela sua mente que se eu atirasse bem em sua cabeça agora mesmo, alguém se importaria? Alguém sentiria sua falta? - indaguei com o tom de voz sombrio, soltando uma risada mergulhada no mais desprezível deboche, depois neguei com a cabeça e o olhei com pena, da mesma maneira que ele gostava de olhar para os outros, para os inocentes. 
Um aparelho celular disparou a tocar, o toque estridente funcionou como um tipo de alarme, desfazendo minimamente a tensão por um instante. Mas Joseph e eu continuamos daquela forma. Arthur pediu um segundo e ergueu seu dedo indicador, revelando o celular para nós três, e eu não sabia como tínhamos sido estúpidos ao ponto de permitir que ele tivesse realizado aquela ação. E se tudo fosse uma armadilha? 
- O que você quer? - ele perguntou para quem quer que fosse do outro lado da linha, revirando os olhos e se esquecendo que bastava apenas um passo em falso para que fosse atingido por nossa ira. - Me encontrar com você agora? Sim, é claro, eu imagino o quanto isso deve ser importante. - ergui uma sobrancelha, ainda imóvel, sentindo uma das mãos de Joseph tocar a minha que permanecia pendendo por um dos lados do meu corpo. Nossos dedos se entrelaçaram por instantes, fazendo carícias que tentavam transmitir calma. Arthur finalizou a chamada e ergueu as sobrancelhas, guardando o celular e elevando as duas mãos, como um gesto de quem se rende. Ele não tratou de dizer mais nada, apenas fez um gesto de cabeça que funcionou como um alerta para que os três homens corressem por meio a toda a escuridão, sumindo de nossa vista. - Realmente, essa foi uma reunião em família muito agradável. - ele ironizou, lançando um último olhar intencional para minha mãe. 
- Suma daqui. Agora! - ela exclamou, tendo o pedido atendido quando o mais velho também começou a correr, sumindo como um covarde. Não deveríamos ter deixado que fosse, mas caso tivéssemos impedido, será que nossa sanidade teria se esvaído de vez? Teríamos nos deixado levar pelo ódio e o assassinado ali mesmo? Eu não gostava de pensar na resposta. 
Atônita, com mãos trêmulas e não aguentando mais me manter de pé, larguei aquele arma no chão e corri até minha mãe. 
- Mamãe! Tudo bem? - Não esperei para abraçá-la, escondendo meu rosto em seu ombro e permitindo que as lágrimas retornassem. Ela fez o mesmo, mas conseguia ser mais forte, pois não deixava que elas saíssem por seus olhos, como se quisesse se mostrar forte para mim. Como fez desde o momento em que nasci. - Eu te amo, e me desculpe pelas atitudes tão... - afastei um pouco nossos corpos, sentindo seus dedos tocarem meu rosto e começarem a limpar as lágrimas. 
- Eu te amo muito, minha menina, o resto não importa. Deixe para lá. - eu não sabia como ela conseguia sorrir em meio a tudo aquilo, mas tive a obrigação de imitar seu gesto. Depois que nos soltamos totalmente, corri para os braços de Joseph, que me recebeu imediatamente, sussurrando em meu ouvido que tudo estava bem, que nós seríamos capazes de superar tudo aquilo. Enquanto eu procurava pelo calor de seu corpo, escondi meu rosto na curva de seu pescoço e refleti sobre dezenas de coisas, de repente sentindo um arrepio desconfortável correr vivo por todo o meu corpo. O medo de algo desconhecido, o medo de sofrer a descoberta de que a insanidade poderia me atingir a qualquer momento. Inspirei e expirei sem deixar que Joe percebesse meu desconforto, repetindo aquela frase mentalmente. 
"Se você questiona por sua sanidade, significa que não a perdeu!
- Essas pessoas, Joseph... Elas são insanas. Carter, Arthur... - comecei a dizer baixinho, bem próximo de seu ouvido, o nível de desespero em mim voz se elevando. - E nós compartilhamos do mesmo sangue. E se... E se essa loucura me atingir? Eu não quero, por favor, não deixe isso acontecer comigo! - suas mãos quentes obrigaram meu rosto a se afastar para que pudesse encarar o seu. Uma delas segurou meu queixo, enquanto a outra tratou de colocar uma mecha desobediente de cabelo atrás de minha orelha.
Demetria Jonas, não se atreva a se comparar com essas pessoas. Sangue não tem nada a ver com isso... - ele cortou sua voz parar juntar rapidamente nossos lábios. - Você tem algo que eles nunca conseguirão: força. Ser forte não é matar alguém com as próprias mãos, muito menos achar que pode dominar lugares e pessoas de uma maneira tão repulsiva. Ser forte, meu amor, é passar por tudo que você passou e continuar sendo capaz de sorrir da maneira que só você consegue. - outro beijo, dessa vez um pouco mais demorado. Em meio a lágrimas, senti uma delicada vontade de sorrir. - Sabe por que você não nunca vai sofrer do mesmo mal que eles? Porque eu te amo. Eles não têm amor, mas você sim. Mulher, você tem amor de sobra, e sempre terá! Estou acorrentado a você até deixar de existir. Talvez até bem depois disso. 
Eu não tinha mais o direito de lamentar, não depois do esforço que ele fez para deixar seus temores de lado e cuidar para que os meus desaparecessem de uma vez. Depois que nos abraçamos novamente, enxerguei Jamie parado do lado de dentro da janela, olhando para nós sem expressão. A vontade imensurável de ter meus meninos em meus braços me forçou a juntar meus últimos resquícios de força e correr para dentro da casa, ajoelhando no exato momento em que Jamie correu em minha direção. Nos abraçamos e segurei seu rosto com as duas mãos, verificando se ele estava realmente bem. 
- O que aconteceu, meu amor? Não fizeram nada com você, não é? Por favor, diz para mamãe que não, por favor! - sua mão quente tocou meu rosto e ele negou com a cabeça, abrindo um lindo sorriso. 
- Eu estou bem, só fiquei com medo de ser verdade. Fiquei com medo de que aquele homem realmente tivesse te sequestrado, mamãe! - ele confessava enquanto seus olhos marejavam, o tom de culpa em sua voz me angustiava. Passei meus braços por seus ombros novamente, trazendo sua cabeça para encostar-se ao em meu ombro, depositando um beijo em sua testa. - E se acontecesse algo com você, seria minha culpa. - comovida por suas palavras, pude perceber que Joseph já estava ao meu lado, também ajoelhado e puxando Jamie para poder abraçá-lo também. 
- Garoto, que susto você me deu! - tentava fingir que não queria chorar, mas eu sabia que ele não resistiria por muito tempo. 
- Tudo bem, papai! Eu disse umas verdades para ele. - Jamie estufou o peito, presunçoso. Nós dois tivemos que rir, absurdamente aliviados quando enxergamos minha mãe surgir do outro lado com Matthew em seus braços. Todos estavam bem, no final das contas era apenas isso que importava. - Foi divertido, sério. Principalmente por causa da cara feia que ele fez! - o garoto com sardas se divertia e se vangloriava de suas ações, levando embora o clima ruim. Então foi a vez de Matt vir para os meus braços, e eu não desgrudaria dele até que tivesse a certeza de que nenhuma ameaça continuava vigiando nossas vidas do lado de fora. O aperto no peito se esvaiu, restava saber até quando. 
Sem me importar com nada ao redor, larguei meu corpo no sofá e assim fiquei com meus filhos por um longo tempo, apenas tentando me distrair e tirar aquelas imagens ainda frescas demais da mente. Joseph pediu para pegar Matthew nos braços e eu permiti, voltando a perguntar se Jamie estava mesmo bem. Deixei risinhos escaparem quando escutei Joe conversando com Matt, dizendo a ele o quanto tudo aquilo tinha sido louco, realmente expressando sua opinião. O pequeno o olhava sem entender nada, mas mesmo assim não deixava de prestar atenção. Tempos depois, com o bebê em meus braços novamente, assisti meu marido se afastar um pouco e se colocar de frente para uma das grandes janelas de vidro, atendendo ao celular de forma discreta, praticamente sussurrando. Não quis me intrometer nem investigar, não tinha forças para isso. 
O estranho pressentimento se intensificou. 


Não enxergando mais opções plausíveis para continuar naquela caçada, o homem fez de tudo para conseguir parar seu carro antes que se chocasse contra uma parede de concreto envelhecido. Observando Londres iluminada novamente, ele assistiu pelo retrovisor do carro dois sujeitos encapuzados cruzarem a rua vazia com a velocidade diminuída, como se procurassem por algo ou alguém. 
Onde estaria o chefe deles?, foi o que o homem ainda dentro do veículo estacionado pensou. Era óbvio que estava fazendo de tudo para mantê-lo escondido, mas assim que, naquela manhã, Caleb teve o privilégio de descobrir que o maldito havia colocado seus pés na Inglaterra, não hesitou antes de pensar em alguma forma de vingar aquele vazio em seu interior. Percebendo que Joseph não apareceria, ele desistiu de esperá-lo e abriu a porta de veículo, revelando suas vestes que espantariam aqueles que costumavam conviver com o mesmo. Um all de star nos pés, uma calça jeans escura e surrada e uma jaqueta de couro que cobria apenas uma camiseta velha. Os cabelos castanhos praticamente invisíveis, eliminados, revelando uma cabeça quase que totalmente raspada. Quem quer que o visse pensaria que estava louco, mas aquilo não era loucura, de forma alguma. Era a genuína vontade de deixar de ser ninguém. Ele atravessou a rua até que conseguiu ficar ao lado do carro que havia sido estacionado. Os dois homens ali dentro notaram o interesse do outro e saíram com suas armas. Mas o que eles não esperavam era que Caleb também estava armado. Ter se relacionado com uma ex agente secreta lhe ensinou que agilidade é o que mantém uma pessoa vida, assim como precaução, olhos atentos e reflexos de um felino. O primeiro tiro fora disparado por seu revolver, então, para se proteger da revanche, correu até chegar à entrada de um beco, cruzando o local e indo para a escuridão que se revelava cada vez pior. Passando para o outro lado, um sorriso maldoso se formou em seus lábios quando conseguiu enxergar um dos capangas de Arthur o procurando sem sucesso. Correu desimpedido, sem medo, então passou seu braço impulsivamente pelo pescoço do outro homem, mantendo o aperto que seria o suficiente para matá-lo caso continuasse preso por mais alguns minutos. 
- Onde está seu chefe? - foi o que Caleb perguntou, mas o homem mal conseguia responder. Sentia o cano de um revolver apontado em suas costas, exatamente na região de sua medula espinhal. Furioso por não obter resposta, Caleb tratou de derrubá-lo no chão, o fazendo cair de bruços e forçando um de seus pés contra as costas do homem, que tentava chamar a atenção do outro ainda escondido. Sendo pego de surpresa, Caleb percebeu que o dito cujo havia decidido se revelar, então para evitar contratempos atirou na perna do homem ainda deitado, correndo para o outro lado da rua e desviando dos tiros que o segundo tentava disparar em sua direção. Encostou-se atrás de um carro e mirou sua arma, disparando duas vezes até que conseguiu derrubá-lo. Ofegante, ele virou o corpo e se largou sentado no chão, não sabendo se tinha matado ou não aqueles homens. Aturdido com suas próprias ações. Mas já estava feito. Restava apenas rezar para encontrar Sheppard, e então aniquilá-lo de vez. 
Depois seu celular tocou. Ele atendeu de qualquer jeito, com a voz embargada pelo cansaço e surpresa. 
O que está fazendo, cara? Parece que acabou de lutar em uma guerra! - um Dominic confuso o repreendia do outro lado da linha. 
- Mais ou menos isso... - Caleb olhou para os lados para checar se permanecia sozinho. 
Bom, aqui está: consegui o que você quer. Falei com o encarregado e agora tudo depende de sua boa vontade para pegar um avião e fazer o que tem de fazer. Tem certeza que está pronto para isso? 
- Sim, eu estou. - Caleb respondeu com convicção, se lembrando da conversa que teve quando fora visitar sua avó em um asilo. Nada nunca fora tão claro e certo em sua mente. Estava na hora de virar aquele jogo e deixar de ser mais uma das milhares de pessoas pelo mundo que apenas continuava a viver sem propósito, respirando por simples hábito. 


Joseph's P.O.V

Acendendo um cigarro, tudo que fiz foi me condenar por um ato tão desaprovado não apenas por Demetria, mas por mim também. Mas eu simplesmente não conseguia evitar, a necessidade pela nicotina falou mais alto. Acontecia com mais freqüência quando algo conseguia me tirar do sério, me deixar em um estado de nervos que eu sentia precisar esmagar alguma coisa para conseguir aliviar. Tragando de um jeito culpado e soltando a fumaça, sentindo meus olhos irritados, eu olhava ao redor para checar se ninguém observava meu feito tão desprezível, voltando a lembrar dos acontecimentos daquela noite. Eu não era capaz de apagar aquelas cenas, aquelas cenas que faziam meu sangue ferver. Como um verme como aquele tinha a coragem de colocar minha família em perigo? Ignorei a dor latejante em minha mão ao socar o capô do carro o mais forte que consegui, desejando que aquele fosse o rosto de Arthur. A imagem de Demetria lutando para parecer forte era a que mais me aborrecia, pois eu sabia que ela apenas fingia. Quando saí de casa naquela noite, eu a vi deitada na cama abraçada com nossos filhos adormecidos, finalmente encontrando um momento para desabafar de vez. Vê-la naquele choro tão desesperador me motivou a pegar aquele carro e ir de encontro a algo. Algo que me causaria arrependimento depois, mas eu faria qualquer coisa para não ver a dor estampada no rosto da mulher que eu amava. Qualquer coisa. A ligação que recebi e que tentei esconder era de Caleb, que revelou estar seguindo Arthur e seus capangas, dizendo também que estava determinado a exterminar aquele homem de uma vez por todas, e pouco se importava com as consequências. Não, ele não tinha me chamado para ajudá-lo, eu mesmo perguntei a ele se poderia pelo menos assistir, pelo menos observar aquele ser sofrer até implorar pela morte. Essa era a minha única ambição naquele momento, me encontrava totalmente possuído pela sede de vingança que me cegava cruelmente, levando embora a imagem de minha família, como se tivesse o poder de me fazer esquecê-la por um instante, colocando minha ira em primeiro lugar. É claro que mesmo assim eu não conseguia deixar de pensar neles, pensar que poderia estar me envolvendo em algo que acabaria arruinando minha vida novamente. Mas era como ter dois pesos e colocá-los em uma balança. Um deles representado Demetria e meus filhos, o outro representando a necessidade de ver Arthur destruído, pagando por tudo que fez. Traguei o cigarro novamente, mais exasperado do que antes, percebendo que a família sempre venceria, percebendo que não adiantava eu tentar me fazer de forte e indiferente quando se tratava do que eu tinha de mais valioso no mundo. Xinguei-me mentalmente por ter saído de casa, porque era lá que eu deveria estar naquele momento, levando a dor da mulher da minha vida embora. 
Perdido naqueles pensamentos tolos, identifiquei o som de um veículo se aproximar. Joguei o resto do cigarro no chão e olhei para frente, tentando me certificar de que não era ninguém conhecido. Infelizmente eu conhecia o homem que dirigia aquele carro. E lá estava mais um motivo para que eu continuasse em fúria naquela noite. Cameron Wolfe havia estacionado seu carro a alguns metros de distância. Do outro lado de uma grade fajuta, eu enxerguei que o local era repleto por ervas daninhas, visivelmente abandonado. Longos trilhos seguiam pelo caminho escuro até sumir completamente. Eram trilhos de trem. O que aquele estúpido fazia parado ali? Até pensei em ignorar, mandá-lo para o inferno e voltar para o meu carro, mas consegui escutar o risinho desgraçado que ele deu ao conseguir me notar. Voltei a me virar e sem pensar direito me encostei à grade, o olhando sem expressão. Ele segurava uma garrafa de algo que estava pela metade e bebia vez ou outra, totalmente bêbado. Aquele homem já havia tido dias melhores. 
- Venha, Jonas, venha assistir o espetáculo! - ele gritou, colocando metade de seu corpo para fora da janela, olhando animado para frente, como se estivesse esperando pelo trem. 
- Se você não percebeu, estamos em um blackout. Pense em outra forma de cometer suicídio, Wolfe. - respondi de qualquer jeito, também olhando para frente. O babaca teria mesmo coragem de ficar ali e esperar por um trem? Era o que eu chamava de estar no fundo do poço. 
- Oh, deixe de ser estúpido, essa é a sua chance para me ver morto. Aproveite, já que nunca conseguiu fazer isso... Agora eu mesmo estou lhe dando essa oportunidade. 
Não respondi, não sabia o que responder. Sua situação não me comovia, na verdade a única coisa que consegui sentir fora pena. Mas o modo como ele fez parecer que eu realmente estava conseguindo o que queria... Há muito tempo o fato de ele estar vivo ou morto não fazia diferença alguma para mim. 
- Eu sempre soube que você apenas fingia ser forte, Wolfe, sempre soube. - segurei nas grades e comecei a escalá-las, facilmente chegando do outro lado e largando meu corpo, dando alguns passos na direção dele. Eu não sabia o motivo de ter olhado para frente novamente. Pouco me importava se o trem chegaria logo ou não. A expressão no rosto daquele homem deixou de ser divertida, então ele deu outro gole em sua bebida barata e encarou o nada. Derrotado, era essa a palavra que o definia. Não pedi por explicações, não lhe ofereci um ombro para chorar e muito menos palavras tranquilizantes, mas ele decidiu começar a desabafar mesmo assim. E eu só queria entender o que me fazia continuar ali, ouvindo. 
- Meu pai está morto, minha namorada sumiu e provavelmente não quer mais saber de mim. Por algum motivo, ultimamente só consigo agir feito um babaca com as pessoas. A única coisa que sei fazer bem é ignorada pela maioria das pessoas. Sabe qual é a sensação de não ter seu trabalho valorizado, Jonas? Pelo menos já conseguiu senti-la alguma vez na vida? Suponho que não. - voltou a rir, mas com desdém. - Você sempre teve tudo na mão, certo? E eu? Bem, eu estou perdido agora. 
Ri sem sinal algum de humor. 
- Exatamente, eu sempre tive tudo na mão. - sacudi a cabeça inconformado com o que ouvia. - Toda a culpa do mundo nas mãos, pré-julgamentos de pessoas que mal me conheciam. E uma dezena de outras coisas, uma dezena de males que você não sentirá na pele e nem sequer saberá o significado. - aquele era o ser que me levou a cometer atitudes absurdas, o ser responsável por um plano que quase custou várias vidas, inclusive a de Demetria. O pai daquele ser separou meus pais. Bem, era nisso que eu acreditava até minha tia Karen decidir revelar alguns segredos de família. Aquele era o homem que cuidou de minha esposa enquanto eu não pude fazer isso... Pensar naquela época quase me fez parabenizá-lo por estar ali, encorajá-lo a esperar pelo trem e morrer de uma vez. Não existia modo de negar, eu sempre sentiria raiva dele. Raiva por saber que poderia ter evitado tanta coisa, mas simplesmente fui fraco e não evitei. - Está perdido? Então comece de novo! - quando percebi, já tinha escapado. Eu queria ir embora, mas ao invés de dar um passo para trás, avancei outro. - Você acha que é impossível, mas não é. 
Joseph Jonas sabe dar conselhos? - ele arregalou os olhos, fingindo uma risada e jogando a garrafa para longe logo depois, fazendo o barulho de vidro quebrado surgir. Então ele se mostrou tão aborrecido como eu estava minutos antes. - Eu estou farto, e não quero que me entenda. Nem sequer espero me tome alguma atitude. Vá embora logo, me deixe acabar com isso de uma vez. Não é da sua conta. 
(Coloque a segunda música para tocar!)
Então a luz de um poste acima de mim surgiu, assim como vários outras que rapidamente foram iluminando o caminho dos trilhos. Londres parecia estar livre daquele blackout. 
Permanecemos em silêncio, até que, alguns minutos depois, o som de algo se aproximando tornou-se evidente. O trem se aproximava, mesmo que ainda invisível aos nossos olhos. Mas sua fumaça aos poucos surgia pelo ar, o som de um apito enfurecido pareceu fazer com que Wolfe voltasse àquele planeta depois de muito tempo preso em pensamentos. 
Wolfe, saia desse carro! - exclamei, socando o material do veículo bem na parte da porta. - Você não tem razões para fazer isso, mate
- Não tenho? Ah, claro. 
- Você nunca foi acusado de um assassinato, seu pai não era um desgraçado traidor. - disparei a falar, perguntando mentalmente a mim mesmo qual era a porra do meu problema. O desespero pelo trem estar se aproximando me obrigava a aumentar o tom de voz. - Seu passado não foi um tormento. Eu tive que lidar com todas essas coisas, e você não está me vendo nos trilhos de um trem como um fracassado, esperando por uma morte fácil. 
- Fácil? Que nada, eu acho que vai doer bastante. - ele fechou os olhos e fingiu sentir dor, voltando a rir. Perdedor. 
Uma memória surgiu, vaga e aparentemente sem importância, mas que logo passou a fazer sentido. 

Flashback

Um senhor havia se aproximado de nós, perguntando de forma calma se gostaríamos de ser desafiados. Revelou uma caixa e retirou dali dois pequenos pedaços de papel. Demetria e eu nós entreolhamos e apenas concordamos, sem realmente entender muito bem do que se tratava. O homem entregou um papel para mim e o outro para a mulher ao meu lado, rindo de nossos semblantes confusos e se dispondo a explicar. Ele começou a dizer que deveríamos escrever alguma grande ambição em nossa vida, algo que certamente gostaríamos de fazer antes de deixar aquele mundo. E expressar tudo isso com apenas uma mísera palavra. Demetria comentou o quanto seria difícil, mas eu não pensava da mesma forma, eu sabia bem o que queria. Algo que aconteceu comigo, então eu simplesmente esperava pelo momento em que poderia fazer por outra pessoa. 
Salvar
Após escrevermos tais palavras, entregando os papeis para o senhor, que leu silenciosamente e depois se demonstrou pensativo. Enquanto dizia a Demetria qual seria seu desafio, fiquei apenas esperando a conclusão daquele momento tão sem sentido. Não faria diferença alguma em nossas vidas, faria? 
Um desafio fora lançado a mim. Aquelas palavras aparentemente inúteis surgiram. 
"Não importa quando, não importa como, terá de salvar uma vida. Não que tenha de doar um rim ou coisa parecida, mas precisa fazer alguém enxergar que viver vale a pena!

Fim do flashback. 

Então realmente acontecia, o momento havia chegado. Eu teria de salvar uma vida, a vida que por pouco não coloquei fim. Era tão irônico e inaceitável, mas ainda assim parecia certo. As palavras de minha mãe naquela carta que demorei tanto para ler começaram a fazer sentido. Ela sempre esperou tanto de mim, então parecia inaceitável decepcioná-la. Talvez fosse a hora de seguir em frente, de crescer. De parar de agir como um garoto problemático e vingativo que sempre permaneceria estagnado nas próprias desgraças que desejava aos seus inimigos. Eu não queria mais aquilo, não queria mais nada que pudesse me manter preso ao passado. Nada. 
- Você não pode morrer, não agora, não quando estou aqui! Sabe o que vai parecer? - minha voz adquiriu um desnecessário tom de desesperado, deixando claro que eu me sentiria culpado se aquele homem longe do bom senso perdesse a vida. 
- Que você conseguiu o que queria, meu caro... Me ver morto. 
O trem parecia cada vez mais próximo, a fumaça já dificultava a respiração e o apito cada vez mais audível. Olhando para frente, fui capaz de enxergá-lo. A luz vermelha do sinal piscava emitindo um som agudo. 
- Seu desgraçado, saia logo dessa porra desse carro antes que eu te mate! - voltei a socar a porta, dessa vez com ainda mais força. Ele não se importava, apenas permanecia rindo do que poderia acontecer a qualquer momento. 
- Eu vou morrer se sair, vou morrer se não sair... - Wolfe olhou para cima, fingindo pensar. - Olhe, eu prefiro continuar aqui dentro, pelo menos estou confortável! 
Era loucura e eu provavelmente me arrependeria depois, mas não hesitei antes de correr até a frente do carro, parando ao meio dos trilhos, continuando a olhá-lo com raiva. É claro que eu não pretendia me matar, mas talvez conseguisse convencê-lo do contrário. 
- Saia daí, Jonas! - aborrecido, ele reclamou. 
- Tenho família, Wolfe. Você sabe bem disso, não sabe? - o vento proporcionado pela aproximação do trem já era completamente notável. O barulho fazia meus batimentos cardíacos se elevarem, enquanto eu olhava diversas vezes para trás. - E é algo incrível! - sentia estar quase ao ponto de berrar, pois o aviso severo da maquina cada vez mais próxima era superior a minha voz. - Depois de conseguir construir uma família, você pouco se importa com o resto. Tudo que quer e precisa está ali, com as pessoas que nunca vão desistir de você. E eu acredito que todos são capazes de encontrar isso, então... DEIXE DE SER IDIOTA E SAIA DESSE CARRO, SEU INFELIZ! - abri meus braços, inconformado, frustrado por não saber mais o que dizer. - Vá encontrar uma família, vá viver a droga da sua vida! 
Por que eu estava fazendo tudo aquilo? Parecia certo um homem cujo sonho fora salvar vidas permitir que uma fosse apagada de maneira tão frívola? Não, de forma alguma. 
Naquele instante eu pensei em como estaria minha vida se eu fosse um médico. Um médico que faria de tudo para conseguir tirar Wolfe dali. No momento em que está prestes a salvar uma vida, uma pessoa que recebeu o tão esperado diploma de formação em medicina não perde tempo com reflexões. Ela não se importa com a história de vida daquele que precisa ser salvo, ela não faz questão de se deixar levar por possíveis desavenças. Ela não enxerga raiva, culpa, muito menos vingança. Tudo que um médico quer fazer é simplesmente o seu melhor para que uma mãe em algum lugar do mundo tenha mais tempo com seu filho, uma esposa apaixonada possa estar com seu marido, crianças inocentes possam correr e abraçar um pai que chega exausto do seu trabalho. Eu não era um médico, duvidava que conseguisse me tornar um algum dia, mas naquele momento sabia que era a coisa certa a fazer. Impedir que Wolfe jogasse sua vida fora, o salvando mesmo que de forma implícita, tentando fazê-lo acreditar que nada está totalmente perdido enquanto se continua com um coração batendo no peito. Ao contrário disso, após a morte, nada mais poderia ser feito. 
Sim, era a coisa certa a fazer. Não por mim, mas pelo mundo. Pelo mundo que Demetria me ensinou a acreditar, um mundo melhor. 
Jonas... SAIA DAÍ AGORA! - ele gritou para mim, então olhei para trás e enxerguei perfeitamente o gigantesco trem, que passaria por cima de qualquer coisa. Irritado, Wolfe abriu a porta do carro e correu em minha direção, mas eu apenas dei passos rápidos para frente e saí dos trilhos, olhando para ele com uma expressão de vitória. Nós tivemos apenas tempo de perceber que o veículo ainda continuava estacionado nos trilhos, então corremos para longe quando o impacto entre ambos, trem e carro, aconteceu. O som alto e incomodo atingiu nossas audições, e o carro fora jogado para longe, totalmente destruído. Até que o trem fora embora de vez, sem mostrar qualquer abalo. Perplexos com o que tínhamos acabado de presenciar, Wolfe e eu nos entreolhamos por um curto espaço de tempo, até que eu neguei com a cabeça e me dispus a subir novamente a grade, pronto para sumir dali. Mas precisei dizer algo antes. Caminhei em sua direção e olhei em seus olhos. 
- E caso tente se matar outra vez... Mais sorte. - ergui as sobrancelhas e fingi um sorriso amigável, voltando a me concentrar em escalar a grade. 
- Por que fez isso? - Cameron não parecia mais estar bêbado, só descrente demais de tudo que tinha acabado de acontecer. Embasbacado olhando para os restos de seu carro, realizando que por pouco não fez parte daquela bagunça. Deveria estar se sentindo um lixo por acreditar que não tinha mais saída alguma na vida. 
Aquele idiota mal sabia o significado da palavra sofrimento. 
- É hora de seguir em frente, Wolfe. - expliquei sem grande esforço, negando com a cabeça e o olhando por uma última vez. - Não somos mais garotos, não é mais desse jeito que quero levar minha vida. Eu não pretendo continuar mantendo essa situação, não quero ter que me importar com o que você pode fazer para me prejudicar a cada vez que te vejo. A verdade é que não faz mais sentido algum. Nós não somos amigos, nem inimigos. - tratei de deixar bem claro, finalmente conseguindo chegar ao outro lado e aos poucos rompendo a distância entre meu carro. - Nós não somos nada. - falei mais alto, consciente de que ele tinha escutado. - E obrigado por levar meu filho em segurança até minha casa, você não é tão inútil quanto pensei que fosse. - antes que ele pudesse responder, seu celular tocou e ainda perplexo atendeu. Percebi que, seja lá o que ele escutava, não era uma notícia boa. Cameron estava totalmente preocupado. Desligando, ele me olhou sem expressão e simplesmente disse: 
- Era a Demetria
Foi minha vez de ficar perplexo. 
- Por que Demetria ligaria para você? 
- Porque ela descobriu onde a Lexi está. Em Nova York, internada em algum hospital, sem nem mesmo identificação. Demetria passou meu número para uma tal de Scarlett, que irá entrar em contato. - em silêncio, eu apenas concordei com a cabeça e olhei para os lados. 
- Boa sorte. - desejei simplesmente, recebendo um aceno de Cameron. 
Então fui embora, sem qualquer resquício da sede por vingança que havia me levado até aquele lugar. Tentando ainda processar o fato de que tinha acabado de salvar a vida daquele que no passado jurei matar. Inacreditável. 

/Joseph's P.O.V


Fitando o início de uma estação de trem, Arthur sacou seu celular e discou rapidamente uma seqüência de números. Foi caminhando pela área que havia sido iluminada minutos antes enquanto procurava por alguém e torcia para ser atendido logo. Assim que identificou uma voz feminina do outro lado da linha, suas feições suavizaram tanto que parecia algo impossível se de ver. 
Era como se tivesse se transformado em outro homem. 
- Aqui é Quentin Wright, liguei para avisar que a hora se aproxima. Mas peço que espere alguns meses, deixe-a se recuperar de certas coisas primeiro. Sim, ambos sabemos que ela é forte e que vai conseguir. - explicou pacientemente, encostando-se a uma parede, observando os trens solitários que vagavam praticamente vazios. Já era tarde da noite. - Conto com você. - então ele concluiu a chamada, olhando para baixo e soltando um longo suspiro, balançando a cabeça positivamente, como se conformado com a atitude que esperava impaciente para tomar. Sozinho, ele escutou o som de longos saltos que se chocavam contra a plataforma, decididos e rápidos. Não tardou a olhar para o lado e encontrar uma enigmática Valerie, que abriu um largo sorriso brilhante e ergueu uma de suas sobrancelhas impecáveis, fazendo uma breve pausa em seu andar para contemplar os trilhos vazios. Deslocando as mãos dos bolsos do casaco de um roxo berrante, ela rapidamente as passou pelos ombros de Arthur, dando-lhe um abraço inesperado. Achando ser verossímil corresponder, suas mãos grandes tocaram a cintura dela, o que fez a mulher sorrir abertamente mais uma vez e soltar risinhos questionáveis. Os dois se soltaram e encararam os olhos um do outro, as íris verdes de Arthur sabiam que as íris azuis de Valerie escondiam alguma coisa, mas ele já não se importava. Sabia que ela sempre seria aquele infindável mistério, aquele conjunto de atitudes tão insensatas, mas que sempre a levariam onde ela queria. Valerie era uma mulher poderosa, ele precisa admitir. Uma mulher que alcançava seus objetivos utilizando de apenas uma arma: a loucura. Completamente isenta de sanidade, Valerie chegava longe em seus planos, cruzava linhas proibidas e toda a vez que se via diante do perigo optava por deixá-lo passar diante de si, deixá-lo fazer parte de seu jogo. Ela sempre enxergava o lucro, nunca perdia uma oportunidade. 
- Você fugiria comigo, querido? - ela perguntou com a voz carregada de feminilidade e muito aveludada, completamente sedutora. Inexpressivo, Arthur lembrou-se dos momentos que passou na casa de Demetria horas antes, não sabendo ao certo o que deveria pensar. Um lado seu ardia nas chamas da culpa, mas o outro nem mesmo fazia questão de procurar a preocupação inexistente. A mulher de cabelos loiros brilhantes desistiu de esperar por uma resposta que parecia atrasada como o próximo trem, então eliminou a distância entre os dois novamente e depositou as duas mãos cobertas por delicadas luvas brancas sobre os ombros largos de Arthur, juntando seus lábios quentes aos dele que eram frios. 
(Coloque a terceira música para tocar!)
Envolvidos em um beijo totalmente impróprio, totalmente livre de qualquer afeto, os dois continuaram por um tempo. Valerie não queria ouvir a voz dele, acreditava ser melhor assisti-lo ceder em silêncio. Gostava de apreciar pessoas em silêncio quando a chance de ter voz era apenas sua. Seus saltos voltaram a se chocar contra o chão visivelmente empoeirado enquanto ela espalmava as mãos no peitoral do homem bem mais alto e ia empurrando seu corpo para frente com leveza, com a delicadeza que seus olhos tanto gostavam de exalar. E aqueles que acreditavam na beleza de suas feições angelicais sofriam com as amargas consequências, o amargo lembrete de sua loucura. Amargo como aquele beijo havia se tornado. 
Arthur bem que tentou se segurar no corpo esguio e aparentemente frágil da mulher que com maestria o empurrou na direção dos trilhos, dispondo-se a ajoelhar sobre a plataforma e contemplar a visão de um homem que procurava por formas de escapar dali o quanto antes. Outro trem poderia estar chegando naquele exato momento
- Valerie... - ele começou, fechando seus olhos para tentar controlar a fúria que daria aos dedos de suas mãos força o suficiente para quebrar aquele pescoço de pele tão alva e convidativa. - Valerie, eu sei que você preza pela sua vida, minha querida. - o homem simplesmente não conseguia se apoiar em alguma coisa e subir para a plataforma, o nervosismo excessivo fazia suor surgir em suas mãos, assim como em sua testa. O coração batendo loucamente no peito, a ponto de explodir. - Desfaça isso agora, me ajude a sair daqui antes que... 
- Antes que o lindo trenzinho esmague a sua cabeça oca? - a loira soltou as palavras com uma voz melodiosa, juntando as palmas de suas mãos e fazendo parecer que cantava uma agradável canção. Permanecia ajoelhada, sem preocupações com o fato de que pessoas poderiam surgir ali. Muito menos com câmeras. Ignorando o desespero do homem para escapar, ela limpou a garganta e voltou a falar, despreocupada. - Você sabe por que faço tudo isso, você sabe o motivo de estar tentando sem sucesso escapar de uma armadilha, exatamente como um nojento rato de esgoto. - seu semblante angelical instantaneamente se transformou em melancólico. - Eu costumava ser uma mulher normal, até que um infeliz chegou e acabou com a única coisa que eu tinha amado na vida. Você assassinou da forma mais covarde possível o homem da minha vida! - a melancolia fora embora, dando passagem a majestosa crueldade que iluminou seu rosto. - E eu não superei, sucumbi a insanidade. Sim, sou totalmente maluca! - riu diabolicamente, girando seu dedo indicar na direção da lateral de seu crânio, gesto que indicava loucura. - O que é bom, meu caro, sabe por quê? Porque vou assistir sua morte sem nem mesmo me preocupar com qualquer sentimento. Eu sou louca, e loucos não se importam com o que enxergam, estão ocupados demais vivendo dentro de suas mentes fora de controle. Por que parece tão depressivo agora, meu querido? - diminuiu o tom de voz, sendo fitada com algo pior do que ódio, algo que provavelmente ainda nem possuía um nome concreto. - Se te consola, o meu problema nunca foi com sua filhinha e o marido dela, eu só gosto de enxergar oportunidades impossíveis e me divertir com isso. Na verdade, meu instinto era protegê-los, segui-los e cuidar para que ficassem bem longe de você. Eu te queria só para mim, se é que me entende. - concluiu, sorrindo angelical. - OH, MEU DEUS! - ela se levantou dando pulinhos e apontou eufórica para frente, como uma criança que enxerga algo mágico. - Lá vem o trenzinho! - imitiu o apito do mesmo, rindo com gosto ao fitar Arthur estagnado, espantado. Valerie puxara a carta responsável por manter a estabilidade naquele castelo de cartas que então começou a desmoronar diante de seus olhos. De poderoso o homem jogado sobre trilhos com o olhar petrificado não tinha mais nada. O poder naquele momento pertencia a maquina veloz que se aproximava, revertendo a situação e finalmente fazendo dele a vítima. 
Arthur fechou seus olhos com força, desejando desaparecer. Sem tempo para arrependimentos, cedendo ao seu destino. Sua passagem tão odiosa por aquele gigantesco e impiedoso mundo. 
- Abra os olhos, querido, não vá perder o último trem. 
Como se o tempo congelasse por insignificantes segundos, o homem a beira da impiedosa morte abriu seus olhos e enxergou alguém sentado em um dos bancos da plataforma. O ser de feições calmas não demorou a notar e manteve o contato visual. De repente, foi como se a temperatura do local caísse, um frio insuportável envolveu o corpo de Arthur, que não acreditava no que seus globos oculares analisavam. Os cabelos espetados, o semblante sempre corajoso e desprezível, as tatuagens pelos braços. Olhos de uma cor semelhante a de seu pai e com aspecto tão vivo, mesmo que já estivesse morto. A ferida em seu abdômen que não parava de jorrar sangue. Carter Stone. Seu filho, o filho que Arthur fez questão de assassinar, ali. Diante de seus olhos, talvez perturbação de sua mente, ou simplesmente a verdade. Estava ali para buscá-lo e apresentar a ele o tão temido inferno? 
Provavelmente. 
Carter ergueu uma sobrancelha e um sorriso maquiavélico se repuxou por seus lábios. Uma de suas mãos fora erguida e balançada, como uma aceno repleto de intenções obscuras. Algo que sugeria os dizeres "te vejo em breve, papai!". 
Houve o choque. Houve um jato repentino de sangue atingindo em cheio o belo e insano rosto de Valerie, que girou o corpo em um angulo de 180 graus, ficando de costas no exato instante em que o trem chegou a plataforma, escondendo o corpo de Arthur. Aliás, esconder era um eufemismo. Ele fora massacrado! Enquanto a mulher manteve os olhos fechados e sentiu seus cabelos se agitarem com o vento repentino, era possível escutar o som de ossos sendo quebrados. Um por um. Os ossos de Arthur Sheppard se transformando em fragmentos inúteis, exatamente como a esperança de suas diversas vítimas do passado. As feições de Valerie se repuxaram em uma careta, como se estivesse visivelmente perturbada com a situação. Mas logo após perceber que o trem seguiu seu trajeto e fora embora, os cantos de seus lábios se ergueram, um sorriso vitorioso. Assustadoramente maligno. A mulher, ainda de costas para os trilhos, sentiu o cheiro de sangue... Mais precisamente, o cheiro da morte. Retirou uma das luvas e deslizou seu dedo indicador pela bochecha ainda úmida com o sangue, o levando até sua boca e tratando de limpá-lo completamente. A expressão de satisfação, como uma vampira faminta matando sua sede. 
- Por que será que me chamam de Bloody Mary, não é mesmo, querido? 
Virou-se para frente com agilidade, contemplando sua obra de arte. A imagem chocante do que um dia fora um homem. A forma indefinida presa aos trilhos completamente despedaçada, esmagada, irreconhecível. Algo agressivo aos olhos, desrespeitoso e prejudicial aos corações fracos. Havia sangue que revestia a área dos trilhos, ossos esmagados e partidos em dezenas de pedaços, partes do corpo de um ser humano que era movido apenas pelo ódio e amargura também esmagadas. Uma cena que enojaria qualquer um, menos uma Valerie enlouquecida e extasiada que não poderia estar mais orgulhosa de seu ato. Arthur Sheppard jamais teria outra chance de consertar seus erros, e isso levava Valerie a gargalhar com empenho. 
Xeque-mate¹! - deslizou para fora de seus lábios impecáveis pintados em um tom rubro. A sentença do Rei, a condenação de um sujeito opressor. Um acerto de contas sangrento. 
carma
A mulher afastou-se aos poucos, segurando sua mala e caminhando com passos sedutores para longe. Durante o trajeto, apertou o terço em seu pescoço com força, olhando melancólica para cima. Não disse nada, apenas pensou "Perdoe-me, Pai, sei que sou uma pecadora. Não espero misericórdia, mas não se preocupe, isso não irá tirar esse sorriso do meu rosto.


Nova York


Olhares alarmados não se desgrudavam das altas chamas que possuíam aquele gigante edifício. Nenhum dos cidadãos que fizera questão de pausar sua rotina para assistir um belo exemplo de imagem de ruína sabia explicar, ninguém sabia como tudo aquilo tinha começado. Todos tinham o vago conhecimento de que se tratava de uma firma de advocacia, mas o que permanecia omitido de grande parte da população era que muito mais acontecia através daquelas paredes de metal. Os fundos obrigavam uma escola de assassinos, um lar de inseguranças. Garotos e garotas que enxergaram suas vidas despedaçadas bem diante dos olhos tiveram a coragem de adentrar ali tempos antes e permitir que suas vidas sofressem uma tremenda reviravolta. O chefe, o responsável por treinar tolos seres sem esperança, não estava mais naquele mundo para impedir, nem para lamentar. Como se por obra do destino, no instante em que Arthur Sheppard fora declarado morto, a singela fagulha surgiu por algum lugar desconhecido daquele local, iniciando então o incêndio que marejava olhos, atrapalhava respirações e espalhava morte. Nenhum dos agentes escondidos no interior conseguira sair, nenhum deles sequer conseguira procurar por uma saída de emergência. Aos poucos se transformando em cinzas, aquela organização deixara de existir. 


Londres
No dia seguinte...

(Coloque a quarta música para tocar!)
O céu cinzento que fazia questionar se um dia havia mesmo sido azul combinava com o clima gelado e melancólico dos corredores de lápides com formas semelhantes, porém distintas. Joseph caminhava cabisbaixo pelo chão de concreto e grama, pois sabia perfeitamente bem que ela deveria estar escondida por ali, provavelmente quieta e imóvel, até sendo capaz de assustar visitantes, que ao enxergarem pensariam se tratar de uma aparição. Uma forte tempestade na madrugada, resultando então a sensação térmica arrepiante e úmida, dando mais pureza ao ar que circulava por ali. Joseph parou ao finalmente conseguir encontrar, ao longe, uma mulher de costas para si. Ela parecia sentada em um banco ao lado de uma estátua de anjo, reflexiva enquanto olhava para um céu mal humorado. Em passos silenciosos para não assustá-la, ele foi rompendo a distância sem pressa. Por que Demetria estaria ali, afinal? O homem sabia que comemorar não seria de seu feitio, mas ele esperou no mínimo vê-la no jardim, sorridente e aliviada. O casal não sabia ao certo em que acreditar quando o telefone tocou durante a tempestade e a voz que só poderia pertencer a Valerie soou do outro lado, trazendo uma arrebatadora notícia. A comprovação com o plantão súbito de um noticiário. Então ficara evidente: Arthur estava morto
Após isso Demetria não conseguiu dormir, seus movimentos agitados e incomodados na cama durante toda a noite também arrancaram o sono de Joseph, porém o homem julgou ser melhor deixá-la em paz com seus momentos de reflexão. Não se atreveu a tentar interferir em seus pensamentos, já sabendo que, apesar de tudo, não era uma notícia totalmente positiva. E ele não conseguia entender o motivo, simplesmente não entrava em sua cabeça como ela tinha sido capaz de ficar triste. Talvez Demetria ainda sustentasse viva a esperança de que em um remoto dia pudesse se deparar com um homem melhor para chamar de pai. A entristecida noite que passou em meio a choros baixinhos e pensamentos cinzentos só lhe mostrou que deveria se conformar, pois seria melhor daquele jeito. 
Determinado a suprimir o sofrimento que sabia que ela estava sentindo, Joseph se aproximou de vez e depositou suas mãos nos ombros cobertos por um simples casaco de cor clara. O rosto da mulher se virou em sua direção, um pouco pálido. Seus cabelos estavam soltos e alguns fios se chocavam contra seu rosto. A mão de Joseph instantaneamente segurou a sua, como se pudesse aquietar seu mal estar e aquecer seu coração que no momento sofria com uma temperatura levemente baixa. Tudo que a mulher conseguiu fazer fora erguer os cantos dos lábios e tentar presenteá-lo com um sorriso vulnerável. 
- Você só pode ser apaixonada por esse lugar, Demi. Não é possível! - negando com a cabeça, ele assistiu seu rosto se iluminar um pouco, quase sendo capaz de enxergar um sorriso aberto.Demetria olhou para frente, apreciando a paisagem pintada com histórias lamuriosas de um cemitério qualquer. 
- É calmo, sabe? Bom para pensar. - explicou a ele, respirando o ar frio com empenho antes de fechar os olhos e suspirar. - E abriga tantas histórias. Histórias boas, ruins... Até mesmo histórias fantásticas! 
- Eu não gosto daqui. - um Joseph visivelmente desconfortável admitiu, fitando o chão enquanto sentia os dedos mornos de Demetria entrelaçando-se com os seus. 
- Zumbis não existem, Joe! - ela avisou, causando um risinho seguido por um rolar de olhos dele. Demetria mordeu o lábio e negou com a cabeça, voltando a observar as folhas de algumas árvores que dançavam com a brisa. - Apenas ignoro o clima depreciativo. Gosto de olhar as lápides, prestar atenção nos nomes e imaginar o que cada uma dessas pessoas fez, ou deixou de fazer. - ela sorria enquanto falava, o olhar apagado preso as escrituras de uma sequência de lápides aparentemente recém colocadas ali. - Se amou alguém pura e verdadeiramente, se viveu uma grande aventura... Se conseguiu o que queria em vida. - terminou, travando os lábios em uma linha reta. O nó em seu estômago permanecia como seu companheiro inseparável. Ela não queria se sentir daquela forma, não queria se considerar de luto. Não era algo digno para se perder tempo, simplesmente acreditava não valer a pena. Mas como explicar isso para seu acelerado e apertado coração? 
- Então, sinceramente, eu acredito que seja melhor você vir comigo e conversamos o quanto quiser. - Joseph levantou-se de onde estava e se colocou na frente dela, abraçando sua cintura sem grandes pretensões. - Afinal, eu já obtive tudo isso e continuo vivo para te dizer como é a sensação. - deslocando as mãos da cintura da mulher, ele as levou uma para cada lado, segurando as duas de Demetria, que sem mais nem menos desviou o olhar, como se quisesse esconder algo. - Você está bem, Demi? - preocupado, não hesitou antes de tocar a bochecha dela. 
- Sim, me sinto ótima! - respondeu de repente, elevando o tom de voz para que parecesse mais convincente. 
- Mas é péssima em demonstrar isso. - Joseph desafiou, lançando-lhe um olhar que ele sabia ser capaz de acalmá-la um pouco. 
- Só estou tomando cuidado para que o alívio não escape na próxima vez que eu simplesmente piscar meus olhos. - desabafou, fechando os mesmos. O homem enxergou uma linha repentina ser desenhada na testa da mulher, então ela fungou e escondeu o rosto com as mãos, rapidamente se livrando das lágrimas que queriam surgir, erguendo o rosto para segurá-las dentro de seus olhos. Joseph percebeu o que se passava e tentou abraçá-la, mas a mulher que reprimia um sorriso entristecido negou com as mãos e se levantou, deixando Joseph de lado e começando a caminhar por uma direção qualquer, sem rumo. Parou pouco depois, ainda perto o suficiente para ouvir o que ele pretendia dizer. 
- Você está chorando porque ele... 
- Não! - ela o cortou, fechando uma das mãos em punho. - Digo, eu não sei. É triste não ter nenhuma lembrança boa. E é por isso que eu estou chorando. Eu gostaria de ter apenas uma memória relacionada àquele homem, qualquer uma, uma que não fosse tão amarga. Ter algo bom, me entende? Algo bom que foi feito por ele para afugentar esse aperto no peito. 
Joseph assentiu e estendeu sua mão, pedindo com um olhar que Demetria a segurasse. Ele abriu um sorriso esperto, os olhos brilhantes revelando que alguma ideia passeava por sua mente.Demetria pestanejou confusa diante daquele vislumbre de alguma coisa indefinida que rapidamente fez com que Joseph a puxasse para o lado aposto, insinuando que ambos deveriam sair dali. 
- Venha, vamos para a casa. Rápido! - pedia enquanto a obrigava a correr até a saída do cemitério. 

A mulher entrou no carro ainda sem saber o que se passava, esquecendo-se por algum tempo dos martírios de minutos antes. Joseph dirigia rápido, sem nem mesmo fazer questão de pronunciar alguma palavra. Não demorou até que estacionasse em sua casa e saísse, indo ao outro lado para abrir a porta à ela, que teve a mão segurada e puxada para frente de novo. Os dois subiram velozes pelas escadas, até que adentraram seu quarto. 
- Qual é o problema, Joe? - pediu ela, avoada. Joseph passou uma mão pela cintura fina de Demetria e a guiou até um espelho de corpo inteiro que decorava um dos cantos do quarto de paredes claras e aconchegantes. Fez com que sua esposa ficasse de frente para o seu reflexo, colocando-se ao lado dela e apontando para o mesmo. 
- Olhe, é você! 
- Sim, sou eu... - ela franziu o cenho, adquirindo uma expressão óbvia logo após isso, debatendo consigo mesma se estava lenta naquele dia ou se ele teria enlouquecido de vez. 
Demetria, será que não percebe? Você é o que ele fez de bom. Você! - ao escutar aquilo, ela realmente se dispôs a encarar sua imagem no espelho, que não tratava de esconder as olheiras profundas, muito menos seus olhos desorientados e a expressão pálida. Seus olhos voltaram a marejar. Estava completamente emocionada com o que acabara de ouvir.
- Ele poderia ter me ensinado a andar de bicicleta quando eu era uma garotinha, afastado os garotos problemáticos quando eu era adolescente. Compartilhado comigo conselhos quando o medo de começar a vida adulta surgisse. 
- Vou precisar repetir o que já disse, mulher? - ralhou ele, voltando a apontar para o espelho. - Para compensar o que ele era, veio você... Tão maravilhosa. Então, se quiser algo bom para lembrar que seja relacionado a ele, olhe-se sempre nesse espelho. 
Demetria permaneceu o restante da manhã um pouco distraída do mundo, apenas se encarregando de dar aos seus filhos todo o amor e carinho que enchia seu peito. Mesmo que um pouco preso em seu trabalho, Joseph fez questão de parar tudo simplesmente para encará-la sentada com as pernas cruzadas e seu caderninho de músicas compostas em um chaise de um tom pastel que era privilegiado com a vista de uma janela com cortinas claras. Demetria amamentava Matthew enquanto observava algum ponto vago ao longe. Já mais relaxada, como se finalmente encontrasse a paz que precisava, como se pudesse olhar para o lado de fora daquela janela sem precisar temer o amanhã, ou temer quem estaria lhe observando do lado de fora. As feições calmas e delicadas escondiam o turbilhão de pensamentos em sua mente. Enquanto segurava de forma maternal a pequena mãozinha de seu filho, que se fechou em seu dedo indicador, ela deixava seus olhos perdidos, enxergando algo que apenas ela parecia ser capaz de enxergar. Os braços que enlaçavam seu bebê de forma protetora, trazendo também calor para si, como se não tivesse mais ninguém para fazer isso. Mas ela tinha. E não precisava mais se sentir responsável pela segurança de todos. Pois o fato de ter o hábito de salvar pessoas de suas imperfeições não lhe tornava perfeita. Notando que seu filho já se mostrava satisfeito, ela o ergueu calmamente e virou seu pequeno corpo, o deixando com a cabecinha apoiada sobre seu ombro, a segurando ternamente com a mão. 
Alívio
Uma borboleta que bate as asas e voa graciosa na companhia do vento depois de muito tempo ociosa em paredes rústicas revestidas com insegurança. Sentia-se como uma garotinha tirando as rodinhas de sua primeira bicicleta. Uma mulher exposta aos olhos do mundo, que lhe remetiam a flashes de câmeras curiosas e sedentas por qualquer descuido. Sonhadora, pela forma como sempre se olhava no espelho e enxergava os desejos simples de uma vida feliz, que pareciam refletir através dos olhos que de repente passavam a brilhar como diamantes. Corajosa, por se esquecer de que não era invencível e se colocar a frente de quem amava, oferecendo sua reconfortante proteção. Feliz, por não perder sua verdadeira essência em meio a poças de obscuridade e infelicidade pelos caminhos percorridos. Amada, pois tinha uma linda família, uma ligação eterna com o homem que seguraria sua mão por mil anos, ou o tempo que fosse. Salva, enxergando o sol quente brilhar ao centro do céu, o canto dos pássaros e o silêncio após uma guerra de lamentos. Uma rosa delicada e genuína, com sua beleza esfuziante e até mesmo espinhos. 
Just close your eyes, you'll be alright. Come morning light, you and I'll be safe... And sound. - cantou, apreciando seu filho já adormecido em seus braços. Mal sabia que era observada com atenção e fascinação por Joseph. 
Ondas de alívio levavam seu corpo por um mar de águas calmas e límpidas. O mar de certezas que finalmente conseguira encontrar depois de muito tempo navegando por mares revoltos e escuros. Depois de tempestades e contratempos, enfim, seu barco estava a salvo. 


(Coloque a quinta música para tocar, e deixe assim durante todas as pequenas cenas a seguir!)
Demetria acenou para um Cameron que se aproximava com uma mala de rodinhas em meio a agitação da grande área daquele aeroporto. Os dois se aproximaram e se cumprimentaram brevemente, foi então que ela decidiu questioná-lo o motivo de ter pedido para que ela comparasse àquela suposta despedida. Os dois se sentaram em bancos próximos a área de embarque e a mulher observava um ser do outro lado, escondido de todos os olhares possíveis, engolindo um sorrisinho de canto. Joseph era mesmo um orgulhoso. 
- A vida às vezes é tão difícil, não? Algumas coisas são tão inalcançáveis. - Cameron comentou cabisbaixo, com os olhos perdidos em meio aos rostos de todos aqueles desconhecidos apressados que circulavam para lá e para cá. Demetria negou com a cabeça e juntou as duas mãos sobre as pernas cruzadas. 
- Nem tudo que nos pertence está sempre diante dos nossos olhos. Sabe disso, não sabe? - sorriu confiante para ele, que fez o mesmo. O olhar que ambos trocavam era banhado apenas por uma amizade que depois de resistir a tanta coisa acabou por prevalecer. Não existiam meios para negar, os dois eram, sim, amigos. Apesar dos intermináveis problemas, de investidas do destino para que um ficasse contra o outro. Apesar de Cameron passar por um momento escuro e turbulento em sua vida, ela sabia que ele ainda continuava a ser uma boa pessoa. - Volte a ser a pessoa inabalável que sempre foi. 
- Lexi acordou. - Wolfe desconversou, sorrindo minimamente. - Apesar do seu estado ainda ser grave. - confiança brilhou em seus olhos. - Mas eu vou estar lá por ela. Da mesma forma que ela me salvou um dia, agora eu sinto que posso salvá-la. Nós temos o mesmo maldito sangue raro, certo? - os dois riram; ele aliviado pela coincidência, ela porque percebeu que um Joseph continuava observando tudo de longe, parado feito uma estátua. Jonas desviou o olhar assim que percebeu estar sendo fitado por sua esposa e colocou seus óculos escuros. Demetria ainda não sabia o que ele tinha feito por Cameron. Joseph nem acreditava significar muito, mas se pudesse saber o que se passava pela cabeça de Cameron, reconheceria ter sido o responsável por uma das atitudes mais memoráveis de sua vida. 
- Tenho certeza que isso fará dela uma mulher feliz. Hospitalizada, mas feliz. - Demetria comentou e o outro concordou, suspirando ao se lembrar de outro detalhe. 
- Eu ia pedi-la em casamento. - soou como um lamento, então a mulher ergueu as sobrancelhas. 
- Ia? E por que não vai mais? Perdeu o anel? Você vai pedi-la em casamento, Cameron! - ergueu as mãos em comemoração, divertindo a ele. 
- Oh, droga, você é mesmo uma boa amiga, Demetria. E eu só consegui ser um tremendo babaca. 
- Você já estava se redimindo, veja só: até fez a barba! - apontou para seu rosto de pele lisa. - Já é um grande progresso. Vamos seguir em frente e pronto! - ela sugeriu e ele concordou, acreditando ser algo bem aceitável. 
- Isso é uma promessa, certo? - tentou se certificar. 
Demetria ergueu o dedo mindinho, arrancando um riso inconformado de Cameron, que se perguntou se estava diante de uma garotinha. 
- Vamos, Cameron, o mindinho! - derrotado, ele ergueu o seu também, então os dedos dos dois se juntaram. Ambos satisfeitos. 
- Nossa idade acabou de reduzir cerca de uns vinte e poucos anos. - zombou o homem, engolindo em seco antes de mudar de assunto. - Por pouco, muito pouco, eu não estaria aqui. 
- Por quê? - ela perguntou um pouco indiferente, distraída com algo que olhava de forma vaga. Cameron riu, negando com a cabeça. Era óbvio que Joseph não tinha contado. 
- Seu marido me salvou. Sim, aquele homem que me queria morto, acabou impedindo que isso acontecesse. - ele explicou tudo a ela com mínimos detalhes, aproveitando o fato de que seu vôo estava atrasado. A mulher escondia a surpresa que queria domar seu rosto, apenas concordando com a cabeça enquanto escutava. Seria possível caber tanto orgulho dentro de um único peito? 
Demetria não disse mais nada, apenas se mostrou feliz pelo ocorrido e olhou na direção de Joseph outra vez, não o encontrando. 
Levantando-se em um pulo ao ouvir o aviso de seu vôo, Cameron reconheceu que havia chegado a hora. Despedindo-se brevemente de Demetria, que acenou outra vez, ele caminhou para longe, logo entrando em um avião. Totalmente pronto para salvar uma vida

Mãe e filha não se mostravam mais abaladas, muito pelo contrário. Aos risos, ambas se divertiam olhando fotografias antigas de família. Enquanto Demetria se envergonhada pelas roupas que usava na adolescência, Sue fitava o rosto da filha com orgulho. Tocou o ombro da mesma e atraiu sua atenção, lhe dizendo com o olhar que precisava compartilhar algo e assim fez. Primeiramente, Demetria piscou os olhos diversas vezes e juntou as palmas das mãos, como se custasse a acreditar, depois sorriu, abriu um largo sorriso antes de se jogar nos braços de Sue. 
- Isso é mesmo definitivo, mãe? Você e Peter vão voltar a morar aqui em Londres? - ela não tentava esconder a felicidade, até poderia sair pulando de alegria, mas isso certamente assustaria um Matthew distraído com seus brinquedos e ursos de pelúcia no sofá. - Quando? 
- Muito, muito em breve! - Demetria mal sabia como expressar o alívio que sentia. Apesar de se fazer de forte por tanto tempo, conviver longe de uma mãe não é algo fácil, nem de longe aceitável. Ela sempre desejou ter Sue por perto, para apoiá-la em decisões, manter conversas e desabafos, pedir conselhos. Ou simplesmente ter sua mãe por perto. Então a mais velha encarou o piano reluzente do outro lado da sala e aproveitou sua deixa. - Você é uma pessoa talentosa demais para ficar estagnada nesse piano, escondida do mundo. Deixe que ele te veja, querida. Você merece isso e muito mais. 
O que não esperavam era que o bebê próximo as duas começasse a responder a todas aquelas comemorações, soltando sons entusiasmados com a boca e balançando seus bracinhos freneticamente. 
- Parece que alguém está muito feliz por aqui! - Demetria comentou enquanto beijava a testa do pequeno. 

Olhos espantados correram em direção a pessoa parada na porta de entrada daquela casa. O silêncio angustiante acompanhou Demetria enquanto ela descia degrau por degrau, embasbacada com o que via. Depois de certo tempo, ela já havia se conformado. Pensar que a possibilidade de ter perdido uma amiga era irremediável já não assolava tanto sua mente. Com o passar dos dias simplesmente disse a si mesma que a perda maior não era sua. A vida era uma estrada de duas mãos, e quando uma delas simplesmente se fechava em um aperto egoísta, a outra simplesmente ignorava e seguia seu caminho. Mas Cassie Smith, a mulher que amara Jared, a mãe dos gêmeos Dianna e Dimitri e aquela que Demetria chamou de melhor amiga durante tempos mesclados por entre dificuldades e vitórias, estava ali, parada na porta de sua casa. Com lágrimas nos olhos. O primeiro pensamento na mente de Demetria fora um desordenado e instintivo, que a mandou correr e abraçar a loira ainda sem reação e expressão vazia, mas se manteve parada, com o olhar frio e o queixo um pouco erguido, demonstrando indiferença. Terminando de descer as escadas, deu passos vacilantes até a porta, onde com um aceno de cabeça convidou Cassie para entrar. Atendendo aquele pedido, a mulher olhava para Demetria com os olhos encharcados, escorregando em suas próprias intenções, atropelando as próprias palavras. Sabia, realmente sabia que não era digna de perdão, mas precisava tentar. Finalmente sua vida voltava a normalidade aos poucos, e ela queria arriscar a rara chance de ter aquela amiga tão prestativa e querida ao seu alcance novamente. 
Demi... - Cassie tentou, erguendo sua mão, implorando para não ser interrompida. A fraqueza tomou conta de Demetria, a vulnerabilidade revelando o afeto que ainda sentia por aquela traidora torturando seus pensamentos. Tinha a capacidade de perdoar, a capacidade de enxergar o lado positivo nas pessoas, mas ali, em seu coração generoso, ainda latejava uma ferida aberta. A dissimulação de Cassie não só despertou o instinto de desacreditar no bem da humanidade em um geral, como também a obrigou a erguer seu braço e, sem pensar duas vezes, acertar o rosto da loira, que levou seu corpo para trás e segurou o rosto com uma das mãos. 
Uma ruga incomoda surgiu na testa de Demetria, ela lutava contra as lágrimas e se condenava pelo feito. Não queria, não queria mesmo ter dado aquele tapa em Cassie, mas ela merecia. Merecia tanto que chegava a se tornar digna de pena. Uma história estaria por trás de seus atos desprezíveis, história essa escrita por um homem que já não habitava mais aquele mundo, era uma certeza. 
- Isso... - Demetria começou, tentando segurar a fragilidade que fraquejava sua voz. - É por colocar minha família em risco. Mas, principalmente, por se esquecer da amiga que tinha. A amiga que você poderia contar para qualquer coisa, a miga que estaria disposta a te ajudar de qualquer jeito. - uma lágrima quente escorreu por sua bochecha, e ela queria dizer mais. - Eu entendo que tenha vindo até aqui em busca de perdão, mas entenda que não é tão fácil assim. Posso ouvir suas explicações, posso mesmo tentar compreender, eu juro. Você sabe que sim. Mas... - negou com a cabeça, desapontada. - Agora não. Você era minha melhor amiga, e talvez algumas pessoas não saibam o verdadeiro sentido dessa definição, mas eu sei. E não se parece nem um pouco com o que você demonstrou. Não te reconheço, Cassie. Sinto muito. 
A loira concordou, conformada, pronta para dar meia volta e sair dali. 
- Acha que um dia poderemos contornar isso? - revolveu arriscar, não tinha mesmo nada a perder, tinha? Em sua mente, aquelas palavras pesavam, esfregando a suposta realidade atual "Realmente perdi uma amiga.
- Me diga você. - Demetria respondeu olhando severamente em seus olhos. Cassie nada disse, apenas cumpriu seu propósito e se aproximou da porta, caminhando de forma lenta demais, não queria mesmo ir embora sem desistir. - Cass... - virou-se quando a outra a chamou, já não conseguindo mais segurar o choro preso na garganta. Surpreendida, fora abraçada por Demetria, que apenas matou as saudades da amiga, relembrou os velhos tempos que passaram juntas e depois a soltou, se recompondo. - Eu realmente senti sua falta. Agora saia daqui, por favor. 
E foi o que Cassie fez. 
Ainda existiria futuro para aquela amizade? 

Cassie já estava disposta a seguir em frente, dizendo a Julian que ele poderia continuar dirigindo até a estação de trem mais próxima, de onde seguiria para Bolton, determinado a lutar para ser novamente merecedora dos gêmeos. Retornando aos poucos para sua vida, o homem com braços e mente marcada pela loucura de um ser tirano se ofereceu para ajudar a mulher o máximo que pudesse. Não estava claro se existia algo mais que o companheirismo ali, os dois costumavam desviar os olhares quando ambos se encontravam. Talvez fosse uma história para depois, talvez devesse ser escrita apenas em um futuro que prometia feridas cicatrizadas. No momento era melhor apenas deixar subentendido
No banco de trás, Olivia fitava a casa que aos poucos se distanciava com olhos brilhosos, aproximando mais seu rosto do vidro da janela quando avistou um garoto sair apressado pela porta, fazendo sinal com as mãos para que o veículo parasse. 
- Papai, pare o carro, por favor. E o Jamie! - Olivia pediu, esperando impaciente até que os movimentos do carro cessaram. Sem dar explicações, como se fosse totalmente dona das atitudes que bem queria, ela ajeitou seus cabelos soltos, assim como a saia de seu vestido rosa e abriu a porta do carro, disparando a correr na direção do garoto sardento com cabelos penteados para trás e suéter azul que estava prestes a adquirir um sorriso ainda maior que seu próprio rosto. Obviamente os dois se abraçaram, um contato inocente e desajeitado, mas totalmente apreciado por ambos, que não sabiam por onde começar nem o que dizer. Restou apenas comemorar. Jamie segurava uma das mãos dela sem que percebesse, sentindo as bochechas queimarem quando a garota olhou para as duas juntas e desviou o olhar. 
- Eu sabia que voltaria, eu sabia! - disse ele impaciente, retirando algo do bolso de seu casaco. - E fiz isso para você. - lhe estendeu uma folha dobrada, que a garota abriu como um ansiado presente de aniversário ou Natal. O desenho não era semelhante ao que ela tinha mandado a Jamie, onde os dois estavam desenhados como noivo e noiva. Tratava-se de um campo pintado com diversos tons de lápis de cor verde. Ao longe, uma garota acenava enquanto segurava flores em suas pequenas mãos. O garoto do outro lado do campo também acenava, como uma despedida, mas mantendo a esperança de que esperavam se encontrar novamente, um dia. Talvez logo, talvez não. Mas se encontrariam, era uma certeza. Acima daquela imagem, os dizeres em uma caligrafia até que jeitosa se tratando da idade de seu dono: 
"Believing in even the possibility of a happy ending is a very powerful thing²"
- Você acredita nisso, Jamie? Que nós vamos nos ver novamente e ter um final feliz? 
- É claro que sim, eu seria tolo se não acreditasse. - afirmou convicto. - E você precisa ir embora agora, não é? - Jamie apontou para o carro. - Tudo bem, mas não se esqueça de mim. 
- Só se você fizer isso. 
- Não farei, Olivia. Nós somos novos demais ainda, acho que isso não é uma coisa tão ruim. Teremos tempo de estudar, crescer, atingir nossas metas e talvez, quem sabe... Eu espero te encontrar de novo. 
- E então... - a garota sorria maravilhada com as palavras, levando os braços dobrados até suas costas, olhando envergonhada para todas as direções, menos para Jamie. 
Então vamos nos casar, depois dançaremos aquela música esquisita de casamentos como os adultos fazem. E ainda teremos tempo para comer muito bolo... Ou talvez jogá-lo nos convidados! 
Concordando, Olivia se despediu depositando um beijo terno na bochecha do garoto, que tocou o lugar e sorriu novamente, feliz apesar dos fatos. A garota voltou para dentro do carro, mas não desgrudou os olhos da região onde Jamie estava, acenando em despedida quando o carro ganhou movimento e velocidade, permanecendo assim até que não fosse mais possível enxergar o seu futuro amor, ou até mesmo um futuro melhor amigo. Desde que Jamie fizesse parte de seu futuro, realmente não importava qual seria sua função perante a ele. 

Joseph se manteve atento aos vários papeis que repousavam em sua larga mesa de vidro. Com a mente ocupada no momento, ele demorou a perceber que alguém batia na porta. Disse distraído que estava aberta, então estranhou completamente os dizeres de um de seus funcionários. 
"Sua irmã está aqui para vê-lo
Levantou-se apressado da cadeira e procurou pela pessoa que surgiria, olhando perplexo para uma Charlotte que entrou sem esperar por qualquer convite. Vestia seu típico uniforme escolar, mas não parecia depressiva por isso como nos outros dias. Ainda imóvel, a garota largou sua mochila na mesa, assim como seu corpo em uma das cadeiras confortáveis, a fazendo girar até que parou frente a frente com Joseph, erguendo apenas uma sobrancelha e sorrindo amigável. 
E aí, irmão
Ela sabia, ela sabia que a aproximação dos dois não era por simples pena da parte dele. Mas como era possível uma adolescente notavelmente rebelde parecer tão de acordo com uma repentina revelação como aquela? Joseph ergueu um dedo, pedindo explicações. Sentou-se novamente, com medo de que Charlotte pudesse revelar uma faca a qualquer momento, demonstrando então sua ira. 
- Karen te contou? - perguntou receoso e Charlotte concordou com a cabeça enquanto colocava a franja em sua testa para o lado. Ela apoiou os dois cotovelos na mesa e começou a rir do semblante de pânico de seu irmão mais velho
- Acabou escapando, sabe? Então foi apenas questão de tempo para que ela decidisse revelar todos os detalhes. 
- E você está lidando bem com isso? Fiquei com medo de acabar contando, pois não seria bom. 
- Quem te disse que não seria bom? Nós somos irmãos! - largando os braços no ar em um gesto óbvio e animado, Charlotte finalmente conseguiu convencer Joseph de que tudo estava pacificamente bem. - Olha, eu poderia começar uma grande cena, gritar, bater portas, quebrar coisas, mas... Quer saber? Qual seria o propósito disso? Estou feliz, não vou negar, e não quero drama. O colegial está acabando, vou me livrar de muitos lixos em minha vida e... Crescer! Sem drama. E com um irmão mais velho quase tão bonito quanto eu. - Charlotte sorriu presunçosa, o que motivou o homem a sorrir também, animado com a ideia de que não teria de lidar com uma adolescente revoltada. 
- Tem certeza que você sabe de tudo? - foi a vez dele de erguer uma sobrancelha, desconfiado. - Eu não estaria tão feliz assim sabendo quem é meu pai. - a garota balançou uma das mãos como quem não se importa e voltou a relaxar o corpo na cadeira, encarando a sala extensa do escritório. 
- Nosso pai foi um cretino, sim. E daí? Temos nossas próprias mãos, pés, coração, cérebro. Mente. Nossas próprias atitudes e crenças, não dependemos dele de forma alguma. 
- Agora não importa quem ele foi, importa quem nós seremos. - reflexivo, Joseph completou. Então aquele era o início de um novo laço. Poderia desencadear alguns problemas iniciais, mas nada que perseverança e boa vontade não pudessem consertar. Charlotte era uma boa garota, afinal de contas. Joseph seria o irmão mais velho, aquele que protege e cuida de sua irmã. Se ele estava preparada para isso? Bom, só o tempo seria capaz de revelar. 

Karlie não sabia o motivo de ter que esperar Caleb fora da casa que viveram juntos por um tempo. Ela continuava com os braços cruzados e os passos tensos de um lado para o outro, procurando a todo instante por algum indício de seu noivo. Estava no centro da cidade, coberta pelas luzes e pessoas apressadas, mas não se importava com isso. Quando pensou em sacar o celular e procurá-lo, já ensaiando a tremenda bronca que lhe daria, sentiu alguém parar bem atrás de si. Virou-se em um ímpeto e deu de cara com Caleb, mas seus olhos se arregalaram mesmo assim. Karlie o analisou de cima a baixo, aturdida com a aparência tão diferente, tão errônea se fosse comparar com o jeito simples que o homem tinha de se vestir anteriormente, mas que não deixava de ser atraente diante de seus olhos. 
- Nós vamos a um show de rock? - arriscou, entortando os lábios quando ele simplesmente negou com a cabeça. Parecia frio, distante. A mulher ia se mostrando desconsertada aos poucos, procurando formas de entender o clima tão denso que contornava seus corpos. Ela não tardou a puxá-lo pela nuca e juntar seus lábios, dando-lhe um beijo que expressava a saudade que sentia.Culpada, ela se sentia culpada. Era a responsável pela frieza tomar conta do relacionamento de ambos. Com sua indiferença, costas sempre viradas para o amor... Estava perdendo ele, sentia que sim. Caleb desfez o contato intenso entre os dois e segurou as duas mãos dela, levando seu corpo um pouco para trás. Como se fosse frágil demais, Karlie apenas se deixou levar. Por que ele não dizia que tinha sentido sua falta? Por que não demonstrava a preocupação excessiva que fazia parte de seu ser tempos antes? Por quê? 
- Isso não vai dar certo. - murmurou para que apenas ela ouvisse, desviando o olhar enquanto esperava por uma resposta. - Não somos mais os mesmos. 
- Você não é mais o mesmo, não fale por mim! - retrucou, visivelmente irritada. - Então é isso? Eu perco um bebê e também a importância? - rosnou para Caleb, repreendendo-se por querer chorar. - Bom saber, bom saber que você finalmente decidiu tirar sua máscara. 
- Karlie, você sabe que nós... 
- Nós o quê? - o cortou, afastando-se antes que fosse obrigada a acertá-lo com um soco. - Anda, fale de uma vez! Nós não funcionamos juntos, é isso? 
- Estou indo embora. - optou por cortar o assunto outra vez. - Encontrei uma oportunidade de me tornar parte de algo útil. Você se lembra de quando eu disse que um dia seria um investigador criminal, não é? - exausta daquelas palavras, até mesmo enojada com a forma mecânica que ele utilizava para revelar tudo aquilo, ela lhe deu as costas, virando apenas o pescoço e olhando em seus olhos. 
- Boa sorte analisando os corpos de mocinhas mortas, gato. Agora assista o dessa aqui, ainda viva, se afastar! - arrancou o anel de seu dedo com tamanha força que engoliu um gemido de dor, jogando o objeto brilhante no chão. Lançou-lhe um último olhar aborrecido e começou a andar agilmente, mas a voz severa dele congelou seu corpo. 
- Um dia eu vou voltar, e nós vamos nos casar. Eu ainda espero pela minha garotinha, nossa filha. 
Karlie riu ironicamente, não se importando em esconder os olhos marejados. 
- O que te faz pensar que vou esperar? 
- Seu tom de voz ao fazer essa pergunta. 
- Vá para o inferno, Austin! - desejou antes mesmo de calcular o peso das palavras, virando-se e disparando a caminhar com empenho pelas ruas escuras, abraçando o próprio corpo. Escondeu-se atrás de uma árvore e ainda conseguiu enxergar Caleb que permanecia parado no mesmo ponto da região, com as mãos nos bolsos e um olhar perdido. Os lábios da mulher apenas se movimentaram, sem que som algum se manifestasse. 
"Eu te amo

O casal descansava em silêncio na confortável cama. Joseph pensava que Demetria dormia, e essa por sua vez pensava que o ser adormecido era ele. Virados para lados opostos, costas com costas, eles continuavam com seus olhos abertos e mentes cheias de devaneios. Mas cansada da permanecer afastada, a mulher se virou e passou seu braço pelo corpo dele, o abraçando de lado enquanto tentava aproximar o máximo que conseguia os corpos dos dois. Joseph também decidiu tomar uma iniciativa e se movimentou, conseguindo enfim ficar de frente para ela. Fitou os longos cílios de sua esposa, que realçavam seus olhos brilhantes por lágrimas. Preocupado por estar vendo-a se entregar ao choro novamente, desceu sua mão até a perna escondida pelo lençol, a trazendo para mais perto das suas. Demetria gostava de enroscar sua perna por entre as dele que prendiam as dela. Uma forma de enriquecer o contato enquanto conversavam durante horas e mais horas naquela cama que tinha tantas histórias para contar. Demetria continuava tentada a tocar em determinado assunto, e enquanto brincava com o tecido da camiseta simples que ele vestia, passou a língua pelos lábios e se dispôs a falar. 
Cameron me contou o que você fez. - Joseph mostrou-se desconfortável, parando abruptamente de mexer nos fios dos longos cabelos dela. - Não se torne evasivo quando a isso, Joseph, eu estou orgulhosa de você. Meu super-herói! - sim, ambos eram super-heróis. Não tinham habilidades especiais, nem poderes mais do que extraordinários, mas funcionava bem no mundo real em que viviam. Os super-heróis do mundo real. Notando que o silêncio causado pela menção daquele assunto continuaria, ela grudou seus lábios aos dele, sentindo a mão quente manter movimentos circulares na pele descoberta de uma de suas coxas, lhe proporcionando leves e agradáveis arrepios. Gostando do agrado, Demetria alinhou ainda mais os corpos dos dois ao esconder seu rosto no peitoral do homem, encolhendo mais suas pernas entrelaçadas com as dele. Estavam amarrados um ao outro, e parecia absurdamente certo e perfeito. Por ter ficado muda durante dois ou três minutos, Demetria fez Joseph acreditar que ela tinha pegado no sono, mas fez questão de se mexer e deixar claro que não queria dormir quando sentia o aperto no peito, resultado de uma necessidade enorme de continuar aquela conversa. - Joe, é possível sentir falta de algo que nunca existiu? - a mulher perguntou em um sussurro, protegida pelos braços de Joseph, que concordou com a cabeça, suspirando. 
- Acho que sim... Honestamente, acredito muito nisso. - confessou, parando para pensar no assunto. 
- Porque eu sinto falta do meu pai, mas ele jamais existiu. 
- Acredite, Demi, eu sei como é. - entendia o incomodo dela, não se aborrecia com o fato de que sua esposa demoraria um pouco para seguir adiante e enterrar aquele assunto. - Fico me perguntando quando vou conseguir me livrar da sensação de que existiu alguém que eu sentiria orgulho ao chamar de pai. Fico procurando por uma espécie de déjà vu, mas... - Joseph cessou suas palavras, os traços marcados por uma óbvia tristeza repentina. Beijou a testa de sua esposa. - Mas não fique assim, meu amor, você tem sua mãe, e ela sempre será capaz de ser mais forte do que você precisar que ela seja. - ele segurou uma das mãos dela e a ergueu juntamente com a sua, grudando seus lábios na pele macia. - E você não poderia ter herdado nada melhor, Demetria. Matthew e Jamie são tão sortudos! E o próximo também será. - o homem sorriu abertamente com a ideia, então Demetria afastou-se um pouco e apoiou um de seus cotovelos no colchão para poder elevar seu tronco e encará-lo seriamente. 
- Próximo? - investigou, reprimindo um sorriso. 
- Sim, não desistirei dessa ideia. 
- E nem deve! - Demetria assegurou, voltando a relaxar na cama. - Mas não jogue todo esse mérito para cima de mim, você é um pai maravilhoso e sabe bem disso. 
- Sim, eu sei. 
- E um marido melhor ainda! - Joseph sentiu os beijos que Demetria distribuía por seu rosto e pescoço, mordendo o lábio inferior antes de soltar um risinho e segurar o queixo dela, se esforçando ao máximo para que as palavras a seguir saíssem carregadas com aquele tom rouco delirante que só ele possuía. 
- Disso eu também sei. - mais do que convencido, ele sentiu a mão da mulher se chocar com seu ombro, a puxando pela cintura para que ficasse por cima de si. 
- Pare de... - ela pausou a fala para embrenhar os dedos nos cabelos bagunçados e apenas roçar os lábios de ambos. - Ser tão... - mordeu o lábio inferior de Joseph, que depositou mais pressão na forma como segurava a cintura coberta pela fina camisola branca dela. - Convencido! 
- Você contribui para isso, o que posso fazer? - suas feições joviais e naquele momento inocentes fizeram Demetria sorrir abertamente, um sorriso livre da escuridão que aos poucos era expulsa de seus pensamentos. Joseph não escondeu uma comemoração. A mulher voltou a se deitar ao seu lado, repetindo o movimento com a perna para que pudesse prendê-la as dele outra vez. - Isso,Demi... - o homem olhou fundo em seus olhos que, mesmo em meio a parcial escuridão, ainda pareciam mais atraentes do que da última vez que ele havia checado. E nem fazia tanto tempo. - Eu poderia te olhar pelo resto da vida, sem intervalos. Não apenas olhar, é claro. - sorriu maroto. 
- Me promete uma coisa? - ela indagou enquanto deslizava os dedos pelos pontos de barba do rosto dele. Aquele contato tão íntimo e natural para ambos poderia se estender pela noite toda, até que o sol nascesse, até que não aguentassem mais sustentar conversas longas, entusiasmas e sonhadoras. 
- O que você quiser. 
- Nunca me deixe acordar desse sonho. Nunca. - Demetria fechou os olhos, extasiada com o perfume masculino que acariciou suas narinas ao ser levado em sua direção devido a brisa que entrou sem ser convidada pela janela de cortinas agitadas. - Pois uma mínima parte de mim ainda acredita que vou acordar em um susto, me deparar com um chefe ranzinza que apenas diz "bom dia,Lovato" e nada mais. 
Em única e objetiva resposta, ele a beijou com aquela mistura de afeição e furor. E se aquele não era o mundo real, apenas o mundo dos sonhos, que continuassem perdidos por ali. A realidade que tomasse cuidado para não incomodá-los. 


Dias depois...

Requinte era a definição daquele salão. Lustres de cristal presos ao teto tão inalcançável, uma decoração minuciosa e até mesmo extravagante. Ilustres convidados divididos por todos os cantos da grande extensão. Um mistura de Jazz com algo indecifrável entrava pelos ouvidos de todos, que realmente apreciavam a melodia. Exceto por uma mulher que se manteve naquele banco alto de madeira desde que havia chegado ali. Ela tentava ignorar a música enjoativa e os rostos tão insossos de todos que passavam ao seu redor, ninguém a interessava. Suas pernas descaradamente descobertas estavam cruzadas, chamando a atenção para quem quer que quisesse olhar. Um vestido na cor vinho, justo ao corpo e sem alças pelo menos lhe dava um ar de elegância que ela certamente estranhava. Saltos altos e cabelos presos em um coque desalinhado que deixava alguns fios ruivos soltos. Provavelmente mais feminina e sexy do que jamais esteve. Observando a noite por uma das gigantescas janelas, ela fez questão de virar o pequenino copo outra vez, reprimindo uma careta que arruinaria toda a sua classe. Ela riu sozinha ao pensar na palavra "classe". Então o grande barato em ter dinheiro para gastar de sobra era aquele? Se misturar com um bando de engomadinhos que jamais saberiam o significado de uma real diversão? Seus reflexos afetados por vários copos virados não a fizeram perceber que alguém parou lentamente atrás de si, lançando-lhe um olhar mais do que interessado. 
Ladies and gentlemen, - o sotaque irlandês disfarçado a fez abrir mais os olhos e congelar o corpo, erguendo uma sobrancelha. - uma linda mulher com o coração partido. - deduziu brilhantemente um homem, como se tivesse enxergado todos os acontecimentos com uma bola de cristal. 
Ladies and gentlemen, - a mulher imitou seu sotaque, virando o pescoço para então se deparar com um ser de cabelos loiros, terno impecável e sorriso chamativo. Maliciosamente chamativo. - um inconveniente homem com a cara partida. - rebateu por fim, erguendo o dedo indicador e pedindo outra dose de tequila ao barman. 
- Wow, então ela é uma femme fatale! - Dominic sentou-se ao lado de Karlie, que encolheu um pouco o corpo a fim de não lhe dar muita atenção. Nem sequer se dava ao luxo de deixar sua mente trabalhar como sempre fazia, pois os flashes de memória seriam certeiros. Queria ficar bêbada até que desmaiasse, pelo menos poderia ter a memória apagada por uns tempos. O loiro insistente cruzou os braços sobre a madeira escura e polida do bar, aproximando um pouco seu tronco de Karlie, que nem ao menos percebeu. - Dominic McGuinness. - apresentou-se cortês, estendendo sua mão para que o cumprimento fosse realizado. A ruiva lançou-lhe outro olhar, dessa vez mais detalhado, como se medisse os traços do rosto do advogado. Um pouco tonta pela quantidade de mágoas afogadas com o que bebia, abriu um sorriso. 
- Ou eu bebi demais, ou você está começando a ficar verdadeiramente degustável. - por que não flertar, afinal? Nada a impedia. - Karlie Russell. - estendeu a mão para Dominic, que a apertou. - Garota rica, garota pobre, então garota tica novamente. Perdi um filho e meu noivo me trocou por autopsias e qualquer outra coisa nojenta que você tenha visto em CSI. E, sim, isso nos meus lábios é um sorriso. Só não me pergunte o que ele faz aqui, porque nem eu mesma sei. - Dominic não desfez a pose sedutora nem por um segundo, tendo olhos apenas para a interessante criatura sedenta por álcool ao seu lado. 
- Quer saber o que eu perdi? Minha concentração. Foi impossível mantê-la com você por perto. - Karlie ergueu seu copo, como se propusesse um brinde e mandou o líquido ardido goela abaixo em seguida. 
- Já ouvi piores. - admitiu ela com a voz mole. 
- Apenas eu acho que essa música é insuportável? - o irlandês tampou os ouvidos por um instante, recebendo um aceno em concordância da mulher. - Nós poderíamos ir para o meu carro, estacionado lá fora. Gosta do Foo Fighters? - ela não respondeu. - Maybe the season, the colours change in the valley skies. Dear God I've sealed my fate, running through hell, heaven can wait! 
Karlie ignorou a cantoria desafinada de Dominic e lhe desafiou com os olhos castanhos intensos. 
- Quem foi que te chutou? - as feições espertas dele murcharam em um semblante fechado. Não era o único com bola de cristal por ali. Reflexivo, Dominic soltou um som negativo com a boca e puxou a gola da camisa branca como se estivesse incomodado. - Vamos, eu sei que alguém fez isso. 
- Quer mesmo perder tempo ouvindo histórias passadas e infelizes? Você é o tipo de mulher que prefere ler um livro de romance entediante do que assistir a um bom filme de suspense? É o que parece, pois quer trocar uma dezena de coisas boas que podemos fazer por essa conversa miserável. 
- Uh, o chute foi sério! - Karlie escondeu um risinho e franziu o cenho, brincando com os anéis em seus dedos. 
- Tudo bem, aqui vai: eu perdi a mulher que me amava, sim. Satisfeita? Ela era a única. Mas agora não me importo com amor, sou de todas! - largou os braços no ar como quem não se importa. 
- Você é tão loiro... - quando ele percebeu, Karlie já estava mais perto do que deveria. O nível de álcool em seu sistema mais do que alterado, seus olhos fascinados e descontrolados analisando os detalhes da aparência de Dominic. 
Depois de uma conversa desconfortável jogada fora, a verdade era que os dois já estavam aéreos demais para manter alguma compostura. Ela simplesmente ria de tudo ao seu redor enquanto os dois, já de pé, tentavam caminhar por alguma direção, tentando se desfazer das pessoas que entravam em sua frente e não saíam mais. Karlie quase tropeçou nos próprios pés e passou um dos braços pelos ombros largos de Dominic, deixando que o peso de seu corpo fosse sustentado por ele, que cambaleava sem se importar por estar sendo mal visto. 
- Você fica rindo sem motivos... - reclamou o loiro, por fim encontrando uma região menos agitada. A sua frente, uma porta. - Mas a boa notícia é que o grande Dominic vai lhe dar uma boa razão para rir. Ou chorar. 
- Gato, se eu chorar, você chora também. - ameaçou ela, apontando o dedo indicador na direção do rosto dele. Encostando seu corpo mole à parede, sentiu as mãos masculinas aos poucos tocarem sua cintura. Entorpecida para sentir, se irritar e lhe dar um soco com seu punho, apenas hesitou um pouco quando os lábios de Dominic ameaçaram se aproximar dos seus. O rosto de outro homem veio em sua mente. Maldição! 
- Então vamos chorar, Karlie. - Dominic sussurrou em seu ouvido, deixando que acidentalmente os lábios se roçassem na pele sensível de sua orelha. 
- E você tem lenços? - ele não precisou se esforçar muito para entender o verdadeiro sentido daquela pergunta. 
Engula isso, Caleb Austin!, foi o que ela pensou. 
Bastaram cinco segundos para que se agarrassem de uma vez. Beijos desajeitados, apressados e sedentos. Mãos aqui e ali. Um empurrando o corpo do outro para tentar assumir o controle. Com muito esforço, a porta a frente de ambos fora aberta, então se jogaram para dentro, a empurrando com violência. O que acontecera ali dentro, certamente, não seria muito bem visto na manhã seguinte.


Demetria se deixou levar pelos reflexos da enorme piscina que presenteou sua visão. Sentindo o olhar de Joseph pesar em suas costas, ela se virou e apenas deixou que seu rosto adquirisse tons de sedução, o chamando com o dedo indicador. O homem que respirou fundo e não escondeu um sorrisinho vitorioso afrouxou sua gravata e observou as costas descobertas de sua mulher, que já estava do outro lado da piscina, encostando-se a uma das estátuas simples e quadradas da decoração. Ela ficou sentada ali, revelando as pernas descobertas graças ao vestido que usava naquela noite. 
Demetria fingia-se de distraída e brincava com os fios de seus cabelos que dançavam com o vento, até que percebeu Joseph se aproximar gradativamente. A mulher passou a língua pelos lábios e ergueu sua perna esquerda, impossibilitando que ele pudesse terminar o caminho. A ponta de seu sapato de salto extremamente próxima de uma região que o deixava tenso. Demetria gargalhou com o olhar tenso que ele lhe lançou, então piscou os olhos, adotando uma expressão adorável e ao mesmo tempo devassa. O provocando insistentemente. 
- Com calma, meu amor. - alertou ela, erguendo um dedo. A noite era tranquila e o clima bom, várias estrelas davam o ar de sua graça por um céu quase negro. - Mostre que merece o que quer. 
Joseph então mordeu o lábio inferior e aceitou o desafio, colocando sua mão sobre o peito do pé dela, deslizando os dedos enquanto percorria toda a extensão de sua perna, finalmente conseguindo driblar a distância entre ambos. Quando chegou até a coxa parcialmente descoberta, não evitou e precisou apertar o lugar com vontade, colocando-se no meio das pernas dela de uma vez por todas. Sem proferir palavras, se deixando guiar pelas instruções dos olhos maquiados, misteriosos e excitantes, procurou ágil pelo suposto zíper do vestido. Mas o desespero ficou estampado no rosto de Joseph quando percebeu que o zíper só podia mesmo ser invisível. Não conseguia encontrá-lo em lugar algum! 
Demetria gargalhava com o fracasso de seu marido. 
- Pelo amor de Deus, como é que se abre esse vestido? - segurou o queixo dela, que tentava cessar suas gargalhadas, de repente séria com o olhar que recebeu, um olhar capaz de bagunçar com suas estruturas e até mesmo sugar sua alma. - Ou vou ter que rasgá-lo? - Joseph tinha fogo nos olhos, o aspecto incandescente que revestia as íris verdes deixava a mulher exageradamente animada. Demetria negou com a cabeça, negando também com o dedo indicador, decidindo por não revelar. Então ela teve que permitir ser tocada por aquelas mãos fortes e determinadas, que buscavam desesperadas por uma forma de libertar seu corpo de roupas dispensáveis no momento. Joseph sorriu abertamente quando, enfim, encontrou o maldito zíper, o puxando e revelando aos poucos os ombros e colo de Demetria. Abaixou-se e grudou seus lábios na pele quente e macia, beijando um dos lados dos ombros com paixão. - Encontrei o maldito zíper, isso me torna mais do que merecedor. - disse a ela, ameaçando puxar a peça de roupa para baixo de uma vez. Animou-se ainda mais quando constatou que ela não usava sutiã. 
Voilà! - ela comemorou, colocando as duas mãos firmemente sobre os ombros dele. - Isso é uma despedida? - perguntou de repente cabisbaixa, distraída com a ideia de que teriam de se submeter a uma breve separação. Não completa, mas que mesmo assim não seria facilmente aceita por ambos, era algo que não saberiam lidar muito bem. Joseph, no dia seguinte, embarcaria em uma viagem com duração de duas semanas. Seu grande propósito era cuidar dos negócios, solucionar problemas de uma vez por todas. A renovação da Empire. 
Porém, a voz máscula e rouca carregada por convicções chegou aos ouvidos de Demetria como uma espécie de carícia reconfortante, antes que ela tivesse tempo para lamentar outra vez. 
- Não. - foi direto, os olhos tão intensos que chegavam a ser cruéis. - Você não vai se livrar de mim tão facilmente, senhora Jonas. E esqueça de pensar em minha ida, procure pensar em minha volta. - Joseph imediatamente conseguiur fazê-la notar o que estava querendo dizer. Alertava que ela deveria se preparar, porque quando finalmente chegasse o momento de matar a saudade um do outro após aquela viagem... As coisas seriam intensas

(Coloque a sexta e última música para tocar. Deixe repetindo até a cena ser finalizada!)
Os dedos de unhas pintadas em vermelho se esconderam pelos curtos fios de cabelo dele, enquanto os puxavam com a força que bem queria. A necessidade de aprofundar o contato, mesmo sabendo que não era mais possível. Primeiramente, os lábios apenas se juntarem, roçando-se em movimentos calmos, como se quisessem preparar um ao outro para o que viria a seguir. Com a excitação já latente, Joseph desistiu de ensaiar e sem permissão deslizou sua língua para dentro dos lábios de Demetria, que reforçou os afagos violentos que fazia com os dedos por seus cabelos e nuca. O som de gemidos baixinhos por parte dela se misturava com a satisfação que Joseph demonstrava através de curtos suspiros que se transformaram em risinhos devassos assim que ele rompeu o contato para olhar fundo nos olhos dela, fundo da forma que sempre fazia. Da forma que a deixava sem chão. Após isso, ainda lhe fitando com um exagero de desejo, fazendo o rosto da mulher queimar, ele a puxou pela nuca outra vez, chocando os lábios sem qualquer mísera delicadeza. A combinação de aromas que emanava de suas peles já ardentes funcionava como um combustível para ambos. As mãos do homem desciam sedentas, procurando pelas curvas perfeitas do corpo feminino, tocando seus seios ainda cobertos, delineando os contornos e voltando a descer, dessa vez encontrando seus quadris e depositando pressão nos dedos que se deliciavam com aquela região. Visivelmente entusiasmado com o deleite que acelerava seus batimentos cardíacos, incitava seus pensamentos mais proibidos e cobria sua pele com suor aos poucos, Joseph mordeu e sugou o lábio inferior de sua amada com força. Demetria também não perdia tempo e brincava com seus dedos cobertos por uma enrustida malícia pelo peitoral dele, desabotoando botão por botão da camisa e, quando encontrava oportunidade, os descia completamente, tocando com uma inocência sedutora o local que deixava Joseph aéreo por um instante, implorando mentalmente para que ela jamais parasse. Visivelmente enlouquecido só com o vislumbre do que ela poderia fazer. Os dois se enroscavam, satisfaziam um ao outro, se deleitavam com a mistura de seus sabores refinados. Amavam um ao outro como sabiam fazer tão bem. Ela nunca conseguiria saciar completamente o desejo de ser dele, precisava se perder por aquele beijo molhado até não aguentar mais permanecer sem ar, perdendo o fôlego e segurando seus ombros com força, fincando as unhas ali, fazendo com que ele fosse capaz de senti-las mesmo ainda com a camisa. Ele não aguentava mais a tensão em seu corpo, o desejo pulsante que tornava aquelas calças tão desconfortáveis. Ensandecidos, continuaram. Continuaram. Continuariam até não existissem mais forças. 

To really love a woman, let her hold you
'Til you know how she needs to be touched
You've got to breathe her, really taste her
'Til you can feel her in your blood
And when you can see your unborn children in her eyes
You know you really love a woman.


Suas línguas dançavam juntas, às vezes tão carinhosas e acolhedoras como uma valsa, às vezes tão intensas e com movimentos sinuosos semelhantes a um tango. Aquele era o momento em que a ligação entre ambos se tornava mais infindável, quase conseguiam sentir que suas almas - assim como seus corpos - se encaixavam e davam lugar a apenas uma. O arrepio que deslizava por toda a extensão do corpo de Demetria ao sentir as mãos cálidas e carregadas de destreza tocando seu corpo, seu corpo tão ansiado para ser explorado mais uma vez. Outra vez. Milhares de vocês se assim ela determinasse. A língua quente e apressada de Joseph tocou seu queixo, juntamente com os lábios também quentes que deslizaram por seu maxilar e pescoço, traçando uma linha de beijos molhados até seu colo, que a deixavam a beira da insanidade. Uma das mãos fortes dele tocou a cintura dela, segurando com o alto teor de possessividade que Demetria nunca se cansaria, enquanto a outra aos poucos ia desvendando o que o vestido escondia, tocando sua pele quente e trêmula ao mesmo tempo. Ele conseguia enxergar os poros eriçados, enquanto Demetria já resfolegava protegida por seus braços, mordendo o lábio com força e lhe lançando o olhar que exigia mais contato, que implorava pela paixão e pela volúpia que queria sentir correndo por suas veias com agilidade. Joseph jamais se atreveria a negar o que aquele olhar ordenasse. E sorriu extremamente feliz por ter mais uma vez a oportunidade de senti-la daquela forma. Poderia parecer um absurdo, algo tolo, mas era a sua verdade. Cada vez que tinha o delicioso e revigorante privilégio de fazê-la sua mais uma vez, era como se ele pudesse comemorar e gritar ao mundo ser um homem realmente feliz, um homem de sorte. Ela era sua. Sua esposa, sua mulher, sua amante, sua melhor amiga. Sua companheira. Por vezes ainda lhe custava acreditar, acreditar que aquele anjo magnífico e surreal entregue a prisão de seus braços seria seu para sempre. E como se fosse capaz de sentir o que rondava a mente de Joseph, Demetria espalmou as mãos no peitoral dele e deixou que seus olhos que transbordavam amor levassem a incerteza embora. Como uma chuva leve a cristalina capaz de lavar qualquer male. Determinada a mostrar a comprovação de que, sim, seria sua para sempre, ela tratou de juntar os lábios dos dois por uma terceira vez, deixando claro ali que ele não precisava mais se martirizar com a dúvida. Não existia dúvida quando estavam juntos daquela forma. 
Quando se separaram, ofegantes e desesperados por mais do que simplesmente aquilo, se entreolharam e viraram os rostos para encarar a piscina que parecia chamá-los de forma tentadora. Dando espaço para que ela levantasse, Joseph se afastou um pouco e assistiu Demetria se colocar de pé lenta e graciosamente. 
- Posso convidá-la para um mergulho? - indagou galante. O cavalheiro de segundas intenções. 
A resposta dela fora inesperada, mas aprovada. Demetria começou a retirar o vestido de vez, revelando aos poucos a calcinha de cor preta, provocante e pequena. Erguendo um pé de cada vez para se livrar do vestido já fora de seu corpo, o afastou e começou a atiçar o homem enquanto movimentava os quadris e tocava os próprios seios, deslizando os dedos por seu tronco até segurar as alcinhas finas da vulnerável e única peça em seu corpo. Deixando a imaginação voar por lugares sinuosos, assim como as curvas definidas do ser de esfuziante sorriso e olhos maliciosamente brilhantes, Joseph deu um passo a frente e deixou bem claro que estava mais do pronto para dominá-la. Demetria continuava a sorrir radiante enquanto ainda se concentrava na arte de seduzi-lo com suas mais potentes artimanhas de mulher, dona da completa atenção de um homem que não escondia o olhar incandescente que desencadeava luxúria potente correndo por suas veias, necessidade insuportável de tê-la com furor. As mãos cálidas dele praticamente formigando, implorando para poder tocar aquele corpo de uma vez por todas. 
- Acho que alguém aqui está tendo uma interessante fantasia... - provocou ela, já nua, caminhando em direção a piscina sem se importar. Joseph fitava embasbacado aquelas formas tão perfeitas, engolindo em seco e já se sentindo mais do que duro. Tratou de se livrar daquela camisa amassada e parcialmente aberta, jogando-a no chão e correndo na direção de Demetria, surpreendendo-a e abraçando-a por trás antes de jogar o corpo de ambos na piscina. O impacto de seus corpos contra a água arrancou um gritinho da mulher, que sentiu um imenso frio enquanto emergia totalmente, voltando a rir quando seu olhar se encontrou com o de um Joseph que tentava se recuperar. 
- Tenha cuidado comigo, Demetria. Sempre. - recomendou, assistindo ela balançar os braços em baixo da água e ir levando seu corpo para trás, ficando próxima de uma das bordas. 
- Você adora me jogar em piscinas ou é só impressão? - Joseph não respondeu, voltou a mergulhar e deixou sua esposa um pouco perdida, não conseguindo enxergar com clareza onde seu marido poderia estar. De repente um som de surpresa escapou por seus lábios quando ela sentiu duas mãos segurarem suas pernas e subirem até sua cintura. Ainda sem se revelar, Joseph a empurrou e chocou suas costas contra a borda, submergindo instantaneamente e juntando os lábios molhados de ambos. Não totalmente satisfeito, convencido de que ela queria brincar mais um pouco, tomou fôlego, a alertando com o olhar que estava prestes a fazer algo que certamente a agradaria. Mergulhou outra vez, não deixando de delinear as curvas do corpo de Demetria, obrigando a mulher a fechar os olhos quando sentiu uma carícia precisa nos bicos eretos de seus seios. Depois, surpreendida, inclinou a cabeça para trás e deixou a boca entreaberta, fechando os olhos e ouvindo os gemidos ainda baixos que escapavam ao notar que algo estimulava seu clitóris, possivelmente uma língua atrevida. Abaixou as duas mãos que se esconderam dentro da água e conseguiu encontrar a cabeça dele, envolvendo os cabelos por entre seus dedos, sentindo a língua do homem tocar brevemente uma de suas zonas erógenas. Não durou muito, seria impossível. Afinal,Joseph teria de possuir alguma habilidade sobrenatural para aguentar ficar por mais tempo emergido, mas fora o suficiente para que ela já se sentisse totalmente a beira do êxtase, o puxando para cima e unindo os lábios furiosamente, como se quisesse se vingar dos agrados que recebera frações de segundos antes. Ele sorriu durante o beijo, massageando os seios que graças a água ficavam escorregadios, perfeitos para os toques que ela ansiava. 
Como nos velhos tempos. - Demetria disse, determinada a livrar o homem da calça que ainda incomodava seu corpo. 
- Como nos velhos tempos... Só que ainda melhor. - ele tratou de repetir e ainda por cima enriquecer a frase. 
- Sabia que quando eu estou com você me sinto tão... - não conseguiu terminar, teve que voltar a interromper sua visão e fechar os olhos para apreciar melhor a boca faminta que fazia um belo trabalho em seu pescoço. Mesmo dentro da água, o corpo de ambos queimava. - Viva? Forte, invencível e... Permita que eu fantasie um pouco: em um filme do James Bond. Uma Bond girl
Jonas girl, mulher! - a corrigiu, então os dois riram da comparação. - Jonas, Joseph Jonas. - soprou ao pé do ouvido dela como um cumprimento. Demetria sentiu cócegas na região, mas se deliciou com o sotaque presente na voz daquele homem. Daquela forma não seria aceitável continuar a resistir. - Acho que agora posso dizer o quão sexy você ficou quando tirou aquele vestido e colocou meu terno, certo? Deus! - deixou escapar, notando que mãos espertas e emergidas já haviam abaixado suas calças e brincavam com seu membro já ereto, o liberando da maldita e molhada boxer. - Como você consegue ser tão sexy? 
- Melhor não revelar, algumas coisas nós aproveitamos mais quando não sabemos de onde vem. - Joseph tratou se unir sua testa a dela, com a respiração ruidosa proveniente do estado em que se encontrava. As peles do casal se arrepiavam só com o ato de se roçar, e isso, definitivamente, precisava ser explorado ainda mais. 
Surpreendendo os dois que olharam atônitos para frente, um barulho surgiu pelos arredores. Tinham se esquecido de trancar a porta que dava acesso ao local, tornando então aquela experiência mais excitante e perigosa. Joseph tratou de puxar Demetria para baixo, afundando e escondendo seus corpos. Eles se entreolhavam embaixo da água, na intenção de se manterem escondidos de um provável intruso. Como se as águas agitadas não fossem capazes de denunciar o que se passava. O homem pediu tempo com a mão e foi se erguendo aos poucos, revelando apenas o topo da cabeça e região dos olhos, olhando ao redor e tentando identificar alguma presença, mas nada parecia diferente, então fez sua esposa submergir. 
Demetria sentiu sua cintura ser abraçada e ergueu um pouco as pernas, apoiando as costas na beirada da piscina e enlaçando os quadris de Joseph. Trocaram mais um olhar, a confirmação para o ato a seguir. 
- Agora se segure em mim, senhora Jonas. Feche os olhos e sinta. - a mulher atendeu a ordem e suspirou ao ser banhada por satisfação quando sentiu a glande do pênis dele roçar em sua entrada úmida devido a água, mas ainda mais úmida devido a sua tremenda excitação. Joseph movimentou-se mais precisamente, a fazendo sentir o pênis deslizar para dentro deliciosamente. Bem devagar a princípio. - Aviso que esse pode ser um passeio desenfreado e alucinante pelo paraíso. - a surpreendeu, penetrando por completando, mandando a delicadeza embora e adotando uma forma bruta de se juntar a ela, uma forma sedenta, mas que obviamente só a deixou ainda mais em chamas. Com suas entradas para o desejado paraíso em mãos, mergulharam - literalmente - no profundo deleite. 

Dois corpos cansados e arrepiados com a majestosa sensação de um orgasmo ainda distribuindo sensações no interior de ambos, eles se viam expostos às estrelas. Joseph e Demetria estavam deitados ao lado da piscina cujas águas ainda se debatiam em pequenas ondas, recuperando-se do que havia acabado de acontecer ali. A mulher enxergava cada um daqueles pontinhos brilhantes com cuidado, em silêncio se perguntava como tudo aquilo podia continuar sendo tão bom, se tornando cada vez melhor ainda. Ela quase podia sentir como se as estrelas não estivessem tão distantes, como se pudesse alcançá-las. 
Infelizmente voltaram logo para a realidade, recordando-se do que aconteceria no dia seguinte. 
- Esse garoto precisa se tornar um homem de uma vez por todas. E aprender a não correr atrás de sonhos, mas sim da realidade. - era interessante o modo como ele simplesmente ficava mais romântico e com um vocabulário mais galante depois de compartilhar prazer mútuo com Demetria. Isso até a deixava encabulada. - E mantê-la... Da forma que não canso de sonhar. Faz sentido o que eu disse? - ele perguntou, franzindo o cenho, quebrando totalmente o clima poético da situação. Demetria voltou a rir, o obrigando a fazer o mesmo. 
- Você viaja para Nova York amanhã, então irei apenas torcer para que essa noite passe vagarosamente, que o mundo pare... 
- Acha que consegue correr? - Joseph quis saber, os olhos verdes fitando as estrelas, uma ideia simples e aventureira brincando por sua mente. Ela se levantou e ficou sentada no chão, o olhando seriamente como se tivesse sido ofendida. Depois caminhou já com a respiração estabilizada e passos determinados até seu vestido e calcinha, se vestindo e colocando a mão na cintura, apontando para a frente, o desafiando com o olhar. 
- Tenho certeza que consigo, mas duvido que você seja capaz. 
- Ah, é? - Joseph soltou um riso malvado enquanto se levantava e começava a ajeitar suas roupas também, deixando claro que a faria arcar com as consequências daquela provocação. - É bom você correr, mulher, antes que eu te alcance! 
Demetria chocou os saltos dos sapatos contra o chão e sentiu seu corpo inteiro se arrepiar com aquela ameaça, soltando risinhos nervosos enquanto começava a correr em direção a uma extensa e larga porta de vidro. Joseph logo conseguiu acompanhá-la e tratou se segurar sua mão, não deixando que parassem para nada. 
Logo já contornavam todo o salão, surpreendendo os convidados abismados que paravam para olhar, alguns também faziam questão de repreendê-los em meio a burburinhos como se fossem duas crianças bagunceiras, dois fugitivos. O casal ria loucamente, forçando suas pernas a aguentarem mais um pouco. O vestido de Demetria todo torto ao corpo, os cabelos molhados lançando gotas de água nas pessoas quando ela virava o rosto para olhar para trás. A camisa de Joseph aberta, amassada e molhada, os cabelos bagunçados e também pingando água. Então passaram pela porta de entrada, ofegantes. Os dois melhores amigos, inseparáveis durante as quatro estações de um ano. 
Chegando ao estacionamento, a mulher encostou-se ao Rolls Royce enquanto Joseph pressionou seu corpo contra o dela. 
- Pare de rir! - ela o repreendia, como se tivesse o direito. Mal conseguia respirar corretamente, lágrimas já saíam de seus olhos, a região de sua barriga dolorida. Seus dedos tocaram os lábios dele, na tentativa de cessar a loucura que parecia dominar os dois, mas era difícil. 
- Eu não... - Joseph teve que pausar a fala, explodindo em mais risadas. O que havia acontecido com ambos, afinal? Talvez a falta de grandes preocupações na mente ocasionasse mesmo risos espontâneos, felicidade espontânea. Simplicidade na grandeza daquele momento, um momento único. - Eu não consigo! 
Sobrenaturalmente, em um ímpeto e recebendo carícias do vento, os dois ficaram sérios. Entreolharam-se, entrelaçaram os dedos das mãos. Não, não queriam se despedir. Não era certo. 
- Continue aqui, noite, não vá embora. Amanhecer, eu não quero saber de você! - ela dizia para si mesma, desviando o olhar dos olhos que a analisavam para fitar um ponto vago a frente. Sentia intensamente que aquela curta separação não seria a última. 
Joseph levou o dedo indicador até o queixo já quase seco dela e o ergueu, puxando seu rosto sutilmente para frente. 
Here's looking at you, kid!³ - saiu pelos lábios masculinos, o tom tão sedutor e misterioso. Demetria sentiu seu coração se esquentar em um aperto gostoso de sentir, um frio na barriga que pagaria para experimentar outra vez. Ela sabia que se tratava de uma citação pertencente a algum filme, mas a euforia do momento não lhe permitiu identificar imediatamente qual era. 

¹ - Xeque-mate! (em persa quer dizer 'o Rei está morto') é uma expressão usada no enxadrismo para designar o lance que põe fim à partida, quando o Rei atacado por uma ou mais peças adversárias não pode permanecer na casa em que está, movimentar-se para outra ou ser defendido por outra peça.
² - Believing in even the possibility of a happy ending is a very powerful thing é uma citação retirada da série Once Upon A Time. Tradução: Até mesmo acreditar na possibilidade de um final feliz é algo muito poderoso.
³ - Here's looking at you, kid! é uma fala retirada do clássico Casablanca. A tradução seria essa: Estou de olho em você, garota!
 

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