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quarta-feira, 8 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 13

Encruzilhada
(Músicas do capítulo: Wild Wolves do Athlete, It's A Man's Man's Man's World na versão da Joss Stone e Glory Box do Portishead. Se possível, deixe todas carregando e coloque uma a uma para tocar quando cada aviso surgir.)



Scarlett's P.O.V

Nova York

Fim da linha. Fim da linha! Você não passa de uma criminosa descuidada que fugiu como um gatinho assustado fugiria da chuva. 
Ninguém estava me dizendo nada daquilo, mas parecia. Porque, se eu levasse em consideração o que o olhar daquele estranho homem de cabeça lustrosa e olhos intimidadores parecia tentar transmitir, começaria a realmente ficar assustada. Não que eu fosse de me assustar por qualquer porcariazinha, mas o ponto não era esse. Por fora, continuei com a cabeça tombada para um lado e a típica expressão de "Não ligo a mínima para o que acontece ao meu redor. E, mesmo que a Rainha da Inglaterra colocasse os pés ali, eu mal faria questão de encará-la." Aliás, não precisava fazer questão alguma da Rainha Elizabeth... Eu era Americana, mesmo que aquela droga de sotaque britânico todo cheio de frescuras já começasse a sobressair em minha voz. 
Então, novamente, respirei fundo e continuei esperando que algum daqueles homens dissesse algo importante. Tudo que faziam era analisar papéis e mais papéis. Pensei que seria fácil, sei lá, chegar ao local marcado, assinar um papel e, pronto! Mas, não... Parecia algo bem mais desgastante. George fingia ignorar minha inquietação semelhante a de uma criancinha e comentou algo com o careca. Eu me sentia como se estivesse sendo julgada por algo deveras sério. Perante um júri de olhares raivosos e vozes altas que arrancariam lágrimas dos meus olhos com toda a sua crueldade. Espere aí... Arrancariam lágrimas dos meus olhos com toda a sua crueldade? Certo, eu precisava me lembrar de andar menos com Demetria. Seu jeito princesa de ser andava me afetando. Em todo o caso, se eu realmente estivesse em um tribunal, já teria dado um jeito de gozar com a cara do Juiz e sair correndo dali, ainda por cima encontrado tempo para tirar onda com os advogados de cara azeda pelos corredores, que provavelmente não faziam sexo há anos. 
De repente meus olhos pararam em um canto da sala de paredes em vidro e móveis negros. 
Merda! Por que deixei minha mente pensar na palavra criancinha
Mesmo com todos aqueles dias que se passaram - juntamente com a dor que foi embora - algo ainda parecia muito errado. Dias antes eu estava grávida! Já sabia como desengasgar um bebê, verificar a temperatura da água antes de colocá-lo nela e já tinha até mesmo pensado no que faria caso duas ou três criaturinhas barulhentas saíssem de dentro de mim. Será que era tão evidente assim minha falta de requisitos básicos para a maternidade? Eu sabia que muitas pessoas não gostavam do meu jeito de ser. Toda aquela coisa de homem dentro do corpo de uma mulher. Mas, não era tão simples. Meu passado ainda existia para provar a bela patricinha mimada e feminina em excesso que fui há algum tempo. O que será que meus amigos daquela época pensariam se me encontrassem naquele momento? Tentando parar em pé com saltos altos e tirando o batom da boca com a língua, só para poder sentir o gosto de cereja, ou morango... Dane-se o sabor. Tenho certeza que esse lance de chamar os outros de gatogata e cara os irritaria muito. E, para falar a verdade, deveria irritar até mesmo as pessoas que eu conhecia nos tempos atuais. Deveriam pensar que era um propósito de vida continuar falando como se fosse uma surfista da Califórnia de pele bronzeada e cabelos descoloridos só nas pontas. Sinceramente? Eu não gostava do meu jeito de ser. Porque, convenhamos, conseguia irritar qualquer um. 
E aquela droga de saia me obrigava a sentar e agir como uma moça bem educada, assim como o sutiã que me apertava. Inferno! 
Enquanto tamborilava os dedos na madeira, voltei a pensar em meu bebê... Digo, meu anjo. Digo... Não era mais meu, então no momento era apenas um anjo. 
Eu me encontrava prestes a assinar algo que provavelmente me daria a oportunidade de rolar em verdinhas, então, se quisesse tentar novamente milhares de vezes, tentaria. 
Ok, não tentaria. 
Estava traumatizada demais para pensar na hipótese de engravidar novamente. Eu não precisava de um barrigão, não precisava sentir aquela dor maldita em minhas partes baixas na hora de trazer o serzinho ao mundo. Não precisava de alguém dependendo de mim para tudo. De alguém me chamando de... Mamãe
Certo, eu não precisava. 
Outra coisa que me incomodava era olhar para aquele anel brilhoso em meu anelar esquerdo. Casamento, casamento, casamento! Não queria me casar, não queria entrar em uma igreja com um vestido bufante que poderia me fazer tropeçar a qualquer momento. Se aceitei o pedido de Caleb, foi porque estava sensível demais. Estava grávida quando aceitei. Então, de repente, eu não estava mais grávida. Eu nem sabia o que sentia por Caleb! Amor? Mas o que diabos é amor em uma época que você pisa nos sentimentos dos outros como pisa em grama? E vale lembrar que pisamos mesmo quando enxergamos a placa "Não pise na grama!". 
Não sabia o que era amar alguém, francamente. Para que perder tempo com isso? Ainda bem que meu... O cara que eu namorava não estava em Nova York comigo, ainda bem que ele aceitou não me acompanhar quando eu lhe disse que era algo desnecessário. Perdi um bebê, não uma perna. E meu punho ainda era capaz de fazer estragos da última vez que chequei. 
Finalmente, os dois homens a minha frente levaram seus olhares até minha pessoa. George limpou a garganta e tomou um papel impecável das mãos do outro, que provavelmente era um advogado também. A seriedade em suas faces me obrigou a rir. Não demorou muito para que começasse a gargalhar feito uma babaca. E é claro que isso não os agradou. 
- Você acha que estamos todos aqui participando de uma grande piada, moça? - o careca perguntou, erguendo uma sobrancelha. Mal sabia ele que, se eu quisesse quebrar um de seus ossos, quebraria. Andava precisando mesmo testar se ainda sabia fazer certas coisas.
- Se fosse uma grande piada, eu não estaria com esse terno feminino tão chique, gato. Digo... Senhor advogado. - comentei e levei uma caneta até a boca, pronta para mordê-la. George abaixou seu olhar até mim e me repreendeu como se fosse meu pai. Caminhou, cruzou a mesa e arrancou a caneta de minha mão, a depositando na mesa novamente. Juntamente com aquele papel ao seu lado. Muitas palavras, palavras pequenas demais. Meus olhos já doíam antes mesmo de ler. - É só assinar e pronto? - perguntei ainda tentando segurar risos. O outro cara já tinha saído da sala. 
- Não, não é só assinar. Pare de rir e preste atenção no que vou lhe dizer, porque é extremamente sério. Se você quiser continuar levando tudo na brincadeira, continue, mas não venha correndo pedir ajuda quando os problemas lhe afundarem. - ele parou e me olhou severamente. Rolei os olhos e balancei minha mão, exigindo que ele falasse tudo que queria de uma vez. - Conseguimos livrá-la do suposto assassinato que cometeu, já que, naquele tempo, o sujeito que fora assassinado era um perigo para você. Conseguimos contornar a situação de caos que se alastrou pelos bens de seu pai, e agora você é a proprietária de tudo. Mas não pense que será fácil, pois não será. Você tem o direito de decidir se quer passar tudo para as mãos de alguém competente... - fiquei me perguntando o que ele quis dizer com aquilo. Eu não era competente? Ah, claro. - Ou cresce de uma vez por todas e assume o que um dia foi tão importante para Sebastian, seu pai. 
- Me dê logo essa droga de caneta! - resmunguei, a tomando dele e olhando a linha que esperava por uma assinatura. Qual nome eu deveria assinar? - George... - depois ele me cortou, como se já soubesse qual seria a minha pergunta. 
- Seu nome verdadeiro, querida. 
Meu nome verdadeiro. O nome que nunca deveria ter me deixado, se não fosse pelas conseqüências de algo que eu não gostava de chamar de destino, mas sim de carma filho de uma puta. Era evidente que eu tinha sido um sujeito muito cruel em outra vida. 
Naqueles tempos de guerra, provavelmente, matei muitos inocentes e pisei em muitas flores bonitinhas. 
A síndrome de Demetria acenava para mim outra vez. 
Sem nem piscar ou respirar, rabisquei aquele nome. Depois, entreguei o papel para George e desviei os olhos, esquecendo completamente que os sapatos me machucavam e de qualquer outra banalidade. Sabe aquela sensação de nostalgia? De que você nunca vai recuperar algo? Bem, ela não se aplicava a mim. Começava a recuperar o que nunca acreditei ser possível. 
- Posso sair daqui? - arrisquei, tentando convencê-lo com minha cara de cãozinho abandonado e me sentindo mal por algum motivo desconhecido. 
- Claro que pode, Karlie. Mas não se esqueça de que ainda temos algumas reuniões. 
- Não vou esquecer. 
De pé, segurei a maçaneta da porta, mas George tinha algo mais a dizer. 
- Bem vinda de volta a vida, senhorita Russell
Apenas concordei com um aceno de cabeça, passando pela porta e correndo sem muito equilíbrio até a saída. Já na rua, disparei a andar por uma direção qualquer, não dando a mínima para a certeza de que acabaria perdida. Nova York era o lar de Karlie Russell, e, sendo Karlie Russell novamente, eu deveria me adaptar a toda aquela loucura, inúmeros prédios, pessoas apressadas e exageros fúteis. 
Ignorando as buzinas dos carros quando atravessei a rua sem esperar pelo sinal, acreditei ter enxergado um rosto conhecido. 
Muito, muito, conhecido. 
Cara
Não era possível! O que aquela criatura fazia ali? Algo nela fez com que eu me lembrasse de uma época escura. Uma época em que fui obrigada a deixar tudo de lado e me transformar em uma espécie de arma viva. A maldita época em que Arthur me encontrou e, ingênua, aceitei fazer parte de seu show de horrores. Algo naquela mulher que andava cabisbaixa, como se escondesse algo, me lembrou da época em que eu era uma agente secreta. Com os olhos arregalados, diminui o passo e comecei a segui-la. De uma hora para outra, tudo pareceu tão óbvio que quase bati em minha própria testa. 
Puta que pariu! 
Senti minha revanche perto, tão perto que era só esticar a mão e pegá-la. 

/Scarlett's P.O.V


Londres

Uma senhora de cabelos grisalhos tinha o corpo descansando em um largo banco de madeira estofado. Por seus dedos tinha presas duas longas agulhas de tricô, que aos poucos formavam o pequeno pedaço de algo ainda indefinido feito em uma lã de cor branca. Ela gostava especialmente de ficar naquela área do asilo, já que seu quarto parecia sempre tão frio e deprimente. Enquanto continuava seu trabalho, parando algumas vezes para olhar as flores ou cumprimentar alguém que passava por perto, ela avistou um jovem homem se aproximar hesitante. Abriu um sorriso e fez um gesto com a mão, indicando a ele que não era errado se aproximar. Ficou bastante ansiosa ao vê-lo, estava muito animada com a notícia que recebera vários dias antes. 
O homem de cabelos pretos e roupas pretas sentou-se ao seu lado, sem coragem de olhar diretamente em seus olhos. As mãos dele pareciam tensas demais, e o semblante em seu rosto levemente magro não causou uma sensação muito boa no peito da senhora, que imediatamente largou o que fazia e dedicou sua atenção apenas ao neto. 
- Olá para você também, Caleb, eu estou ótima. Obrigada por perguntar! - ela disse com a voz um pouco rouca, afastando uma mecha grisalha de seu curto cabelo que fora jogada em seu rosto devido ao vento. Caleb sorriu sem graça e se aproximou da avó, dando-lhe um abraço desajeitado. Continuava em silêncio. - Você andou cortando o cabelo, rapaz? E vejo também que já não é mais tão magro, na verdade parece até bem forte. 
Realmente, ela estava certa. Seu neto nem de longe poderia mais ser comparado com aquele garoto desajeitado de cabelos bagunçados e físico esquelético. Suas feições agora eram mais masculinas, assim como seu corpo. Porém, ela sentiu falta de algo que antes via com mais frequência no rosto de Caleb: um sorriso. 
- Não faz muito tempo que me viu, vovó. Nada mudou... Exceto por uma coisa. 
Ela o olhou curiosamente, pegando as agulhas e a lã novamente. O homem respirou fundo e esfregou as mãos, totalmente isento do clima leve que parecia revestir aquele lugar. Observava dois senhores mais ao longe, que jogavam xadrez. Um grupo de quatro senhoras que apenas apreciavam e cheiravam flores coloridas pelos diversos canteiros espalhados. 
- Que coisa, querido? 
- O que está fazendo? - ele ignorou a perguntar e prendeu os olhos ao que a avó fazia, sentindo o vento em seu rosto. Não fazia bem continuar a manter aquelas lembranças e vontades. Aquilo acabaria o condenando a um mundo de trevas que não estava acostumado. Um mundo que não saberia lidar. Mas superar parecia algo cruelmente impossível. 
Sorridente, Georgina, sua avó, estendeu o pedaço de lã trabalhado em pontos bem apertados e delicados ao mesmo tempo. Depois o olhou com um brilho esperançoso nos olhos. Pena que ele não lhe correspondeu, apenas desviou. 
- É um presente para o filho de um neto que gosto muito, sabe? - sorriu. - Ele ainda vai demorar um pouco para chegar, mas a pressa é inimiga da perfeição, então vou tricotar roupinhas até que chegue o dia de seu nascimento. Pelo menos nunca vai passar frio. 
Caleb engoliu em seco, não acreditando no que ouvia. Por um momento, foi como se toda a dor do dia em que Scarlett perdera o bebê retornasse ainda mais forte. Como diria a sua radiante e sorridente avó que aqueles planos simplesmente deveriam ser abandonados e esquecidos? Não existiria um corpo frágil e pequeno para ser aquecido por aquele casaco de lã. 
- Vovó... - ele começou, levando a mão até uma das agulhas e a afastando, negando com a cabeça. Queria que ela parasse com aquilo. - Pare. Não precisa mais fazer nada disso. 
- Preciso sim, Caleb, não seja assim. Tudo de melhor para o meu bisneto! - Georgina afirmou determinada. 
- Não precisa! - exclamou, aumentando o tom de sua voz, se arrependendo logo em seguida. A senhora parecia um pouco assustada. - Não existe mais bisneto algum. - soltou de uma vez, fechando os olhos com força. Apenas o barulho do vento circulava por entre os dois. - Agora pare com isso, por favor. 
- Não existe? O que está querendo dizer com isso? Por acaso sua noiva... 
- Sim, Karlie perdeu o bebê. - parecia frio enquanto a respondia, mas isso era somente para fingir que por dentro não estava destruído. Para fingir que aquelas palavras ditas em voz alta o enfraqueciam demais. Georgina de repente sentiu o corpo um pouco fraco, largando imediatamente seu trabalho e passando um braço pelo ombro do homem. 
- Oh, querido, eu sinto tanto... 
- Não temos tempo de sentir, vovó. A vida continua. - levantando-se, Caleb ficou de frente para ela. Os olhos sérios e os lábios trancados em linha reta entregaram que algo crucial estava para ser revelado. - Hoje fui visitar meu pai na prisão, e já tratei de contar como serão as coisas daqui em diante. Pensei que você também tinha o direito de saber. 
- O que eu tenho para saber? Não me assuste! 
Ele se ajoelhou diante dela e segurou uma de suas mãos, sorrindo por um momento. Fez Georgina se lembrar do garoto inteligente e feliz que cuidou durante tantos dias em um passado já longe demais para ser recuperado. Caleb havia tomado uma decisão, e o fato de Scarlett estar em outro país só contribuiu para que não conseguisse se livrar de uma vontade. Era a coisa certa a fazer. Era o que ele queria, mesmo que o preço fosse muito caro. Mesmo que a afeição que tinha por aquela estranha mulher com jeito de garota fosse grande demais. Algumas coisas simplesmente não duram. Brilham como estrelas, mas, assim como estrelas brilhantes demais, queimam muito rápido. E a coragem para contar a ela sua decisão tomada? 
- Você lembra do que eu queria ser quando garoto? 
- Policial, assim como seu pai. - Caleb negou com a cabeça. 
- Pense um pouco mais. É quase isso. 
- Detetive? 
Investigador criminal. - explicou, achando a própria ideia um pouco inadequada. Uma loucura, certamente. 
Era um longo caminho daquele momento em diante. Nem sabia direito se conseguiria tal façanha, e depois de pesquisar muito concluiu que teria de dar seu sangue para conseguir. Mas é claro que ele não se importava. Estava cansado de ser o simples nerd ofuscado no meio das outras pessoas. Um árduo treinamento o aguardava, e ele o receberia de braços abertos. E, para isso, teria de fugir daquele mundo que fazia parte. Dizer adeus a muitas coisas. Pelo menos daquela forma ele acreditava ser possível superar certas coisas mais rápido, olhar para si mesmo e pelo menos ter a certeza de que serve para algo. Certeza de que fez alguma diferença no mundo. Ajudar pessoas o livraria da sensação de não ter ajuda alguma. 
Não teve forças para dizer muito depois daquela confissão, apenas se despediu de sua avó e lhe deu as costas, caminhando em direção a saída. 
- Boa sorte, querido! - foi o que conseguiu escutar por último, já um pouco longe. Virou-se, e enxergou que sua avó acenava com uma mão, segurando firme o que um dia seria um casaco de bebê com a outra. Pensou por alguns instantes. 
Talvez algum dia. 

Antes de entrar em seu automóvel - que felizmente conseguiu recuperar -, sacou o celular e procurou pelo número de sua irmã, Rachel, que provavelmente se encontrava mais feliz do que nunca, já que finalmente estava cursando a tão sonhada faculdade de Direito. Como resultado de uma conversa que teve com Joseph dias antes, Caleb chegou a conclusão de que existia uma forma de beneficiar vários por ali. Seu amigo precisava da ajuda com questões sérias de sua empresa de hotéis, e ele precisava de conselhos sobre como entrar no mundo em que queria. Rachel tinha um amigo influente, de certo modo, um grande advogado que já trabalhara durante alguns anos com assuntos que envolviam severamente a polícia e até algumas organizações mais imponentes. Ouviu dizer que o homem era perito no que fazia. 
- Rachel? - disse, assim que ela atendeu com o jeito afobado e animado de sempre. - Tenho algo para contar e algo para pedir. - ela afirmou que ele deveria primeiro pedir, depois contar seja lá o que fosse. - Você ainda mantém contato com aquele seu amigo, o advogado... Dominic alguma coisa? - do outro lado da linha, Rachel assentiu. - Poderia me fazer um favor? 


Demetria's P.O.V

Um poderoso trovão me obrigou a despertar. Assim que um clarão repentino iluminou todo o quarto por apenas segundos, percebi que uma impetuosa chuva caia. Provavelmente ainda era cedo demais para levantar. Espreguicei-me, sentindo um leve frio, então me enrolei ainda mais nas cobertas e procurei pelo corpo que deveria estar ao meu lado. Seu calor era tudo que eu mais precisava. Porém, tudo que encontrei fora um travesseiro que tinha apenas seu perfume. Um pouco irritada por estar sozinha na cama, virei de barriga para baixo e fitei a babá eletrônica, percebendo que suas luzes não piscavam e nenhum som era reproduzido, então tudo deveria estar bem calmo no quarto de Matthew. Com os olhos querendo fechar novamente, ignorei a ardência que sentia nos dois e percebi que a luz do banheiro estava ligada. O cheiro que senti em seguida era uma mistura de sabonete e loção pós-barba. Aquele homem já estava se aprontando para ir trabalhar? 
Joe! - o chamei o mais alto que minha preguiça permitiu, fechando os olhos por um momento. - Joe, vem aqui! - sorri vitoriosa ao ouvir passos, ainda sem abrir meus olhos. A chuva não tinha fim, e aquele clima era simplesmente ideal para ficar ali, deitada, acordada ou dormindo, não importava. Mas nossa cama era grande demais para apenas uma pessoa. Deixei que meu marido enxergasse meu sorriso pretensioso enquanto se aproximava da cama, inclinando o corpo e apoiando as duas mãos no colchão, para poder aproximar nossos rostos. Voltei a ficar de barriga para cima, perdendo as cobertas mais uma vez. Eu vestia apenas uma blusa de Joseph - gostava de ficar com o cheiro dele impregnado em mim - e uma calcinha rosa daquelas confortáveis e cheia de babadinhos, que mais parecem um mini-shorts. Após selar nossos lábios por um instante, ele me encarou. Enxerguei a exaustão em seus olhos. A vontade arrebatadora de deitar naquela cama e passar o dia inteiro ali. Resistir a vontades é tolice quando elas são tão fáceis de conseguir. E ele não resistiria por muito tempo, eu sabia bem. Meu corpo ainda cheirava a hidratante, o que eu tinha passado na noite anterior. Um cheiro que ele adorava, simplesmente vinha para mais perto de mim quando o sentia. Mas eu era quem me entorpecia aos poucos com aquele cheiro delicioso de loção pós-barba. Seu rosto macio e cheiroso encostou-se ao meu, então não resisti em segurá-lo com minhas duas mãos. 
- Olhe só o tempo lá fora! - olhei para a janela, observando outro clarão. - Fique aqui comigo. - pedi em um sussurro, que mais deve ter parecido um resmungo.
- Tenho que ir. - Joe comentou tristemente, forçando-se a separar nossos corpos. Mas eu era persistente. 
- Não tem, não. - passei um dos meus braços pelo seu ombro, arrancando um risinho dele quando quase consegui derrubar seu corpo na cama. Sua mão fria tocou em minha perna, me obrigando a soltar um gemido baixinho. Joseph olhou para minha calcinha e seu olhar pareceu iluminar-se com algo que só poderia ser luxúria. Pisquei os olhos de forma charmosa, deixando que ele continuasse a acariciar levemente e tentadoramente minhas pernas descobertas. - Você é o chefe, é quem dita as regras por lá. -rebati, o fazendo erguer uma de suas sobrancelhas. - Aliás, ainda nem está totalmente pronto. - apontei para o seu corpo, soltando um risinho esperto. - Sem sapatos, camisa aberta... 
- E ela já acorda cheia de argumentos, só porque sabe que não vou resistir. - sua voz rouca soou ainda mais perto, pois ele tinha se abaixado novamente para sussurrar em meu ouvido, não se contentando e tendo de segurar o lóbulo com seus dentes. Deixando-me sentir seu hálito fresco e irresistível. As gotas determinadas se chocavam contra a janela de vidro, reproduzindo a trilha sonora perfeita para aquele momento. 
- Venha logo antes que eu mude de ideia e te dispense. 
- Me dispensar? Que direito você acha que tem para me dispensar, senhora Jonas? - desafiador, Joe começou a beijar toda a pele desnuda que encontrou, me obrigando a soltar risinhos nas vezes em que acabava me causando cócegas e arrepios. - Quer saber? Eu desisto, mas não antes de preparar um café para nós. - após se livrar de sua camisa e jogá-la no chão, conseguiu se afastar de mim, saindo do quarto. Não tive outra saída a não ser esperar. 
Quando eu estava quase pegando no sono novamente, percebi que ele voltava. Segurava uma bandeja prateada, que sustentava algumas coisas. Após colocá-la sobre a cama, fez o mesmo com seu corpo, aconchegando-se ainda melhor, deixando claro que o trabalho, pelo menos naquele dia, poderia esperar. Meu estômago roncou ao enxergar os crepes com calda de amoras, torradas simples e um pequeno potinho com alguns morangos bem apetitosos. É claro que não pensamos duas vezes antes de começar a comer. 
- Café da manhã na cama? Eu certamente tirei a sorte grande! - comemorei enquanto comia um dos crepes. Em silêncio, Joseph tomou um morango em mãos e veio para mais perto. Abri minha boca e o assisti colocar a fruta ali, apenas esperando que eu mordesse. - Hmm... Muito bom! - depois fiz o mesmo com ele, até que por fim acabamos com tudo que estava na bandeja. 
Logo voltamos a nos deitar, preguiçosos. 
Enquanto eu afogava seus cabelos, ele tratava meu corpo com esmero, me acariciando do jeito que só ele sabia fazer. Do jeito que eu nunca me cansaria. Poderíamos iniciar uma conversa qualquer, e até fizéssemos isso durante alguns minutos, mas meu marido parecia perdido em pensamentos. E, felizmente, pensamentos bons, já que em alguns momentos simplesmente começava a sorrir sozinho. Quando a chuva já começava a se despedir, ele ameaçou se afastar, mas meus braços determinados o agarraram novamente. Por brincadeira, deixei que um som semelhante a um rosnado escapasse pelos meus lábios, o divertindo ainda mais. Problemas não importavam naquela manhã, nenhum deles. Estávamos isolados do mundo, como ele sempre gostava de dizer. 
- Mulher, logo você não vai nem me deixar respirar! - ele colocou a mão no peito e fingiu estar sem fôlego, mas eu sabia que gostava de ser amado daquele jeito. 
Minha cama, minhas regras. E você não sair daqui até eu autorizar. - comentei, beijando sem vergonha seu peitoral cheiroso e descoberto. 
- Você não se mostrava mandona assim desde sua gravidez, Demi. - tratou de lembrar, com os olhos brilhantes. E só consegui enxergar tal brilho graças aos clarões que continuavam. 
Então, após trocarmos olhares cúmplices, entramos juntos em um mar de memórias. Nada mais precisou ser dito. 

/Demetria's P.O.V


Nova York

Com passos inseguros, a mulher apoiava o próprio corpo em uma das paredes escuras e frias, procurando por qualquer sinal de seres humanos. Não sabia se era dia ou noite, pois nenhuma janela fora encontrada. Uma leve dor em sua cabeça indicou que ela tinha levado uma pancada ali, mas essa não era sua maior inquietação. Será que ainda estava na Inglaterra? O que será que fizeram com Cameron, Demetria e Joseph? Será que sairia dali viva? Lexi engoliu em seco e continuou a andar, enxergando uma luz piscar a sua frente. Memórias frescas a remetiam até aquele chalé, onde um ser de vestes pretas de repente surgiu e tentou capturá-la, tendo de lutar muito para conseguir. Ela se lembrava de ter enxergado um estranho símbolo estampado nas costas da blusa que ele usava, então o primeiro instinto que teve foi correr até onde encontrou o cavalete de Cameron, procurando desesperada por qualquer tinta, conseguindo então reproduzir o símbolo na folha, na esperança vaga de que aquilo pudesse fazer alguma diferença. Depois, quando o homem invadiu o chalé onde se escondia, ela se esforçou o máximo que era capaz para tentar sair dali, mas cada vez ia se tornando mais impossível. Ninguém escutava seus gritos, ninguém parecia se importar. Lexi conseguia se lembrar com clareza do momento em que o homem, na tentativa de alcançá-la, acabou escorrendo próximo a uma bancada, chocando seu braço contra uma ponta afiada da mesma. Enquanto assistia o sangue jorrar para todos os lados, as pernas ficaram fracas. Não teve forças para correr antes que um segundo homem a segurasse, tirando-lhe a visão ao colocar um capuz em sua cabeça. 
Então, ali estava ela, tentando compreender. Nada de sinistro e assustador havia acontecido em sua vida antes de conhecer Cameron. Ela se conformava em ser apenas uma mulher com seus vinte e poucos anos, admiradora de Arte, que simplesmente queria um bom emprego. 
- Perdida, senhorita? - Lexi virou-se bruscamente, enxergando apenas a sombra de um homem a alguns passos de distância. Quanto mais ele se aproximava, mas ela constatava se tratar de alguém bem alto. Evitando chorar, ela congelou o corpo e esperou, queria uma explicação de qualquer jeito. 
- Aparentemente, sim. - começou, um pouco incerta. Não sabia com quem lidava. Não sabia há quantos dias permanecia perdida. Sua positividade excessiva começava a ruir. - Eu acho que me sequestraram, e me trouxeram até aqui. Mas não faz sentido algum, faz? O que poderiam querer de mim? Não tenho rios de dinheiro e nem nada do tipo. 
Arthur fingiu compreender seu dilema, cruzando os braços e adotando uma expressão benevolente. Tinha aquele poder de convencer pessoas com sua falsa bondade. 
- O problema, é que trouxeram a pessoa errada. Mas receio que seja um pouco tarde para liberar você. - Lexi pestanejou, totalmente confusa. Um dos dedos enrolava uma mecha de cabelo e a outra ela passou sobre sua cintura, tentando se aquecer. Aquelas paredes de metal, além de medonhas, eram frias. - Como se chama? - Arthur desconversou, perguntando com a voz terna. 
- Alexandra, mas todos me chamam de Lexi. - onde ela estava com a cabeça para sair dando informações de sua vida para um homem que nunca tinha visto? E se ele tentasse algo contra ela ali mesmo? Correr seria uma opção plausível, porém, perigosa. 
- Certo, Alexandra. O que você costumava fazer... Sabe, da vida, o que gosta de fazer? 
- Geralmente eu tento ficar longe de aventuras como essa, senhor. - comentou um pouco mais calma, como se não conseguisse detectar os interesses obscuros de Arthur. 
- Seja mais específica. - algo na voz de Arthur fora alterado. Mais imponência fora adiciona. Começava a se parecer com o monstro que todos conheciam. 
- Eu gosto de escrever... Livros. 
- É uma escritora famosa? - a mulher negou, percebendo que a distância entre os dois começava a ficar insignificante. 
- Não, ainda não. 
Arthur pensou por um instante. Era incrível como conseguia encontrar pessoas adeptas a qualquer um de seus planos. Ter uma escritora ali, durante todos os processos realizados, seria bom. Ele teria uma forma de garantir a si mesmo que nunca esqueceria o grande plano. Lexi poderia ser uma espécie de escritora particular, registrando todos os detalhes da experiência realizada em Julian. 
- Então, o que você acha de escrever para mim? 
- Eu... - algo a impediu de completar um raciocínio vacilante. 
- ARTHUR! - cabelos loiros foram detectados por Lexi, que se encolheu ainda mais na parede e fitou o semblante apavorado do Heather. Tinha a sensação de conhecê-la de algum lugar. - Você não vai acreditar em quem está em Nova York. 
- Quem, Heather? - o homem perguntou indiferente, sorrindo para Lexi como se quisesse assegurar que tudo estava bem. 
Scarlett
O rosto de Arthur se fechou, os olhos verdes ficaram mais escuros. 
- O que essa maldita faz aqui? - perguntou exasperado, passando pelas duas mulheres. Precisava investigar e removê-la das redondezas, caso fosse necessário. Sabia do que Scarlett era capaz. Ele foi seu treinador, o responsável por transformá-la em uma suposta arma mortal. - Heather, cuide da Lexi, pois ela é a nossa nova... Amiga. E pare de ficar promovendo saídas noturnas, se é que me entende. Eu sei que Julian precisa ver a filha, mas tente fazer isso novamente e não verá o próximo nascer do sol. E então deixou as duas paralisadas, que se encaravam. Arthur afastou-se, seu longo sobretudo acompanhando os movimentos bruscos de seu corpo. Logo estava na rua, com os olhos atentos a tudo e todos. Sabia que logo a encontraria. 


Demetria's P.O.V

Londres

Sabia que Jamie ficaria radiante com o que eu tinha em mãos. Eu não podia simplesmente sair de casa sem antes entregar aquela carta a ele. Fora deixada mais cedo, por uma das professoras do colégio onde estudava. Ela alegou que era importante, de uma grande amiga. Voltei a adentrar minha casa, chamando por ele, que logo veio correndo escada abaixo. Estendi o envelope, o assistindo pegá-lo e abri-lo com pressa, exatamente como fazia com seus presentes durante o Natal. Curiosa, cruzei os braços e esperei enquanto ele olhava com uma expressão indecifrável para uma folha cheia de desenhos coloridos. De quem poderia ser? 
Não tinha remetente. 
- É dela, da Olivia! - disse alto, sorrindo ao olhar para mim. Abaixei meu corpo, ficando mais ou menos a sua altura. Jamie estendeu novamente o papel para mim, com um brilho encantador nos olhos. Era tão bom vê-lo daquele jeito! Por mais que o fato de sua felicidade depender tanto de uma garotinha me deixasse levemente preocupada. Eles ainda eram novos demais para aquele tipo de coisa. Olhando o desenho, entendi o motivo de toda a sua felicidade. Um casal de noivos fora desenhado, e suas características eram semelhantes as de Jamie e Olivia. O noivo do desenho: cabelos negros, olhos azuis e sardas. A noiva: cabelos loiros, olhos verdes e bochechas rosadas. Ao lado da imagem, escrito em uma caligrafia redondinha e infantil, os dizeres: "Jamie, sinto muito a sua falta, e espero que um dia esse desenho se torne realidade. Gosto muito de você. -Olivia."
- Uau, Jamie! - falei pela primeira vez, um pouco incerta do que dizer. O garoto tinha os olhos um pouco arregalados. 
- Mamãe, ela acabou de me pedir um casamento? Mas isso não está certo! Eu é que deveria pedir e... - tapou a própria boca, com medo do que eu pensaria diante daquele comentário. - Não, não deveria. - somente o que fiz foi rir e lhe devolver o papel. 
- Tudo em seu tempo, não é? - levantei-me, beijando sua bochecha em despedida e o mandando voltar a se dedicar aos seus estudos. Depois saí de casa, ainda um pouco insegura com uma provável notícia que me aguardava. Eu tinha recebido uma ligação naquela manhã, de alguém inesperado. O motivo? Uma proposta a ser feita para mim. 

Depois que cuidei de alguns assuntos, atravessei rapidamente a rua, indo até o lugar onde um encontro tinha sido combinado. Impaciente, notei que a pessoa ainda não estava ali. E tinha de ser algo bem breve, pois eu ainda tinha um almoço com Joseph. Tinha até escolhido uma roupa mais formal, já que sabia que iríamos até um lugar requintado, com certeza. Permanecendo distraída, fitando as vitrines de algumas lojas, senti uma mão tocar meu ombro e disfarcei o susto que tomei. Virei-me rapidamente e encontrei um Sean sorridente, que me cumprimentou com um aceno de cabeça. Seus cabelos castanhos estavam penteados para trás, vestia calças de cor cinza e um suspensório de mesma cor, por cima de uma simples camisa preta. Elegante, eu diria. 
- Olá, como vai? - parei de ficar analisando suas roupas e levantei minha cabeça ao escutar sua voz, voltando minha atenção para seu rosto de feições leves. 
- Bem, e você? 
- Ótimo. - mas o que aquele homem queria justamente comigo? Lembrar que sua irmã era Valerie, a responsável por intrigas passadas entre mim e Joseph, me obrigada a encará-lo com os olhos semicerrados, tentando descobrir se suas intenções seriam semelhantes as de sua irmã. - Starbucks ou algum restaurante específico? - perguntou amigável. Cocei a nuca e desviei o olhar, desconfortável. 
- Sean, isso não é um encontro. - tentei lembrar a ele, frisando bem as palavras. Seu sorriso não se desmanchou, muito pelo contrário, seus dentes brancos ficaram ainda mais evidentes. Era uma pessoa bem humorada, pude deduzir. 
- Claro que é! Um encontro de... Negócios. - ergueu uma sobrancelha, me fitando com um interesse de natureza desconhecida. Teria problema acompanhá-lo e descobrir do que se tratava de uma vez por todas? Provavelmente não, então concordei com a cabeça e tentei sorrir, o assistindo estender a mão em um gesto de cavalheirismo para que eu fosse a sua frente. 
- Quanta seriedade, huh? - comentei enquanto já caminhávamos em direção a Starbucks mais próxima. 
- Você nem imagina. 

Eu encarava o simples café preto, enquanto sentia estar sendo observada. Sean cruzou os braços na altura do peito e esperou, como se não tivesse outra saída senão essa. Um pouco incerta sobre erguer o resto e pedir que prosseguisse com aquele assunto, tomei um gole rápido do café, sentindo o líquido quente incomodar minha garganta. 
- Então, você dizia... - arrisquei, finalmente encarando seu rosto. Talvez algo dentro de mim alertasse para ficar longe, pois aquela poderia ser uma armação barata, um jeito qualquer de me atrair. Abrir caminho para que Valerie pudesse colocar algum plano macabro em pratica. Eu precisava deixar de ser tão desconfiada. Como pôde acontecer? Uma mulher que confiava em todo mundo simplesmente não conseguir mais enxergar as boas intenções nos rostos daqueles que sorriam demais. E esse era o caso de Sean. 
- É óbvio que você se lembra do episódio que em todos estavam em um teatro, você cantou, minha irmã teve uma ideia maluca, vocês cantaram... 
- Sim, como poderia esquecer? - cortei sua voz, negando com a cabeça ao ter a memória. 
- Naquela noite, depois que você foi embora toda apressada, meu tio Rusty ficou em pânico. - Sean ergueu um dedo e pediu um segundo, para beber seu cappuccino. - Certo, então... Ele me perguntou onde Demetria estava, porque eu tinha sido tão estúpido ao deixar Demetria escapar. Demetria era uma jóia rara demais para ser roubada por qualquer um. 
- Como é que é? - uni minhas sobrancelhas, um pouco incrédula. Quem Rusty pensava que era para acreditar possuir algum tipo de direito sobre mim? Era só o que faltava mesmo. - Eu saí do teatro com minha mãe e meu marido, não fugi - fiz aspas com os dedos - como seu tio deu a entender. - Sean soltou um risinho. 
- Calma, é agora que vem a parte boa. Sabe por que ele ficou tão bravo? 
- Será que eu quero saber? 
- Quer sim! Bom, Demetria, vamos por partes: você canta muito bem, tem uma voz... - ele olhou para o lado, procurando a palavra mais propícia. - Tem uma voz majestosa quando se esforça, e nós dois não somos os únicos a pensar desse jeito. Além disso, você tem muito carisma também. Apesar de um pouco tímida, consegue se soltar quando é oportuno. Você sabe encantar platéias! 
Reprimindo um sorriso por estar recebendo tantos elogios, balancei minha mão no ar, rindo como se ele estivesse dizendo coisas absurdas, fazendo piadas de mau gosto. Mas sua forma de explicar tudo aquilo não parecia conter segundas intenções. Ele falava calmamente, como se contasse as novidades aos amigos. Então, agradeci, mesmo que ainda não conseguisse entender nada.
- Obrigada, muito obrigada. Elogios assim fazem bem... Mas eles têm uma explicação, estou certa? 
- Não se lembra? Vamos por... 
- Partes! - completei, começando a ficar ansiosa. 
- Continuando: meu tio Rusty está escrevendo um musical, que, eventualmente, fará grande sucesso na Broadway. Mas essas são palavras dele, não minhas. O homem demora milênios para escrever! Acredita que uma vez levou quase dois anos para conseguir finalizar uma peça com duração de quinze minutos? - engoli a falta de educação que ficaria explícita assim que eu dissesse "Pode ir ao ponto, por favor? Não me interessa saber o que diabos seu tio escreveu ou não!". Batendo o salto de meu sapato contra o chão, olhei para o relógio, suspirando. - Ok, já vi que você é o tipo de pessoa que não gosta de preliminares
Preliminares? 
- Eu... Como assim... Isso não tem nada a ver! - Sean riu de mim com gosto. 
- Não me refiro a preliminares de sexo, Demetria. Relaxe um pouco, você não tem motivos para ficar acanhada. Eu jamais te cantaria. 
- Obrigada? 
- Então... Tem essa peça nova, que ele já escreve há alguns meses. Na verdade é um musical ainda sem nome. Estou a par de tudo porque, na maioria das casos, os problemas como: atores que piram e fogem do palco, vestidos rasgados e atores bêbados, sobram para mim. Rusty quer você! Rusty quer você como a estrela desse musical. - o homem gesticulava, apontando para mim. Uma sensação engraçada tomou meu peito, uma mistura de medo com susto. Aquele calor apavorante na boca do estômago. Eu? Uma estrela? - Eu sei, é loucura! Ele nem te conhece direito, mas... É isso aí. Algo em você despertou grande interesse nele e, honestamente falando, não é difícil de perceber do que se trata. - frisou as palavras, apontando para mim sem demonstrar receio algum. - Quando o velho quer, o velho consegue. 
Como se fosse tão fácil. Como se comigo funcionasse daquela maneira. 
Chocada, pestanejando e tentando processar todas as informações, coloquei meus cabelos para trás e acabei com o café já frio de uma vez. Ele me olhava em silêncio, segurando outro riso. Rolei os olhos, evitando encará-lo antes que começasse a rir também. O que diabos acontecia? Não, era mentira. Era um sonho! Ou melhor... Um pesadelo. Eu simplesmente não tinha a capacidade de me enxergar sendo a protagonista de um ilustre espetáculo da Broadway... Acontecimentos da vida cotidiana fizeram com que meus pés grudassem ao chão. Uma pessoa realista. Sonhar alto demais não me convencia... Não vale a pena. 
- Não posso me dar ao luxo de participar... Disso. - respondi categoricamente, acreditando estar colocando um ponto final, pronta para levantar e ir ao encontro de meu marido. Já era capaz de imaginar sua reação quando eu contasse aquele absurdo. Provavelmente me repreenderia por não acreditar em minhas capacidades artísticas
- Por que continua acanhada desse jeito? Não tem nada de tão surpreendente por aqui. Achou mesmo que essa voz ficaria escondida por muito tempo? - Sean me desafiava com o olhar, tentando ler minha mente e desvendar que um lado meu realmente vibrava com o repentino comunicado. Seu rosto magro era fechado, perdido em uma analise qualquer. 
- Sean, eu tenho filhos! E marido, uma vida e... 
- Vergonha, muita vergonha. 
- Pare de cortar minhas frases, por favor! - ralhei, não satisfeita por estar dando a ele a minha versão mais rabugenta e cética. 
- Não paro, porque consigo enxergar tudo isso acontecendo perfeitamente bem. Eu consigo enxergar seu rosto angelical iluminado pelos holofotes, consigo enxergar sua voz se adaptando a qualquer música que precise cantar. Ousada ou delicada, não importa. E consigo te imaginar no papel que Rusty está desenvolvendo. Perfeitamente bem! Vamos, aceite logo ou ele vai me matar! - fingia desespero, e meu coração só acelerava cada vez mais. Corra, Demetria, corra!, era o que eu pensava, antes que ele revolvesse me sequestrar e me obrigar a atuar. 
Eu já tinha sido sequestrada uma vez. Pelo meu chefe... Bons tempos. 
Parei de sorrir, notando que agora a expressão de confusão pertencia a ele. 
- Aliás, minha grande paixão nunca foi atuar. Tenho gosto por cantar, tocar instrumentos... 
- Uma coisa leva a outra, querida. - rebateu, convicto. 
Com o queixo sendo sustentando pela minha mão, repensei. Rejeitar a proposta de imediato me tornaria uma tola. 
- Pelo menos tenho a opção de pensar com clareza? Porque essa pressão psicológica que você está fazendo não vai dar certo, Sean. 
- Não enxergo pressão alguma, Demetria. E, sim, você tem muito tempo. Quantos anos têm seus filhos? 
- Jamie tem dez anos e Matthew tem cinco meses. 
- Perfeito! - chocou as palmas de suas mãos, afastando um pouco a cadeira da mesa para encostar os cotovelos nos joelhos. Calculou algumas coisas e depois estralou os dedos. - Nada vai entrar em processo de produção antes dos próximos oito meses, então você tem muito tempo para decidir, cuidar desse bebê que certamente precisa muito da mãe. Pode até dar um jeito de afinar mais a cintura... 
- Ei! - ameacei jogar a xícara em sua direção, mas ele ergueu os braços como quem se rende. 
- Brincadeira. 
- Isso é loucura. 
- Não, é apenas a vida no showbiz. Um dia você é ninguém, e no outro é quem quiser ser. Segure essa oportunidade, Demetria. Eu tenho certeza de que o seu coração está dizendo agora mesmo para agarrá-la com força. 
- Tenho preciosos oito meses para pensar, então irei me afastar de você antes que a situação piore! - levantei-me, pegando minha bolsa. Nos despedimos rapidamente, e eu já virava as costas, pronta para atravessar a rua e encontrar Joe. 
Demetria! - Sean voltou a me chamar. Cessei meus movimentos, bufando e virando novamente, fingindo um sorriso amarelo. 
- Diga. 
- Não se preocupe com a Valerie. - pega de surpresa, tive até mesmo que voltar a me sentar, o olhando com atenção. Tudo a respeito daquela mulher parecia me deixar em estado de alerta. 
- O que faz você pensar que me preocupo com ela? 
- Eu sei que se preocupa. Ela tentou me convencer a te seduzir, para abrir caminho e conseguir se aproximar do seu marido. Mas, veja só, eu não posso tentar te seduzir, então, pelo menos essa batalha, ela perdeu. Pode me agradecer! 
Não que quisesse saber o motivo dele não poder me seduzir, mas analisando a situação, eu queria mais informações. Queria descobrir o que a maldita Valerie ainda planejava contra o meu casamento. Ódio! 
- Acho que sua irmã pensa que eu não sei cuidar do que é meu, Sean. 
- Pois é, Valerie é descerebrada. - ele desistiu de manter o contato visual, encarando a toalha da mesa onde ainda continuávamos. Depois riu sem felicidade alguma, levando os dedos até os cabelos e os pressionando por ali, soltando o ar com pesar. - Se ela soubesse... 
- Soubesse do quê? - indaguei, antes mesmo de perceber que era inconveniente. 
- Não somos amigos, Demetria. Não vou revelar minha vida pessoal para você. 
- Tudo bem, não está mais aqui quem falou. Tchau, Sean, até a próxima. 
- Espere! - coloquei a mão na cintura, balançando a cabeça em um gesto positivo, pronta para ouvir. - Ela quer que eu tente te seduzir, porque não sabe o quão difícil isso seria para mim. Eu sou gay, então acho que não preciso explicar mais nada. 
Assenti, sem grande alarde. Não enxergava problemas naquilo. 
- Tudo bem. Obrigada pela sinceridade, é bom saber que não terei um homem mais novo do que eu tentando me levar para a cama. 
- Tudo bem? Você não vai me olhar torto ou, sei lá, rir? 
- Por que eu faria isso, Sean? Por causa de sua orientação sexual? - neguei com a cabeça, dando de ombros. - Isso não é problema meu. E não me incomoda nem um pouco. Mas, infelizmente, estou atrasada! 
Então corri contra o tempo, o deixando para trás. Andando pelas ruas infestadas de pessoas e transito caótico, eu não conseguia mais esconder um sorriso esperançoso, talvez até proibido. Era difícil acreditar que alguém pensava em mim com uma estrela, como alguém que encantaria multidões. Demetria Jonas, até o momento invisível ao mundo, ganhando seu momento de glória. Seria possível? Doía um pouco pensar que sim. Ter de abdicar muitas coisas não parecia muito agradável. Ter uma vida corrida e pouco tempo para a família não era um dos meus desejos. Eu conversaria com Joseph, e, somente juntos, tomaríamos uma decisão. Afinal de contas, nem era algo cem por cento confirmado. 
Só o tempo iria dizer. 

Realmente acreditei que finalmente conseguiria parar de me perder em contratempos e alcançar meu rumo, e Joseph já deveria estar me esperando no restaurante combinado. Ele tinha sempre aquelas manias de querer me levar para lugares novos, experiências novas. Como um casal de namorados que nunca consegue avançar a parte do primeiro encontro. Parecia que havíamos tido milhares de primeiros encontros. Estranho era descobrir que o frio na barriga continua a se fazer presente em todos. Pessoas apaixonadas são tolas, elas enxergam o paraíso nos detalhes mais sutis. Ainda bem que isso não me incomodava, de maneira alguma. Eu gostava da sensação de que poderia ser para sempre a namorada de Joseph, aquela que ele nunca se cansaria de tentar impressionar. 
Meu humor estava ótimo, propenso a ficar melhor ainda. Não conseguia livrar minha mente das palavras de Sean, do possível destino que me aguardava. Oito meses, eu tinha oito longos meses para decidir e colocar meus medos e inseguranças nos eixos, tentar abdicá-los e substituí-los por confiança e positividade. Coincidentemente me lembrei do que assistia na noite anterior, um seriado de televisão chamado Smash. Nele, as conturbadas vidas de diferentes personagens se entrelaçavam por entre um musical aparentemente bem sucedido sobre Marilyn Monroe. Mas, para mim, até aquele humilde momento, era algo que jamais sairia da tela e viria para a realidade. Era como assistir a um filme de ação, um romance policial dotado de muito suspense, cheio de momentos incríveis que nos deixa vidrados. Nos imaginamos ali, interagindo com personagens e cenários, mas sabemos que será apenas isso: imaginação
Então, de uma hora para a outra, eu me enxergaria presa em algo que estava longe demais da realidade dos outros? 
As várias nuances de uma Demetria - que ainda não sabia definir bem ser uma mulher feita ou ainda uma adolescente em processo de descoberta de si mesma - se mesclavam. Porque era exatamente daquele jeito que eu me sentia. Por vezes, tão madura e viva; tantas histórias para contar. E em momentos seguintes queria entender porquê ainda me sentia tão frágil perante o mundo, tão desprovida de experiência e força para aceitar como o tempo passava tão rápido. 
Depois que percebi filosofar por diversos minutos, sem nem mesmo prestar atenção a gritante movimentação ao meu redor, olhei para os lados, um pouco tonta pela quantidade de tempo que desperdicei mergulhando em devaneios. Um carro estacionou pacificamente ao meu lado, porém ignorei. Dando mais três passos, percebi que alguém pigarreou, como se para chamar minha atenção. Virei-me um pouco aturdida e vacilante, com receio, estava sozinha. Quando meus olhos se encontraram com o dono do veículo, respirei aliviada. Era Cameron. 
Com uma aparência caótica, cabelos bagunçados, uma camisa amassada e um sorriso estranho no canto dos lábios, ele fez um aceno de cabeça, pedindo que eu me aproximasse. Um pouco receosa, o fiz, afinal queria saber notícias sobre Lexi. Já de frente para o vidro aberto, fiz uma careta ao sentir o cheiro de bebida alcoólica. Ele estava bêbado, não era grande novidade. Cameron tinha o péssimo hábito de afogar as mágoas na bebida. Um pouco semelhante a Joseph, sim, mas meu marido nunca conseguia ficar bêbado, dizia jamais permitir que tal ato tão desprovido de dignidade acontecesse com ele. 
- Olá, como vai? - arrisquei, fingindo não me importar com seu estado. Ele balançou a cabeça de qualquer jeito, olhando para frente e depois para mim novamente. O homem estava acabado, e isso me causou certo desconforto. Não o odiava, longe disso. Era triste vê-lo tão prostrado daquela forma. - Alguma notícia da Lexi? 
- Sim, sim, ela me ligou ontem. - seu rosto com uma fina barba se iluminou por segundos, mas apenas segundos. - Mas não disse onde está, com quem está e se vai voltar. 
- Eu sinto muito. - eu disse com sinceridade, fechando os olhos com força ao lembrar que já estava mais do que atrasada. - Tudo vai dar certo, ok? Mas agora, se me der licença, eu preciso ir, tenho que encontrar o Joseph. 
Então ele riu. Seu típico riso debochado, como se estivesse maluco para soltar um comentário infeliz. 
Joseph parece mesmo determinado em manter a compostura, hein, Demetria? Nunca mais deu trabalho? Nunca mais ameaçou ninguém de morte? 
Sempre que alguém utilizado de comentários desestimulantes para atacar meu casamento, eu tinha o instinto de procurar minha aliança no dedo anelar e segurá-la, lembrando que nenhuma mera opinião negativa mudaria a importância daquela união para mim. 
- Não. - respondi duramente, sem paciência para suas brincadeiras de mau gosto. 
Pegando-me de surpresa, ele puxou a porta do carro e saiu, apoiando-se na mesma ao perceber que não conseguiria ficar de pé sem alguma sustentação. Para prevenir algum acidente, recuei, no mínimo uns cinco passos de distância. Mas ele começou a quebrá-la, me fitando minuciosamente até que acreditou estar perto o suficiente para poder sussurrar: 
Entre no carro
Semicerrei os olhos, travando a mandíbula e agarrando minha bolsa com força. Meu simples gesto de negar com a cabeça o fez segurar meu braço, depositando força ali. Olhei ao redor, para checar se teria a quem pedir ajuda caso ele perdesse a cabeça. Não demonstraria medo, pois na verdade não sentia medo. O que eu sentia por ele era pena, ainda mais sabendo que sua vida ultimamente se transformara no inferno. 
Cameron, vou pedir só uma vez e com delicadeza: solte-me. - alertei, já pensando no que fazer para me prevenir do que pudesse acontecer a seguir. - Me solte! - o tom de minha foz aumentou um pouco, enquanto eu puxava meu braço para trás. O arrepio na espinha não estava ali, nem o estranho acelerar dos batimentos cardíacos. Não tinha nada naquele olhar que me deixasse em dúvida sobre a vida. O último sentimento que pairou pelo meu corpo fora o desapontamento. - Eu falei para me soltar! - então, assim que percebi, já tinha conseguido me desvencilhar dele, empurrando seu corpo para trás, o chocando contra o carro. 
Levando outro susto, notei que Sean vinha correndo, visivelmente preocupado com o que acontecia. 
- Você está bem? - ele perguntou, fitando bem meu rosto e colocando uma mão em meu ombro. Apenas concordei com a cabeça, lançando um olhar odioso para Cameron, que esfregou o rosto com as mãos e depois continuou a rir. Sean olhou dele para mim, como se não acreditasse que eu de fato estava bem. 
- Ele só está bêbado, Sean. Não perca seu tempo, não vale a pena. - expliquei rude, assistindo Cameron voltar a se aproximar. Porém, dessa vez, Sean parecia determinado a se colocar em minha frente. Eu deveria correr dali, não era uma cena muito agradável, e pessoas ao redor já começavam a perceber a agitação. 
- Tem certeza disso? 
- É claro que tenho. Cameron não faria algo assim se estivesse sóbrio. - afirmei, mas minhas palavras viraram motivo de piada para Cameron, que negou com a cabeça e ergueu um dedo para explicar algo. 
- Como é que sabe? Você nunca quis me conhecer completamente, vai ver que sempre te enganei a respeito do meu jeito de ser. - o fitei com indiferença, não dando a mínima para o que dizia. Se me enganou, ótimo. Era um erro do passado, e passado não estava mais em minha lista de preocupações. Se ele não tinha a capacidade de seguir em frente, o problema era dele. - E, olha só... - apontou para Sean, com olhos maldosos e lábios torcidos. - Agora nossa querida Demetria tem um novo substituto para usar quando o marido não estiver disponível... 
Antes que eu pudesse fazer mais nada, Sean foi para cima dele. Tentei puxar seu braço, amassando o pano de sua camisa e conseguindo apenas provocar uma raiva ainda maior em Cameron, que não se deixou abater. Xingando a mim mesma pelo espasmo de coragem, me coloquei no meio dos dois e forcei cada um a ir para um lado, ou acabariam acertando seus punhos em mim. Como eu sabia que não fariam isso mesmo se pudessem, contei vantagem e pedi que ficassem calmos. 
- Só bêbado, Demetria? Eu já vi muitas pessoas bêbadas por ai, e nenhuma delas conseguiu ser tão repulsiva quanto esse cara. Você não me conhece, imbecil! - Sean rosnou para Cameron, que deu de ombros, voltando a me analisar. Respirei fundo, esquecendo até mesmo o motivo da felicidade anterior. Naquele momento eu estava apenas preocupada, até sendo capaz de imaginar no que tudo aquilo se transformaria caso Joseph resolvesse me procurar por aquelas ruas. Ignorei o celular vibrando dentro de minha bolsa. 
- Me responda... - Cameron começou de novo, enquanto Sean tentava se recompor. - Se você pudesse voltar no tempo, teria pensado novamente em dormir comigo? 
Houve um silêncio, um silêncio muito desconfortável. Eu não sabia dizer se o olhar que recebi de Sean era pior do que a pergunta em si. Porém, deixei a apatia escorrer por minha face, mantendo os movimentos de meu corpo calmos e os braços parados, olhando fundo em seus olhos para entregar a resposta tão bem montada em minha mente. Não restava duvida alguma. 
Evitar aquela necessidade estava fora de cogitação, tive de ser um tanto quanto relapsa com seus sentimentos, não me importando com o que seria pronunciado pelos meus lábios: 
- Você é uma pessoa inteligente, Cameron, sabe muito bem a resposta. Mas, para falar a verdade, nem precisaria ser muito, já que é uma resposta bem óbvia. - ergui uma sobrancelha, me sentindo forte. Principalmente porque ele pareceu sem reação. 
- Bom... Infelizmente, você não pode voltar no tempo. Infelizmente, você quase dormiu comigo e isso vai te atormentar pelo rosto dos tempos. 
- Olha, até poderia me atormentar se eu sequer tivesse tempo e vontade de pensar nisso. Você é patético, uma criança no corpo de um homem. Certo, minto. Nem mesmo uma criança toma atitudes como as suas. - concluí, com um sorrisinho falso. - Até mais, Sean! - me despedi apenas do outro homem, que assentiu, e caminhei livremente para longe dos dois, feliz por saber que uma das minhas grandes fraquezas não existia mais: o medo de dizer a verdade na cara das pessoas, quando mereciam. Cameron precisava crescer de uma vez, parar de retornar quando se via diante de uma encruzilhada. Todos têm problemas, e geralmente esses problemas nos fazem crescer como pessoas, mas com ele o efeito parecia ser totalmente oposto. 

/Demetria's P.O.V


Joseph encarava um ponto vago em sua extensa sala, tamborilando os dedos na mesa em vidro. Por hora, encontrava-se distraído com várias questões. Não deixava de sorrir sozinho ao se lembrar do que Demetria tinha lhe dito mais cedo naquele dia. Mal podia acreditar que sua esposa parecia tão perto de alcançar um possível sonho. Ele sabia que Demetria queria, sim, aceitar aquela proposta, sabia que a mulher tinha apenas medo de se jogar ao desconhecido. Mas ele estaria por perto para apoiá-la, para fazê-la enxergar que não há nada de errado em correr atrás dos próprios objetivos. Voltando a pensar em sua própria vida, ele respirou fundo e encarou a grande janela ao seu lado, perguntando a si mesmo se deveria continuar com tudo aquilo ou simplesmente abdicar do que um dia pareceu tão promissor. Vestígios do assassinato em um de seus hotéis continuavam a assombrar o andamento dos negócios de toda a companhia. Não seria mais possível enxergar a Empire com os mesmos olhos depois de tal atrocidade. Ele não queria que pessoas ficassem inseguras e receosas dentro de seus hotéis. Não era seu sonho de vida ser um chefe, mas era o que fazia no momento, então o melhor a fazer era aceitar e tentar tirar algum proveito, se acostumar e aprender a aceitar que, apesar de um lado ainda sonhar com a Medicina, era um preço alto demais. Médicos, na maioria dos casos, não têm uma vida de verdade. Eles cuidam de outras vidas, mas quem poderia cuidar das suas, sendo que não lhes resta tempo algum para isso? 
Joseph negou com a cabeça, exasperado. 
Daquele momento em diante, ele passou a enxergar que, por mais que aparentasse por vezes ter uma imensa pose de prepotente, era apenas um garoto assustado no meio de um mundo cruel. A fraqueza que parecia sentada ao seu lado tentava estimulá-lo a sucumbir a falência. "Você nunca será bom o suficiente para manter isso como seu pai foi. Desista!" Poderia seguir outra profissão, tinha alguns conhecimentos em diversas áreas administrativas. Então por que largar os malditos hotéis parecia tão impróprio? Ele sabia bem a resposta. 
Se largasse aquilo, estaria deixando de lado o que o levou a conhecer Demetria. Largando os hotéis, ele largaria as primeiras memórias de encontros entre os dois. Jogaria fora a fotografia da salvação que, mesmo demorada, lhe alcançou. 
Um pouco afoito e cansado de pensar em tudo aquilo, ele relaxou um pouco seu corpo na cadeira e vasculhou alguns papéis, ouvindo um típico som ressoar por seu escritório. Atendeu ao telefone, ouvindo que alguém estava ali para vê-lo. Após autorizar a entrada de seja lá quem fosse, esperou. 
Assim que a porta fora aberta, um homem adentrou solenemente, carregando uma maleta marrom de couro. Sem esperar pelo convite, caminhou até a mesa, puxou uma cadeira e se sentou, olhando para Joseph com um sorriso amigável. 
- Quem seria você? - Joseph perguntou, ainda um pouco distraído, sacudindo levemente a cabeça para tentar voltar a órbita. 
Dominic McGuinness. - respondeu somente, colocando a maleta sobre a mesa, abrindo-a e retirando dali um simples papel, o passando para as mãos de outro homem, que ajeitava impaciente a gravata de seu terno, como se estivesse sufocado. O tal Dominic olhava ao redor, esperando que Joseph lesse o documento. 
- Claro, você é o advogado que o Caleb me recomendou. 
- Exatamente. Mas, permita-me fazer uma apresentação mais elaborada: Quem é Dominic McGuinness, você deve se perguntar! Dominic McGuinness odeia dias quentes, mulheres de lingerie bege e bebidas que, não importa a quantidade que você consuma, nunca conseguem te deixar bêbado o suficiente. Em outras palavras, Dominic McGuinness é um gênio e você pagaria para conhecê-lo. É um bom advogado, competente no que faz, vencedor de vários casos importantíssimos. 
Joseph fingiu não estar prestes a rir com descrença, olhando para os lados e tentando identificar prováveis câmeras. 
- Isso é algum tipo de piada? - quis saber, julgando mal a atitude tão egocêntrica de Dominic. 
O outro, por sua vez, deu de ombros como se não tivesse lhe dito nada de mais. Ele beirava os trinta e cinco anos. Os cabelos curtos, sobrancelhas e até mesmo os desajeitados cílios eram loiros. Olhos azuis. Uma pequena cicatriz na parte lateral de seu couro cabeludo, causando uma irreparável falha em forma de risco. Era natural da Irlanda, mas o sotaque irlandês foi ofuscado pela permanência estendida nos Estados Unidos. 
Joseph parou de dar atenção a ele por um segundo, compilando alguns dos arquivos ainda desorganizados na mesa. Dominic ergueu sua mão, como um aluno faria em sala de aula. 
- Acha que sou egocêntrico? E vai me dizer que você não é? C'mon, manJoseph Jonas, o dono da companhia de hotéis Empire. Provavelmente é mais conhecido do que imagina. - um pouco incerto do que dizer, Joseph simplesmente concordou com a cabeça e voltou a olhar para Dominic, fazendo seus cansados olhos verdes aparentarem algum interesse. Aquele advogado seria sua última alternativa, então talvez fosse de bom grado escutar o que tinha a dizer, apesar de seu jeito aparentemente detestável de ser. 
- Veja bem, Dominic. Eu vou ser sincero e dizer que não tenho muita paciência para lidar com determinados assuntos, muito menos apresentações desnecessárias de empregados meus. 
- Eu sou um empregado seu? - Dominic se fingiu de impressionado, cruzando os braços. - Aí está o egocentrismo! 
- Que seja. 
- Por que eu tenho a impressão de que você não tem a menor ideia do tamanho do negócio que tem em mãos? - o advogado leu algo em um papel impecavelmente branco, crescendo um pouco os olhos. Eram detalhes minuciosos de tudo que envolvia grande parte daquela empresa. Coisas como seu capital, número de sócios minoritários e gráficos com o desempenho dos hotéis em questão de hóspedes. 
- Porque talvez eu realmente não tenha. Fui obrigado a assumir isso quando era novo demais... 
- E permanece aqui por algum tipo de obrigação? - Dominic quis saber. Joseph levantou-se e se dirigiu até seu estimado whisky, derramando o líquido em um copo e dando um rápido gole. Ofereceu a Dominic, que simplesmente negou com um gesto de cabeça. 
- Mais ou menos. Com o tempo nos acostumamos, certo? E existe uma razão para eu não querer me livrar desse legado. 
- Como seu suposto advogado, receio ter de saber qual é a razão. Política da empresa. - explicou. 
- Você não entenderia. Apenas digo que, graças a ele, consegui a coisa mais importante que tenho na vida. 
- Dinheiro? - Dominic estreitou os olhos. Joseph bufou e tomou outro gole de whisky, enfiando uma mão no bolso do terno. Soltou um risinho e negou com a cabeça, de um jeito evasivo. - O saldo de uma das suas contas bancárias é equivalente a quantia que eu precisaria para me sentir como um rei pelos próximos quarenta anos. - o loiro olhava impressionado para outro documento, imaginando-se em longas férias, com dinheiro de sobra para gastar. 
- Às vezes não parece que tenho todo esse dinheiro... - enquanto Jonas começava a tentar se explicar, Dominic enxergou um porta-retrato sobre a mesa, tendo ousadia de pegá-lo e fitar com interesse a bela figura de uma mulher. Demetria. Ignorou completamente o outro, que mostrava a imagem do casal com os dois filhos. - É difícil explicar, mas é como se continuasse pertencendo a outra pessoa. Mas é meu, não é? E vou usá-lo para garantir o melhor da situação. - então Joseph havia tomado novamente a pose de bom chefe, um chefe decidido que luta pelo melhor a ser feito em seu negócio. Demetria sentiria orgulho ao vê-lo tão confiante, lhe faria um bem imenso. 
Então Joseph notou o deslumbre que era transmitido pelos olhos do advogado, que ainda segurava o porta-retrato. Percebendo o silêncio, Dominic rapidamente apontou para Jonas, fazendo um barulho esquisito com a boca. Parecia dizer "Você é o cara!". 
- Ok. Já vi a foto de sua amante, agora quero ver da esposa. Onde está? - mudando completamente o rumo daquela reunião, o loiro procurava ao redor, enquanto Joseph o fitava incrédulo. 
- Você acabou de ver uma foto das duas. Esposa e, como gosta de se referir, amante. Tudo em uma mesma mulher. - sorriu seu sorriso branco e perfeito. 
- Não! - Dominic se levantou, aturdido. - Não é possível que essa belezinha seja sua esposa! 
- Essa "belezinha"... - Jonas fez aspas com o dedos, tentando não se deixar levar pelo ciúme que já começava o processo de fervura em seu sangue. Precisava se controlar. - Tem nome. E dono. - frisou a última palavra, seu jeito categórico divertiu Dominic, que percebeu o ciúme que o homem sentia pela mulher. Controlou-se para não zombar dele devido a isso. Mas não mudaria sua opinião: Demetria era linda. 
- E estamos de volta aos tempos das cavernas, onde os homens tomavam pose das mulheres como se fossem carros potentes, porém somente carros, sem razão. Sem direito a objeções. Espere aí... Não existiam carros potentes naquela época, não é? Ignore-me. 
- E por que não acha possível Demetria ser minha esposa, Dominic? - falou sem encará-lo, com o corpo encostado na extensa janela de vidro, contemplando a agitada Londres. O Big Ben parecia bem de frente a sua visão. 
- Porque ela parece ótima, meu caro. Casamento leva a sensualidade de uma mulher ao declínio. E ela parece bem longe do declínio, se é que me entende. 
Joseph fechou os olhos e pôs-se caminhar novamente, voltando até sua mesa. 
- Você não sabe o que está dizendo, mate. - o tom irônico em sua voz ao pronunciar a última palavra era notável. - Vá procurar a sua garota, deixe a minha em paz. 
- Você quis dizer as minhas garotas, suponho. - Jonas parou ao lado do homem loiro, tomando o porta-retrato de suas mãos com rapidez, o fitando por longos segundos, suspirando antes de devolvê-lo ao seu lugar. - Cara, você ama essa mulher! 
- Você acha? - indagou, com falsa surpresa, fingindo não ter conhecimento pleno. 
- Acho, porque nenhum homem olha para a foto de uma mulher e faz... - suspirou, produzindo um barulho exagerado, fazendo uma careta e rindo em seguida. Joseph começava a se perguntar o que Caleb tinha em mente quando lhe disse que sua irmã Rachel conhecia um ilustre advogado. Tudo que conseguia enxergar ali era um belo pateta. - Sem motivos aparentes. 
- Por quanto tempo mais eu vou ter que perder meu tempo com um salafrário feito você? 
- Ora, ora, ele pensa que sou um crápula. - Dominic colocou-se de pé, andando pelo recinto com olhos atentos, como se quisesse conhecê-lo melhor. Parou diante de uma pequena mesa própria para bebidas, segurando uma das garrafas de whisky pela metade. - 21 anos? Boa escolha! 
- Podemos, por favor, ir logo ao que interessa? - Jonas sentou-se irritado em um sofá ao centro, espalhando papéis por uma mesa de vidro que ficava no meio. 
Depois de quase uma hora naquela interminável conversa sobre o futuro da empresa, Dominic teve uma ideia. Após fazer algumas anotações, sem deixar que Joseph as visse antes de prontas, sorriu presunçoso. 
- Não sei se isso se enquadra ao meu trabalho, mas posso lhe dar um conselho? 
- Desde que ele não leve para a prisão, vá em frente. - Joseph esfregou as mãos, ajeitando o corpo, pronto para escutar. 
- O meu conselho é que desfaça as filiais do Caribe e de Dubai, mantendo apenas a de Los Angeles. Então, com a ajuda dos seus colaboradores, sócios e advogado... - apontou para si. - Encontraremos outros lugares, após solucionar toda essa questão do assassinato, é claro. Só depois você poderá se focar no planejamento de hotéis nem tão grandiosos como o de Los Angeles, mas em uma quantidade elevada, que saibam deixar sua marca. Consegue pensar em alguns lugares? 
Nova York, talvez. E aqui em Londres... - Joseph ponderava, perguntando a si mesmo se realmente seria aproveitável seguir aqueles conselhos. E se conseguisse se afundar mais ainda? 
Paris também é uma boa. Assim como Monte Carlo, e outro em qualquer cidade litorânea. Uma ótima dica: Rio de Janeiro! Então você terá seis hotéis. Uma companhia completa. Digamos que não precisa ser apenas uma rede de hotéis convencionais. Você pode investir em eventos, shows, exposições... Trabalhar em uma culinária estritamente profissional. Atrair bons nomes para os negócios. 
Dominic falava, falava e falava e Joseph conseguia enxergar ali, uma imensa oportunidade. Sua imaginação começava a formar mais ideias, talvez coisas que realmente resultassem em surpresas benignas no futuro. Afinal de contas, Dominic era mesmo apenas um advogado? 
Antes que pudesse prever o próprio ato, já tinha estendido sua mão para o advogado, que retribuiu o gesto. Os dois deram um breve aperto de mão, ambos sorrindo satisfeitos. Talvez Joseph, finalmente, aprendesse a ser feliz com o que fazia. Enxergando em sua frente uma encruzilhada, caminhos distintos; um era o mais fácil: largar a empresa e procurar outras formas de viver com sua família. O outro parecia mais sinuoso, porém, ainda assim, mais certo. Passou a se ver em uma grande dúvida, assim como Demetria. Felizmente tinham um ao outro para conversar até que um acordo fosse devidamente feito. Felizmente tinham um ao outro, independe de qual fosse o caminho escolhido na encruzilhada. 


Demetria's P.O.V

Estávamos dentro do que poderia ser chamado de biblioteca. E eu realmente me sentia dentro de um filme, porque a luz era um pouco fraca, dando um ar envelhecido a tudo ao redor, juntamente com uma aura misteriosa. Estantes enormes de madeira escura abrigavam os mais variados títulos. Alguns - aqueles abandonados no topo delas - empoeirados, e outros em aspecto mais conservado. Mesmo que parecesse um pouco impossível, estávamos dentro da casa de Karen, tia de Joseph. Eu o convenci a aceitar o convite dela, já que a mulher parecia realmente interessada em vê-lo quando falou comigo por telefone. Meu marido andava por ali com má vontade, me ignorando, pois provavelmente estava bravo comigo. Enquanto eu brincava com a barra do vestido, olhei para ele e mordi o lábio, percebendo que me olhava de volta. Soltei um risinho, o obrigando a desfazer completamente o semblante fechado. Ele segurou minha mão, girando meu corpo e ficando atrás de mim, sussurrando próximo de meu ouvido: 
- Você me convenceu a vir, só quero saber o que ganho com isso. - segurou o lóbulo, e eu sorri, olhando para a porta e dando um tapinha em sua mão que teimava em abraçar minha cintura. Já conseguia imaginar Karen nos repreendendo se visse aquela cena. 
Certo tempo passou, e ainda esperávamos até que a mulher se livrasse de algumas visitas. Meu marido largou o corpo em uma poltrona, apenas me assistindo revistar deslumbrada todos aqueles livros. Não andava colocando a leitura em prática ultimamente, mas tudo aquilo ainda me fascinava. Talvez eu tivesse uma vida agitada demais para pensar em me preocupar com a de seres inexistentes. Por um lado era bom; viver na realidade parecia apetitoso, mas mergulhar na ficção pode servir de única saída temporária quando as paredes reais em volta ameaçam desmoronar. 
Sem que eu pudesse evitar, acabei deixando um grosso e empoeirado livro cair no chão. 
- Cuidado, Demi, agora sim a Karen vai te matar. - Joe disse em um tom severo. O ignorei e me abaixei para pegar o livro que estava aberto, com as páginas de encontro ao chão coberto por um tapete. O segurei e virei, fitando as diversas palavras pelas páginas. 
- "Sua voz máscula e solene fez meu coração bombear desenfreadamente o sangue para o rosto do meu corpo. Seus olhos de um mistério inigualável procuravam pela minha alma, tão ousados e ainda assim tão acolhedores." - li em voz alta, olhando para Joseph, que mal prestava atenção em mim. Algo naquele trecho fez com que eu me lembrasse dele. De supetão, ele se colocou de pé e se aproximou de uma das estantes, encostando os dedos na madeira e empurrando de propósito um dos livros, que caiu de encontro ao chão. O pegando, ele fitou as páginas exibidas, preparando-se para ler. Que jogo era aquele? 
- "Se ela soubesse o que se forma em minha mente problemática todas as manhãs, fugiria feito uma garotinha assustada. Eu não trato de me esforçar ao tentar parecer correto, pois sei que o correto não a atrai. Ela quer ser desafiada, ter seus próprios limites violados. Ela quer ser violada." - seus olhos subiram das páginas e encontraram os meus. Senti meu rosto queimar, gargalhando de repente. - Que coincidência, não é? 
- Sua tia lê coisas assim? Coisas com um teor tão... Erótico? - eu tentava não rir, ele pouco se importava. Seu rosto era divertido. 
- Provavelmente tem coisas da Charlotte, sua filha, aqui também. - explicou brevemente, mordendo seu lábio inferior ao fitar a estante. - E se eu derrubasse outro livro... 
Então outro fora derrubado. 
Seus olhos se arregalaram enquanto ele lia, assumindo uma feição maliciosa. 
- Compartilhe comigo! - pedi. 
- É bem obsceno. A porta está trancada? Nos poderíamos passar a fazer o que está escrito nas páginas dos livros que derrubamos. - ele deixou o livro de lado e abraçou minha cintura, brincando com os lábios na parte descoberta do meu colo. - Tenho ou não tenho as melhores ideias? 
Eu precisava admitir, era uma fantasia interessante. Principalmente porque o clima um pouco tenebroso daquela espécie de biblioteca me excitava. Quando senti seu corpo puxar o meu em direção a um sofá, grudei os olhos no título de um livro, me desvencilhando de Joseph, que me olhou confuso e desapontado. Segurei aquela relíquia com cuidado, abrindo as páginas e sorrindo de felicidade. Era Romeu e Julieta de William Shakespeare. 
- "Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira." - suspirei, lembrando de como me deliciava com aquele livro, com aquela forma tão perfeita que os dois tinham de se tratar. Joseph não entendia meu repentino surto de paixão por um simples livro, então continuou vagando sem rumo por ali. 
Em seguida, meus olhos avistaram Orgulho e Preconceito de Jane Austen. 
- "E assim terminou o seu amor. - era uma fala de Elizabeth - Segundo creio, mais de um foram abafados assim. Gostaria de saber quem terá descoberto a eficácia da poesia para espantar o amor!" - respirei antes de continuar o restante do diálogo em voz alta. Estava me divertindo de uma forma tão simples. O trecho a seguir era a resposta do Sr. Darcy. - "Fui habituado a considerar a poesia como o alimento do amor." - então Elizabeth respondia: - "De um amor puro, vigoroso e saudável, é possível. Tudo serve de alimento ao que já vingou. Mas, se se trata de uma inclinação ligeira e efêmera, estou convencida de que um bom soneto a varre de uma vez.
Olhei para meu marido, que prestava atenção em meu rosto. Não em minhas palavras, mas em meu rosto. 
- Pode continuar se quiser, é bom te olhar quando está assim, feliz. 
- Algo em você me lembra um moderno Sr. Darcy. - ele franziu o cenho, não entendendo onde eu queria chegar. - Deixa para lá! - dei de ombros, enxergando um dos volumes de Sherlock Holmesde Arthur Conan Doyle. - "Elementar, meu caro Watson!" - fingi uma voz grossa. - Certo, esqueça. Infelizmente essa frase não está presente em nenhum dos livros. - expliquei para um Joseph que não queria explicação alguma. 
- Desde quando você se interessa tanto por esses livros, Demetria? 
- Desde sempre! Agora você pode anotar mais uma coisa em sua listinha de "Coisas que eu não sabia sobre a Demetria
Acabando com nosso momento simples e descontraído, a porta se abriu e Karen se revelou, nos chamando para ir até outra sala. Caminhos juntos até o lugar, a observando já sentada em um dos sofás. Evitava olhar para nós, preferia encarar um ponto vago do jardim, visível graças as diversas janelas espalhadas, dando uma claridade agradável ao local. 
- Então aqui estamos nós novamente, tia Karen. - Joseph começou um pouco rude, e eu apertei sua mão com força, dizendo com o olhar para ele ir com calma. A mulher de cabelos pretos e curtos, roupas impecáveis e rosto um pouco tristonho retirou um livro de cima de uma mesinha de vidro com pequenos vasos de flores coloridas, o abrindo na primeira página e o entregando a mim. Olhei dele para ela, buscando uma explicação. O analisei, notando que suas páginas eram amareladas, bem antigas, e totalmente escrito à mão. 
- Tem uma história muito intrigante por trás desse livro. - Karen começou a dizer, com as mãos colocadas sobre as pernas cruzadas. Joseph sempre evitava encará-la por muito tempo. - Querem ouvir? - assenti, mas meu marido apenas suspirou pesadamente. - O pai do bisavô de Joseph encontrou uma fotografia muito, muito antiga, mais parecia um desenho. E se reconheceu ali. Mas ele não se lembrava daquela foto. Então, depois, encontrou um livro, cuja caligrafia era exatamente semelhante a sua própria. - fez uma breve pausa para pegar a xícara de chá e bebericar. Por algum motivo, eu quis prestar atenção. - Esse livro que você segura agora, Demetria, é a história de um simples guerreiro que conhece a filha de um poderoso homem. E os dois, é claro, se apaixonaram. Mas diversos problemas não permitem que fiquem juntos. O pai da moça não permite tal união e manda matá-lo. Destruída, então, a moça decide acabar com sua própria vida, mas não sem antes jurar ao amor de sua vida e a si mesma que, talvez um dia, talvez em outra vida, teriam outra chance para o amor. - eu estava estática, um pouco triste pela história, mas ansiosa para saber do restante. Nem mesmo percebia que Joseph tinha me abraçado pela cintura e encostado a cabeça em meu ombro. Karen continuou. - Coincidentemente, o bisavô de Joseph era muito apaixonado por uma mulher... Porém nunca tiveram muita prosperidade em seu relacionamento. Apesar do amor, enfrentaram muitas dificuldades, como se pagassem por ações de outros tempos. - um silêncio breve se fez presente em toda a sala, como se cada um ali tentasse absorver as palavras escutadas, procurando uma moral. - Não te faz pensar que a chance que a mulher apaixonada pelo guerreiro pediu foi atendida? Será que todos nós não passamos de seres de outra vida dentro de uma segunda chance? - então, ela riu levemente, negando com a cabeça e dizendo com o olhar que eu não tinha motivos para estar com os olhos arregalados. O que eu podia fazer? Aquilo mexeu comigo. Seria mesmo verdade? Infelizmente, algumas perguntas são como os super-heróis da infância. Esperamos e esperamos, mas eles nunca chegam para nos salvar. - Besteira, eu sei. Provavelmente uma história que minha falecida avó inventou para nos contar enquanto tentava impedir que um bando de crianças desobedientes aprontasse pela casa. Mas faz pensar, não faz? Talvez estejamos aqui para resgatar o que nos foi tirado. 
- Podemos ir embora agora, ou tem mais alguma história? - ela olhou séria para seu sobrinho, que se afastou de mim, impaciente para ir embora. 
- Por que nos chamou dessa vez, Karen? - perguntei amigável. 
O som estrondoso de uma porta sendo fechada desviou nossa atenção. Uma garota de no máximo dezessete anos surgiu no recinto, congelando o corpo ao notar nossa presença ali. Ela tinha longos cabelos escuros, com uma franja que cobria toda a sua testa. Olhos grandes e verdes, um rosto oval e pálido, que lembrava o de uma boneca. Um corpo esguio coberto por um típico uniforme de colégio; saia xadrez plissada, paletó e gravata. Ao se recuperar do breve susto, ela respirou fundo e disparou a subir as escadas. 
- Charlotte, querida, isso são modos? - Karen a repreendeu. A garota parou no topo da escada, virando-se e olhando friamente para a mãe. 
- E isso é hora para impor modos, mãe? Tarde demais! - depois sumiu de vez, mas eu ainda conseguia ouvir seus passos apressados no andar de cima. 
- Desculpe por isso, Demetria, minha filha é um pouco... Difícil de lidar. 
- E eu me pergunto qual será o motivo disso. - Joseph voltou a se manifestar, irônico, parecendo ferir Karen com suas palavras mais uma vez. A mulher engoliu em seco e seus olhos brilharam, como se lágrimas surgissem. Ela realmente parecia arrependida. Seja lá qual era sua intenção naquele dia, realmente consegui enxergar um pedido do socorro em seu olhar. Ela queria ter Joseph de volta em sua vida, era uma certeza. 
Joseph... - ela começou um pouco insegura. - Você se lembra daquele dia no hospital, quando seu filho estava internado, e eu queria contar algo além da história real de seus pais, mas você não me permitiu? 
- Sim, como não lembrar? - ele voltou a ficar com a coluna ereta, um pouco interessado. Encostei minhas costas do sofá, sendo apenas uma ouvinte. Não tinha convite para aquela conversa. 
- Preciso que você me deixe dizer agora, porque eu não aguento mais continuar escondendo tantas coisas. 
- Diga de uma vez, Karen! - ela deu um longo suspiro ao ouvir o tom frio de Joseph, fechando os olhos e tomando o restante do chá, tentando se acalmar. 
- Seu pai, assim que sua mãe o largou, fez muitas coisas erradas, Joseph. Ele se envolveu com uma mulher... Uma mulher da vida, se é que me entende. Eu não tinha conhecimento algum disso, até que, certo dia, a campainha de minha casa tocou. Atendi normalmente, não encontrado ninguém. Até que olhei para baixo. Lá estava, em um cesto, frágil e com apenas um macacão fino. Um bebê. - Karen sorria com a lembrança. Joseph de repente ficava tenso, como se capaz de prever o que viria a seguir. - Tinha um bilhete junto com ela. Sim, uma menina. Eu conhecia o nome assinado, sabia perfeitamente bem de quem se tratava. Então liguei para Joseph, mas você deve ser capaz de imaginar qual foi a reação dele. Simplesmente olhou aquele pequeno ser, e deu as costas. "Não é minha, e, mesmo que fosse, não me importo!", foi o que disse. E era dele sim, pois com o passar dos tempos eu viria a perceber a semelhança. - arregalei os olhos, tapando a boca com uma das mãos antes que ela se abrisse demais devido ao espanto. - Eu não podia deixar aquele bebê abandonado, desamparado. Você sabia que eu não posso ter filhos, Joseph? Nunca pude. - os olhos da mulher lacrimejaram. - Eu queria alguém para receber o amor de mãe que tanto aguardava dentro de mim. Eu queria a criança para ser minha filha, e eu consegui. A adotei, não permitindo que Joseph sequer chegasse perto daquela que, na verdade, era sua filha. Não me arrependo do que fiz por Charlotte. 
Era inacreditável. 
Joseph tinha uma meia-irmã? Filha de seu pai Joseph com uma mulher qualquer? Aquele homem fora sem coração o suficiente para negar sua própria filha? Eu tinha medo de olhar para Joseph, tinha medo pois conseguia imaginar o que se passava em sua mente. 
- Não é... - ele tentou, os olhos vidrados em algo no chão. - Não é possível... 
- Podemos comprovar se você quiser, mas que fique bem claro: não vai mudar o que ela é para mim. Charlotte é minha filha, e sempre vai ser. Eu só acho justo que você saiba que ainda tem uma família aqui. Pensa que me esqueci do pequeno Joseph, que vivia pedindo uma irmã aos pais? Não poderia ser um irmão, apenas uma irmã. 
- E você teve a coragem de dizer a Demetria que o amor por filhos adotivos nunca poderia se comparar ao amor por filhos legítimos? Como consegue ser tão hipócrita? 
O homem ao meu lado estava de pé, exasperado. Saiu de perto e passou pela porta, sem dizer mais nada. Karen e eu apenas trocamos um olhar vazio. 

Joseph's P.O.V
(Coloque a primeira música para tocar. Recomendo escutá-la durante as duas próximas cenas.)

Uma irmã? Será que meu pai não estava feliz o suficiente em ser um completo desgraçado com minha mãe? Precisava mesmo engravidar uma qualquer e rejeitar a própria filha? Baguncei meus cabelos com raiva enquanto andava pelo jardim daquela casa, sem saber o que fazer. Quais seriam os próximos segredos revelados? Eu torcia com todas as forças para ser a confissão de que Joseph não era meu pai de verdade. Era um desejo forte demais para controlar. Então, pensando em retornar, buscar Demetria e sumir dali, enxerguei uma garota sentada na grama, escondida atrás de uma árvore. Exatamente como eu, quando garoto, costumava fazer. Ela aproximava algo de seu nariz, um tipo de pó branco, e o colocava para dentro de uma de suas narinas em um gesto que me lembrou o Joseph adolescente. Ela estava se drogando. E, sem me notar, continuava ali parada, com a cabeça inclinada para um lado. Não deveria me aproximar, mas o fiz. Seus olhos se arregalaram quando me notaram, ela até tentou se levantar, mas não conseguiu. Sentei-me ao seu lado, esticando as pernas e olhando ao redor. Não conseguia acreditar que Charlotte era minha irmã. A garota bagunçou os próprios cabelos, bufando e fingindo que eu não estava ali, abaixando seu olhar para a grama. 
Parecia uma mania semelhante a uma das minhas. 
- Não gosta de pílulas? - perguntei despreocupado, seu rosto se virou na minha direção e ela engoliu em seco, sem jeito por ter sido flagrada. - É bem mais fácil. Digo, a morte é mais fácil. - afirmei com a cabeça, sabendo que aquilo a irritaria. Seu silêncio durou pouco. 
- Cale a boca! - disse bem alto, com sua voz fina. - Nem mesmo minha mãe me diz o que fazer. Por que eu daria ouvidos a um primo que nunca se preocupou comigo? - não consegui contrariar suas palavras e dizer que na verdade era seu meio-irmão, porque ainda custava acreditar. 
- Na sua idade, eu também era assim... Imprudente. - lembrar não me fazia bem, mas deixar de ser fraco era o que eu estava determinado a fazer, certo? Certo. 
- Na sua idade, na sua idade... - ela se exaltou, engrossando a voz como se quisesse imitar a minha. - Primeiro: você não é um velho. Segundo: não venha comparar os seus martírios com os meus. Muito menos tentar compreendê-los. 
Sorri. Sim, sorri. 
- Eu estou enxergando minha versão adolescente, só que com uma saia. - apontei para sua saia, e ela tentou escondê-la com as mãos no mesmo instante. - Olho para você e só consigo ver um certo garoto perdido, Charlotte. Sinto muito por isso, de verdade. 
- Não quero que você e nem ninguém sinta muito! Acha que isso vai me ajudar? - a garota rosnava as palavras, pronta para me bater a qualquer momento. Levantei-me, a olhando por uma última vez. 
- Pare de usar isso, confie em mim. - riu com deboche, acreditando que não fui capaz de enxergar seu dedo do meio que ela tentava esconder, mesmo tendo a intenção de mostrá-lo a mim. - Charlotte, não é uma saída. Mas, se quer saber, realmente não é problema meu, então não vou implorar nada. Só lamento não conseguir te fazer entender que, cedo ou tarde, vai se arrepender. 
Afastei-me, procurando por Demetria. Em seguida ouvi sua voz de criança me chamar pelo nome. 
- Só se você puder prometer que, quando eu tiver a sua idade, todo esse tormento terá ido embora. - tive que virar em sua direção novamente, pensando no que dizer. Não podia enganá-la. 
- O tormento nunca vai embora por completo. Somos todos humanos, e parece que assinamos um contrato de "tormento" ao nascer. Não adianta fugir. Mas as coisas passam, elas melhoram. 
- Pode provar? - ela ergueu uma sobrancelha, visivelmente alterada pelo pó que inalou. Pensei por um segundo, tendo uma ideia. Precisava de tempo, então poderia explicar melhor. Sorri sem mostrar meus dentes. 
- Quem sabe um dia eu possa, mais breve do que você imagina. 
Demetria vinha correndo pelo jardim, me alcançando e olhando entristecida para Charlotte, que passou a ignorar nós dois. Não disse nada a minha esposa, só segurei sua mão e nos tirei dali o mais rápido que pude. 

Horas depois...

Nunca pensei que pudesse ir até aquela casa duas vezes em um mesmo dia. Mas, ali estava, encarando a porta enquanto esperava alguém atender. Matthew permanecia sonolento em meus braços, às vezes até apontava para alguma coisa, fazendo sons engraçados com a boca. Beijei sua testa e a porta se abriu, revelando Karen, que ficou bem impressionada por estar me vendo novamente. Apenas sorri sem mostrar os dentes, incerto do que pensar sobre aquela mulher, e perguntei: 
- Charlotte está? - ela confirmou com a cabeça, mas parecia um pouco incerta do que fazer. Meu filho a olhava e encostava sua cabeça em meu peito, tentando se esconder. Aquilo ainda me divertia, saber que sentia medo da minha tia. 
Joseph, eu não sei se é uma boa ideia e... 
- Ela está ou não? - voltei a perguntar, percebendo que Karen foi para o lado, permitindo que eu entrasse. 
- Sim, em seu quarto. - com um aceno de cabeça, ajeitei Matt em meu colo e caminhei em direção as escadas, ouvindo Karen me chamar outra vez. - Sinto muito por tudo. - abaixei o olhar em resposta, porque não estava a fim de debater sobre erros e acertos do passado. Minha prioridade era outra no momento. 
Quando cheguei ao corredor de cima, facilmente consegui identificar qual era o quarto da garota. Uma placa no meio da porta dizia as seguintes palavras: Charlotte está morta! Ri, batendo na porta, ouvindo a garota dizer para, seja lá quem fosse, se afastar. Insisti mais duas vezes, e o barulho irritou um pouco Matthew, que começou a chorar. 
Então a porta se abriu segundos depois. Charlotte olhava um pouco assustada para meu filho, e depois olhou para mim, cruzando os braços. 
- Posso entrar? - arrisquei. Ela deu de ombros e foi para os fundos de seu quarto novamente. Permaneci estático, até que ela largou os braços ao redor do corpo impaciente, me repreendendo com o olhar. 
- Por acaso você é um vampiro? Anda logo! 
Assim que entrei, avistei vários posters de bandas diversas, até conhecia algumas delas. Mas aquele quarto não parecia ser de Charlotte. Como uma garota que usava drogas poderia viver em um ambiente cercado por bichos de pelúcia e bonecas? Não deixei que ela enxergasse meu riso devido àquilo. 
Sentei em sua cama, e Matthew tratou de apontar para os ursos na mesma. O deixei se aproximar um pouco, passando a tentar pegar um deles. Pensei novamente em tudo que minha tia contou, enquanto olhava uma adolescente sendo apenas uma adolescente. Se eu não sabia direito o que estava fazendo em minha vida, quem diria ela. 
- Que quarto de garotinha. - provoquei, conseguindo fazê-la se virar em minha direção, do outro lado do quarto. Charlotte quis rir, mas não o fez. 
- Vá se foder! - Matthew a olhou ao escutar aquilo, por mais que não entendesse o significado. Um sorriso sem dentes se formou em sua pequena boca. A garota o olhava de volta, rindo, mas um pouco apreensiva. 
- O que foi, Matt? - fingi ter escutado meu filho dizer algo. - Acha que ela tem medo de você? Isso é verdade, Charlotte? - negando, ela caminhou com passos pesados, largando o corpo na cama. Não parava de olhar para Matt, encantada. - Quer segurá-lo? - tentei, pegando um dos ursos e colocando perto do bebê, que parecia determinado a abraçá-lo, mas sempre o deixava escapar. Porém, era capaz de se divertir com o próprio fracasso. 
- Eu posso? - não hesitei ao aproximá-lo dela, que estendeu os braços e com cuidado o pegou. Sorrindo, passou a mão pelos cabelos de Matthew, aproximando os lábios de sua testa, sorrindo ainda mais quando ele correspondeu seu gesto com um som indecifrável. Fiquei apenas olhando o chão. - Ele é uma gracinha! - Charlotte comentou com um semblante angelical, digno de sua idade. - Parece com você. 
- Acabou de dizer que sou uma gracinha? - entortei a boca, rindo depois. 
- Babaca! - estava satisfeita por não fazer Matthew chorar segundo sequer, e notei que queria me perguntar alguma coisa. A olhei, concordando com a cabeça. Me sentia estranho, parecia que era ela como uma filha para mim também, por mais que isso não fizesse sentido algum. - Por que voltou aqui? E, principalmente, para falar comigo? 
Apontei para o bebê. 
- Sabia que ele quase perdeu as chances de enxergar, respirar e viver como nós? - a garota piscou os olhos algumas vezes, confusa. 
- Por quê? Sua esposa teve problemas durante a gravidez? 
- Não... Certo, teve alguns, mas eu também tive... Há alguns anos. - lembrei com amargurada, balançando a cabeça para me livrar das memórias e me focar apenas no objetivo que tinha ali. - E se tivesse seguido aquele caminho, o caminho das drogas, das desavenças, da raiva... Ele não estaria aqui agora. - apontei para Matt novamente, que tinha a orelha de um daqueles bichos de pelúcia na boca, fascinando ainda mais Charlotte. - E provavelmente eu também não. 
Ela bufou, entregando Matthew para mim e ficando de pé novamente. Andou de um lado para o outro, correndo até uma gaveta e retirando algo dali, voltando até a cama e jogando alguns fracos e pacotes de plásticos com pó branco dentro. Drogas. A olhei, preocupado, sua mãe sabia daquilo? 
- Acha que eu quero usar isso? Que uso por não ter nada melhor para fazer? - Charlotte estava prestes a chorar. Levantei-me, pedindo que ela guardasse aquelas porcarias antes que tivesse um problema maior. - Sou tão jovem, então por que essa sensação de que tenho tanto para carregar nas costas? Odeio aquela droga de escola, cheia de idiotas que só ligam para a fortuna dos pais e para as festas que vão. Eu não tenho amigos, Joseph, não tenho. E depois vem minha mãe, que me pressiona tanto para ser perfeita... Quando sabe que nunca serei. - ela desabafou, sentando-se no chão do quarto, apoiando as costas na parede. Eu não era bom em consolar pessoas, então continuei do mesmo jeito. - Queria tanto ter uma irmã ou irmão mais velho, seria tão mais fácil! 
Ela tinha, por mais estranho que fosse admitir. 
- Um dia tudo vai fazer mais sentido, Charlotte. - concordou, acenando para meu filho que aparentemente já gostava dela. Eu disse apenas um "Até logo" e saí de seu quarto, descendo as escadas e me despedindo da mesma forma de Karen. 

/Joseph's P.O.V


Nova York

Lexi seguia o homem onde quer que ele fosse, fingindo não estar abatida por causa de todos aqueles acontecimentos. Atrás de Arthur, com medo de simplesmente perguntar qualquer coisa, ela segurava uma espécie de bloco de anotações. Fora obrigada a prender os cabelos em um coque, vestir um jaleco branco e colocar luvas. Assim que adentraram o que, aos olhos de Lexi, parecia um laboratório, ela ficou encolhida em um canto, perguntando a si mesma quando poderia ficar livre. Pensou em Cameron, e em como foi fria ao não dar muitos detalhes de seu sumiço. Mas essa nem de longe era sua maior preocupação, já que pode avistar ao longe uma mesa larga e metálica. O corpo colocado sobre a mesma era de um homem com vestes brancas, as típicas vestes de pacientes internados em um hospital. Engolindo em seco, Lexi observou Arthur se aproximar daquele corpo, e deixar o olhar se perder em algo. Ao ser chamada pelo homem de postura sempre elevado a de todos ao seu redor, ela caminhou com cautela. Ele queria que ela escrevesse o que estava enxergando? 
- O que é tudo isso? - permitiu-se perguntar, mordendo a própria língua depois. Arthur continuou sério e mudo, os olhos verdes escuros. Parecia distraído demais naquele momento, tanto que Lexi se questionou se correr era uma opção. Com o semblante que entregava que sua imaginação voava longe, o homem nem notaria. 
Arthur fitou o corpo de um Julian desacordado, sendo invadido por memórias. 

Flashback

Ele caminhava pelas ruas de Londres com os olhos atentos de sempre. Sabendo exatamente onde seus alvos se encontravam, o homem tinha tempo o suficiente para simplesmente analisar suas opções e calcular melhor seus planos. Não contava com a revelação que tinha sido feita a ele no dia anterior, não conseguia acreditar que tinha um filho. Que Carter Stone era seu filho. E ao pensar nisso com discórdia, avistou o dito cujo do outro lado da rua. Óculos escuros cobriam seus olhos verdes, os cabelos castanhos espetados. No corpo, uma camiseta vermelha que contrastava com os diversos desenhos em seus braços, uma calça escura e all star nos pés. Sua forma de andar era prepotente, Arthur conseguiu lembrar muito de si, e simplesmente não conseguia deixar de encarar. Quando tentou se virar e seguir com seu caminho, sentiu o corpo esbarrar em algo. Ou alguém. 
- Perdão! - ouviu uma voz masculina dizer, virando-se e arregalando os olhos ao enxergar o homem que o fitava com uma expressão vazia. Arthur procurou por Carter do outro lado, mas não o avistou mais. Voltando a analisar as feições tão familiares do outro ser que continuava parado, perguntando se Arthur estava bem, ele piscou algumas vezes e tentou falar, mas sem sucesso. O homem que Arthur olhava perplexo, poderia ser considerado o reflexo de seu filho Carter. 
Mas como era possível? Como os dois podiam conviver tão próximos e mesmo assim não notarem um ao outro? Não poderiam ser considerados gêmeos, mas a semelhança era precisa e assustadora. Arthur não deixou de questionar a si mesmo se aquele não seria mais um de seus filhos, mas mudou de ideia. Tinha certeza de que não era. 
Assentiu com a cabeça, alegando que estava bem, então Julian fora embora. 

Dias depois...

Ao invés de ajudá-lo, o liquidou de vez. Ao invés de tentar escutar o pedido de socorro que Carter tentava emitir através das tentativas de causar mal a alguém, ele silenciou de uma por todos seus gritos por socorro. Vazio por dentro, Arthur caminho com duas pessoas em seu encalço por aquele corredor frio e de aparência mórbida. Parou próximo a uma porta de metal, esperando que um de seus ajudantes conseguisse abri-la, enquanto o outro tinha uma bolsa de alças longas que eram seguradas por seu ombro. Ali dentro, uma câmera. Assim que a porta finalmente produziu um som desconfortável e foi empurrada para trás, eles sentiram um ar gélido e um cheiro forte, proveniente de uma higienização exagerada do local, o que era estritamente necessário. Certo de que ninguém estaria ali àquela hora da noite, Arthur caminhou com precisão até uma das diversas macas que sustentava um tipo de saco de couro com zíper. Alcançando uma etiqueta branca pendurada, leu o seguinte nome: Carter Stone. 
Sem hesitar ou pensar duas vezes, puxou o longo zíper com força, revelando então um corpo ainda quente, com um buraco que ainda expelia sangue na região do tórax. Se colocasse seu dedo ali, poderia até mesmo pegar a cápsula da bala. A marca do tiro disparado por ele mesmo, a decisão mais fria tomada em sua vida. Matar seu próprio filho. 
Arrependimento. Amargo arrependimento. 
A pele de Carter ainda parecia normal, e seu semblante era sereno como se apenas dormisse. Infortunadamente, ao espalmar a mão em seu peito, não existiam mais indícios de coração algum batendo. Não era mais Carter ali, apenas uma casca que aos poucos apodreceria. 
- Podem começar. - Arthur ordenou aos dois homens, que retiraram todos os equipamentos da bolsa. Um deles preparou a câmera e começou a fotografar vários ângulos do corpo de Carter, bem de perto, capturando os traços mais minuciosos de seu rosto, e das tatuagens em seus braços. Era como se Arthur quisesse fixar a imagem de seu filho em dezenas de fotografias. Mas o que faria após sair dali? 
Enquanto tinha o corpo encostado em uma das paredes acinzentadas e frias, fingindo que vários outros corpos não estavam ali, ele pensou no homem em que esbarrou dias antes. O homem de aparência semelhante a de seu falecido filho. 

Fim do flashback.


Londres
(Coloque a segunda música para tocar!)

This is a man's world
This is a man's world
But it wouldn't be nothing
Nothing without a woman or a girl, ooh.


O ritmo da música começava a rodear todo o local, a notável voz de Joss Stone reconhecida por quase todos que brindavam taças, conversavam em grupos pequenos ou simplesmente assistiam de longe, sem vontade alguma de fazer parte daquela pequena comemoração. Dentro do espaçoso salão de comemorações da Empire, o anúncio de que a vida daquela companhia estava para mudar completamente corria por todos os cantos, atingindo os ouvidos de todos. Joseph Jonas tentaria elevar ainda mais seu patamar. 
Encostados em pilastras, assistindo entediados tudo aquilo, Joseph e Dominic seguravam copos de whisky e continuavam a discutir sobre o que fariam a seguir. O advogado já tinha deixado claro em excesso que Jonas não poderia permanecer naquela cidade caso quisesse ampliar seus negócios. Teria de se submeter a diversas e cansativas viagens. E enquanto o homem de olhos verdes ponderava sobre tudo isso, apenas fitava uma Demetria distraída do outro lado do salão, que bebia algo e conversava com outras mulheres. Simplesmente ficava louco quando ela usava vestidos como aquele, que possibilitavam uma visão de suas costas. Os cabelos da mulher estavam presos em um penteado elegante, em que alguns fios caiam encaracolados pelos seus ombros. Tinha pequeninos brincos de brilhante nas orelhas e pulseiras simples. Saltos modestos nos pés e uma maquiagem bem natural, somente para realçar ainda mais sua beleza. 
Dominic percebeu o estado de transe de Joseph e balançou uma mão na frente de seu rosto, zombando do outro, que apenas o olhou feio e continuou em silêncio. Ambos de terno, atraindo a atenção de algumas mulheres que passavam por ali. O irlandês até tentava destilar seu charme, lançando olhares e risinhos maliciosos para algumas delas, mas para Joseph era o mesmo que enxergar uma parede. 
- Corra até a Demetria antes que ela comece a subir nas mesas e dançar, Joe. - arriscou o apelido, apontando para a mulher que ria de algo que outra dizia, visivelmente animada. Porém, não bêbada. - Que belo casal, dois adoradores de whisky
- Ela não gosta de whisky! - Jonas o corrigiu, convicto. - Só bebe por minha causa. Não gosto de vê-la bebendo aquilo, mas Demetria já deixou bem claro que só vai parar quando eu fizer o mesmo. 
- E você não vai parar só por que ela quer, ou vai? - Dominic esperava por uma resposta, mesmo sabendo que acabaria recebendo outra. Era visível até mesmo nos trejeitos de Joseph que faria o que aquela mulher ordenasse. 
- Não parece que tenho muitas saídas, parece? - Jonas disse conformado, esboçando um sorriso ao perceber que sua mulher dançava com prováveis amigas no meio da pista. 
- Mulheres são manipuláveis. Dê algumas doses da bebida mais forte que tiver, e em instantes poderá assisti-las portando de uma indecência sem igual. 
- Você é o cara mais machista que eu já conheci. - Joseph não escondeu o que pensava, terminando sua bebida e pegando outra com um garçom que passava. Incrível como os dois já conversavam como amigos, um fazendo piada das histórias do outro. 
- E quando elas começam a exigir participar de tudo que você faz, até mesmo uma droga de jogo de squash? Eu juro, cara, sinto como se estivesse em um tribunal, defendendo um dos meus clientes com maestria, no ápice dos melhores argumentos, então, surge um infeliz e grita "Objeção!" - o loiro levou as mãos até a própria cabeça, encenando um ato de desespero. 
Joseph riu dele, pensando em como aquele homem era tolo. Provavelmente nunca tinha se apaixonado de verdade por ninguém. Jonas já teve o mesmo típico pensamento machista em sua mente quando mais novo, quando via mulheres apenas como brinquedos e distrações. E ele, mais do que ninguém, sabia que era só se deixar levar pelos encantos de uma mulher, dar a oportunidade dela fazer sua mágica, e então o jogo estava perdido. Ela o dominaria
- Eu pago para ver o dia em que tudo isso vai mudar. - Joseph começou, apontando para Dominic. - Eu simplesmente pago, se for o caso, para ir ao seu casamento, mate. Vou rir, vou rir muito. Porque é exatamente o que vai acontecer. Uma delas... - fez sinal para o redor da festa, destacando algumas das mulheres que circulavam. - ...Essas todas que você diz capturar com sua "rede mágica", vai puxá-lo ao invés de ser puxada. Escute-me, Dominic, siga os conselhos de um cara experiente. Mulheres não são manipuláveis, só fingem ser. Os manipulados somos nós. - ergueu seu copo, propondo um brinde pela infeliz descoberta. - O mundo é dos homens, sim, mas eles só querem permanecer nele por causa das mulheres
- Acha mesmo que nada vai mudar entre vocês? - foi a vez de Dominic se manifestar, apontando um dedo indicar para Demetria ao longe e o outro para o homem a sua frente. - Que não vai chegar um momento em que você vai se sentir atraído por uma mulher mais jovem? - ergueu uma sobrancelha. Joseph começava a sentir o corpo tenso, não gostando do que ouvia. Simplesmente abominava conversas como aquelas, abominava quando tentavam definir seus próprios sentimentos e vontades. Ele tinha controle absoluto sobre tudo. Sabia muito bem o que e quem queria. Não aceitar opiniões frajutas de terceiros era uma característica muito peculiar sua. - Imagine, Joseph, depois de uns três filhos, por exemplo, ela não será mais a mesma. Seu humor não será mais o mesmo. Olhe para ela agora... - os dois olharam. - Toda cheia de vida, bonita, suponho que sempre esteja disposta a satisfazer suas vontades de homem... - Dominic ergueu um dedo, negando com a cabeça com uma feição desapontada. - Espere até o momento em que mal vão suportar olhar para o rosto um do outro. Continuarão juntos somente pelos filhos. E aí, meu amigo, irá surgir uma exatamente como Demetria costumava ser... - deu destaque a uma loira que passou por ele, entrando em seu caminho e recebendo apenas um olhar raivoso. A deixou ir embora, virando o pescoço para apreciar a parte traseira de seu corpo. Joseph apenas ajeitava a gravata, fingindo não ouvir nada daquilo. - Quente, corpo curvilíneo e sempre ao seu dispor. - concluiu, rindo com gosto. 
- Eu pensaria um pouco em sua opinião se me importasse com ela. - começou um Jonas mal humorado. Suas íris verdes eram escuras e ele parecia prestes a falar tudo que estava entalado em sua garganta. Até acertaria o punho naquele rosto branquelo de Dominic se tivesse que fazê-lo. - Você é meu advogado, Dominic, te pago para fazer o que é necessário em minha empresa, e não para ditar como serão as coisas no meu casamento. - aproximou-se um pouco do loiro, deixando claro que não queria ouvir mais brincadeira alguma. - Então sugiro que me poupe das suas previsões, ou vai ter um caso a menos na sua lista de sucesso como advogado. E, me desculpe, mas toda essa porcaria que ouvi parece dor de cotovelo de alguém que levou o fora da mulher que ama. 
Inabalável, Dominic respondeu sem nem mesmo respirar antes: 
- É claro que não, Jonas. Não acredito nessas baboseiras. Meu envolvimento com seres do sexo feminino é básico: encontrosexoadeus
- Isso faz de você um grande perdedor. Como se adiantasse muito ganhar casos, mas não saber como ganhar uma mulher. Conforme-se, mate, isso é falta de capacidade. - Joseph esbarrou o ombro dos dois, com um sorriso vitorioso nos lábios enquanto se afastava e ia em direção a Demetria, que percebeu e parou de dançar, pronta para recebê-lo em seus braços. 
Dominic olhou os dois dançando, enfiando a mão no bolso de sua calça social e retirando dali o celular. Vasculhou por algo, até que finalmente pôde apreciar a beleza da uma mulher cuja imagem preencheu toda a tela. Ele suspirou. Seus olhos antes tão confiantes se reduziram a tristes, provando que o homem escondia muito, e que na maioria das vezes em que era visto, tinha uma máscara eficaz cobrindo seu rosto. 
- Dominic McGuinness: o especialista em vomitar hipocrisia. - sentindo vergonha de si mesmo, afundou sua mágoa com um singelo gole de whisky, dando uma piscadela para a próxima que cruzou seu caminho. 


Joseph's P.O.V
(Coloque a terceira a última música para tocar!)

Demetria só podia estar querendo brincar de esconde-esconde. Onde aquela mulher estaria? Após dançarmos no salão, ela começou a ficar toda misteriosa e disse que queria me ver a sós. Pediu que eu esperasse quinze minutos, e que depois fosse até aquele andar. Impaciente, me livrei daquela gravata e continuei a procurar por ela pelo corredor parcialmente escuro. O que não me impedia de esbarrar em alguma coisa era a iluminação provoniente das enormes janelas de vidro. Ouvindo um barulho e sentindo aquele perfume, o perfume que me enlouquecia, apertei o passo e abri de supetão uma das portas, de onde parecia ter vindo o som. A princípio não notei nada fora do lugar, mas bastou forçar a visão, então consegui enxergar algo escrito em uma parte da parede de vidro. Estava escrito com batom, deduzi. Me aproximei das palavras, tocando a superfície e enxergando também marcas de seus lábios, como beijos. Sorri com malicia e um calor surgindo no corpo quando parei para finalmente ler a frase: gostaria de reviver a primeira vez? 
- Primeira vez? - falei em voz alta. Ela não podia estar se referindo ao que passava pela minha imaginação. Quem dera se ela tivesse sido a primeira mulher em minha vida. 
A primeira vez que nos vimos, tolinho. - então a voz surgiu provocante. Senti suas mãos quentes segurarem meu ombro e então descerem pelo meu peitoral, demorando-se um pouco ali. Segurei as duas, beijando um de seus braços até que consegui virá-la de frente para mim. A parcial escuridão a deixava linda. Seus olhos brilhavam mais, sua pele parecia convidativa em excesso. - Foi aqui que nos vimos pela primeira vez. - ela olhou ao redor, deslizando suas mãos pela mesa de vidro, como se conseguisse sentir coisas do passado através daquele toque. - Exatamente nessa sala eu olhei para aquele mandão pela primeira vez e pensei: como esse homem ficaria sem roupas? - ela mordeu o próprio lábio ao confessar, e eu me fingi de sério. Não sabia daquele pensamento, e foi muito bom saber. 
- Se você consegue se lembrar da primeira vez que nos vimos, suponho que também consiga se lembrar de qual lugar já marcamos nessa empresa. 
Eu sabia que ela estava sendo tomada por ondas de calor, que a deixavam arrepiada. Com um tipo de fisgar benigno no peito ao degustar a cena de minha mulher se sentar provocante sobre a mesa e cruzar as pernas - o que fazia seu vestido justo subir um pouco. -, fitei as janelas e acabei com a distância entre nós, a tomando em meus braços e descansando uma de minhas mãos em sua coxa quente, assim como minha cabeça na curva de seu pescoço, permitindo a ela sentir minha respiração acelerada. Eu não sabia mais do que era capaz. Meu apetite nunca era saciado, ela simplesmente não deixava isso acontecer. Maldita Demetria. Me sentia mal ao chamá-la mentalmente daquela maneira, mas não conseguia evitar. Ficava perdido perto dela, me sentia um garoto idiota na puberdade tendo que lidar com uma mulher experiente. Demetria piscou algumas vezes e umedeceu os lábios, atiçando minha vontade de beijá-los. 
Pensativa, ela resolveu falar: 
Essa mesa já está marcada. - apontou para baixo e nós rimos ao relembrar. - Vejamos... O estacionamento também, o seu escritório... 
- Escolha outro lugar e nós marcamos ele agora. - eu disse, deixando que sentisse minha intensidade através das mãos que apertavam seu corpo com cada vez mais força. Demi segurou meu rosto e roçou nossos narizes, dando um sorrisinho de canto antes de brincar com sua língua pelos meus lábios. Fui subindo lentamente uma das minhas mãos pelo seu tronco, desenhando suas curvas e chegando até sua nuca, onde impulsionei para frente agarrando alguns fios de cabelo. Ela espalmou uma mão em meu peito e se deu por vencida, me deixando beijá-la como eu queria. Se quisesse ser romântico, seria romântico. Se quisesse ser devasso, seria devasso. 
Quando terminamos, sentindo o estrago que já dava indícios em nossos corpos, não consegui esconder um olhar dela. Um daqueles olhares que ela conseguia captar imediatamente. Um olhar vago e receoso. 
- Tem algo acontecendo com você? - acariciava meu rosto, enquanto eu ainda sentia o gosto da sua boca dentro da minha. Afastei um fio de cabelo caído em seu rosto, desejando ter mais luz para observá-la melhor. Toda vez que eu a tinha assim, tão perto, sentia a obrigação de olhar até que não aguentasse mais. Fazer o contrário me parecia mais ofensivo do que negar um copo de água em meio ao deserto. 
- Não, é só que mais cedo eu ouvi algo tão... Inaceitável. - grudei minha boca em sua orelha, beijando e segurando o lóbulo com os dentes. Ela brincava com os dedos pelo meu couro cabeludo. Como seu calor podia ser tão bom, e ficar cada vez melhor? 
- Quer compartilhar? 
- Me disseram que vai chegar um momento em nossa casamento... - pausei a frase, consternado comigo mesmo por conseguir levar aquelas palavras de Dominic em consideração. Estúpido. - Que não vou suportar nem mesmo te olhar. 
- E por que você acredita nisso? - ela passou a brincar com minha gravata, o rosto tão calmo e inocente. 
- Quem disse que acredito? Ele disse que depois de três filhos você estaria bem diferente, seu humor seria péssimo e que eu te trocaria pela primeira que aparecesse, a primeira que me lembrasse quem você costumava ser. - Demetria parecia irritada pela primeira vez na noite, era visível porque seus dedos começaram a puxar minha gravata com mais força e seus olhos se estreitaram. Inconformada, respirou fundo e eu sabia o que diria a Dominic quando o visse novamente. Me diverti imaginando a cena. - Eu queria tanto poder avançar o tempo, fazer mais dois filhos com você e esfregar na cara dele que estava errado, meu amor. Que nada disso vai acontecer. 
- Intenso! - inclinou a cabeça para o lado, sorrindo abertamente e explicitando o quão satisfeita ficou pela minha escolha de palavras. - E, caso aconteça, pode acreditar que eu vou te matar! - apontou para mim, adotando o olhar de uma psicopata. Continuei imóvel. - E então serei uma mulher acima do peso, mal humorada e assassina. - Demi enumerava nos dedos. - Será que o homem que lhe disse todas essas tolices apoiaria a maneira como descrevi a Demetria do futuro? - rimos, enquanto ela distribuia beijos pelo meu rosto. Eu já deveria estar descabelado e com a roupa toda amassada, mas quem disse que ela se importava? - Não se preocupe... - selou nossos lábios. - O que nos temos é... 
Infindável. - tomei a liberdade de roubar o direito de última palavra. 
- Sim, infindável. 
Fechei meus olhos e escondi meu rosto na curva de seu pescoço outra vez, inspirando o perfume. Passamos um tempo daquele jeito, acariciando um ao outro, mas sem dizer nada. Ela, perdida em suas duvidas pessoais, e eu perdido nas minhas. 
- Tenho medo de abrir os olhos e encontrar uma encruzilhada. - admitiu ela, também com os olhos fechados. Enquanto continuei ponderando sobre o destino da Empire, sabendo que tudo já estava em seus eixos, mas se algo me dissesse para desistir, provavelmente eu desistiria, ela provavelmente debatia consigo mesma se deveria ceder a proposta que recebeu. Eu disse que a apoiaria, sem limites. - Às vezes eu fico pensando que algo me espera, algo que vai me surpreender e chocar, pois irá revelar quem eu realmente sou. Revelar o que está escondido dentro de mim. Não que possa significar um problema, mas isso não me impede de temer, certo? 
- Você acha que também não tenho esse medo? É como se eu fosse um garoto inexperiente de tudo. Então, sem mais nem menos, algo vai chegar, como um reflexo, e apontar quem eu sou, ou pelo menos quem devo ser. 
- Oh, droga, parecemos dois adolescentes no dia que antecede a formatura. Depressivos, filosofando sobre o momento em que nossas vidas atingirão um novo curso. Só falta você me convidar para o baile! - concordei em silêncio, entrelaçando os dedos de nossas mãos. Era ótimo perceber que eu sempre poderia ver nela uma melhor amiga, também. - Vamos crescer um dia. - Demetria disse, cheia de convicção. 
- Vamos? - eu tinha minhas duvidas, pelo menos quanto a mim. 
- Sim. É necessário ter muita bravura, e isso você tem de sobra. 
- Tenho? 
Sua resposta fora outro beijo apaixonado, que tirou o foco de tudo que me atormentava. Era mais do que óbvio que não bastaria muito tempo que para as roupas de nossos corpos estivessem jogadas no chão. E de fato foi o que aconteceu. Encruzilhadas nos aguardavam? Sim, mas independe do caminho escolhido, eu sabia que a teria, assim como ela teria a mim. 

Existem momentos em nossas vidas que nos vemos em uma encruzilhada. Com medo, confusos, sem um mapa. As escolhas que fazemos nesses momentos podem definir o resto da nossa vida. Claro que quando se está de frente com o desconhecido, a maioria de nós prefere dar meia-volta e retornar. Mas às vezes as pessoas pressionam por algo melhor, algo além da dor de continuar sozinho. E além da bravura e coragem que leva para se aproximar de alguém, ou de dar uma segunda chance para alguém. Algo além da quieta persistência de um sonho. Porque você só descobre quem realmente é, quando é testado. E você só descobre quem pode ser, quando é testado. A pessoa que você quer ser, existe, no lado oposto de fé, crença e trabalho pesado. E ter uma dor no coração, que o medo está pela frente.” One Tree Hill.

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