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segunda-feira, 6 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 12


Luz, câmera... Ação!
(Músicas do capítulo: Stay do Hurts, Lost in Darkness do Escape The Fate, Holding On and Letting go do Ross Copperman e O'Children do Nick Cave & the Bad Seeds. Se possível, deixe todas carregando e coloque uma a uma para tocar quando cada aviso surgir.)



O belo rosto coberto pelo voilette¹ de um chapéu preto parecia maquiado apenas com a indiferença. Com seus saltos altos, a mulher subia lentamente degrau por degrau, brincando com um terço que circulava por entre seus dedos de unhas vermelhas. Quando estava prestes a adentrar aquela igreja, bufou e rolou os olhos ao notar o toque estridente de seu celular. Com maestria, ela o atendeu e voltou a rolar os olhos ao constatar de quem se tratava. Sentando-se em uma das elevações da escada, onde estátuas retangulares repousavam, ela se dispôs a falar com o homem. 
- Ainda não cometi nenhum ato insolente hoje, então por que estou recebendo a punição que é receber uma ligação sua? - Valerie perguntou bem rude, com os olhos fixos no terço e a mente trabalhando a todo o vapor. Sempre precisava pensar muito bem antes de falar com aquele homem. Afinal, ele tinha sempre uma carta na manga e ela não sabia muito bem se essa carta marcaria apenas a vitória em um jogo ou a execução de uma tragédia de alto nível. Ao escutar conjuntos de palavras que lhe obrigaram a soltar um risinho irônico, rebateu imediatamente: - Pouco me importo com o que você está tramando. Essa brincadeira de tratar pessoas como peças de um jogo de xadrez já me cansou. - ralhou sincera, ajeitando o chapéu. - Não seja estúpido! Se eu tivesse desistido de certas coisas, por que acha que teria atendido a essa ligação? Só acho importante mencionar que você não sabe a hora de parar, Arthur. E não quero saber dessa sua Megalomania², ou seja lá o que diabos é essa maldição que tem no corpo, que te obriga a agir assim. Adeus, meu querido. - sem esperar para ouvir mais nada, ela finalizou a chamada e se sentiu culpada pelas palavras anteriores, já que estava diante de um ambiente que exigia muito respeito. 
Já dentro da igreja, acomodada em um dos bancos de madeira ao fundo, apreciou o silêncio. O grande altar e os vitrais coloridos chamavam sua atenção enquanto ela enrolava o terço por seus dedos e lentamente inclinava seu corpo, colocando um joelho no chão seguido do outro. Prestes a começar uma prece, fechou os olhos e respirou fundo. Os olhos intensos e ameaçadores se abriram e ela teve uma ideia. Uma irresistível ideia. 
Então, Valerie começou a falar com Deus. Minutos se passaram enquanto ela parecia fazer um resumo dos últimos acontecimentos de sua vida. Até que... 
- ...Mas às vezes é muito difícil sorrir e nós temos de pintar sorrisos em nossos rostos, pintar sorrisos com o sangue que precisamos derramar. - concluindo por fim a frase com um tom baixo e sombrio, ela se pôs de pé e se benzeu. - Perdoe-me, Pai. Como uma aparição, segundos depois não era mais possível encontrar qualquer insignificante vestígio de sua presença. Fora embora tão rápido quanto chegou. 


Joseph's P.O.V

Perplexo era pouco para definir o meu estado. Enquanto segurava aquele jornal, alternava entre olhar para as pequenas palavras ao lado de uma imagem e para o rosto dos homens ao meu redor, esperando incessantemente que eles começassem a rir ou a dizer que não passava de uma grande brincadeira de mau gosto. Tolice, porque minutos antes uma ligação provou que a situação complicada de fato estava acontecendo. E os telefones não paravam de tocar por todos os andares, o som perturbador estava prestes a me deixar louco. Exasperado, fiz minha cadeira giratória virar e encarei desolado a paisagem da cidade através das janelas de vidro. Aquele maldito legado permaneceu intacto por dezenas de anos, sustentou-se com seus próprios bons resultados, coisa que contribuiu para que, mesmo depois de colocado nas mãos de um homem inconseqüente, não afundasse. Não afundasse até aquele momento. Agoniado, tratei de me levantar e atirar o papel acinzentado para longe, indo para o meio da extensa sala e caminhando de um lado para o outro. Talvez aquele fosse o sinal para que eu desistisse de tentar sustentar a pose de capaz, de alguém que aguentaria por muito tempo ser o dono de algo que não lhe apetecia apenas de forma financeira. Talvez fosse o sinal para cair fora e tentar buscar outras coisas na vida. 
- Acabou. - eu disse, e tive a impressão de que nenhum de meus empregados fora capaz de ouvir. - Estamos acabados! - então elevei meu tom de voz, dessa vez atraindo seus olhares receosos em minha direção. Eles esperavam que eu conseguisse encontrar uma saída, mas, caso encontrasse, não seria para contornar aquela situação, mas sim para fugir. Voltei a prender a atenção no anúncio que ocupava quase toda a página do jornal.
"Importante empresário é assassinado friamente em uma das filiais do importante Hotel Empire, no Caribe, parte da companhia Empire, administrada até o momento por Joseph Jonas, filho de um dos maiores empresários de toda a Europa, o falecido Joseph Jonas.
- Como se a culpa fosse do hotel... - um de meus funcionários começou, mas um simples olhar de minha parte o fez se calar e encolher os ombros.
- O assassinato teria sido apenas em função de apagar o empresário, ou funcionou mais como um jeito de manchar a imagem da Empire? - outro presente na sala levantou aquela grande questão, me obrigando a encarar o chão e tentar encontrar ali alguma explicação plausível. Existia alguma relação entre as ameaças que recebi tempos antes com aquele repentino assassinato? A hipótese de o maldito Arthur estar envolvido não quis me largar. 
Coisas como aquela poderiam colocar tudo a perder. Se investidores simplesmente desistissem e o medo de ousar se hospedar em um de meus hotéis assolasse a coragem de pessoas importantes - que eram indiretamente responsáveis por todos os bens materiais que eu tinha -, a Empire afundaria de uma vez por todas. Nada poderia salvá-la. E o pior foi perceber que eu a assistiria afundar sem vontade de mover um músculo para impedir. No entanto, o pensamento de que me preocupar com família vem em primeiro lugar, e ultrapassa qualquer outro fato importante, foi mais certeiro. Tive que voltar meu foco para uma possível solução. 
- Qual é o argumento que eles vão usar para alegar que a culpa é do hotel? Não é como se alguém influente nunca tivesse sido assassinado em um lugar também influente. - caminhei para perto deles, assumindo a pose imponente que por vezes acreditava não saber manter muito bem. - Toda essa droga pertenceu ao meu pai, e sozinho consegui mantê-la. - comecei a falar, sem me importar com a escolha de palavras. Ninguém ali era cego, todos sabiam que eu desistiria da liderança da Empire na primeira oportunidade. 
Família, família... Família
Apenas aquela palavra piscava em minha mente. Droga, eu sabia que deveria proteger minha família! 
- Senhor Jonas... - ergui um dedo, impedindo que outro deles completasse sua frase. 
- Apesar de nunca entrar aqui com um sorriso no rosto, aprendi o que é necessário para sustentar algo tão grandioso. Frieza. Quando situações como essa acontecem, você não se mostra desesperado e não deixa que enxerguem o seu medo de tudo desmoronar. Vocês acham que passei torturantes anos em uma faculdade de Administração por brincadeira? Por falta do que fazer? Acham que aguentei as tediosas aulas de Direito que me obrigaram a ter para bancar um fraco e não correr atrás de direitos que sei que tenho? Que essa companhia tem? Por aqui pensamos como homens, não como garotos assustados que acendem a chama e saem correndo quando enxergam o fogaréu. - já perdendo a noção de certas coisas, eu continuava a dizê-las, distorcendo aquelas instruções de um plano que deveria entrar em prática até que ficassem parecidas com um desabafo. - Eu sou o chefe, e se consegui sustentar a administração de três hotéis de grande porte até agora, o que faz essa gente pensar que vou desistir no primeiro degrau tropeçado? Houve um assassino no hotel do Caribe? Certo, é intolerável! Mas, não se preocupem, nós vamos reerguer o que for necessário reerguer. Daremos a cara à tapa se for necessário e enfrentaremos até um tribunal... - me aproximei da mesa, e sem hesitar tomei a caneta da mão de um deles e rabisquei minha assinatura em uma procuração colocada na mesa, que dava a possibilidade de uma equipe própria atuar em meu nome assim que fizesse sua viagem até o Caribe, local do assassinato. Afastando-me até chegar à porta, alarguei a gravata, pois me sentia quase sufocado e concluí minhas ordens. - Agora levantem dessas malditas cadeiras e vamos a luta
Enganei a todos eles. Eu não estava indo a luta. 
Não gostava de dar aquelas ordens, não gostava de andar por aqueles corredores e receber cumprimentos e olhares de funcionários que pareciam ter medo de mim. Ao chegar à área dos elevadores, saquei meu celular e disquei rapidamente o número já tão bem decorado. A voz agradável aos meus ouvidos soou. Encostei-me a uma das paredes para tentar me livrar daquela tensão e aprovei a imagem que tive em mente. 
Demi! - sorri quando ela tratou de se referir a mim por "meu amor". Aquela mulher me acalmava sem nem mesmo tentar. - Precisamos conversar urgentemente. E, adivinhe só... Tenho planos. - soltei o ar com dificuldade, cansado. Poderiam me chamar de fraco o quanto quisessem, mas eu tinha a necessidade de me isolar dos problemas por um tempo, quem sabe assim poderia pensar em uma forma melhor de driblá-los. - Você viajaria comigo... Hoje? 

/Joseph's P.O.V


Nova York

A mulher tratou de segurar um mediano envelope amarelo com toda a força que tinha, transitando pelos corredores largos e de aparência metálica sem ser notada. Seus olhos atentos trabalhavam com vigor, assim como seus pés que praticamente deslizavam por aquele chão para que nenhum barulho fosse feito. Com o coração acelerado, ela pôde enfim abrir uma porta e trancar-se ali dentro, largando o corpo em uma cama simples e puxando a abertura do envelope como se tivesse apenas segundos para fazer isso. E realmente esse era o seu tempo. Respirando e tentando segurar um sorriso, a loira puxou a primeira foto. Não sabia se começava a chorar de tristeza ou se deixava aquele arrebatador orgulho de mãe dominar todo o seu fragilizado ser. Porém, ela nem sabia se tinha o direito de se considerar uma mãe. 
É claro que não tinha. 
Foi daquela maneira que passou um curto espaço de tempo. Contemplando maravilhada as diversas imagens de seus lindos gêmeos, Cassie sentia as lágrimas caindo e molhando o material das fotografias. A atitude de praticamente implorar para que um dos agentes aproveitasse sua passagem à Inglaterra para procurá-los e fotografá-los fora muito arriscada, ela não poderia negar. Mas precisava sentir aquele calor confortável no peito novamente. Tanto o menino como a menina pareciam felizes, e pela pose que faziam nas fotos tiradas de longe, ela entendeu que ambos já haviam dado seus primeiros passinhos. Lembrando-se da época em que tudo parecia mais fácil, guardou as fotografias e ficou fitando desamparada uma simples parede. Seu primeiro pensamento ao dormir, seu primeiro pensamento ao acordar, o pensamento que antecedia sua próxima respiração: apenas um. 
Como pôde?
Como escolheu abandonar uma vida como a que tinha? É claro que não era nem de longe a mulher mais feliz do mundo, mas tinha filhos - que naquele momento não merecia mais. Tinha amigos que ficaram ao seu lado quando perdeu o homem que amava. Amigos que naquele momento deveriam desejá-la morta. E enquanto olhava para as próprias mãos e não conseguia mais enxergar o ser simpático e por vezes superficial, percebeu que era hora de deixar o pesar de lado e vestir novamente uma máscara. Heather, a sem sentimentos. 
Ao sair pela porta, ela grudou o corpo à parede e sentiu sua boca ser tapada por alguém. Olhos claros e letais lhe fitavam com autoridade, e o homem pediu com sussurros para que ela não gritasse. Sentiu um de seus braços ser puxado e em seguida já caminhava para um destino desconhecido. Aquela fora uma das lições que aprendeu, uma das inúmeras táticas que fora instruída a utilizar quando fosse de grande oportunidade. Sentindo os dedos frios mantendo a pressão sobre seus lábios, Heather impulsionou sua cabeça para trás, atingindo a do homem, que por reflexo livrou seus lábios. Com um empurrão, Heather o fez vacilar e perder o equilíbrio, caindo deitado no chão. 
"Quem é a Barbie agora?" Foi o que ela pensou ao estender a mão para um Julian atônito que a observava. 
- Então você é do tipo que fere e depois trata da ferida? - ele disse indiferente, segurando a mão dela e afastando de sua mente a ideia de tentar trapacear novamente. A mulher respondeu com apenas um erguer de sobrancelha e cruzou os braços, analisando a situação precária daquele pobre coitado. Seus globos oculares adquiriram um tom avermelho nos cantos. Olheiras profundas abaixo de seus intensos olhos verdes. O corpo parecia mais robusto, apenas coberto por uma camiseta branca e calças pretas. Ela não conseguia acreditar nos desenhos que enxergava em seus braços. Era loucura... Arthur continuaria mesmo com aquele experimento
- Por que está fazendo essas piadinhas? Se você soubesse o que vai lhe acontecer, encolheria o corpo em um canto e choraria desesperadamente. 
Julian soltou um riso descontente e apontou para o próprio corpo, tendo de se encostar brevemente à parede para que não caísse. As drogas que recebia despertavam reações que ele não era capaz de controlar. Heather perguntava-se como ele tinha conseguido escapar de seu quarto. 
- É como escolher uma forma de morrer: eletrocutado ou enforcado? Que se dane, não é? De qualquer um dos dois jeitos você vai parar de respirar e apodrecer embaixo da terra. - o jeito rude de falar não afetou Heather, que mexeu em algo nos bolsos de seu longo casaco e escondeu atrás de si, dando passos lentos até Julian, ficando com o rosto bem próximo do seu. Os dois se olharam nos olhos e a vulnerabilidade voltou a fazer parte da loira quando se lembrou da garotinha, filha daquele pobre homem. 
Pegando Julian de surpresa, Heather revelou as algemas que segurava e o imobilizou até ser capaz de prendê-las devidamente em seus dois pulsos, forçando o homem a se tornar um prisioneiro novamente. O empurrou para frente, obrigando Julian a andar rápido para que os dois não fossem notados. Era estranha a forma como ele parecia conformado com sua condição, por mais que tentasse fugir quando a oportunidade batia em sua porta. Seu jeito largado fazia Heather se questionar se ele não tinha forças suficientes para lutar contra o que o aguardava. Pois ela tinha... Só precisava de uma oportunidade para usá-las. 
Sem delicadeza alguma, a mulher o jogou no quarto que mais parecia uma cela. Depois de fechar a porta de ferro, espiou pela pequena abertura ao centro e se permitiu sorrir. Julian a olhava do lado de dentro, jogado em uma cama desarrumada. Por que ela sorria? 
- Melhore essa cara, Julian, amanhã você verá sua filha. Se continuar vivo até lá, é claro! 
E mesmo do lado de fora, ela percebeu a felicidade instantânea e ainda assim depreciativa que tomou conta do homem. Heather sabia o que ele sentia. Sabia tão bem que teve que sair correndo dali antes que voltasse a chorar como a fraca que escondia por baixo daquela falsa identidade. 


Lentamente, Scarlett encostou seu dedo indicador no braço descoberto de Caleb, que tinha os olhos fechados e aparentemente dormia profundamente. Tendo de lutar contra a escuridão da noite, a ruiva levantou-se e correu até alcançar a porta, a puxando com todo o cuidado do mundo, arregalando os olhos quando o barulho desconfortável fez com que o homem dormindo na cama se mexesse e virasse para o outro lado. Sem esperar por mais nada e antes de ser pega, ela correu até uma outra porta, onde quase abriu os braços para abraçar um saco de pancadas que há tempos não utilizava. Mas ela sentia a estranha necessidade de socar alguma coisa. Não queria perder seu punho certeiro, seus reflexos de um felino e a agilidade. Muito menos a força. Por que tinha que aceitar o fato de que naquele momento era uma mulher vulnerável? 
Lentamente, Scar começou a socar o objeto retangular que pendia balançando para lá e para cá. Durante um dos curtos intervalos, acariciou a própria barriga. 
- Você entrou tão fácil, mas só vai sair quando chegar a hora, cara! - disse, sentindo-se ridícula por falar com um feto. - Feto? Que nome mais horrível. Sabe como vou te chamar? - outro soco dado. - Anjo sem asas... Isso! - sorriu sozinha, acreditava que a gravidez andava brincando com sua sanidade. E com seu lado sentimental, já que adquiriu a habilidade de pensar em coisas... Doces. - Porque, olha só, você é um anjinho, mas, como ainda não nasceu, não tem asas! - pensando ter escutado algum barulho vindo da direção do lado de fora, ela pausou seus movimentos calculados e deslizou os dedos pela protuberância que logo poderia ser notada em seu corpo. - Sim, sua mãe é muito, muito inteligente! E forte, e... 
A porta fora aberta. 
Caleb a encarava com olhos cansados, mas mesmo assim levemente arregalados. Não acreditava que ela estava mesmo se submetendo a algo como aquilo! Será que já tinha se esquecido do dia em que foi parar no hospital e quase... Não, ele não gostava de se recordar daquele conjunto de palavras. 
- Vou ter que te pegar no colo e te amarrar naquela cama, certo, Karlie? - comentou duramente, aproximando-se e a puxando pela mão. 
- Você não manda em mim, nerd intrometido! - deu-lhe língua, o provocando e fazendo-o acreditar que ia socar novamente o saco de pancadas. Desistindo de tentar convencê-la com apenas palavras, rapidamente rompeu a distância entre os dois e a pegou em seu colo, recebendo protestos e tapas em seu ombro. 
- O que foi, Karlie? Perdendo a força? - a provocou, escondendo a dor que sentia com um sorrisinho debochado. 
Chegando novamente até o quarto, a colocou com cuidado na cama e se deitou de novo. De semblante fechado, Scarlett cruzou os braços e decidiu revelar pela primeira vez naquela noite o que tanto lhe atormentava. O homem se aproximou um pouco e passou seus braços pelo corpo parcialmente deitado dela, dando um beijo singelo em seu rosto. 
- É amanhã... - soprou um pouco assustada, olhando firmemente para a janela que lhe oferecia apenas a visão dos galhos de uma grande árvore que balançavam com o vento. 
No dia seguinte, iria para Nova York. No dia seguinte, teria de voltar a ser Karlie Russell


Demetria's P.O.V

Meus olhos ardiam um pouco, e minha cabeça latejava levemente devido a uma noite mal dormida. Mas quem é que consegue dormir bem dentro de um carro? Quando Joe disse que faríamos uma viagem, não pensaria que a dita cuja aconteceria na madrugada seguinte. Após me contar o fatídico crime cometido em um de seus hotéis, não me senti no direito de negar o que ele queria. Então, depois que nos certificamos de que mamãe pudesse cuidar dos meninos por um dia - aquele fora o breve tempo que Joseph escolheu para se desligar um pouco do mundo -, arrumamos nossas pequenas malas com pressa e saímos de casa antes mesmo do sol nascer. Incomodava-me ficar saindo e deixando meus filhos com minha mãe ou Nancy, afinal, eu é que deveria estar presente em tempo integral, mas assim que minha mãe me escutou dizer isso, tratou de cruzar os braços e fazer aquela típica expressão de quem está pronto para lhe dar uma tremenda bronca. Ela deixou bem claro que, enquanto estivesse dentro daquela casa, algo só aconteceria com meus meninos por cima de seu cadáver. Depois da conversa que tivemos sobre um segredo que ela escondia, eu não conseguia mais parar de pensar em como tinha o poder de mudar as coisas. Se calculasse um plano de maneira correta, eu seria capaz de livrar minha vida daquele tormento. Mas ainda não me sentia a vontade o suficiente com a situação para compartilhá-la com Joseph. Meu marido queria espairecer, tinha um apreço por se desligar do que o frustrava por pelo menos algum tempo. Um apreço pela liberdade que sentia quando deixava de ser o chefe responsável por algo de exímia importância e se tornava apenas um homem comum vagando por caminhos incertos. 
Acordei de meus devaneios quando me peguei desprevenida olhando para baixo, encarando todo aquele imenso abismo coberto pela natureza. Joseph tinha mesmo um belo gosto na hora de escolher lugares para férias improvisadas de apenas um dia. Saímos de Londres e ficamos cerca de apenas duas horas dentro de um carro aguardando por nosso destino. Era uma região montanhosa e nebulosa. Descendo o pequeno caminho em meio a toda aquela paisagem surreal, ficava situado um conjunto de chalés onde nos hospedamos por aquele dia. Como ainda era bem cedo, cerca de nove horas da manhã, ainda tínhamos tempo o suficiente para ficar vagando sem direção. Apertei com mais força a grade da ponte onde estávamos. Ela ligava duas montanhas medianas. Observando a névoa dançar sobre o musgo grudado em rochas rigorosas, inspirei aquele ar puro e frio, sentindo meus pulmões doerem ao recebê-lo. Assim que virei o rosto, olhos magnetizantes me encaravam com tamanho interesse, que acreditei que ele tomava uma grande decisão enquanto analisava meu rosto de bochechas coradas por causa do leve frio. 
Estamos vivos? - foi o que ele perguntou, me obrigando a soltar um risinho e tombar a cabeça para um lado enquanto encolhia os ombros, em um gesto de quem não sabe o que responder. O lugar onde estávamos era tão alto, que talvez aquela fosse a explicação para ele se questionar se continuava fazendo parte daquele planeta. 
- Não sei. - respondi distraída, deixando meus olhos presos em um bando de aves brancas que sobrevoava uma das montanhas. - É sério... Eu não sei! Beije meu pescoço. - exigi, levando charmosamente o dedo indicador até a gola de meu casaco e a puxando para baixo. Joseph me olhou confuso e mesmo assim fez o que pedi, arrepiando ainda mais minha pele levemente trêmula. Sorri, aproximando um pouco mais nossos corpos. - Bom, eu estou viva. Você... Já não sei. 
- Pense em algum jeito de comprovar isso. - sedutor, ele aproximou o rosto do meu, já esperando que eu fizesse um agrado semelhante ao que recebi segundos antes. Mas tudo que fiz fora acertar um tapa em seu ombro coberto pelo casaco, o obrigando a soltar um leve gemido de dor, seguido por um sorriso vingativo. 
- Pois é, Joe, estamos vivos! - comemorei, zombando de seu semblante fechado e olhos verdes escuros que me fitavam em demasia. 
- O que acha de voltarmos para o chalé? - sua expressão determinada, e eu diria até que fervorosa, entregou quais eram suas intenções. Eu era a responsável por sua anestesia dos problemas reais. Eu era a responsável por proporcional o bem estar que ele queria sentir naquele momento. De repente, não estava mais com frio. 
- Você não perde mesmo tempo na hora de flertar, não é? 
- Que mulher melhor eu poderia escolher para flertar do que minha esposa? - seus braços me envolveram e puxaram meu corpo para o meio da ponte, me obrigando a dar passos preguiçosos em direção a saída. - Em qualquer hora, em qualquer lugar. E se não quiser que eu continue com o "flerte"... - fez aspas com os dedos. - É melhor se afastar. 
- Até parece que vou me afastar de você! 
- Então faça bom proveito das consequências. 

Horas depois...

Esperei que Joe se afastasse da cama e entrasse no banheiro para tomar um banho. Foi então que vesti um roupão de qualquer jeito e saí da cama, tentando ignorar a sensação extasiante que ainda acariciava todo o meu corpo. Aquele homem ainda me mataria... E não seria de um jeito ruim, precisava admitir. Indo de mansinho até a porta e a abrindo lentamente para não fazer barulho, observei os outros chalés a minha frente e voltei a colocar meu corpo dentro do recinto para encarar um relógio que decorava uma das paredes em um tom creme. Aliás, só tive tempo de reparar em como aquela decoração era jeitosa e aconchegante naquele momento. Móveis pequenos perfeitamente organizados em um espaço não muito extenso, mas completamente confortável. 
Colocando um pedaço do corpo novamente para fora da porta de madeira detalhada, enxerguei um casal subir as escadinhas de madeira e chegar até um chalé que ficava a poucos metros do nosso. Tentei fazer um gesto com as mãos para que eles me notassem, e logo consegui sua atenção. 
Sorri, sorri porque acreditava que aquela era uma boa ideia. Estava cansada de ficar vivendo mergulhada em duvidas e assuntos pendentes. Aquela fora a oportunidade que encontrei para encerrar um assunto de uma vez por todas. Corria o sério risco de Joseph ficar transtornado e querer sair dali assim que descobrisse, mas não tinha mais como voltar atrás. Só restava esperar. 
Demi, acho que preciso de sua ajuda... - o escutei me chamar de dentro do banheiro e tranquei a porta, rindo maliciosamente e correndo naquela direção, deixando o cheiro de banho relaxar meus músculos tensos. 

Quando constatei que com aquela roupa não passaria frio, tratei de pegar minha bolsa que repousava na cama e fui para o lado de fora esperar por Joseph. Sentei-me nos degraus da escada e apoiei um cotovelo em minha perna, segurando meu rosto com a mão. Não conseguia parar de pensar em como as coisas deveriam estar em Londres, e também em Scarlett e Caleb que viajariam para Nova York naquele dia. O sol brilhava acima de minha cabeça, marcando o meio de uma tarde parcialmente fria, livre de qualquer surpresa... Ou não. 
Joseph sentou-se ao meu lado, e em silêncio ficamos encarando o lago que cercava todos os chalés. Olhei de soslaio para o outro lado e constatei que o outro casal também tratou de deixar seus aposentados. Quase em um pulo, levantei-me e me coloquei a frente de Joseph, inclinando meu corpo para beijá-lo nos lábios. Queria ganhar tempo. E assim que nos soltamos, as duas pessoas estavam mais próximas e nos olhavam com o típico semblante amigável. Segurei a respiração enquanto tentava adivinhar o que a expressão fechada de Joseph queria dizer. Meu marido encarouCameron com incredulidade, ignorando Lexi e virando o rosto em minha direção. Mordi o lábio, tentando ignorá-lo e desci as escadas para cumprimentar os outros dois. Joe permanecia sentado. Emburrado era eufemismo. 
- Vão me dizer que isso não passa de uma coincidência? - escutei sua voz rouca e irritada soar enquanto trocava um olhar cúmplice com Lexi. 
- Não, meu amor... - neguei, voltando a me aproximar dele com os braços cruzados atrás de meu corpo. - Foi algo premeditado. - falei severamente, como se todos ali fossem investigadores cara a cara com pistas de algum crime. 
- Se eu soubesse que você estava aqui... - Cameron começou, as feições relaxadas de sempre. - Teria escolhido um lugar mais... Pacífico. 
Segundos foram necessários para que Joseph ficasse de pé, descesse as escadas e ficasse cara a cara com Wolfe. 
Oh-oh. - Lexi murmurou, desfazendo o enlace feito com o braço de seu namorado e o seu, dando passinhos discretos e se colocando ao meu lado. 
Sim, aquela fora a nossa ideia. Quando Joseph programou aquela viagem, acabei deixando escapar durante uma conversa que tive ao telefone com Lexi, no mesmo dia. Não podia dizer que a ideia fora totalmente dela, pois estaria mentindo. Uma impulsividade misturada com insensatez me fez acreditar que tentar aproximar aqueles dois poderia ser saudável. Talvez se aquela estúpida mania de acreditar em consertos me largasse, eu pensaria antes de arquitetar um plano como aquele. 
Era óbvio que não daria certo. 
- Venha, Demetria. - Joe me chamou, ainda sério, passando por Wolfe e caminhando a frente de todos nós. 
Eu o segui, com Cameron e Lexi em meu encalço. Não existiam muitas opções do que lazer por ali. Geralmente, onde uma pessoa ia, todas acabavam indo também. Um restaurante, ou uma visita às pontes das montanhas. Mas, naquela tarde que se estendia, acabamos indo parar de frente para um outro lago, ladeado por algumas árvores que portavam de flores roxas e amarelas. Atrás de algumas rochas enfileiradas, ficava uma praia com aspecto acinzentado e cascalho por todo o lado. O cheiro das águas salgadas conseguia alcançar a região onde estávamos, e o vento era bem forte. 
Tudo parecia assustadoramente calmo. Enquanto Lexi e eu escolhemos manter uma conversa casual, próximas das árvores, os dois permaneciam parados na beirado do lago, olhando para regiões diferentes. Um segundo passou, dois... Um minuto, dois. Presas em um diálogo que já contava com risos e gesticulações, não conseguimos nos dar conta de que um dos homens tinha acabado de cair no lago. 
Joseph. 
Cameron ria, ria loucamente e olhava para trás para chamar nossa atenção. Corremos até a beirada do lago também. Tomei certo cuidado e permaneci alguns passos atrás dos outros, já que morria de medo de acabar caindo naquela água. Joseph me lançou um olhar que misturava raiva com um pedido de socorro. Provavelmente ele congelava de frio, mas não iria falar nada, não queria se passar por fraco na frente de Cameron. 
Gentil, o namorado de Lexi inclinou um pouco seu corpo e estendeu a mão para que Joseph pudesse pegá-la. Era um momento clichê, um momento que você nem precisa pensar para constatar o que vai acontecer em seguida. Meu marido segurou com força a mão do outro, que rolou os olhos e negou com a cabeça. 
- Você vai me puxar, não vai, mate
- Ah, pode apostar! - Joseph respondeu maldoso e impulsionou seu corpo para trás ao puxar bruscamente o braço de Wolfe. Algumas gotas de água espirraram em Lexi e em mim, que começamos a rir feito idiotas até que os dois desistiram de brincar feito crianças e saíram do lago. 

As roupas dos homens estavam quase secas, o crepúsculo no céu indicava o fim de tarde que se aproximava. Lexi tinha nos deixado e voltado para seu chalé para pegar alguma coisa que não fiz questão de prestar atenção quando mencionada. Joseph tinha se afastado um pouco para procurar mais galhos, estava determinado a manter aquela fogueira. Encolhi-me, apenas observando as chamas que se intercalavam e brigavam entre si, aquecendo meu corpo. Por uma fração de segundo, mal consegui me lembrar de Cam sentando do outro lado. E ele não fazia muita questão de permitir que eu notasse sua presença, já que não abria a boca para dizer nada. Por vezes, uma questão se formava em minha mente. Involuntariamente acabava lembrando de coisas do passado e queria sanar uma duvida. Simplesmente perguntar a ele se tinha conseguido deixar o que tivemos de lado. Mas como ter coragem para perguntar algo assim? Era inconveniente e perigoso. Aliás, eu nem tinha certeza se queria saber da resposta. 
É bom te olhar. - uma voz me fez despertar do mar de pensamentos em que eu mergulhava profundamente. Um embrulho ruim no estômago me fez recuar um pouco o corpo e unir ainda mais minhas pernas. Não procurei pelo dono da voz, pois sabia de quem se tratava. Olhei ao longe, tentando encontrar Joseph e o amaldiçoando por ter ido para longe. Como Cameron tinha a coragem de começar com aquele joguinho novamente? - É realmente muito bom te olhar. 
Estreitei os olhos, desejando que ele calasse a boca. 
- Por quê? - indaguei, ainda sem coragem de fitá-lo. A fogueira impedia que nossos rostos ficassem a mira total um do outro. 
Felizmente. 
- Porque sim. 
Cameron... - então ele começou a rir percebendo o medo carregado em minha voz. Ergueu-se do chão e pude olhar totalmente para seu rosto. Continuei sentada, esperando por uma explicação. 
Demetria, pelo amor de Deus! Será que vou precisar ficar enriquecendo o que digo só para você não pensar de forma errada? - Cam deu alguns passos e parou de pé ao meu lado, dobrando suas pernas e se sentando. Voltei a recuar, com medo do que ele poderia tentar. Era bom concluir que sua aproximação não me deixava mais com aquelas sensações estúpidas no corpo, só com receio do que poderia fazer a seguir. - Certo, vamos reformular minha frase: - ele cruzou as pernas em forma de índio e olhava para o nada enquanto falava. - É bom, muito, muito bom te olhar, porque... - fez uma breve pausa, encostando seus dedos em meu ombro para atrair minha atenção. Virei-me para encará-lo. Tinha a certeza de que meus olhos brilhavam raivosos, alertando que ele deveria tomar cuidado com suas palavras. - Porque não sinto mais aquela... Aquela sensação de ter algo apertando no peito. É bom te olhar porque tudo que quero de você agora é amizade... Se é que isso poderia existir com um homem como o Joseph te rondando toda hora. - revelou indiferente, e eu me sentia prestes a ter um ataque de riso. Rir durante um momento de alívio é normal, certo? Ele acabara de confessar indiretamente que não sentia mais aquele amor impossível por mim! 
Soltei o ar com calma e, realmente, comecei a rir. Ele me olhou incerto, mas acompanhou meu riso. 
- Obrigada. 
- Pelo quê? 
- Pelo que disse! Acho que você é algum tipo de paranormal que lê pensamentos, pois me questionava agora mesmo sobre isso. Não sabe como é bom descobrir a verdade. 
- Às ordens! - Cameron fingiu bater uma continência. O clima da conversa até poderia ter permanecido leve, se não fosse por um Joseph estagnado a nossa frente. Que aparentemente tinha escutado apenas o final da conversa. Os galhos que seus braços tensos seguravam atingiram o chão e sem precisar dizer nada, ele se afastou. - Eu desisto! - Cameron largou os braços no ar e se jogou deitado na grama abaixo de nós. 
Levantei-me às pressas e tentei alcançar Joseph, que logo faria buracos por onde pisasse, já que seus passos pareciam aborrecidos e violentos de longe. Tão aborrecidos quanto seu semblante, que tive a oportunidade de ver quanto gritei seu nome e ele se virou, mas logo tratou de voltar a andar. Sem forças para falar, já que meu fôlego ia embora devido à pequena corrida que fazia, apenas continuei a segui-lo. Queria saber até onde ele seria capaz de ir. 
O céu adquiria cada vez mais aquele tom que resulta na mistura de várias cores. O homem continuava seu percurso, e eu atrás como se vivesse apenas para observá-lo. O cheiro de mar ficava mais evidente a cada passo que meus pés já doloridos davam, e a sensação de estar quase chegando a uma praia se tornou mais precisa assim que notei pisar em um dos inúmeros cascalhos que repousavam sobre aquela areia, escondendo-a. Se cansando do silêncio, Joseph virou o corpo e ficou me olhando, andando de costas para o mar a nossa frente. O desespero para explicar as coisas me cegou, e então eu não era mais capaz de apreciar a beleza daquela praia tão diferente das em que estive. Seu clima era frio, mais úmido. O sol não estava mais no céu, as nuvens eram acinzentadas. As cores ao redor eram mortas e Joe parecia cada vez mais distante de mim. 
- Se a raiva não estivesse fervendo meu sangue, Demetria, juro que até estaria curioso para saber o que aquele idiota lhe disse para que se sentisse tão bem! - o homem largou os braços no ar, o vento levava seus cabelos curtos para frente e brincava com a roupa já totalmente seca em seu corpo. - Como pôde combinar com aquela mulher para trazer esse homem aqui? Não sei por que ainda tenta me fazer olhá-lo com outros olhos. Isso não vai acontecer! - elevou seu tom de voz, abaixando para pegar uma pequena pedra e a jogando com força na direção do mar que parecia notar o clima carregado entre nós. Agitando-se, as pequenas ondas quebravam-se umas nas outras. 
- Fico me perguntando até onde esse ciúme vai nos levar. - neguei descrente com a cabeça, olhando para o mar. 
- Se fosse só ciúmes, Demetria, se fosse só ciúmes... - Joseph bagunçou os cabelos, exasperado. 
- Então o que é? 
Tudo
- Você é um grande estúpido! - acusei quase aos gritos, fechando minhas mãos em punhos e me arrependendo do que disse. Cruel é se arrepender de algo assim que você o fez. - Sabe o que ele me disse? - fui dando passos em sua direção, e ele não recuava. Esperou pelo momento em que a distância entre nossos corpos não existisse mais. - Cameron deixou bem claro que não sente mais aquela... Coisa por mim. Deixou bem claro que você não tem motivos para se atormentar com isso! Mas, se não consegue, se gosta de se sentir inseguro, se sente prazer com o dor... Não posso fazer nada! Mas, acredite, tentei fazer. Tentei muito. 
Minhas próprias palavras faziam reverberar a impiedosa incerteza dentro de mim através das muitas vezes em que simplesmente dizia algo e deixava o ambiente que nos rodeava mais escuro. Seus olhos verdes responderam ao meu protesto de forma indiferente, mas enxerguei o brilho da tristeza. Seu perfume veio em uma hora errada até minhas narinas, causando aquele sentimento de segurança e bem estar. Uma contradição. 
Arrependido de seus atos, por assim dizer, Joseph estendeu uma de suas mãos e esperou que eu a segurasse. Mesmo que quisesse continuar a sustentar minha pose de forte e orgulhosa, não consegui evitar e logo nós caminhávamos de mãos dadas pela praia, sem nos importamos com a falta de diálogo. Silêncio cura. Leva para longe as incertezas e é como se o corpo inteiro recebesse uma anestesia da voz tirânica que insiste em apontar falhas na vida através do subconsciente. 
(Coloque a primeira música para tocar!)

Nossos passos desleixados pelo cascalho que mesclava entre várias cores escuras cessaram e ele parou bem ao centro da praia, erguendo seu rosto para olhar além das pequenas montanhas ali presentes. Após respirar fundo e soltar um risinho por algo desconhecido de minha parte, continuou a andar. Estávamos a alguns passos de distância, e ele parecia andar a minha frente apenas para que pudesse me proteger do que viria pela frente. Ao alcançá-lo, descansei minha cabeça em seu ombro e permanecemos parados, encarando o mar. 
- Qual de nós dois você acha que vai partir primeiro? - um calafrio me fez desgrudar o corpo do seu e dar um passo para o lado, olhando espantada para seu rosto, mas ele nada fazia a não ser continuar a olhar de forma tão serena para a água. Como podia considerar aquela pergunta algo comum? 
- Não quero falar sobre isso. - admiti, aborrecida com ele. Por que trazer à tona um assunto tão mórbido quando poderíamos celebrar o fato de estarmos sozinhos em um lugar tão encantador? Tentando me afastar, senti sua mão segurar a minha e puxá-la para frente, amolecendo meu corpo e quase o fazendo cair em seus braços. Vulnerável. 
- Responda. - era uma intimação. Ele me atormentaria com aquilo até que eu respondesse. 
- Os dois juntos, ao mesmo tempo. - olhei fundo em seus olhos, sorrindo sem mostrar os dentes. Insatisfeito com a resposta rápida e objetiva, tratou de demonstrar sua sede por mais. 
- Por quê? Não seria dor demais para quem continuar vivo? 
- Os dois deitados em uma cama, de cabelos brancos. Os dois fecham os olhos. Os dois partem. Juntos! - concluí, segurando meu lábio inferior com os dentes e sentindo meu estômago enjoar-se só com a ideia de que nada dura para sempre e que um dia algo nos separaria. Algo inabalável como a morte. 
- Bela resposta. Espero estar de cabelos brancos mesmo. 
Joseph, pare! - repreendi meu marido com o olhar, sentindo meus olhos marejados. O acúmulo de fatos em minha mente liberava as lágrimas que naquele momento começavam a sair desimpedidas por meus olhos. Minha cabeça se transformava em uma grande bola de neve, que girava, girava, girava e ganhava cada vez mais tamanho. Toda essa neve, no meu caso, eram problemas. Não precisava que Joseph começasse com um assunto tão delicado como aquele. Poderia amar aquele homem, mas às vezes sentir raiva dele era inevitável. 
Então ele se afastou, me deixando desolada na beira do mar. Virei apenas o pescoço para encarar seus movimentos e o assisti olhar meticulosamente para as montanhas atrás de nós. Seu rosto se virou para mim e ele abriu um bonito sorriso, apontando para a região alta e repleta de neblina. 
- Ali, Demi! - segui seu dedo, ainda não sendo capaz de entender. - Quero ser enterrado ou ter minhas cinzas jogados em um lugar como aquele quando morrer. 
- Bem no meio da praia? - perguntei incrédula. 
- Sim, ou não... Não necessariamente na praia. Mas nas montanhas que a cercam. É um pouco bizarro, você vai pensar, mas não quero ir parar em um cemitério. 
- Não é você que vai ir parar em um cemitério, é o seu corpo. - o corrigi rapidamente. Aos poucos, ia me sentindo mais à vontade para debater sobre aquele assunto com ele. Voltei a grudar nossos corpos, deixei seu braço passar por meus ombros e me abraçar. - Idiota. - sussurrei, certa de que ele não tinha sido capaz de escutar. 
- O que foi que você disse, mulher? - seu braço me largou e ele me fitava pronto para algo. 
- Não disse nada. 
- Repita o que você disse! 
- Idiota. Idiota. Idiota! - ao mesmo tempo em que eu ria, também sentia mais lágrimas surgindo. Senti vontade de bater nele, de socá-lo até que me obrigasse a parar. Era uma lição para aprender a nunca mais me assustar daquela forma, e optar por assuntos desafiadores como o de minutos antes. Minhas mãos fechadas em punhos atingiam seu peito que não parecia sofrer abalo algum. De propósito, ele congelou feito estátua e deixou que eu continuasse a tentar machucá-lo. Apesar de essa não ser minha intenção. 
- Divertindo-se? - ignorei sua pergunta e o empurrei para trás, tendo que parar para tirar os cabelos que eram jogados pelo meu rosto devido ao clima da praia. - Isso, continue a me bater... Fico louco! - mordeu seu lábio inferior e encenou um semblante mergulhado em luxúria, arrancando mais uma gargalhada de minha garganta. 
Joseph Jonas é um grande dramático pervertido! - provoquei. 
- E, por permanecer comigo, você é ainda mais dramática e pervertida. - rebateu, segurando meus braços e beijando uma de minhas mãos. Enlaçando minha cintura, grudou seus lábios no canto dos meus e foi descendo até meu pescoço, onde apenas beijou carinhoso e escondeu seu rosto na curva. Acariciei seus cabelos com meus dedos que se embrenhavam pelos fios, fechando os olhos e não escondendo um sorriso que se formou. Por que éramos tão bipolares e malucos? 
- Cuidado, homem, convicção pode ser fatal! Aquele que acredita ter mais certeza das coisas é o que mais se desaponta quando descobre não ter certeza de nada. - falei calmamente, não sabendo de onde tinha tirado aquela frase. 
- O que foi que você disse? - Joe voltou a revelar seu rosto, apertando minha cintura com mais força e quase fundindo nossos corpos. Olhei para seus lábios irresistíveis e não tive mais vontade de estapeá-lo. Queria fazer outras coisas com ele... Muitas outras coisas. - Eu estava ocupado pensando em um jeito de calar sua boca. Ah, mas é claro... Vou te beijar! 
- Não vai, não. - aproveitei seu momento de distração e me livrei de seu abraço, virando o corpo e correndo na direção contrária. 
Sentindo que ele se aproximava de mim, soltei um gritinho agoniado e virei o corpo, tentando chutar a areia em sua direção. Joseph precisou se esforçar apenas mais um pouco para conseguir me capturar, e então voltar a abraçar meu corpo. Ainda rindo, nós dois começamos a rodopiar feito bêbados pela praia, nos aproximando gradativamente do mar. Viramos mais uma vez, e outra, e outra, outra... 
Até que caímos um pouco tontos no cascalho. 
Ele foi o primeiro a se erguer e ficar sentado. Posicionei-me atrás de seu corpo e grudei meu tórax com suas costas, apoiando um dos braços em seus ombros. Enquanto brincava com os cabelos de sua nuca e olhava perdida em pensamentos para as águas agitadas, percebi que era o momento para compartilhar com ele a conversa que tive com minha mãe. Ainda um pouco ofegante pela dança desnecessária, desci minhas mãos por seus ombros e o senti segurar ambas, que se espalmaram em seu peitoral. 
Aproximei bem minha boca de seu ouvido direito e comecei a falar: 
- Sei como nos salvar... - imóvel, Joseph esperou pela continuação. - Sei como acabar de uma vez por todas com meu pai. 
Joseph virou-se bruscamente e segurou meu queixo. 
- Sabe? E como faria isso? 
- Digamos que não é tão simples para ser dito. Mas você vai saber quando chegar a hora. - beijei-lhe os lábios. - Mas devo dizer que... 
EI, VOCÊS
Nossa conversa fora interrompida por um Cameron que vinha correndo, com uma aparente expressão de pânico no rosto. Assim que nos levantamos, Joseph e eu tentamos descobrir o que estava acontecendo. Cameron respirou devagar para tentar se recuperar e contou que minutos antes recebeu uma ligação de Lexi, mas tudo que conseguiu ouvir fora o som de algo se quebrando e em seguida uma voz masculina surgir. E ela ainda não tinha retornado até onde estávamos, então o nível de preocupação se elevou. Sem opção ou tempo para lembrar do conflito de mais cedo, nós três saímos correndo da praia, determinados a voltar para os chalés e descobrir o que acontecia. 

O sol se punha, a noite caia. Chegamos até a área dos chalés e infortunadamente decidimos nos separar. Por considerarem que algo perigoso poderia estar à solta na região, os dois determinaram que eu ficasse dentro de meu chalé. E um pouco emburrada foi isso que fiz, mas de minuto em minuto abria minimamente a porta e dava uma espiada, apenas para checar se nada de ruim acontecia com os dois. Com a impaciência tomando conta de meu interior, puxei da maçaneta de uma vez e a abri, colocando - sem calcular perigo algum - meu corpo para fora, determinada a fechar a porta e correr até Joseph e Cameron. E eu realmente tive que correr quando um ser encapuzado e que tinha algo metálico em mãos pareceu se assustar com minha presença repentina e se aproximou. Tapando a boca para não gritar, exigi aos músculos de minha perna que trabalhassem com empenho, enquanto eu cruzava todo aquele corredor mal iluminado e procurava com os olhos aflitos pelos outros dois. Onde diabos estavam? 
Sem condições de continuar a correr, parei e virei relutante o pescoço, mas ninguém estava atrás de mim. No entanto, a sensação de estar sendo observada se fez presente enquanto eu voltava a subir os degraus que reclamavam. Uma única luz, no último chalé - aquele que pertencia a Cameron e Lexi -, estava acessa, e me permiti caminhar até lá não deixando de olhar até para baixo para me certificar de que algum louco não me perseguia. 
Passando pela porta, olhei boquiaberta para o restante do quarto. Roupas no chão, móveis fora do lugar e vidros quebrados. 
Joseph rapidamente passou por mim com o celular preparado para ser usado. Cameron continuava parado em um dos cantos, olhando fixamente para a tela de um cavalete. Nada parecia anormal, até que ele tirou seu corpo da frente e pude enxergar os rabiscos feitos com tinta vermelha - acreditava eu se tratar de tinta. Trocando um olhar com ele, forcei minha vista e constatei que se tratava de um circulo marcada por um "x" no meio, cuja uma linha reta traçava ambos. O que significava? 
Clic 
O barulho parecia insignificante, mas não cessava. 
Clic
Estava ainda mais próximo de onde eu me encontrava. Mas o que diabos era?
Clic 
Daquela vez, o barulho parecia ser de algo pingando. Como o agradável som de gatas de chuva presas nas calhas, que se soltam aos poucos depois que a tempestade atinge seu fim. Talvez, a parte mais sombria daquela noite ainda estava por vir. Com a garganta seca, fui até um pequeno bebedouro no outro canto e enchi um copo plástico, olhando para uma bancada ao lado enquanto sentia a água gelada descer pela garganta. E quase a cuspi quando enxerguei uma pequena poça do que deveria ser sangue bem ao centro dessa bancada. Nossos olhos distraídos com o perigo do lado de fora não foram rápidos o suficiente para descobrir que o barulho vinha dali de dentro. Era o sangue de alguém que pingava da bancada e caia no chão. 
Joseph voltou a adentrar o ambiente, arregalando os olhos quando enxergou o sangue. Depois de se recuperar, rapidamente me explicou que quando os dois chegaram, encontraram tudo daquela forma, sem sinal algum de Lexi ou de qualquer outra pessoa. Comentei com eles sobre o estranho que correu atrás de mim, e logo saíamos novamente do quarto. Meu marido passou seus braços por mim, na tentativa de me proteger e Cameron desceu as escadas de uma vez, indo desesperado para a região próxima ao lago. 
- LEXI! - ele gritou, passando as mãos desesperadamente pelo rosto. - LEXI! - gritando outra vez, deu dois passos vacilantes para trás e sem tempo de respirar mais uma vez, virou-se bruscamente e subiu as escadas correndo. - Vamos, vamos, tem um cara armado vindo! - sem entender e não conseguindo enxergar o tal cara, nós voltamos a correr loucamente até a direção do chalé que ficava no outro canto. Durante o percurso, sentindo Joseph apertar minha mão mais do que deveria, olhei para trás e enxerguei apenas uma arma reluzir na escuridão. As roupas do sujeito eram escuras demais, camuflavam quase que totalmente sua presença. 
Passei meu corpo pela porta primeiro que Joseph e Cameron, indo para o canto e apoiando meu corpo na parede. Joseph tratou de bater a porta e trancá-la. Um baque na madeira fez meu coração acelerar ainda mais. E então, o silêncio novamente. 
Incapazes de manter qualquer diálogo, permanecemos mudos. Joseph olhava a todo instante pela janela coberta por cortinas, Cameron andava de um lado para o outro e eu decidi que era melhor deitar meu corpo na cama a minha frente antes que tivesse uma síncope. 
Ao tentar abrir a porta para conferir se alguém vinha oferecer socorro, meu marido xingou baixo quando a maçaneta não queria colaborar. Irritando-se, Joseph respirou fundo e socou o material de madeira. 
- Que porra é essa, afinal? - exasperado, Cameron exigiu saber, massageando as têmporas. Mas nada parecia surgia na mente de qualquer um. 
Sem qualquer outra evidência de um crime. Quem seria o dono daquele sangue? Lexi? 
Joseph sentou-se na cama e me abraçou, voltando a pegar seu celular. Beijando minha testa e esfregando um de meus ombros para tentar me acalmar, ele parecia focado em fazer o aparelho funcionar devidamente, mas sem sucesso. Era um pesadelo, só podia ser um pesadelo. Saí de minha casa no começo daquele dia achando que teria apenas algumas horas calmas em um lugar diferente, mas tudo que estava conseguindo eram amostras grátis do inferno que presenciei tempos antes. Joe finalmente conseguiu ligar para a polícia e, enquanto eu me questionava onde estavam os empregados, hóspedes e administradores daquele lugar, voltei a me deitar e cobri o rosto com as mãos. Cameron, determinado a abrir a porta que parecia ter sido trancada pelo lado de fora, começou a socar a fechadura e tomar impulso com o corpo, o jogando contra a madeira. Joseph o impediu de continuar, imitando seus movimentos. Então os dois começaram uma competição de força, uma competição para determinar quem conseguiria nos libertar dali. Eu não conseguia prestar atenção naquela briga que se iniciava, só queria voltar para minha casa. Pensar que ainda teria que enfrentar a polícia e inúmeras perguntas naquele começo de noite fazia minha cabeça latejar cruelmente. 
- Se essa situação apenas tivesse acontecido há algum tempo... - Wolfe disse de repente, desistindo de tentar abrir a porta e se sentando em uma poltrona de frente para a cama. Ele me olhava com uma expressão indecifrável. 
É claro que Joseph e eu conseguimos captar o sentido obscuro em sua frase. 
- Qual situação? Eu fazendo você perder todos os dentes? - Joseph começou a ameaçar, também desistindo da porta e se aproximando dele. - Sua namorada está aparentemente desaparecida, tem sangue naquela porra de bancada e você encontra tempo para fazer piadas com a maldita época em que a Demetria gostava de... Nós dois? - vacilou ao finalizar, olhando arrependido em minha direção. Apenas ignorei, aquilo não me importava mais. 
- Eu estava brincando. Que bom que seu senso de humor é inferior a... - procurou ao redor. - Nada! - Cameron estava de pé. 
- Senso de humor? Como diabos você quer que eu tenha senso de humor quando minha esposa está em perigo? Que se dane você, mas ela... 
- Oh, que pena que você pode ir até aquela cama, pegar a Demetria e abraçá-la, beijá-la, fazer até sexo com ela, enquanto eu não sei onde a minha Lexi está. Se está bem... Se está viva! - Cam apontava para mim enquanto falava. 
Um soco atingiu seu rosto e sua mão segurou o local enquanto ele dava passos tortos para trás. Levantei-me, indo até Joseph e apoiando as duas mãos em seu peitoral. Conseguia sentir seu coração acelerado. Ele conseguia arrastar meu corpo enquanto se aproximava de Wolfe mais uma vez. Então eles brigariam mesmo comigo ali, bem no meio? 
- Cuidado com o que você fala, Wolfe. 
- E se eu não quiser ter cuidado? 
- Juro que... 
CALEM. A. BOCA! - quando percebi, já tinha gritado de forma pausada. Os dois me olhavam com olhos arregalados, visivelmente impressionados com minha atitude. E já que comecei, não iria parar. - Você! - virei-me para Cameron, gesticulando com as mãos e o deixando assustado pela minha expressão e meus olhos que deveriam pegar fogo. - Leve algo a sério pelo menos uma vez na vida. E você! - praticamente dei um giro, agora repreendendo Joseph. Tomando a liberdade de encostar meu dedo indicador em seu peitoral enquanto falava, o assisti não ousar quebrar nosso contato visual. Parecia com medo... De mim. - Não leve algo a sério pelo menos uma vez na vida! - os deixando confusos com minhas frases parecidas e ainda assim diferentes, saí do meio dos dois e fui até a janela, tentando enxergar algo do lado de fora.
Logo nossas audições identificaram o som estridente de uma sirene. Era a polícia. 

/Demetria's P.O.V


Aeroporto Heathrow - Londres

Scarlett se encontrava bem no meio do aeroporto, com o corpo escorado em um carrinho especial que abrigava suas poucas malas. Em uma mão tinha um café comprado em uma daquelas cafeterias e na outro um livro. "O que esperar quando você está esperando" era o título, e ela nunca havia estado tão presa em uma leitura como naquele momento. Diversas pessoas a olhavam irritadas, se perguntando o que uma mulher fazia estagnada bem naquela área do lugar, e ainda por cima com um livro sobre gravidez. Interrompeu sua leitura apenas para erguer o rosto e averiguar onde seu noivo estava. Tinha ido comprar algo para que comessem, já que ainda faltava quase uma hora para o embarque. Bufando por não conseguir encontrá-lo, Scarlett voltou a ler. Seus cabelos estavam presos em um coque cheio de fios soltos, tinha um all star brancos nos pés e um vestido largo ao corpo coberto por uma blusa de moleton cinza. Preocuparia-se em parecer alguém de boa aparência depois que colocasse os pés em Nova York, é claro. Enquanto fazia uma breve reflexão sobre um trecho que tinha acabado de ler, virou o rosto e desceu o olhar, percebendo que um pedaço branco de papel fora colocado sobre uma das malas. Depois de dar uma checada ao redor e não encontrar nada suspeito, segurou o mesmo com rapidez e não demorou a ler aquelas palavras: 
"Siga a pessoa de branco com uma maleta prateada, ou teremos consequências graves
Após franzir o cenho, ela tentou não associar a demora de Caleb com aquele bilhete e procurou com os olhos aflitos por alguém que se encaixasse naquela descrição. Passando por uma das portas que dava acesso à saída do aeroporto, Scarlett pensou por um segundo: o que deveria fazer com suas malas? Será que se ela as deixasse ali alguém teria a audácia de roubar? Ou será que deveria simplesmente ignorar aquele aviso e continuar esperando? 
A segunda opção seria bem tentadora se ela não fosse quem era. 
Logo, já caminhava despreocupada por entre aquelas pessoas, seguindo o homem que vestia roupas brancas e carregava uma maleta. Era o único por ali vestido daquela forma, então deveria ser a pessoa certa. Pediu a uma senhora de sorriso gentil que vigiasse suas malas, pouco se importando. Na verdade, não tinha nada de grande valor que pudesse sentir falta. Scarlett passou por uma das portas giratórias e ao esbarrar seu corpo de forma brusca com um homem apressado, percebeu que um pedaço de papel semelhante ao anterior caiu bem aos seus pés. Abaixou-se para pegá-lo, sentindo o coração acelerar assim que leu: 
"Onde está seu noivo? Cuidado para não perdê-lo. E continue a seguir o homem!
Scarlett amassou o papel e o jogou em qualquer direção, evitando não pensar em coisas ruins enquanto apertava cada vez mais seus passos. O homem já bem mais a frente parecia prestes a começar a correr, como se quisesse obrigá-la a se esforçar para conseguir alcançá-lo. Ela não deveria correr, não era recomendado. Deveria evitar situações como aquela... Mas conhecia aquele tipo de iniciativa, sabia que uma ameaça como aquela, ainda mais dentro de um grande aeroporto, poderia ser fatal. 
Então, sem que pudesse obrigar a si mesma a parar, já corria. Corria com a velocidade que pensou ter perdido assim que deixou de ser uma agente, mas lá estava ela. Scarlett passou por outra porta giratória e já conseguia enxergar a saída, as luzes que iluminavam as ruas devido à noite que já tinha chegado. 
Fora do aeroporto, exasperada por ter perdido o homem de vista, ela enxergou um terceiro pedaço de papel colocado sobre a calçada do outro lado da rua. Tinha apenas que atravessar, pegá-lo e descobrir o que queriam com ela. Era simples assim. 
Colocou um pé no asfalto da rua, seguido pelo outro. Olhou para os lados, rompendo aos poucos a distância que a impedia de chegar onde queria. 
Seu corpo congelou. 
Seus ouvidos captaram o som de um veículo se aproximando, a movimentação vinda de dentro do aeroporto e as vozes que de repente pareciam mais próximas. Porém, ela não conseguia se mover. Seus olhos se arregalaram, um arrepio ruim correu por sua espinha. Com as mãos suando frio, tratou de envolvê-las por sua barriga, como se tentasse aquecê-la. Por reflexo, e ignorando a dor terrível e já conhecida que sentia, olhou para um dos lados. Um carro estava próximo, tão próximo que ela acreditou não ser capaz de desviar. E pelos olhos do motorista, quase que completamente escondido pelo vidro fumê, poupá-la não era uma opção. 
Sangue.
Uma considerável quantidade de sangue começou a escorrer por suas pernas, manchando seu tênis e agravando cada vez mais sua dor. 
Logo, sentiu as pernas cederem, a visão embaçando devido às lágrimas que se formavam em seus olhos. Pouco se importava com o veículo que a atropelaria. 

Dentro do carro, o motorista de repente freou. Recebendo protestos do homem ao seu lado, ele ergueu seu capuz e tentou esconder o rosto quando constatou que a mulher - naquele momento ajoelhada no meio da rua - o olhou de forma firme. No banco traseiro, resmungos eram escutados. Uma mulher tinha a cabeça todo coberta por um capuz, e se mexia desconfortável com as mãos atadas. 
- Você já foi idiota o suficiente para pegar a mulher errada e agora vai vacilar antes de passar por cima daquela ali? 
- Para começo de conversa: quem sequestrou a mulher errada foi você... E, olhe só para ela... - apontou para frente, enxergando uma aglomeração de pessoas se formar ao redor de Scarlett. - Parece que já está morrendo, e nem precisou de nossa ajuda. De qualquer maneira, não podemos devolver essa... - então apontou para o banco traseiro. - Não depois que ela viu nossos rostos. Não depois de você quase perdeu o braço quando foi persegui-la dentro daquele chalé. - o homem no banco de passageiro apertou com força um tecido preto que era pressionado contra uma ferida aberta em seu braço, tentando estancar o sangue que já havia manchado o banco de carro e molhado sua calça de cor escura. 
Os dois riram, com um destino certo em mente. 


30 minutos antes...

Dez horas da noite. Demetria não conseguia dormir, Demetria não queria dormir. Toda vez que fechava os olhos, ainda conseguia ter a sensação de estar sendo perseguida pelo ser de roupas negras. Não conseguia apagar da memória aquele sangue pingando, e todo o inferno que tinha sido aquele dia. Com um longo suspiro, fazendo questão de não lembrar inclusive de quando a polícia chegou e tratou de interrogá-los, apertou o travesseiro com força e encolheu o corpo em um dos lados da cama. Estava em casa, finalmente em casa. Protegida, com seus filhos por perto. E saber que sua mãe cuidou de ambos tão bem era a única razão para que não começasse a chorar. Joseph, depois de dirigir um pouco apavorado por duas horas, a deixou em casa e alegou que precisava voltar para a empresa, pois novidades do assassinato no hotel necessitavam de sua atenção. Demetria não podia negar: estava preocupada com Lexi. Onde estaria? E como Cameron deveria estar naquele momento? Quando aquele homem teria paz? Sentindo frio, ela apertou mais os braços ao redor de seu corpo, que não conseguia se aquecer nem com aquele poderoso casaco de lã. Seus olhos se fecharam, quase comemorava pois finalmente o sono começava a despertar em seu corpo a confortável sensação de leveza. 
Mas algo fora jogado contra a janela. 
Ela abriu os olhos e ergueu o corpo, olhando apavorada para a região de onde o barulho surgiu, mas nada parecia diferente. Levantando-se, foi com cautela até a janela e afastou um pouco a cortina, não acreditando no que enxergava abaixo de si. Alguns carros foram estacionados bem em frente ao enorme portão da casa e flashes de câmeras começaram a disparar quando notaram a mulher escondida na janela. 
Demetria escondeu-se e correu para o corredor, indo rapidamente até o quarto de Jamie. O garoto, apesar de deitado e acomodado, tinha os olhos abertos e parecia apreensivo. A mulher ajoelhou-se em frente a cama e segurou uma das mãos dele, tentando acalmar a ambos. Estava sozinha com os meninos. Joseph estava na empresa, Nancy precisou ir para sua casa e sua mãe dormia na casa de uma velha amiga. O pânico corria por suas veias, mas ela tentava dizer a si mesma que nada aconteceria. Os homens do lado de fora logo desistiriam e iriam embora. 
E, coincidentemente, foi o som de motores de carros sendo ligados que ela ouviu. 
- Mamãe, por que você está assustada? - Jamie perguntou em um sussurro, encostando seu dedo indicador na bochecha dela. Demetria negou com a cabeça e tentou sorrir. Encontrava-se em uma encruzilhada. Não sabia se ligava para Joseph e relatava o estranho aperto no peito que sentia - como um mau pressentimento - ou ficava deitada e esperava a sensação ir embora. Sorrindo falsamente, ela teve uma ideia e se colocou de pé. 
- Não se preocupe comigo, meu amor. E, já que ambos não conseguimos dormir, que tal prepararmos chocolate quente? - Jamie sorriu imediatamente e já estava fora da cama, a puxando pela mão e correndo pelos corredores, escada e finalmente chegando a cozinha. 
Sentados na bancada, os dois tomavam seus chocolates quentes em silêncio. O relógio marcava dez e quinze, e ela cada vez se atormentava mais com a ideia de que seu marido continuava fora de casa, exposto aos perigos daquelas ruas. Exposto a qualquer ameaça de seus inimigos. Sentindo o líquido descer por sua garganta e de certo modo acalmar seus batimentos cardíacos, voltou a virar o rosto na direção da porta de vidro da cozinha, que dava acesso ao jardim dos fundos. Pensou ter escutado algo. 
- Como foi seu dia? - o garoto perguntou inocente, colocando a caneca azul sobre a bancada, assim como seus braços cruzados. 
Com os olhos quase se fechando de sono, apoiou a cabeça acima dos braços e ficou olhando para Demetria. 
- Ah, filho, foi bem... 
(Coloque a segunda música para tocar!)

O alarme disparou
Os dois não tiveram tempo para mais nada, logo Demetria já tinha se levantado e segurado a mão do garoto, o guiando pela escuridão do ambiente. Corriam, corriam, corriam tanto que bastou menos de um minuto para que já estivessem no andar de cima. Escutando o som de algo se quebrar, Demetria identificou também o som do choro desesperado de seu bebê. Parou no meio do corredor e obrigou Jamie a erguer o rosto para olhá-la nos olhos. 
- Tranque-se nesse quarto, e só abra a porta se escutar a minha voz, ok? - ordenou, puxando a maçaneta e olhando a todo o momento para o começo das escadas. Alguém além deles três estava dentro daquela casa e, definitivamente, não era Joseph. 
- Não, eu vou com você! Vou te proteger! 
- Não, Jamie, faça o que estou pedindo. Por favor! - notando o desespero da mulher, ele se colocou para dentro da porta e a fechou sem dizer mais nada. Demetria correu até a última porta, xingando alto enquanto o nervosismo deixava suas mãos suadas e escorregadias, impossibilitando que conseguisse abri-la logo de primeira. Por fim conseguindo entrar, pegou seu filho e o protegeu com seus braços tensos e um cobertor, saindo correndo do quarto e batendo na porta que abrigava Jamie. - Abra, sou eu! - pediu de forma baixa, mas mesmo assim desesperada. 
Passos na escada
Ela colocou seu corpo para dentro e trancou a porta, segurando uma mão de Jamie e o levando até a cama bem ao fundo do quarto. Com um Matthew choroso em seus braços, ela se sentou e retirou o celular do bolso do casaco, tentando passar confiança a Jamie através de um olhar. Discou o número de Joseph, mas caiu na caixa postal. Assim que deixou uma mensagem bem direta, desligou e colocou Matt na cama, beijando sua testa. Pediu a Jamie que tentasse acalmar pelo menos um pouco o mais novo e se levantou, mas o garoto a seguiu e parou em sua frente. 
- Mamãe, você não pode sair. E se sair, eu vou com você! - por um instante, ela quis sorrir. Sorrir pois a ingenuidade daquele ser a encantava. Em sua mente fértil, ele tinha o que era necessário para proteger todos eles. Para Jamie, ter coragem era a solução. Não precisava de mais nada. Demetria desejou fervorosamente que o mundo pudesse mesmo ser da forma que seu filho o enxergava. 
- Volte para a cama, fique com o Matthew e, se ele chorar, converse com ele como o papai faz. - ajoelhando-se, ela acariciou os cabelos do garoto e beijou sua testa. Precisava sair daquele quarto, precisava pensar em um jeito de dizer a Joseph para não voltar para casa. Não até que o estranho fosse embora, ou que ela conseguisse avisar a polícia. Sem saída, Jamie concordou e com certo esforço pegou o bebê em seus braços, tentando protegê-lo da maneira que sabia. Olhando aquela cena, Demetria sorriu e escondeu uma lágrima que caia. Se algo tivesse que acontecer, seria com ela e não com seus meninos. 
Em um impulso de coragem e um lapso de consciência, grudou seus dedos na maçaneta e a girou tão lentamente que sentiu a palma de sua mão reclamar devido ao toque prolongado. Respirava fundo e fechava os olhos em intervalos consideráveis de tempo, na tentativa de dissipar aquela aflição que envolvia seu peito e parecia apertar seu coração como dedos de garras afiadas fariam. Vacilante, já fora do quarto, olhou para os lados e encontrou apenas um corredor vazio. Precisava de algo para se defender, mas se Joseph ainda fazia questão de manter armas dentro daquela casa, certamente estavam no escritório. Teria de descer as escadas, mas isso seria arriscado demais, não seria? Pronta para o acesso de impulsividade graças a adrenalina constante, que já conseguia sentir acometer seu corpo aos poucos, decidiu que ficar parada ali não ajudaria de nada. Engolindo o arrependimento a seco, começou a descer as escadas. Sua camisola longa por vezes parecia prestes a enroscar-se com um de seus pés, o que a fazia olhar diversas vezes para baixo e simplesmente tentar evitar que isso acontecesse. 
Seria um ladrão? Alguém tentando se vingar diretamente da família de Joseph simplesmente por causa do assassinato no hotel? Ou... Obra de seu impiedoso pai
A mulher parou no meio da escada, medindo todos os cômodos que sua visão conseguia alcançar. Tinha apenas que terminar de descer, passar por um corredor e, pronto, estaria dentro do escritório e encontraria uma forma de se defender. Então, voltou a correr. Correu sentindo como se milhares de pessoas a perseguissem ao mesmo tempo, como se parar não fosse uma opção e, caso parasse, estava morta. Ao chegar à porta de escritório, voltou a ouvir o som de algo se quebrando. Passos na escada a obrigaram a puxar a maçaneta com força e começar a gritar de pavor quando notou que não conseguiria abri-la. O ser estava próximo, Demetria já conseguia vê-lo se aproximar através da escuridão. O objeto reluzindo por entre seus dedos cobertos por luvas pretas, o capuz escondendo seu rosto. 
- Que equívoco você cometeu ao sair daquele quarto, docinho. - disse parando de frente para ela, que encolheu o corpo na porta e ainda tentava procurar por uma maneira de escapar. - Não precisa ficar assim... - tentou encostar em Demetria, mas a mulher soltou um grunhido e empurrou o próprio corpo para trás, com as costas se chocando contra uma das paredes do corredor. - Não vamos te machucar, porque, acredite, se fizéssemos isso, ele nos mataria. Agora venha comigo e tudo vai ficar bem. - ele tentou passar seus braços pela cintura dela, mas não contava com o soco que recebeu em seu rosto. Tão rápido, tão surpreendente. Tão absurdo descobrir a força que o ser aparentemente frágil demonstrou ter. Sentindo uma ardência por toda a face e sentindo o sangue quente sair de seu nariz, enxergou a mulher correr para o outro lado. 
Demetria tentava segurar as lágrimas, pois tinha deixado de ser a mulher fraca que chorava e se escondia há muito tempo. Mas naquele momento tudo que queria era seu Joseph ali, a abraçando e levando todo o mal embora. 
Joseph, onde você está? - falou sozinha, abraçando o próprio corpo escondido atrás de uma porta. - Apareça, apareça, apareça! Por favor, não me deixe aqui sozinha com os meninos... DROGA! - gritou e tentou segurar a porta que fora empurrada com as duas mãos. O homem voltava a persegui-la, e não precisou de muito para que conseguisse segurá-la por um dos braços e puxar seu corpo com violência. Ignorando a dor, Demetria foi obrigada a andar até a porta de entrada da casa, que estava aberta, o que possibilitava um veículo preto ser enxergado através do enorme portão. 
- Por que me socar, Demetria? - chamando-a pelo nome, só conseguia causar mais asco à mulher, que tentava se soltar de todas as formas possíveis. Não desistiria. Nunca desistiria. - Terei de contar isso para o seu pai. E, acredite, ele não vai ficar feliz. Aliás, aquele velho miserável nunca fica feliz com nada. - parou e encostou seus dedos na bochecha avermelhada de Demetria, que fechou os olhos e tentou se livrar do toque. - Não vai contar a ele que eu disse isso, ok? Ou eu vou... 
Ou você vai o quê? 
O alívio correu vivo pelas veias de Demetria, que sentiu o aperto em seu braço se afrouxar. Desistindo de tentar manter o choro preso na garganta, permitiu que lágrimas se manifestassem. Em meio a soluços, conseguiu virar o rosto e enxergar seu marido parado a poucos metros de distância. Os olhos verdes eram imponentes, os músculos tensos. Tinha um revolver em mãos. Um revolver apontado para o desgraçado que ainda não tinha feito questão de soltá-la, só olhava de forma covarde para Joseph. Ela não fez questão de tentar entender como Jonas tinha conseguido entrar na casa, só deixava a felicidade imensa levar o pavor embora. 
- Vá com calma, amigo, vá com calma... - o ser de nome desconhecido tentou, erguendo uma de suas mãos em um gesto falso de paz. Esqueceu-se de que também estava armado e, sem perceber, deu a possibilidade de Demetria se soltar e se afastar, indo para perto de Joseph, que continuou imóvel. Tudo que fez fora olhar para sua esposa e ter a total certeza de que o homem não tinha lhe causado nenhum dano físico. Psicológico talvez, mas ele estava ali para curar. Curar qualquer coisa. 
Observando o ser trêmulo, que aos poucos ia se curvando em direção ao chão enquanto tinha uma arma apontada para sua cabeça, Joseph foi até ele e retirou habilidosamente a arma presa abaixo de sua cintura. Depois de rir malignamente ao notar que a mesma estava sem balas, a jogou longe e segurou o sujeito pelo tecido da blusa preta, o obrigando a se levantar. Demetria, com as pernas fracas e tremulas, sentou-se na escada, tentando se recuperar rápido o suficiente para conseguir subir e ficar com seus filhos. Jonas chocou o corpo do outro contra a parede, mirando o cano reluzente do revolver em seu peito e olhando fundo em seus olhos. Demetria sentiu-se em um passado distante por alguns segundos. 
- Ouse até mesmo abrir essa boca maldita para soltar alguma porcaria que chama de palavra, e eu atiro. Sem hesitar, sem me arrepender. Simplesmente aperto esse gatilho e adeus para você. - o segurando com firmeza pela gola da blusa, afastou seu corpo da parede apenas para chocá-lo contra ela novamente. Não gostava de ver seu lado mais violento ganhando vida, mas não brincou quando disse que mataria e morreria por sua família. - Ah, e antes que eu me esqueça... - rosnou, sorrindo de forma mortal ao constatar que o homem já começava a clamar pela própria vida. - Encoste um dedo em minha esposa novamente, e a próxima coisa em que vai encostar serão as portas do inferno! - com aquele aviso dado, Joseph virou o rosto em direção a porta ao escutar o som estridente de um veículo acelerar e fugir furiosamente pela outro lado da rua. Logo percebeu o motivo: a polícia se aproximava. E uma sensação de impotência por perceber que um daqueles desgraçados tinha fugido tornou seus olhos escuros de ódio ao fitar novamente o ser choroso a sua frente. Pelo menos aquele não escaparia. E daquele momento em diante, faria o que fosse necessário para reforçar a segurança daquela casa. O que fosse necessário. - Fui claro? 
Depois de exaustiva meia hora e algumas perguntas a que foram submetidos, o casal se abraçou fortemente. Debilitada, Demetria largou seu corpo nos braços de Joseph e chorou, chorou e chorou. 


(Coloque a terceira música para tocar!)
O veículo, desistindo de continuar em frente, deu ré e sumiu pela rua de trás. As pessoas paravam ao lado da mulher, que olhou para as mãos repletas de sangue e chorava desesperada. Pouco se importava com a imensa dor que sentia, a dor que fazia parecer que os órgãos estavam sendo arrancados de seu corpo. Pensava em algo cruelmente pior... Vida estava sendo arrancada de seu corpo. 
O vento levou o papel branco jogado na calçada para longe, revelando que nenhuma palavra sequer fora escrita ali. Afinal, se o plano tivesse sido executado de forma correta, a mulher nunca teria a oportunidade de ler. 
Com as roupas sujas, ela tentava se levantar, chamando diversas vezes o nome de seu noivo, que ainda não tinha aparecido. Um senhor e uma senhora fizeram questão de impedir que Scarlett se levantasse e um deles ligou para a ambulância. 
Um homem cruzava toda a multidão e ficava cada vez mais perto. A expressão em seu rosto era capaz de apertar o coração de qualquer um. A mulher que amava estava li, jogado ao chão, aos prantos e com sangue ao seu redor. Suas mãos começaram a tremer e lágrimas se formaram em seus olhos. Ele precisava tocá-la. E, não, aquilo não podia estar acontecendo. Não podia! 
- Karlie, Karlie! - Caleb ajoelhou-se ao lado dela e segurou seu corpo com empenho, sem fazer questão daquele sangue que já começava a sujar suas roupas também. A mulher parecia mortificada, só conseguia deixar que mais e mais lágrimas escapassem de seus olhos completamente inchados e vermelhos. 

Sometimes we're holding angels
And we never even know
Don't know if we'll make it, or we know
We just can't let it show.


- Me desculpe... Caleb, me desculpe! - o abraçou, sentindo-se cada vez pior. 
- Espere, espere! Ei, olhe para mim... - ele segurou seu rosto com as duas mãos, a sujando minimamente com seu próprio sangue. - A ambulância já está vindo, e não aconteceu nada... - quem ele queria enganar ao dizer aquelas palavras? Seu filho se tornara apenas uma poça de sangue no chão frio e sujo. E nunca seria nada mais além disso. - Vai ficar tudo bem. 
- Não, não vai. - Scarlett mal conseguia falar, respirava com dificuldade ao tentar conter as lágrimas. - Ele se foi, ele se foi e eu não pude fazer nada para impedir! 

It's everything you wanted, it's everything you don't
It's one door swinging open and one door swinging closed
Some prayers find an answer
Some prayers never know
We're holding on and letting go.


Scarlett se considerava uma mulher valente acima de qualquer outra coisa. Sempre deu sua cara a tapa em qualquer situação, sempre tentou fingir que até mesmo as mais puras trevas não a assustavam. De passado difícil e presente incerto, a mulher não queria ser vista como uma vítima. Queria ser forte, queria ser aquela que salvava, e não a que precisava ser salva. Mas aquilo se tornou algo impossível. O vazio em seu interior continuava a doer, mas a dor física era o de menos. 
Caleb a abraçou ainda mais forte, tentando não chorar. Ela não podia enxergar aquela fraqueza. Ele precisava, mais do que nunca, se tornar alguém forte. Alguém forte para tratar daquela ferida cuja cicatriz ficaria para sempre em suas vidas. Nunca fora de desejar coisas ruins a ninguém, tudo que sempre quis fora levar uma vida tranquila. Porém, infelizmente, naquela triste noite, recebeu a confirmação de que fazia parte de um jogo mortal, que não o deixaria em paz até que fosse forte o suficiente para jogar. E a partir daquele momento, seria outro homem. Seria o homem que a mulher em seus braços precisasse que ele fosse. 
Eu te amo. - disse a ela, grudando os lábios úmidos pelas lágrimas inevitáveis em sua testa coberta de suor frio. 
Scarlett não respondeu nada, apenas deixou que a exaustão a vencesse e arrancasse sua consciência. Seus olhos se fecharam. 


Nova York
(Coloque a quarta e última música para tocar. E a deixe tocando durante todas as cenas restantes.)

Olivia abriu seus olhos claros e fitou o chão de cor apagada, sentindo seu estômago roncar. Já era bem tarde, hora de crianças de sua idade estarem navegando pelo mundo dos sonhos. Mas simplesmente não conseguia. As hipóteses do que poderia acontecer a ela e ao seu pai eram maldosas e, até mesmo para uma menina tão nova quanto ela, não era difícil perceber que a vida daria um giro e mudaria drasticamente. 
Sendo pega de surpresa, cobriu a cabeça com o cobertor e tentou não se mexer. O baque de dois pares de passos contra o chão frio fizeram seu inocente coração acelerar. Logo, Olivia sentiu uma mão tentar puxar sua proteção, e a menina lutou para impedir, pena que era fraca demais. Fechou os olhos, quase conseguindo sentir dor e se recusou a encarar seja lá quem fosse. 
- Minha princesa... Não tenha medo, sou eu. - Julian lhe disse bem baixo, acariciando os cabelos da garota que rapidamente abriu os olhos ao reconhecer a voz do pai e começou a chorar. Largou o pequeno e frágil corpo nos braços parcialmente tatuados do homem, que aceitou feliz aquele contato, aliviado por saber que sua filha estava bem e que, sim, ainda tinha um motivo para lutar. 
- Papai! - Olivia dizia aos prantos, tocando o rosto dele como se quisesse ter a certeza de que não era um sonho. O homem limpou uma lágrima quente que escorria pela bochecha fofa e corada da filha. - Eu senti tanto a sua falta, achei que algo tinha acontecido. Novamente ele escondeu o rosto em um dos ombros de Julian, respirando de um jeito descompassado e soluçando. 
O homem olhou para a mulher parada na porta, que preferia não olhar a cena. Percebendo que era fitada, Heather o encarou nos olhos e ergueu uma sobrancelha, dando de ombros. 
- Eles me matariam se soubessem que fiz isso. - confessou despreocupadamente. 
- Então por que está fazendo? - Julian indagou curioso, percebendo que a pequena Olivia já começava a se acalmar. 
- Porque morrer não parece tão ruim quando você se encontra em uma situação como a minha. - seu tom de voz diminui ao pronunciar as últimas palavras, mas ela tinha que manter a pose de quem não se importa. Mascarar com frieza o sentimentalismo exagerado que a dominava cada dia mais. - Por isso brinco com a paciência deles. Não tenho nada a perder
- De qualquer maneira, eu lhe agradeço. 
- Não agradeça quem não está do seu lado. 
Julian, refletindo sobre aquelas palavras, beijou o rosto de Olivia. Infelizmente, logo teve que se despedir, mas prometeu a ela que logo estaria a salvo, mesmo que ele tivesse de sacrificar até mesmo sua própria vida para garantir. 


Londres

Joseph não resistiu e começou a rir junto com o pequeno em seus braços, que parecia ter esquecido completamente do terror de mais cedo. O homem estava sentado em sua cama, com os batimentos cardíacos tentando se normalizar. Sabia que Demetria demoraria um pouco na banheira, pois gostava de ficar sozinha quando precisava se recuperar de algo tão sério. Então, ele continuaria ali com seus meninos o tempo que fosse necessário. Um Jamie sonolento permanecia deitado ao seu lado, talvez com medo de fechar os olhos. Joseph aconchegou mais o corpo do bebê ao seu, sorrindo abertamente e enxergando, ali, toda a coragem que precisaria ter. 
- Sabia que você é uma das provas, Matt? Uma das provas de que, mesmo depois de noites como essa, vale a pena seguir em frente. E você também, Jamie. - bagunçou os cabelos do maior, que ergueu um pouco o corpo e apoiou sua cabeça no ombro do homem. - O quê? - ele arregalou os olhos, fingindo que tinha escutado Matthew dizer alguma coisa. - Eu sou corajoso? Sim, eu sou super corajoso! - estufou o peito e engrossou um pouco a voz, arrancando um riso baixo de Jamie. - Por vocês sou capaz de muito mais. 
- Papai, quando eu crescer quero ser igual a você. - a revelação do garoto provocou uma sensação engraçada no peito de Joseph. Ele automaticamente se lembrou de quando esteve frente ao túmulo de sua mãe e lhe confessou que gostaria de ser um exemplo para seus filhos. Maravilhoso fora perceber que conseguiria o que queria, apesar dos pesares. 
- Não, não quer. - mas teve que negar com a cabeça, lembrando-se também de todas as burradas que cometera naquela vida. Jamie não faria o mesmo. 
Demetria saiu do banheiro, olhando para os três e tentando deixar que um sorriso iluminasse um pouco seu rosto que fora temporariamente apagado pelo medo. Ela até tentou se aproximar dos homens de sua vida, mas Joseph, trocando um olhar cúmplice com Jamie e, rindo, negou com a cabeça. 
- Essa é uma conversa só de homens, mamãe, sinto muito. - Jamie brincou e Demetria colocou as mãos na cintura, inconformada, fingindo que se afastaria do quarto para deixá-los ter a tal conversa só de homens. - Mas você pode participar se quiser, é só não falar sobre assuntos de garotas. - os dois adultos se entreolharam e riram da forma como seu filho disse aquilo. 
- Vem, Demi, tem espaço para mais um aqui! - Joseph a convidou. 
Agradecendo por ver sua família fora do perigo, a mulher não demorou a se largar na cama com os outros. Finalmente, paz. 
Até que o telefone tocou. 


Caleb encarava um ponto qualquer daquele corredor branco. Ele permanecia encostado na parede e com as pernas dobradas, apoiando seu queixo sobre um de seus joelhos. Quase teve a atitude infantil de tampar os ouvidos quando ouviu o choro forte de um bebê. Não era justo! Não era justo ter que passar por algo como aquilo. O que Scarlett tinha feito para merecer mais um golpe em sua vida? Quanto poderia olhar no rosto daquela mulher tão enigmática e enxergar a mais pura felicidade? 
Caleb tinha feito tantos planos para aquele bebê. Lembrou-se das diversas conversas que tinha durante a madrugada com Scarlett, que aceitava aos poucos a gravidez e às vezes era pega de surpresa enquanto já conversava com a própria barriga. Ele sabia que o aborto poderia acontecer a qualquer momento, pois a mulher apresentou alguns problemas anteriores, mas não imaginou que o destino pudesse ser tão isento de piedade. Os dois só queriam aquele bebê, só queriam deixar os erros para trás e começar uma nova vida. 
Notando que alguém parou ao seu lado, Caleb se levantou rapidamente e esfregou os olhos. Tentou passar a impressão de que conseguiria lidar bem com tudo, mas não demorou para que sua testa se enrugasse e ele recebesse um abraço de Joseph, que totalmente comovido com a situação apenas bateu levemente em suas costas e continuou em silêncio enquanto o outro homem voltava a chorar. Não era bom quando se tratava de curar a dor de alguém, mas Caleb era seu amigo e ele deveria estar presente. Jamie também estava ali - tinha insistido muito para ir também - e pediu que Caleb se abaixasse para que pudesse abraçá-lo assim como seu pai tinha feito.
- Existe uma razão para tudo, ok? - sussurrou no ouvido do homem, que se perguntava de onde o garoto tirava tanta sabedoria. Concordou com a cabeça e tentou sorrir, apesar de considerar isso um ato quase letal. 
- Como ela está? - Joseph perguntou preocupado. Demetria provavelmente já tinha dado um jeito de adentrar o quarto em que Scarlett se recuperava. Matthew dormia em casa sob os cuidados de Sue, que ao receber uma ligação da filha, saiu imediatamente da casa de sua amiga, sem nem mesmo se importar com o horário. Ofereceu-se para cuidar do pequeno. 
- Como você acha que ela está? Mal, cara, muito mal! Isso é uma droga, sabe? - Caleb se afastou um pouco dos dois e começou a andar pelo corredor. Desolado era pouco para definir seu estado. - A pergunta que tenho é: por quê? Não é desse jeito que nossa vida deveria ser... A vida de nenhum de nós. 
- Se buscar por uma razão adiantasse de algo, Caleb... Não estaríamos aqui lamentando. - Joseph comentou tristemente, encostando-se na parede. 
- Aquele homem, aquele desgraçado... Como é mesmo seu nome? Arthur? - Caleb ergueu uma sobrancelha e sua voz rouca pelo choro, assim como seus olhos inchados, adquiriram uma quantidade significativa de algo sombrio. Estaria ele disposto a tomar alguma atitude vingativa? Sua noiva perdera seu filho, um aborto espontâneo, mas o que garantia que não fora por tanta preocupação ao saber que vinha sendo perseguido e que, de um jeito ou de outro, teria que sofrer com os planos infernizantes daquele ser tão maligno? Joseph apenas concordou com a cabeça, não querendo pensar em Arthur. - Bom saber. - foi tudo que Caleb disse, voltando a largar o corpo no chão e escondendo o rosto com as mãos. Mais uma chama passou a iluminar o caminho da vingança. Um novo plano começava a ser arquitetado. Mais lágrimas obrigadas a serem engolidas. 

Em silêncio, a mulher permanecia encarando um ponto vago do quarto. Nunca se sentiu tão vazia. A dor física dissipou-se, restavam apenas as lágrimas que ela tentava aprisionar dentro de seus olhos fundos e distantes. Demetria, sentada em uma poltrona ao canto, apenas olhava para o rosto de Scarlett e pensava em uma forma de pelo menos tentar confortar a amiga. Não entendia o que ela sentia, apesar de ter tido uma gravidez um pouco complicada. Poderia tentar iniciar uma conversa, tentar distraí-la, mas Scarlett não parecia a fim de querer abrir a boca para dizer nada. Sentia-se a vilã da própria história, pois não enxergava outra razão para aquele aborto a não ser o esforço impróprio que havia feito nos últimos dias. Por mais que a o médico negasse aquela opção, ela não se importava. Queria culpar a si mesma. 
- Agora, realmente, ele é um anjo. Ele tem asas... - a ruiva olhou para cima, tentando curar a ardência instantânea em seus olhos. - Mas não está comigo como imaginei. - Demetria não estendia muito bem o que ela estava querendo dizer, mas levantou-se prontamente e sentou-se no espaço vago da cama, segurando uma das mãos de Scarlett e deixando que ela descansasse a cabeça em seu ombro, iniciando outro choro. - Eu odeio chorar, eu odeio chorar... EU ODEIO CHORAR! 
- Shhh, pode chorar o quanto quiser. Não é pecado, não faz de você uma pessoa fraca. - um pouco confortada por ter alguém por perto, Scarlett fungou e tentou amenizar seu sofrimento deixando que algumas outras questões perambulassem por sua mente. Demetria era bondosa e amiga o suficiente para ficar próxima o tempo que fosse necessário. Não queria Caleb por perto, não queria que ele enxergasse o quanto ela conseguia ser frágil. 
- Você acha que precisavam dele lá em cima ou o destino é mesmo um grande filho da puta? - Demetria fechou os olhos e negou com a cabeça, passando os dedos pelo cabelo da outra, que aos poucos sentia as lágrimas secarem. 
- Scar, você tem certeza de que foi espontâneo? Não está escondendo nada de nós? Alguém tentou lhe fazer algo? Irritada, Scarlett se soltou dos braços da mulher e voltou a largar seu corpo na cama. Demetria a olhava apreensiva, sabia que existia algo por trás daquele incidente. 
- Tinha um carro, e ele ia passar por cima de mim. No entanto, quando o motorista pareceu notar... Meu estado, desistiu e foi embora. Só que eu senti, mesmo sangrando e com muita dor, eu senti que o propósito dele era tentar algo contra mim. 
Quietas, cada uma se isolou em seus próprios pensamentos. De repente, Scarlett arregalou um pouco os olhos e os piscou algumas vezes, como quem consegue enfim notar algo até o momento oculto. Demetria percebeu, e de certo modo acreditou que as duas compartilhavam da mesma teoria. 
- Sei o que está pensando, também pensei nisso. Mas agora não tenho certeza de nada. - a mulher fechou os lábios em linha reta e se levantou, indo até a janela do quarto apenas para olhar o movimento do lado de fora. 
Demi, você poderia me deixar sozinha por um tempo? - Demetria virou-se novamente na direção da ruiva e negou com a cabeça, com uma expressão de quem tinha escutado algo absurdo. 
- Não vou te deixar sozinha. 
- O que você acha, gata? Que vou me matar? Superarei isso, porque eu sempre supero. Sempre guardo as mágoas e a transformo em outras coisas. - desviou o olhar da amiga, voltando a fitar um ponto fixo no centro do recinto. Não parecia mais falar com Demetria, mas sim consigo mesma. 
- Apenas vou te deixar, porque preciso ligar em casa e ver como minha mãe e o Matthew estão, mas vou pedir para alguém vir aqui. - Scarlett apenas concordou com a cabeça e assistiu a mulher passar pela porta e fechá-la. Cruzou os braços e tentou ergueu mais um pouco seu tronco, grunhindo baixinho pela dor que voltou repentinamente a região abaixo de seu umbigo. Aliviada por perceber que logo se esvaiu novamente, tentou se lembrar da noite anterior. Tentou se lembrar detalhadamente do rosto do homem dentro do carro... 

Flashback

Olhares audaciosos e ainda assim intimidados fitavam o ser que se aproximava com passos decididos. Os cabelos presos em um longo rabo de cavalo acompanhavam os movimentos rápidos de seu corpo, enquanto a mulher fez questão de manter o olhar reto, sem se importar com os outros. Chegando ao final da sala, parou de andar e encarou Arthur com divertimento, aproximando-se lentamente dos dois adolescentes que estavam prestes a se encolher na parede com medo. Scarlett mordeu o lábio inferior e chegou bem perto de um deles, deslizando seu dedo indicador pelo rosto do mais jovem, que tinha algumas sardas no nariz e nas maçãs do rosto. Voltou a olhar para Arthur, sorrindo abertamente. 
- São meus? 
- Sim, Scarlett, você é quem vai treiná-los. 
- Vejamos... Virem-se! - exigiu gesticulando com as mãos, e os dois rapidamente fizeram o que ela mandou, virando seus corpos e divertindo a morena, que se atreveu a dar um singelo tapinha nos glúteos de um deles. - Venham, gatos, temos muito trabalho e muita diversão pela frente. - então ela voltou a andar em direção à saída, deixando os dois que vinham em seu encalço praticamente de boca aberta assim que fitaram como o couro de suas calças modelava seu quadril e pernas. 

Fim do flashback.

Aquele rosto inocente e amedrontado. As sardas. Sim, era ele. Um dos recrutas que fora designada para treinar. Aquele que ela ensinou a se defender do mundo, ensinou a praticar os atos mais insolentes para conseguir o que era almejado. Aquele que quase passou por cima dela com um carro. Então era mesmo verdade... Arthur planejava matá-la. 
Seu tronco se ergueu totalmente, e ela tratou de limpar com as costas de sua mão uma das lágrimas que saíam de seus olhos sem que percebesse. Vida normal? Não, não era para ela. Não nasceu para assistir filhos crescendo, muito menos para ter paz o suficiente para sentar em uma poltrona e ler um livro. Não, sua vida não seria assim. 
Conformada, e enquanto outra lágrima lamuriosa escorria por seu rosto, um sorriso maquiavélico se formou em seus lábios. 
- Meu bebê foi para o Céu, mas você... Ah, você vai para o Inferno! 

¹ - Voilette é uma palavra francesa que se refere ao véu que cobre o rosto (todo ou apenas uma parte). Ele pode ser preso em um chapéu, por exemplo.
² - Megalomania é um transtorno psicológico definido por delírios e fantasias de poder, relevância ou omnipotência.



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