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domingo, 5 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 11

Novos passos, antigos caminhos
(Músicas do capítulo: Hurt do Christina Aguilera, Second Hand White Baby Grand que é parte do soundtrack da série Smash, Cell Block Tango que é parte do soudtrack do filme/musical Chicago e History Is Made At Night, também do seriado Smash. Se possível, deixe todas carregando e coloque uma a uma para tocar quando cada aviso surgir.)



(Coloque a primeira música para tocar!)
Seems like it was yesterday when I saw your face
(Parece que foi ontem quando vi seu rosto)
You told me how proud you were, but I walked away
(Você me disse o quão estava orgulhosa, mas eu fui embora)
If only I knew what I know today...
(Se apenas eu soubesse o que sei hoje...)

Diferentes tons alaranjados e arroxeados se misturavam com todo o azul do céu que fora agraciado pouco tempo antes pelo sol. A fria brisa - conseqüência de uma madrugada chuvosa - recebeuJoseph de braços abertos, envolvendo todo o seu corpo coberto por roupas pretas. Alguns curtos fios de cabelo eram jogados em sua testa, enquanto ele forçava seus olhos verdes e cansados a encontrar de uma vez por todas aquele túmulo. Nem mesmo se lembrava onde os restos mortais de sua mãe foram depositados. Diferente da limitada quantidade de pessoas que caminhava por ali,Joseph não tinha qualquer mísera flor em mãos. A única coisa que ele carregava consigo naquele dia era o arrependimento. O amargo arrependimento que roubou seu sono, que quase tornou sua madrugada insuportável, se não fosse pelo calor envolvente da mulher que dormia delicada como as pétalas de uma rosa ao seu lado. 
A sensação de estar sendo observado o fez desviar o olhar das inúmeras lápides que ladeavam seu caminho. O homem cessou seus passou e olhou brevemente para trás, tendo a impressão de ter enxergado um vulto sumir por trás da estátua do que deveria ser um anjo. Dando de ombros, ele continuou a andar. Minutos bastaram para que o nome de sua mãe atraísse sua atenção, o fazendo dobrar os joelhos imediatamente e se sentar ali mesmo, naquele chão de concreto desgastado. 

I would hold you in my arms
(Eu te seguraria em meus braços)
I would take the pain away
(Eu afastaria toda a dor)
Thank you for all you've done
(Agradeceria por tudo que você fez)
Forgive all your mistakes
(Perdoaria todos os seus erros)
There's nothing I wouldn't do
(Não há nada que eu não faria)
To hear your voice again
(Para ouvir sua voz de novo)
Sometimes I wanna call you
(Às vezes eu quero te chamar)
But I know you won't be there.
(Mas sei que você não estará lá.)

Ele tocou a superfície dura da lápide, deslizando os dedos pelo nome esculpido no material acinzentado. 
- Um pouco tarde para uma visita, concorda? - a voz de Joseph soou estranha até mesmo aos seus próprios ouvidos. Fraca. - Eu deveria ter feito isso enquanto você ainda podia me olhar nos olhos e abrir os braços para um abraço... Que provavelmente eu negaria. - o homem abaixou a cabeça, como se estivesse evitando de encarar o rosto de Elizabeth. Sem que pudesse evitar, seus olhos marejaram e, fazendo com que ele se sentisse mais desamparado do que nunca, uma lágrima escorreu por todo o seu rosto, pronta para se desintegrar ao atingir o chão rústico. - Podemos conversar um pouco, mãe? - perguntou para o nada, sendo respondido pelo silêncio que naquele momento era seu único companheiro. Exceto pelas almas daqueles que apodreciam abaixo daquelas terras, apesar de Joseph não acreditar nessas coisas. Porém, infelizmente, a culpa o obrigava a tomar aquela atitude. - Primeiro, gostaria de te agradecer por nunca ter desisto de mim. Segundo, eu sempre te amei... Mesmo que tenha amado mais sua lembrança do que sua própria pessoa. - Joseph lutou para segurar o soluço proveniente do livre choro que se iniciava. Bipolar, o sol se escondeu atrás de uma enorme nuvem cinza, o que contribuiu para que correntes de vento se chocassem contra o corpo do homem triste. - Quero que saiba que o ódio que eu tanto disse sentir por você nunca existiu de fato. E eu prometo... - cortou sua fala para respirar fundo. - Prometo que serei capaz de lutar pela família que você tanto desejou ter, mas que infelizmente não pôde. Uma lembrança ofuscada pela crueldade do tempo surgiu em sua mente, fechando seus olhos. Joseph quis agarrá-la como se isso o tornasse capaz de transportá-lo para aquele dia, aquele momento. Era um momento bom, um momento de quando era apenas um garoto sem conhecimentos do severo mundo real. - Me desculpe, mãe, me desculpe por ter sido tão injusto, por ter me esquecido das noites em que você ficou comigo enquanto eu tinha medo dos trovões. Desculpe-me por enxergar a verdade tarde demais... 

I'm sorry for blaming you
(Me desculpe por te culpar)
For everything I just couldn't do
(Por tudo que não pude fazer)
And I've hurt myself by hurting you
(E eu feri a mim mesmo ao ferir você.)

Some days I feel broke inside, but I wouldn't admit
(Alguns dias eu me sinto destruído por dentro, mas não vou admitir)
Sometimes I just wanna hide, ‘cuz it's you I miss
(Às vezes eu apenas quero me esconder, porque é de você que sinto falta)
And it's so hard to say goodbye when comes to this.
(E é tão difícil dizer adeus quando chega a hora.)

O silêncio era tão profundo, que o homem era capaz de identificar os ponteiros de seu relógio de pulso trabalhando incessantemente. A inquietação tomou conta de seu corpo e o tornou rígido quando voltou a sentir uma presença se aproximar. Mas sem forças para levantar e descobrir do que se tratava, Joseph ignorou e voltou a prestar atenção apenas ao que estava a sua frente. Ele gostava de imaginar que Elizabeth, onde quer que estivesse, conseguia ouvir tudo que ele confessava. Imaginava que ela estava abrindo um grande sorriso brilhante, e que finalmente conseguia sentir a paz confortá-la. Joseph aproveitou a solidão para lamentar mentalmente sobre dezenas de outras coisas. Os pensamentos contraditórios que feriam um ao outro dentro de sua mente quase faziam sua cabeça doer. 
Irritado, ele bufou e levou as duas mãos até o rosto, o cobrindo e respirando fundo mais uma vez. 

Would you tell me I was wrong?
(Você me diria que eu estava errado?)
Would you help me understand?
(Você me ajudaria a compreender?)
Are you looking down upon me?
(Você está me olhando aí de cima?)
Are you proud of who I am?
(Você está orgulhosa de quem eu sou?)
There's nothing I wouldn't do
(Não há nada que eu não faria)
To have just one more chance
(Para ter apenas mais uma chance)
To look into your eyes
(De olhar em seus olhos)
And see you are looking back.
(E ver que você está olhando de volta.)

- Eu sou mesmo um grande mal agradecido. Deveria estar feliz por tudo que consegui... - a raiva por não conseguir colocar um sorriso no rosto ao lembrar-se de tudo que tinha o deixava transtornado. Joseph sentia vontade de levantar dali e seguir com sua vida, aproveitar e cuidar daqueles que estavam vivos... Correr atrás do que ainda estava em seu alcance. - Mas e esse medo que nunca vai embora? - já livre das lágrimas, ele retirou os óculos escuros presos na gola de sua camisa preta de mangas longas e os colocou, satisfeito por finalmente conseguir esconder a expressão de sofrimento que marcava seu belo rosto másculo. - Demetria e meus meninos são tudo que tenho. A simples ideia de perdê-los me deixa desconcertado. Sem eles não sou nada. Absolutamente nada. E talvez eu devesse ser... Talvez esse medo vá embora se eu conseguir viver em minha função também e não só em função deles, certo? Mas o que resta se minha família for tirada de mim? O que resta desse projeto de ser humano? Não quero ser alguém que luta para sobreviver, não quero ter que dormir com um olho fechado e outro aberto. Quero ser um exemplo, um exemplo de homem para os meus filhos. Quero cuidar deles como meu pai não cuidou de mim... - ao mencionar seu pai, ele sentiu o sangue ignorar o frio do lado de fora e esquentar de maneira potente. Queria tanto voltar no tempo, voltar apenas para se vingar daquele homem. Fazê-lo sentir toda a dor que sua pobre mãe sentiu. 

If I had just one more day
(Se eu tivesse apenas mais um dia)
I would tell you how much that I missed you since you've been away
(Eu lhe diria o quanto sinto sua falta desde que você se foi)
It's dangerous
(É perigoso)
It's so out of line to try and turn back time...
(É tão insensato tentar voltar no tempo...)

Aliviado por não conseguir manter aquele sentimento de revolta por muito tempo, ele deixou que a imagem de sua mulher e filhos tomasse conta de seus pensamentos. Era isso que importava, não era? 
- Me sinto como uma televisão velha que só continua a funcionar porque seus donos ficam lhe dando pancadas e mais pancadas. Não que alguém esteja me dando essas pancadas no sentido literal... Mas eles me empurram para frente, eles me motivam a não desistir. - então, Joseph fez uma pausa de quase dois minutos, com medo de soltar as próximas palavras: - Eu tenho medo de ter me tornado totalmente dependente da Demetria, como se ela fosse uma espécie de droga. E se um dia ela se cansar de mim, mãe? Joseph Jonas, com todo o seu jeito amargurado de ser. Tantas cicatrizes. Eu a amo tanto, mas por vezes nossas imagens não combinam. Ela é tão cheia de vida... E eu preciso da vida dela para conseguir levar a minha a diante. Sim, você vivia dizendo que, se não é difícil, não é amor... Eu lembro. Mas o que tem de tão errado em querer um pouco de facilidade? Será que eu sou o maldito escolhido para alguma missão maior? Por que não me deixam simplesmente viver e ficar inundado na comodidade de uma vida comum? E só tenho 26 anos... Imagine como estarão as coisas quando eu chegar aos 50! Se é que estarei vivo... - um sorriso desanimado foi dado pelo homem, que o desmanchou logo em seguida, como se percebesse estar fazendo algo errado. - Às vezes penso que estou louco, mas que ninguém enxerga essa loucura. Por exemplo, agora. Mantendo uma conversa com uma lápide. Eu nem sei se você pode me ouvir. - finalizou conformado. Queria sair de uma vez por todas da proteção daquelas sombras, queria ir à luta quando fosse necessário e abaixar a cabeça jamais. Mas a impressão de estar sempre preso a um conjunto de fatores de risco era inerente a seu ser. 
Tomando um impulso cujo seu corpo não pareceu estar totalmente preparado, ele se levantou e olhou para baixo, como se estivesse se despedindo daquela que o colocou no mundo e tratou de lutar por ele enquanto teve batimentos cardíacos. Decidido a continuar a viver sua vida antes que acabasse em um lugar como aquele, Joseph começou a andar rápido em direção a saída. Não gostava do clima daquele lugar, precisava chegar logo em casa, ir para debaixo de um chuveiro e esquecer-se do passado. Só isso. 
Quando já conseguia enxergar seu carro em um estacionamento escondido por longas e vastas árvores, percebeu que, alguns metros ao longe, um enterro acabava de ser concluído. Enquanto algumas das pessoas já tomavam sua direção para fora dali, ele enxergou um único rosto conhecido. O homem bem alto virou o corpo, e, com a expressão vazia, o olhou de volta. Por um instante, tudo que os dois conseguiram fazer fora... Nada. 
Joseph apenas torceu os lábios e deu meia volta, mas a voz de Cameron o fez parar e virar o corpo novamente. Um sorriso debochado escapava pelos lábios de Wolfe, que se aproximou e parou ao lado do outro, cruzando os braços enquanto fingia ler as escrituras nos túmulos ao lado de onde estavam. Não parecia tão abalado pela morte de seu pai. 
- O quê você quer, Wolfe? - Joseph perguntou mal humorado, desejando apenas ir embora. 
- Aqui você não pode começar uma cena... Estamos no lugar errado para descontrolados. - Cameron respondeu ao notar que o homem ao seu lado já começava a apresentar indícios de uma inquietação que em breve se transformaria em raiva. 
- Mas estamos no lugar certo para uma morte. - Jonas rebateu presunçoso, dando ênfase na última palavra e erguendo uma sobrancelha. Tentava esconder toda a fraqueza que deixou a mostra enquanto conversava com sua mãe. Aquele homem, seu inimigo de tanto tempo, não poderia enxergar o que lhe atormentava. 
Inimigo... 
- Que medo. - Cameron comentou com um risinho preso no canto dos lábios. Joseph olhou para o céu, para toda a natureza fúnebre ao seu redor, para os próprios pés e depois tomou fôlego, decidindo deixar o orgulho de lado pelo menos uma vez na vida. 
Ele contou tudo para Wolfe. Contou sem medir conseqüências que quase acabou com sua vida por um mero erro daqueles que tentaram em vão protegê-lo. 
- Agora você pode rir. - o homem de óculos escuros disso simplesmente, deixando claro que não se importava. 
- Eu até riria se vivesse de mágoas do passado, mas já lhe disse que não é bem assim. - um tempo passou até que Jonas criasse coragem para responder. Em momento algum ele olhou para o rosto do outro durante aquela conversa. Respeito era exigido naquele local, mas se ele seguisse seus instintos, continuaria livremente com a briga que foi apartada no clube onde jogaram futebol. Joseph achava que Cameron merecia, no mínimo, uma surra por certos acontecimentos passados. 
- Acho que se não tivessem omitido isso, nesse momento nós poderíamos até ser amigos. - Joseph não acreditou nas próprias palavras, mas já estava dito. 
- A menos que você pense em cavar uma dessas covas e se esconder para sempre, nem tudo está perdido. - Cameron, sempre encontrando uma solução para tudo, aconselhou de bom grado. 
- O que te faz pensar que quero sua amizade? - Jonas rosnou imponente. Os olhos escondidos pelos óculos só contribuíam para que fosse enxergado como o vilão de anos antes. A pose de superior, os ombros tensos e os lábios feitos em uma linha reta. O mundo é um lugar devastador demais para permitir que qualquer pessoa tenha conhecimento de quantos demônios atormentam sua alma. 
- Nada! Eu sei que você não quer. Só parece que viver sabendo que alguém te odeia é... Sufocante. - Cameron confessou, desfazendo a voz debochada por um momento. 
- Nem me fale. - Joseph suspirou, lembrando-se do pai de sua esposa. 
- Desculpe. - ele ouviu, mas pensou estar no estágio de imaginar coisas devido ao enorme sono que sentia. Wolfe pedindo desculpas? Pedindo desculpas mais de uma vez? 
- Você já pediu desculpas no hospital. Duplicar o pedido não vai fazer muita diferença. - Jonas não escondeu o que pensava. 
- Mas dessa vez é por outra coisa... Outras coisas. - ele sabia do que Wolfe estava falando. E, portando uma atitude completamente infantil, não conseguia balançar a cabeça de forma positiva e desculpar. Não conseguia aceitar aquelas desculpas. Ele sabia, ah, e como sabia... Era um ser extremamente possessivo e jamais seria capaz de ver o homem estagnado ao seu lado sem a capa do ódio que cobria sua visão quando era direcionada ao mesmo. Deixar para lá era uma coisa, esquecer era outra. Não utilizava a arma de culpar, nem sequer pensava nisso quando olhava para sua esposa... Mas com Wolfe era outra história. Ele tocou o que não o pertencia. Ele garantiu que nunca fosse visto com bons olhos por Jonas. 
- Pensei ter escutado você dizer que não vive de mágoas do passado, mate. - e com essa frase expelida de forma indiferente por seus lábios, sabendo que no fundo era a sua realidade, Joseph simplesmente disparou a andar como fazia antes. Com passos firmes e decididos, logo ele podia respirar aliviado por ter deixado aquele lugar. 


Dias depois...

Demetria's P.O.V

Parada, ergui meus braços enquanto segurava um cabide com cada mão. Com apenas uma toalha enrolada no corpo e cabelos molhados grudando em minha pele, pigarreei para que Joe dedicasse pelo menos um terço de sua atenção a mim. Ele parecia em outra dimensão olhando incessantemente para a tela daquele notebook, parecia até estar prestes a descobrir a cura para o câncer ou até mesmo uma forma de viajar no tempo. Esperei paciente durante alguns segundos, na esperança de que ele largasse aquele aparelho e jogasse a intensidade de seus olhos bonitos sobre mim. Mas isso não aconteceu. 
Então eu tive que jogar sujo. 
Ainda segurando os cabides, depois de me certificar de que a porta estava trancada para evitar constrangimentos, encostei meu dedo indicador em meu busto e o puxei para frente, impulsionando a toalha a se desfazer daquele embrulho e me deixar livre. E de fato não demorou para que ela caísse. Meu marido, como se previsse o que estava para acontecer, desviou os olhos daquela tela e me olhou estarrecido, mas não demorou para que sua reação mudasse e ele medisse minhas curvas de cima a baixo. Sem ligar para o fato de estar nua, já que perto dele eu tratava de não ter essas inseguranças bobas, voltei a estender os dois vestidos para que olhasse melhor. 
- Homem, olhe para os vestidos! - tentei afastar sua atenção de meu corpo parcialmente molhado. 
- Acho que preciso de um banho frio. - ele comentou mordendo seu lábio inferior, e eu apenas soltei um risinho, negando com a cabeça. 
- Não, você precisa me ajudar! Quero estar bem bonita ao seu lado durante esse evento da empresa, então, vamos! Ajude-me a escolher esse vestido de uma vez. 
Joseph pareceu seguir minha ordem e, mesmo que não entendesse muito disso, deu uma conferida nos dois. Um era preto, bem simples, de mangas longas e curto, apenas com alguns detalhes em renda transparente na parte do tronco. O outro era vermelho e longo, um decote nas costas. Eu sabia qual seria sua escolha, mas mesmo assim achei melhor perguntar. 
- O preto. - arregalei os olhos, olhando incerta para o vencedor. 
Joseph Jonas acabou de rejeitar um vestido vermelho em sua esposa? - Joe divertia-se com os meus questionamentos, e assim que desceu os olhos penetrantes pela minha barriga, chegando até uma região questionável, ergueu apenas uma sobrancelha. Um frio de origem desconhecida correu por toda a minha espinha. Eu já deveria ter me acostumado a ficar arrepiada quando ele me despia com o olhar. Bem... Na verdade eu já estava despida, então a situação era realmente intrigante. E de repente algo me surgiu. - Hm, já sei... O vestido é preto, mas e a calcinha? 
- Você sabe a resposta, Demi. - e então ele voltou sua atenção para seja lá o que fazia, sorrindo algumas vezes enquanto eu começava a me aprontar, andando de um lado para o outro do quarto. 
- Vermelha. Calcinha vermelha. Onde diabos ela está? - eu resmungava enquanto analisava minhas lingeries. É claro que não possuía apenas uma peça daquela cor, mas a minha preferida não estava ali, e eu não me lembrava de tê-la usado recentemente. Ao olhar todos aqueles pequenos pedaços de tecidos de cores variadas, senti vontade de rir ao lembrar de como Joseph ficava inconformado pelo fato de eu ter obsessão em comprar calcinhas. Tinha uma coleção delas. 
- Quer ajuda? - dentro do closet, escutei meu marido perguntar e apenas fiz um som negativo com a boca. 
Finalmente encontrando minha escolhida, a vesti e logo já tinha passado meu indispensável hidratante corporal, borrifado um pouco de meu J’adore da Dior nas regiões certas e colocado o vestido. Triste por ainda faltar muito para a hora do evento, me aprumei na cama ao seu lado e fiquei observando seus olhos presos à tela do notebook. Desde o dia em que Karen fez a revelação sobre o passado de seus pais, Joseph parecia sempre distante. Às vezes fingia esquecer e voltava a ser o de sempre, mas bastava um minuto de reflexão para que seu semblante se fechasse e ele desse a desculpa de que precisava se trancar em seu escritório para terminar algum projeto. 
Pegando-me de surpresa, ele voltou a largar o que fazia e ficou me fitando. Ao mesmo tempo em que consegui captar reais vislumbres de melancolia misturando-se com os tons verdes que cintilavam de seus olhos, também observava a determinação que eles exalavam. 
- Minha mulher cheirosa! - ele disse de um jeito cômico, puxando um dos meus braços. Beijou minha mão e foi subindo pelo braço. 
- Meu homem de negócios! - eu disse animada, o puxando pela gravata e grudando nossos lábios. Ele estava lindo naquele dia. Seu perfume parecia mais intenso, por mais que não tivesse o mudado. A camisa azul marinho de mangas dobradas na altura dos cotovelos era coberta por um colete preto, assim como suas calças. Os cabelos despenteados, com vários fios distribuídos pela testa. Quando nossas bocas se soltaram, ele deslizou seu dedo indicador pela pele de minha bochecha e tomou fôlego antes de começar a dizer: 
- Está feliz, Demi? - estranhei sua pergunta, piscando os olhos e retirando sua mão de meu rosto. Ajeitei meu corpo no colchão e confirmei com a cabeça. 
- Por que não estaria? Jamie está quase recuperado, minha mãe decidiu passar mais alguns dias conosco, você e Matthew também estão bem, assim como nossos amigos... E ninguém anda nos ameaçando ultimamente. 
- Seria loucura se eu dissesse que às vezes acho que parece desapontada por eu não estar tão feliz quanto você? - não, eu não deixaria que ele tivesse uma recaída e começasse com aquele assunto. Joseph precisava parar de acreditar que não me fazia feliz pelo simples fato de não conseguir estar sempre sentindo o mesmo. Aquele era o jeito dele de levar a vida, e eu sabia perfeitamente bem. Meu marido tinha aquele tipo "bad boy sofrido", com seus olhares sedutores e momentos que por vezes me fazia até acreditar que ele fora um poeta em outra vida. E isso, sem duvidas, era o que carregava de mais apaixonante. O importante para mim era enxergar um sorriso sincero em seu rosto. 
E foi isso que consegui ao segurar sua mão e guiá-la até seu rosto, fazendo-a acertá-lo com um tapa desajeitado. 
- Isso é o que você merece por dizer essas coisas, senhor Jonas! 
- Estou falando sério, Demetria, eu tenho medo de não ser o suficiente para te fazer feliz. 
- Ah, meu amor, você me faz feliz! Tão feliz que, olha só... - fiquei de joelhos na cama e em seguida larguei meu corpo, caindo deitada de um jeito violento que fez meu marido arregalar os olhos. Provavelmente meu vestido estava amassado. - Tão feliz que mal me aguento em pé! - sorri, me colocando sentada de novo e segurando sua mão. - Você é a personificação da minha felicidade. E nunca terá noção do quanto isso é valioso para mim... Acordar todos os dias e te ter ao meu lado é maravilhoso. Não existe nada no mundo que consiga superar essa sensação. 
- Você continuaria a pensar dessa maneira mesmo se soubesse o que seu pai está armando? - ele me desafiou. Tínhamos tido uma séria conversa há alguns dias, onde todos os segredos que sustentávamos desmoronaram. Naquele momento não existia nada omitido entre nós. Eu sabia sobre os papéis que ele conseguiu com a mulher que conquistou meu ódio, Valerie. E ele sabia sobre Julian, por mais que se negasse a acreditar que o dito cujo era mesmo semelhante a meu falecido meio-irmão. 
- Você acha que ele vai tentar algo contra nós? - perguntei ingenuamente, com a rasa esperança de que ele negasse e me fizesse perder um pouco do receio que sentia toda vez que colocava um pé para fora de casa. Essa situação estava me importunando demais. 
- Se for o caso, nós também tentaremos algo contra ele... - Joe afirmou convicto. - Não se esqueça, Demetria... Eu já fui o vilão da história. - seus olhos verdes brilharam de forma eletrizante. Seu rosto se aproximou gradativamente do meu e o foco para qualquer outra coisa no planeta deixou de existir por frações de segundos que pareceram intermináveis. O jeito como ele falou aquilo foi uma das coisas mais sedutoras que já presenciei na vida. Fora distinto, carregado com intenções que me forcei a entender. Joseph seria capaz de qualquer coisa para derrubar seu inimigo? 
- Está tentando assustar? Porque com essa voz rouca de personagem misterioso de um filme noir¹, você só consegue me seduzir. - acabei com seu momento de vitória, saltando para fora da cama ao perceber que nosso bebê tinha acordado e me chamava com seu choro angustiado. Assim que me dirigi até o quarto de Matthew e retornei para o meu com ele em meus braços, o bebê ameaçou adormecer novamente, fechando parcialmente os olhinhos. Eu conseguia notar, seus braços estavam maiores, assim como suas perninhas. Meu menino crescia de forma assustadora! 
- Se eu tivesse que escolher algo para contemplar até o fim dos tempos, seria exatamente essa imagem. - Joseph havia se esquecido de seu trabalho e só tinha olhos para nós dois. 
- Olhe só para ele, Joe. - comentei com a voz carregada de orgulho. Mais parecia que eu o estava vendo receber um diploma, e não adormecido novamente em meus braços. 
- Nós que fizemos! - Joseph disse como se não fosse algo óbvio, tão orgulhoso quanto eu. Após me sentar com cuidado na cama, aproximei bem o corpo de nós três. Só faltava Jamie ali, mas o mesmo descansava e se recuperava em seu quarto. Ficar deitado jogando vídeo-game o dia todo era a única ambição de sua vida. 
- Você se lembra do dia em que Matt foi feito? - deixei a perguntar no ar, percebendo que meu bebê fechou seus dedos que envolviam meu polegar, o apertando um pouco. Era bom. Joe pareceu distante, pensando em uma resposta. Mas eu tinha certeza de que ele não sabia. Homens não sabem dessas coisas... 
- Me desculpe, Demi, mas não sei responder. Eu me lembro do dia em que você disse que estava grávida, mas o dia em que fabricamos esse garotão... Não me vem a memória. Porque, você sabe... Não é como se eu fosse capaz de contar todos os nossos momentos. - rimos juntos do tom malicioso que a conversa atingiu, mas logo eu voltei a suspirar e pensar no dia em que senti vida nova surgir dentro de mim. 
- Eu me lembro perfeitamente bem. - comecei, assistindo flashbacks passarem como um filme pela minha mente. - Lembra da viagem que fizemos para a casa de campo? - ele concordou um pouco em duvida. - Pois é, e durante uma daquelas noites quentes, enquanto todos contavam história de terror fajutas na varanda, nós escapamos e fomos caminhar pelas redondezas. Lembra-se daquele lago? 
Ele sorriu abertamente, e não precisei continuar a falar muito. 
- Como eu poderia esquecer? Começou a chover e nós dançamos na chuva feito dois idiotas. 
- Sim, dançamos na chuva. Era um dos meus sonhos de infância, sabia? Por causa daquele filme... - mordi a língua ao comentar aquilo de um jeito brincalhão, negando com a cabeça e sendo apenas feliz com lembranças boas. - Eu senti, Joseph, juro pelo que você quiser que, quando aquilo terminou e nós deitados extasiados para olhar as estrelas, eu senti. Dizem que a mulher não é capaz disso, que ela só descobre enquanto os dias vão passando... Mas eu sabia que Matthew já estava conosco. Algo muito forte me disse isso. 
Enquanto permanecíamos perdidos em recordações diversas, me esqueci completamente de continuar a me arrumar. E já estava atrasada! Coloquei nosso filho no colo de Joseph e saí rápido do quarto, tendo que parar no meio do caminho ao ouvi-lo dizer aquela frase: 
- Faça o favor de rebolar menos esses quadris enquanto anda, mulher! - repreendeu-me como se aquilo fosse um pecado, e tudo que eu fiz foi dar língua e empinar o nariz ao bater a porta. 


Joseph's P.O.V

À noite, assim que chegamos do tedioso evento da empresa, liguei imediatamente para Caleb e pedi que ele viesse até minha casa. Horas vasculhando coisas naquele notebook não me serviram de nada, então talvez ele fosse o único conhecido que pudesse me ajudar. E meia hora mais tarde, lá estava ele e Scarlett, que sumiu pelas escadas com Demetria. Deixando as duas para lá, nós nos dirigimos até meu escritório. Caleb sentou-se em um sofá no canto e ficou me esperando como se estivéssemos prestes a colocar um grande plano em ação. Não pude deixar de rir. Ele tinha aquela pinta de detetive. Um aprendiz de Sherlock Holmes. Levei meu notebook até ele e todos os papéis roubados de Valerie, explicando parcialmente o que eu queria. 
- Em todos esses papéis, se você notar, está marcado o endereço de um mesmo site e uma senha. Eu tentei acessar durante horas, mas continua a dar acesso negado. Então, pensei que... 
- Que o nerd pudesse dar um jeito. - Caleb comentou, rindo presunçoso. Logo ele digitava sem medir conseqüências, com os olhos atentos nas folhas que eu lhe tinha entregado. Decidi observar tudo com atenção, já que ele seria capaz de descobrir o que eu tanto queria. Era uma certeza. 
Cinco minutos depois, respirou fundo e me chamou. Deixei o whisky de lado e me aproximei para encarar a tela. 
- Foi simples, você tinha apenas que digitar aquela senha duas vezes. O que consegui foi essa espécie de lista... É familiar? - semicerrei os olhos quando pensei ter avistado um nome de um dos sócios da empresa. E espantado por continuar encontrando nomes, extratos e dezenas de outras coisas relacionadas à Empire, percebi que aquilo se tratava de um relatório completo de tudo que acontecia diariamente dentro do grande legado de meu pai. - Esse site dá acesso a outro, mas é de conteúdo confidencial. Se quiser, eu posso tentar... Hackear, não que essa seja a palavra correta. - um pouco confuso e tentando tirar da cabeça a ideia de estar sendo observado - por inimigos através do meu trabalho -, dei concessão para que meu amigo continuasse a fazer o que sabia de melhor. 
Tive a impressão de que aquela busca ainda seria longa, terrivelmente longa. Talvez até... Perigosa. 

/Joseph's P.O.V


- Então... Eles abriram sua barriga com uma faca enorme e o sangue começou a sair por todos os lados! - Scarlett dizia em um tom de voz que só ela era capaz de definir como assustador. Enquanto estávamos ela, Jamie e eu jogados na cama de meu filho mais velho, a ruiva tentava a todo custo assustá-lo. Jamie e eu trocamos um olhar e ele começou a rir, negando com a cabeça. 
- Isso não me assusta. Esses dias eu assisti Grey's Anatomy com a mamãe. - o garoto comentou dando de ombros, acabando com a graça de Scarlett. Vê-lo tão recuperado e animado me provocada uma tremenda sensação de alivio. Logo ele teria permissão para voltar a seus antigos hábitos. 
- E a viagem, Scar? - perguntei enquanto brincava com os fios de cabelo de Jamie. Ela apenas fechou os olhos e largou a cabeça na cama, soltando um longo suspiro. Quando voltou a se levantar, passou a mão pela própria nuca e torceu os lábios. - Acho que nem preciso de uma resposta depois de todos esses gestos mais do que desanimados. 
- Isso está me estressando! - ela confessou, triste ao notar que o pote de sorvete colocado no chão estava vazio. Como ela conseguia comer tanto aquele doce sem enjoar? - Não posso negar, me deixa totalmente assustada também. 
- Sabe do que você precisa? - comentei, tendo uma ideia repentina. Coloquei-me para fora da cama e retirei o casaco fino que cobria outra blusa. 
- Fazer stripteaseDemetria, menos, Jamie é só um pirralho e não pode ver essas coisas! 
- Ei! Pirralho não! - o mesmo a repreendeu com a voz alta, recebendo uma travesseirada. 
- Scarlett, pelo amor de Deus, quando você não sabe o que dizer, não diga nada! Vamos, venha comigo. - a puxei pela mão e nós saímos do quarto de Jamie. Após cruzarmos todo o corredor, abri a última porta. Era a minha sala para relaxar. Onde eu me trancava quando queria cantar, tocar algum instrumento ou praticar Yoga. E existe coisa melhor para uma grávida do que Yoga? 
A ruiva largou o corpo no chão e cruzou as penas, olhando de maneira tediosa para mim. 
- Não vou fazer o que você quer que eu faça. Não vou. - Scarlett alertou erguendo seu dedo indicador. 
Demorou para que eu conseguisse convencê-la a prestar atenção no vídeo que coloquei no rolar. Mas logo, talvez tentada a praticar exercícios e tentar conseguir algo semelhante aos treinamentos que tinha quando agente, ela olhava sem piscar para a televisão presa à parede. Para mim era fácil, eu já tinha conhecimento de todos os movimentos necessários naquela prática. 
- Agora junte os pés e respire fundo. - instrui, encostando meus pés, fechando os olhos e soltando o ar com calma. - Levante e dobre sua perna direta, segurando na parte de trás do joelho, mantendo a esquerda firme e totalmente esticada. Depois tente erguer a direita... - enquanto eu tentava fazê-la prestar atenção em minha aulas, facilmente consegui ergueu a perna direita, deixando-a quase que perfeitamente esticada no ar. Scarlett arregalou os olhos e encenou um semblante de dor. 
- Ok, acho que isso deve doer... 
- Não depois que você consegue pratica! - afirmei. O som da maçaneta da porta sendo virada penetrou nossas audições e logo apenas Joseph colocou o rosto para dentro. Ele me enxergou naquela posição e soltou um sorrisinho marotamente perigoso. 
- Olá, Demetria, como vai? - disse brincalhão, obrigando-me a soltar um risinho envergonhado e abaixar minha perna. Joe afirmou que só queria saber onde nós estávamos e logo se afastou.
- Essa é uma noite muito, muito enfadonha. - Scarlett comentou. Segundos depois, ela piscou os olhos algumas vezes e eles pareciam perdidos, como se ela tentasse identificar alguma coisa. - Cara, sabe aquela sensação quando você está parada e de repente... - fez movimentos com os dedos para baixo, indicando a região abaixo de sua barriga. - A coisa acontece? 
- Sei. - concordei incerta. Provavelmente ela se referia a menstruação. 
- Como isso é possível sendo que estou grávida? 
- Acontece, Scarlett... Você não disse que passou noites pesquisando? Deveria saber que algumas mulheres continuam a receber o "presentinho" até mais ou menos o terceiro mês de gestação. - afastando-se, totalmente quieta, sentou-se em um sofá de canto que ficava colocado abaixo de uma extensa janela de vidro coberta por cortinas claras. Desliguei a televisão e decidi deixar todo o papo de Yoga para outro dia. Algo no rosto dela passou a me incomodar. - Tudo bem? - perguntei, me aproximando aos poucos. Sentei-me ao seu lado. 
- Eu nunca tive cólicas durante meu período. Por que tenho agora? - sem me dar a oportunidade de respondê-la, a mulher arregalou os olhos e levantou na velocidade da luz. 
As duas mãos abraçaram a própria barriga e ela parecia respirar de um jeito descompassado. Levantei também e coloquei uma mão em seu ombro, na tentativa de acalmar seja lá o que estivesse acontecendo. Bastou apenas mais um piscar de olhos para que Scarlett perdesse o equilíbrio. Seus olhos reviraram e suas pernas despencaram. Esforcei-me ao máximo para conseguir segurá-la antes que seu corpo alcançasse o chão, mas para isso tive que me jogar juntamente com ela. Desesperada, gritei por Joseph e Caleb, que logo vieram correndo. 

Passei pela porta e esperei que Joseph fizesse o mesmo para enfim fechá-la e grudar meu corpo à mesma. Respirei aliviada e apenas observei as costas de meu marido que subia as escadas. Corremos com Scarlett até o hospital mais próximo e, felizmente, nada de errado estava acontecendo. O médico afirmou que seu sangramento não era indício de algo grave, que o desmaio ocorreu devido a muitas preocupações e até mesmo pela gravidez - agora totalmente confirmada. Assim que deixamos o casal em sua casa, voltamos para a nossa. 
Com um sono sobrenatural, tratei de cuidar de Matthew para que pudesse finalmente largar o corpo na cama e dormir. O banhei, coloquei fralda e roupas limpas, o alimentei e depois fui até o quarto de Jamie, onde permaneci mais um tempinho até que o bebê pegasse no sono. Jamie assistia algum filme que não fiz questão de reparar. Percebi que Matt esticava suas mãozinhas e tentava pegar algo. Só então percebi que se tratava de Jamie. Ele queria que o garoto o segurasse. Jamie se ergueu, fazendo uma leve cara de dor e aceitou pegar o pequeno em seu colo, que no mesmo instante pareceu totalmente feliz e risonho. Não consegui me segurar e logo já estava com uma câmera em mãos, fotografando aquele momento. 
Feliz por ter mais fotografias para meu grande álbum, dei um beijo de boa noite em Jamie e acomodei Matthew em seu berço, escutando o som do telefone no andar de baixo. Logo Nancy me chamou e disse que era uma amiga. Guardei a câmera e desci as escadas correndo. Peguei o telefone e me ajeitei no sofá, reconhecendo imediatamente a voz de Lexi. 
Te acordei? - ela perguntou receosa. Neguei e nós iniciamos uma conversa comum. Até que pareceu ter algo importante para dizer. - Demetria, eu gostaria de fazer um convite. 
- Pois faça! 
Lembra do Sean? 
- Lembro. - o homem destinado a me fazer cantar. Tive vontade de rir ao me recordar do dia em que cantei e toquei piano naquela reunião. O dia em que deixei Joseph enlouquecido, como ele mesmo gostava de dizer. 
Bom, o tio dele, um importante empresário do ramo musical, está organizando um evento em um teatro, aqui em Londres mesmo. É uma ideia diferente, uma experiência. Ele quer conhecer novos talentos, sabe? E eles me deram permissão para te convidar! O que acha? 
- E eu teria que... Cantar? - meu estômago embrulhava só de imaginar estranhos assistindo enquanto eu tentava fazer minha voz soar agradável. 
Obviamente! E, já aviso: caso concorde, traga pelo menos dois bons vestidos. 
Estranhando um pouco tudo aquilo, apenas disse a ela que precisava pensar um pouco e conversar com Joe a respeito. Ela me disse que tudo bem, que esse tal evento musical aconteceria apenas na semana seguinte, e que eu poderia decidir sem pressão. Finalizei a chamada e subi para o meu quarto. Enfiei-me por debaixo das cobertas e apenas me enrosquei ao corpo de Joseph antes de adormecer. Naquela noite, os únicos sonhos que tive foram relacionados à música. Em todos eles eu me enxergava acima de um palco. Destino, talvez? 

/Demetria's P.O.V


Dias depois...
Teatro London Palladium

Demetria ergueu o rosto ao sair do carro, analisando meticulosamente o teatro a sua frente. Em meio a pessoas passando ao seu redor e carros estacionados, ela sentiu um súbito frio na barriga e uma ansiedade absurda que arrepiou cada poro de seu corpo. Rua respiração era ruidosa e as bochechas mais coradas do que deveriam estar. A mulher passou uma das mãos pelo penteado feito por sua mãe e, apenas para tentar se distrair, ficou brincando com o tecido da saia do vestido longo que usava. Para Demetria, parecia demasiado sensato sair correndo antes que lhe faltasse tempo. A quem queria enganar? O medo de estar diante de uma multidão era o que a impediu de correr atrás de um antigo sonho. Mas o que fazer quando o medo e a curiosidade batem de frente? Uma mão cálida tocou a sua, intercalando seus dedos e por fim unindo completamente o calor de ambas em um enlace perfeito. Ela demonstrou um sorriso simples ao identificar o perfume do homem. Gentilmente, Joseph a conduziu até a grande entrada, onde pararam um instante para esperar a mãe de Demetria, que tentava alcançá-los. Matthew e Jamie estavam seguros em casa com Nancy. 
- Essa foi uma péssima ideia! - ela começou, com a voz reclamona. Cruzou os braços sentindo um pouco de frio e olhou para a pequena mala que seu marido segurava. Ali dentro outro vestido e alguns outros pertences aguardam a hora de seu uso. - Não acredito que você me deixou agir pela euforia do momento, Jonas! - impaciente e procurando sua mãe com os olhos a todo o momento, ela quase sentia os olhos marejarem. Parecia uma menina com medo do mundo. 
Demetria... - Joseph tentou, mas a voz alta de sua esposa o cortou. 
- Isso está lotado! - ela gesticulava na direção em que vários casais, pessoas solitárias e grupos de amigos adentravam pacificamente. - E o que vou cantar? Droga, nem ensaiei nada! - Demetria afundou o rosto nas próprias mãos que se juntaram no formato de uma concha e suspirou profundamente. O homem ao seu lado, vestido impecavelmente com um smoking preto, colocou a mala no chão e passou seus braços pelo corpo que naquele momento parecia tão frágil. Em um gesto carinhoso, beijou sua testa e depois o canto de seus lábios, afastando de seu rosto uma mecha de cabelo que sofria com as conseqüências daquele vento de fim de tarde. 
- Ensaiou sim. Acha que não te ouvi enquanto se trancava no banheiro? - ele confessou com um sorriso fechado. Demetria o olhou aborrecida e logo avistou sua mãe se aproximar. O sorriso tão animado que recebeu só contribuiu para que o nó em sua garganta só fosse cada vez mais reforçado. 
- Vocês querem me matar. - ela comentou olhando para a entrada novamente, tendo uma mão segurada por sua mãe e a outra por Joseph. Quando faltava apenas um passo para que adentrasse o teatro, voltou a congelar e soltou a mão da mãe, apertando a de Joseph e pedindo com olhos piedosos para que ele ficasse ali fora com ela. Sue deu de ombros e avisou que os esperaria ali dentro.Demetria sentia-se a beira da loucura, quase conseguindo enxergar o típico anjinho e o diabinho em cada um de seus ombros. Um dizia para ela adotar a premissa de que abrir os braços diante de um precipício e respirar o ar puro não iria matá-la. Em outras palavras: subir naquele palco e mostrar do que é capaz seria uma das melhores decisões que já tomou em sua vida. O outro fazia questão de lembrar que olhos atentos e maldosos a estariam observando o tempo inteiro, e apenas uma falha era suficiente para colocar seu sonho em risco. 
- Mulher, você vai congelar se continuar aqui fora. Por favor, vamos entrar! - Joseph insistia desesperadamente, esfregando suas mãos pelos braços dela na tentativa de aquecê-la. 
- É essa duvida cruel que me assola. E o que eu vou ganhar com tudo isso? - questionou ao sentia uma lágrima quente correr por sua bochecha. - Vamos para casa, me leve para casa... Quero apenas cuidar dos meus filhos e só! Desisto de cantar, porque essa maldita coisa ruim no estômago vai acabar me fazendo ter um colapso nervoso e... 
Ele a calou com um beijo rápido, porém apaixonado. 
- O que você acha que vai ganhar com isso? - ele perguntou com um sussurro, apressando-se, já que eram os únicos do lado de fora. - Ah, Demi, nada de mais... Só vai realizar um sonho. E, sim, é claro que você vai cuidar dos seus filhos, mas não vou permitir que faça apenas isso a vida inteira. Você merece tantas outras coisas... E eu não vou permitir que ouse se privar, não vou mesmo! 
- Eu te odeio! - ela mentiu ridiculamente, arregalando um pouco os olhos por causa da raiva momentânea e fechando as mãos em punhos. 
- Quando sentir medo, me procure na platéia, bem ao centro, e olhe apenas para mim. Só existiremos nós dois aqui. - Joseph segurou uma de suas mãos e se curvou para beijá-la. - Vá, minhaDemetria, hoje você será uma estrela e nada pode te impedir. 
Desistindo de lutar contra algo que sabia que cederia de um jeito ou de outro, ela puxou bruscamente a mão de Joseph e os dois sumiram pela porta de entrada. Demetria manteve o olhar baixo, evitando examinar o tamanho do local e a quantidade de pessoas que a assistiriam cantar a música que ainda nem tinha escolhido. Ela cruzou um dos corredores, apertando a mão de seu marido, mas sem coragem e nem paciência para virar o rosto e encará-lo. Apenas mais alguns segundos de passos sem direção foram necessários para que ela escutasse seu nome. Ergueu o rosto, assustando-se drasticamente com o que seus olhos enxergavam. A platéia fervia em burburinhos de tantas pessoas. Apenas pouquíssimos lugares permaneciam desocupados. De repente, após sentir um beijo carinhoso em sua orelha, ela estava sozinha. Sozinha no meio de tantas pessoas, porque, o único que a fazia se sentir bem ali, tinha decidido se juntar ao mar de monstros aconchegados naquelas malditas poltronas vermelhas. Com um pé a frente do precipício, pronta para pular no desconhecido, ela correu até Lexi, que a esperava com um sorriso animado e um braço estendido. Assim que agarrou a mão da mulher - que tinha os cabelos presos em um coque impecável, usava um vestido de um rosa forte e bem longo com alças finas e sapatos de salto alto -, sentiu ser puxada na direção de uma escada de madeira e então logo estava nos bastidores. Na coxia. Só então foi se dar conta que seus dedos trêmulos e molhados com um suor frio seguravam violentamente o cabo da mala. 
- Lexi, isso é loucura! - Demetria dizia boquiaberta, encarando pessoas trocando de roupa, fazendo maquiagem e cabelo ou simplesmente ensaiando. Lexi largou sua mão e parou de frente para ela, cruzando os braços e revirando os olhos. - E, afinal, onde está o tal Rusty, responsável por tudo isso? 
- Ele e os sobrinhos não chegaram ainda, mas relaxe. Me dê isso! - a morena tomou sua mala e a jogou em um sofá ao canto, quase acertando um homem que passava correndo. Desculpando-se, ela foi até uma das penteadeiras repletas com todos os acessórios que uma mulher poderia usar e pegou o pequeno recipiente com pó de arroz, segurando a pequena esponja e o ajeitando nas bochechas de Demetria, que a olhava torto. Porém, bem lá no fundo... Ela queria sorrir. Sorrir porque aquilo estava mesmo acontecendo, sorrir porque Lexi conseguiria obrigá-la a fazer isso. 
Um alvoroço ainda maior naquele pequeno espaço as fez perceber que o show estava para começar. Lexi caminhava para lá e para cá, até que estalou os dedos e bateu na própria cabeça. 
- Acho que o meu desespero é contagioso. - Demetria comentava enquanto lutava consigo mesma para não começar a roer uma das unhas. 
- Você sabe o que vai cantar? Vai precisar de um pianista? Ai, meu Deus! Eu deveria ter ficado em casa escrevendo... Ok, brincadeira. Venha, minha estrela, vamos nos divertir essa noite ou eu não me chamo Alexandra Fitzgerald! - a determinação de Lexi obrigou Demetria a colocar um sorriso fingido no rosto e segui-la. Durante o caminho até um homem de meia idade que trabalhava em seu piano, Demetria teve um estalo. Sabia o que queria cantar. E logo o pianista também tinha consciência da música, alegando que daria um jeito de improvisar com a melodia que não conhecia muito bem. 
- Se eu morrer naquele palco, por favor, diga ao Joseph, aos meninos, a minha mãe e... 
- Cale a boca! - Lexi segurou seus dois ombros e se controlava para não dar pulinhos animados quando percebeu que as luzes centrais do palco se apagaram e as cortinas logo abririam. - Divirta-se! Eles não conhecem seu rosto, mas garanto que querem ouvir sua voz. 
- O quê? - Demetria recuou um passo, arregalando os olhos e sentindo o corpo mole pela sensação iminente de que pararia de respirar a qualquer momento, o frio insuportável gelava sua alma. - Sou a primeira? Não, não, não! 
Mas ela já era empurrada na direção de uma pequena escadinha de três degraus. Um microfone fora colocado em sua mão e, sem que tivesse noção dos próprios passos, percebeu já se encontrar no centro do palco escuro. 
Era absurdo e surreal demais. Um dia estava simplesmente fazendo Yoga com uma amiga e ninando seu filho... No outro abriria um evento que só deveria contar com talentos natos? 
Demetria sentiu-se o ser mais ridículo da face da Terra. 
Mas foi capaz de salvar a vida do homem que amava, foi capaz de lutar contra o mal que tantas pessoas tentaram causar em sua vida. Foi capaz de superar tragédias insuperáveis e sorrir mesmo quando a única vontade era de chorar. Então... Por que não seria capaz de cantar? 
As cortinas lentamente se abriram e luzes azuladas e brilhantes surgiram atrás de si. 
Um poderoso holofote estrategicamente colocado bem ao centro, próximo ao teto tão longe do chão, cegou seus olhos por um instante. Seu coração bateu como nunca antes e aplausos de arrepiar surgiam de todos os cantos, atingindo sua audição poderosamente e tornando suas bochechas mais uma vez ruborizadas. O pianista já estava pronto em seu banco de madeira e os dedos colocados sobre as teclas, apenas esperava o sinal dela parar começar. Demetria sorriu, mesmo que gritasse por dentro e respirou fundo, conseguindo enxergar Joseph e sua mãe em uma fileira distante bem ao meio daquela platéia. O homem de sua vida estava ali, ela não tinha nada a temer. 
Com um aceno breve de cabeça, ela permitiu que a melodia delicada do piano começasse a soar, e no mesmo instante as luzes diminuíram. A mulher aproximou o microfone de seus lábios e se deixou levar. O silêncio intocável daqueles que escolheram apenas fitá-la curiosos fora a deixa para começar seu show. 
(Coloque a segunda música para tocar!)

My mother bought it second hand
(Minha mãe comprou de segunda mão)
From a silent movie star
(De uma estrela do cinema mudo)
It was out of tune
(Estava desafinado)
But still I learned to play.
(Mas ainda assim aprendi a tocar.)

Com uma afinação impecável, que surpreenderia qualquer um que descobrisse que ela não tinha se preparado para aquilo, Demetria abriu os olhos e assistiu seu medo escapar, evaporando e deixando-a em paz. Apertou o microfone intensamente com uma mão e manteve a outra sobre seu peito, conseguindo sentir seu coração tão descontrolado e... Aquecido.

And with each note we both would smile
(E a cada nota, ambas sorríamos)
Forgetting who we are
(Esquecíamos quem éramos)
And all the pain 
(E toda a dor)
Would simply fly away.
(Simplesmente ia embora.)

Ali, naquele palco, ela conseguia sentir-se uma nova pessoa. Os medos e inibições não fariam parte de seu corpo enquanto continuasse a fazer o que tanto gostava. Enquanto desse a chance a si mesma de ser apenas uma mulher sonhadora, que sempre procurava enxergar o lado bonito das coisas. Aquele, sem sombra de dúvidas, era um dos momentos mais memoráveis de sua curta vida. Conseguia se imaginar com cabelos brancos, sentada em uma cadeira de balanço e descrevendo a felicidade que sentiu naquele dia a seus netos curiosos. 

Something second hand and broken
(Algo de segunda mão e quebrado)
Still can make a pretty sound
(Ainda consegue fazer um som bonito)
Even if it doesn't have a place to live
(Mesmo que não tenha um lugar para viver.)

Oh, the words were left unspoken
(Oh, palavras não foram ditas)
When my momma came around
(Quando minha mãe veio)
But that secondhand white baby grand
(Mas aquele piano branco de segunda mão)
Still had something beautiful to give...
(Ainda tinha algo lindo para dar...)

Ela sabia o verso que viria a seguir, era algo lhe exigia muito. Mas, sem hesitar, tratou de preparar a garganta e voltou a fechar os olhos antes de abri-los novamente e encontrar nada mais, nada menos, do que aquele que conseguia amenizar qualquer dor, acalmar qualquer tormenta e fazê-la sorrir feito uma boba apaixonada. A letra daquela música tinha um significado especial para Demetria, algo não muito difícil de notar. 

Through missing keys and broken strings
(Por notas faltando e cordas quebradas)
The music was our own
(A música era nossa)
Until the day we said our last goodbyes
(Até o dia em que dissemos nosso último adeus)

The baby grand was sent away
(O piano foi levado embora)
A child all alone
(Uma criança sozinha)
To pray somebody else would realize.
(Rezando para alguém perceber.)

Sua voz envolvia a audição de seus espectadores como um abraço reconfortante e totalmente puro. Aqueles diversos pares de olhos não enxergavam nada mais do que uma estranha que tentava trilhar seu caminho, mas algo em seu jeito doce tocou a todos. E nenhum olhar ousava se desviar dos movimentos daquele corpo que ia leve como uma pluma de um lado para outro. Sua voz era suave como uma tarde no campo, majestosa como uma tempestade de verão. Atingia tons cada vez mais impressionantes, seus olhos lacrimejavam de emoção. Para Demetria era como se lançar ao bom desconhecido. Medo pela dúvida, felicidade pela expectativa. Realização pelo resultado. 

- Sue, com todo o respeito do mundo: você tem uma bela filha. Aliás, bela é pouco, muito pouco... - Joseph comentava baixinho com a sogra ao seu lado. Não era possível distinguir quem estava mais maravilhado. Sue sentia o orgulho de mãe enfurecido dentro de seu peito. Joseph sentia a paixão por aquela mulher queimar incontrolável, correr por suas veias e obrigá-lo a ficar sorrindo até que os cantos de sua boca doessem. - Querido, você já está casado com minha filha. Um genro tenta ganhar sua sogra antes desse processo... - os dois apenas riram e voltaram a prestar atenção em Demetria, que deu alguns passos tímidos e incertos para trás e encostou-se ao piano. 

For many years the music had to roam
(Por muitos anos a música teve que vagar)
Until we found a way to find a home.
(Até acharmos um jeito de achar um lar)
So now I wake up every day
(Então agora eu acordo todos os dias)
And see her standing there.
(E o vejo parado lá)
Just waiting for a partner to compose
(Esperando por um parceiro para compor

And I wish my mother still could hear
(E gostaria que minha mãe ainda pudesse ouvir)
That sound beyond compare
(Aquele som sem comparação)
I'll play her song till everybody knows.
(Eu tocarei a música dela até que todos saibam.

Cansada de se esconder nas sombras que se formavam sobre seu corpo, ela chocou o salto dos sapatos contra aquele chão de madeira polida e caminhou destemida e exuberante até a ponta do palco, bem ao centro. De onde poderia ser vista por quem quisesse continuar a vê-la. 

That something secondhand and broken
(Que algo de segunda mão e quebrado)
Still can make a pretty sound
(Ainda consegue fazer um som bonito)
Don't we all deserve a family room to live?
(Todos nós não merecemos um ambiente familiar para viver?)

Oh. the words can't stay unspoken
(Oh, as palavras não podem ficar sem serem ditas)
Until everyone has found
(Até que todos descubram)
That Secondhand White Baby Grand
(Que aquele piano branco de segunda mão)
That still has something beautiful to give
(Ainda tem algo lindo para dar)
I still have something beautiful to give.
(Eu ainda tenho algo lindo para dar.)

Obviamente, ela foi aplaudida por todos. Apenas uma pessoa ou outra se levantou durante o momento, afinal, ela ainda estava de ser uma majestosa estrela, mas saber que arriscar não lhe arrancou um pedaço foi o suficiente para que Demetria agradecesse satisfeita consigo mesma e com um enorme sorriso. Desistindo de continuar a fingir que não vibrava de nervosismo, saiu correndo de volta à coxia. 
Ali, Lexi a esperava totalmente emocionada e alegre. Demetria teve que esconder o espanto que sentiu ao ser abraçada pela mesma. Enquanto as apresentações seguintes eram iniciadas, as duas permaneceram circulando pelos bastidores até que Cameron surgiu e Lexi correu imediatamente ao seu encontro, trazendo o namorado para perto. Como Demetria não sentia mais qualquer tipo de desconforto na presença dele, sorriu amigável e participou de uma conversa a três que durou até que a mulher enxergou um rosto tão conhecido surgir no meio de todos os outros. Demetria deixou Lexi e Cam de lado e foi as pressas para perto de Joseph, jogando-se em seus braços e soltando um gritinho agoniado quando percebeu estar sendo erguida no ar. Talvez, ainda enfeitiçado demais pelo desempenho de sua mulher, ele nem se deu ao luxo de fazer cara feia para Wolfe. Apenas cumprimentou o casal com um gesto singelo de cabeça e voltou a dedicar toda a sua atenção a única pessoa ali que julgou ser merecedora. 
- Foi muito ruim? - Demetria perguntou envergonhada, com o corpo colado ao dele e com os dedos presos em sua gravata. 
- Olha... - ele tentou responder, mas riu maroto e negou com a cabeça. - Espere... Não sei se consigo responder, estou ocupado me apaixonando novamente por você. - e com essa frase, ele percebeu que tudo que ela queria naquele momento era um beijo cheio de fogo. Sem qualquer romantismo, apenas fogo. 
E os dois até teriam se beijado se três presenças chamativas não fossem notadas com receio no recinto. 
Salut mes chéries! (Olá, meus queridos!) - uma voz masculina e grossa, carregada com um potente sotaque francês soou pela ambiente, e logo todos conseguiram avistar um homem alto, cabelos loiros e olhos azuis acinzentados. Seu corpo era coberto por um terno roxo muito extravagante, mas seu gesto charmoso e cavalheiro ao sair beijando as mãos de todas as mulheres presentes era o que mais atraia a atenção. Cameron e Joseph, deixados de lado por um instante, olhavam enciumados para a cena de suas mulheres sendo galanteadas pelo ser de aparência excêntrica. - Você! - ele parou de supetão a frente de Demetria, a assustando um pouco. Jonas encarava tudo com olhos atentos. - Oh, desculpe minha falta de educação. - uma curta reverência fora feita. - Bonsoir, mademoiselle! (Boa noite, senhorita!) - com um sorriso de canto, ele voltou a posição normal e se dispôs a parabenizar Demetria, que tinha as bochechas ruborizadas. Pelo pouco de francês que conhecia graças a sua família, imaginou que ele deveria dizer "madame (senhora)" ao invés de "mademoiselle". Afinal, ela era casada! Enquanto trocava um olhar de socorro com Lexi, que escondia o rosto diversas vezes no peitoral de Cameron para segurar um riso, Rusty voltou a falar animadamente. - Meu nome é Rusty Blanchett e você deve ser Demetria... 
Jonas! - Joseph respondeu em alto e bom som, orgulhoso. Ajeitou sua gravata e olhou para o homem como se quisesse transmitir um alerta de perigo. 
- Você é o dono dela, rapaz? Parabéns, parabéns! Essa moça tem uma voz maravilhosa, um rosto muito bonito e um corpo excelente. - Rusty caminhou até Joseph, aproximando-se um pouco para falar baixo: - Estou com inveja de você! - pena que Jonas não era do tipo que aceitava de boa vontade brincadeiras como aquela. Seu semblante permaneceu fechado enquanto Demetria tentava não rir loucamente da situação geral. 
- Tio Rusty? Tio Rusty, onde você está? - a voz de uma mulher apresentou-se a todos. E tudo continuaria da mesma forma se não fosse pela dona da mesma: Valerie
A mulher de ombros erguidos e rosto sempre sorridente adentrou o lugar, ajeitando de forma descarada o decote de seu vestido preto de seda e com mangas parcialmente curtas. Em seu encalço, surgiu um rapaz que também trajava um smoking e usava óculos de grau, mesmo que provavelmente não precisasse deles. Sean. 
- Valerie, querida, até que enfim. - um empolgado Rusty foi de encontro aos sobrinhos e os cumprimentou com abraços. Valerie revirou os olhos e Sean parecia desconfortável. Logo se afastou e foi para perto de Lexi, trocando um simples cumprimento com Demetria. 
Mas algo estava errado! 
Sean era o homem que insistiu em conhecer os talentos de Demetria. Valerie era a mulher que tentou corromper o bom senso de Joseph. Sean e Valerie eram irmãos, porém... Joseph e Demetria não sabiam disso. 
Os dois trocaram olhares confusos, até que Valerie adotou um sorriso simpático e, com uma tremenda cara de pau, aproximou-se primeiro de Demetria, lhe cumprimentando com dois beijos no rosto. Consternada, Demetria segurou com força a saia de seu vestido, fechando os olhos ao assistir a loira chegar bem perto de Joseph e tentar fazer o mesmo, mas o mesmo recuou um passo e apenas fingiu um sorriso vagabundo. 
Aquele lugar poderia pegar fogo a qualquer momento. 
Um clima de suspense digno de um filme em preto e branco, com sua trilha sonora agonizante perambulava pelos corpos daqueles que trocavam olhares discretos entre si. Rusty sorria simpático. Lexi e Cameron apenas tentavam não gargalhar. Valerie sustentava a pose de víbora enrustida. Sean já tinha saído para conversar com um amigo. Demetria e Joseph queriam fugir dali. 
- Lexi, chérie, venha aqui! - Rusty chamou a morena, que se aproximou e foi abraçada de lado pelo homem de terno roxo. - Primeiramente, quero te agradecer por monitorar tudo isso tão bem enquanto não pude chegar. E pode ter certeza de que, se o meu musical progredir, em breve estaremos brilhando na Broadway
Valerie arregalou os olhos ao ouvir aquilo e olhou de soslaio para Joseph. 
- Tio Rusty! - ela o chamou com uma voz manhosa, esbarrando seu ombro no de Demetria de propósito ao passar pela mulher. - Podemos fazer uma coisa no próximo intervalo? 
- Depende, Valerie, depende. - Rusty respondeu impaciente. 
- Ei, Lexi e... Demetria... - a loira as chamou com o dedo indicador. - O que acham de um desafio? - sem saber o que dizer, Demetria abraçou os próprios braços e percebeu seu marido se aproximar, pendurando seu smoking nos ombros dela. A sensação de inércia a deixava desabilitada a tentar responder algo coerente. 
- Eu topo! - Lexi deu um passo a frente, colocando as duas mãos na cintura. 
- Conhecem Cell Block Tango? - Valerie retirou um batom de sua pequena bolsa e retocou seus lábios rapidamente. Após guardá-lo, ela apoiou o corpo em uma das penteadeiras e ficou batendo o salto de seu sapato contra a parede. Os olhares pecaminosos que lançava para Joseph começavam a fazer o sangue de Demetria ferver. 
- Por favor, não diga que você quer cantar Cell Block Tango em um dos intervalos! - Lexi comentou irritada, estendendo as mãos no ar e enrugando a testa. Era algo impossível! - Como pretende algo assim para compartilhar com todas aquelas pessoas, sendo que nem sequer ensaiou? 
- Minha querida, quem tem talento não precisa de ensaio. E creio que todas aqui conhecem muito bem o musical Chicago. Se não conseguir lidar com a pressão, improvise. Certo, Demetria? Todos olharam para Demetria, que engoliu em seco e retirou o smoking de Joseph de uma forma abrupta, o devolvendo para seu marido. Seu semblante era duro e desafiador. O momento era tão assustador, que Cameron se esqueceu por um instante de todos os poréns com Joseph e os dois trocaram um olhar amedrontado. Homens se assustam quando mulheres se alfinetam com olhares mortais como aqueles. Lexi deu de ombros e concordou com a cabeça, alegando que se era o que Valerie queria, era o que Valerie teria. - Você permitiria que ela fizesse isso, Joseph? - outro olhar sedutor fora lançado ao homem, que coçou a nuca e torcia incessantemente para ir logo para casa. Vendo que ele não respondeu, ela insistiu em provocar o casal. - Vamos, Demetria, vai ficar só olhando ou vai arriscar ser um pouquinho humilhada? 
- Humilhada? - Demetria deu um passo, ficando frente a frente com Valerie. Seus olhos pareciam pegar fogo, e ela não queria demonstrar estar abalada. Esqueceu-se do estado caótico em que ficou ao ver seu marido sumir de vista com aquela mulher. Sorriu diabolicamente e ergueu uma sobrancelha. - Veremos quem será humilhada! - a adrenalina provocada pelo desafio de calar a boca daquela oportunista a fez virar o corpo bruscamente e ir à busca de sua mala. - É hora do show! - a loira pronunciou mais como uma ameaça do que como um simples aviso. Rusty apenas aplaudiu tudo aquilo como se fosse um grande espetáculo e disse que elas poderiam fazer o que quisessem. 
Lexi se arrumava em uma cabine, assim como Valerie. Joseph caminhou até uma Demetria focada em conseguir retirar um vestido preto de dentro da mala. 
Demi... Você não acha que já chega? Que tal irmos para outro lugar? 
- Não! - ela disse alto, segurando o vestido e lançando-lhe um olhar provocante. - Joseph, me escute: - aproximou-se mais, segurando seu rosto com uma das mãos quentes. - Vou fazer você perceber que fez bem em ter voltado para casa naquela noite. - tendo noção de que ele sabia a qual noite ela estava se referindo, Demetria saiu andando sedutoramente e trancou-se também em uma das cabines. 
Dentro de um hospício, ninguém liga em parecer um pouco louco. Se aquela noite já parecia de pernas para o ar o suficiente, por que não tornar tudo ainda mais... Medonho? 

Na platéia, Joseph comentava com Sue sobre como aquela noite parecia errada. Ele conseguia ouvir as conversas vagas de Cameron e Sean, sentados uma fileira acima. Estranhou o fato de Demetria conhecer e não odiar o irmão de Valerie, mas esse era um assunto que não deveria ser tratado ali. Quando os burburinhos cessaram, as luzes se apagaram por um instante e apenas uma única e vermelha revelou-se no centro do palco, cujas cortinas se abriram rapidamente. 
(Coloque a terceira música para tocar!)

As sombras de cinco mulheres foram materializadas no chão de madeira, e uma batida reconhecida pelos ouvidos de alguns começou a tocar. 

Pop
A imagem de Lexi fora revelada.

Six
A imagem de uma das atrizes do evento fora revelada.

Squish
A imagem de Valerie fora revelada.

Uh uh
A imagem de outra das atrizes fora revelada. 

Cicero
A imagem de Demetria fora revelada. 
Joseph sentiu arrepios por todo o corpo, de repente desconfortável dentro das próprias calças. Provavelmente os outros homens por ali sentiam o mesmo. 

Lipschitz!
E a imagem de uma terceira atriz a parte surgiu, finalizando a primeira seqüência daquela apresentação improvisada. 

Enquanto cada mulher tratava de interpretar sua parte com notável empenho, a platéia parecia entretida e até mesmo bem humorada. O entrosamento entre Lexi e as outras duas atrizes eram comum, elas apenas ficavam andando de um lado para o outro do palco enquanto faziam caras e bocas. Em certo momento, em que todas deveriam cantar juntas, Demetria veio de um canto e Valerie do outro. As duas se aproximaram, olhando uma nos olhos da outra. As vozes mais fortes eram as delas, ofuscavam completamente as outras. Mesmo que ninguém naquela platéia tivesse a mísera capacidade de captar a formação de uma guerra a cada novo movimento daquelas duas, elas não se importavam. Valerie tentava forçar sua garganta a produzir vocais cada vez mais altos, na tentativa de conseguir ultrapassar os de Demetria. A mesma, por mais que ainda não acreditasse que a loira podia cantar e espantada com toda a petulância que era obrigada a presenciar, esqueceu-se completamente que tinha todos aqueles espectadores. Ela queria apenas mostrar a mulher que tentou acabar com seu casamento que não era uma mosca morta. 
Era fácil reconhecer que Demetria era o ser mais vivo por ali, o que mais se entregava em seu canto. Assistindo da platéia, Sue ria e fazia comentários maldosos sobre Valerie, enquanto Joseph limpava o suor da testa e se perguntava se aquelas duas não acabariam matando uma a outra até o fim da música. Os lábios das duas expeliam letras de uma música, mas seus olhares trocavam ameaças das mais variadas. Elas pareciam conversar através de pensamentos raivosos, duas leoas brigando por um território, brigando pela pose de um leão. O corpo de uma empurrava disfarçadamente o da outra enquanto elas tentavam fingir que nada estava acontecendo. Demetria sorriu durante sua vez de cantar novamente e sentiu a loira segurar seu braço com força, o puxando com violência e dando um passo para trás na tentativa de manter o equilíbrio. 
Seu sangue borbulhava em fúria por suas veias que pareciam finas demais para aguentar toda aquela pressão. Era hora de parar, era hora de ligar as luzes e voltar para sua realidade. Não queria brigar com aquela maldita em cima de um palco. Não era esse tipo de mulher e nunca seria. Acreditava que Valerie já tinha constatado que não estava lidando com alguém sem forças para cuidar do que era seu. Mas se continuasse a colocar lenha na fogueira, poderia começar algo que não terminaria tão cedo. Ela já estava irritada e sem paciência. Deleitou-se com a sensação de como era ser aplaudida de forma tão caprichada. Deleitou-se com a impressão de estar realizando algo que vivia esperando desde que ainda brincava com suas bonecas. Deleitou-se com o poder de ser alguém totalmente destemido por pelo menos uma vez na vida. Alguém que não sentia a obrigação de temer qualquer coisa, qualquer ser, qualquer situação. 
Mas era hora de parar. 
Demetria jogou para trás uma mecha de cabelo - que se grudava em seu rosto um pouco suado - e respirou aliviada de maneira disfarçada quando percebeu que a música acabava. Como a original era grande demais, uma leve adaptação fora feita. 
O último ato, por assim dizer. As cinco pararam juntas no centro e aproximaram seus corpos, finalizando então algo que nem deveria ter sido iniciado. 

It was a murder, but not a crime!


Demetria's P.O.V

Nunca pensei que caminhar durante a noite e respirar aquele ar frio pudesse fazer tão bem. Após deixarmos mamãe em casa, pois ele já parecia bem cansada, Joseph sugeriu que saíssemos novamente. Nem nos demos ao trabalho de trocar de roupa, apenas nos entregamos às ruas parcialmente escuras daquele começo de final de semana. Em silêncio, eu apenas aproveitava o toque aquecido de seus dedos firmes sobre os meus frágeis. Ele não queria dizer onde estávamos indo, e eu sabia que poderia esperar alguma surpresa... Ele era sempre assim. Por vezes eu gostaria de ter o poder de saber tudo que se passava pela cabeça daquele homem. Ele tinha ideias, pensamentos e palavras que tinham o poder de me deixar abestalhada, sem saber definir se estava vivendo um sonho, uma loucura de uma mente doentia ou a realidade. E eu tinha sorte de poder realizar que a terceira opção era a que se encaixava. 
- Falta muito? - perguntei com a voz chorosa feito a de uma criança irritada porque não ganhou o presente que queria no Natal. 
- Não, estamos perto. - ele respondeu simplesmente, com os olhos firmes no caminho que fazia. 
- Está tarde, minhas pernas doem. Tudo que mais desejo agora é largar meu corpo em uma banheira cheia de espuma e tomar uma generosa taça de vinho. 
- Tentador, realmente muito tentador, mas precisamos fazer uma coisa primeiro. 
- Ah, e ouvir uma boa música clássica. Me sentir como aquelas mulheres dos filmes antigos. - ignorei seu conselho e continuei a resmungar sozinha, feito uma velha rabugenta. 
- O que aconteceu para você estar focada em relacionar tudo com filmes antigos? - Joe comentou de bom humor e nós viramos uma esquina, parando no meio de uma rua vazia cujo sinal estava vermelho. Ele me fez parar e olhou para os dois lados, como se quisesse se certificar de que nenhum veículo surgiria. 
- Por que me olha assim? - perguntei encabulada com os globos oculares verdes que pareciam querer arrancar um pedaço do meu corpo, tamanha a intensidade que me analisavam. 
- Dane-se a Valerie e qualquer outra que tentar se comparar a você. Na hora de enxergar qualquer uma delas, finjo que sou cego. - franzi o cenho e tentei entender porque ele estava dizendo aquilo, apesar de não poder negar que o som daquelas palavras fora mais do que delicioso. Uma parte de mim não queria lembrar daquela noite. Sentia-me estúpida de certo modo, talvez tivesse ariscado demais. Quem eu achava que era parar subir naquele palco e bancar uma diva? Eu tinha medo daquele mundo, medo de expor demais minha vida. Medo de perder meu verdadeiro eu e nunca mais conseguir encontrá-lo. 
Respondi suas boas palavras com beijos e nós continuamos a andar. Alguns minutos mais tarde, Joe parou em frente ao que parecia ser uma pequena fábrica abandonada e retirou uma chave dourada do bolso de sua calça preta, abrindo um enorme portão de metal e entrando ali. Ao perceber que eu preferia esperá-lo do lado de fora, mordeu o lábio inferior e sumiu de minha visão. Desejando estar com seu smoking sobre meus ombros novamente, abracei meu tronco e tive apenas tempo de empurrar meu corpo para o lado e gritar de susto quando um carro em uma velocidade consideravelmente alta saiu por aquela porta, indo parar no meio da rua, dando ré e estacionando ao meu lado. Boquiaberta e com a sensação do coração estar batendo na garganta, me aproximei lentamente do carro, o tocando e me perguntando qual seria a insanidade seguinte naquela longa noite. Era um conversível preto e lustroso, provavelmente dos anos 60 ou 70. Semelhante àqueles dos filmes, que seus donos usam jaquetas de couro e cabelos com brilhantina. 
- Onde você conseguiu isso? - ainda atônita, dei meia volta e tratei de entrar pelo outro lado. Olhando tudo ao meu redor como se nunca estivesse permanecido por mais de cinco segundos dentro de um carro. 
- Esse era o carro que eu dirigia quando era um adolescente desprezível. - Joseph contou e saiu do veículo, praticamente correu até a porta de metal e a fechou devidamente. Sem se importar, ela tomou impulso e retornou para o conversível pulando a porta. Como um adolescente despreocupado com qualquer assunto do mundo. - Vamos lá... - ele disse ansioso, o vento batendo contra os cabelos em sua testa. - Se é que eu ainda lembro como dirigir essa coisa! - ri de seu semblante confuso e apenas assisti tudo ao redor enquanto passeávamos por aquelas ruas. O vento forte batendo contra meu rosto e esvoaçando meus cabelos era o que proporcionava aquela sensação simples de liberdade. O desejo de ser jovem para sempre e não precisar temer a ninguém.
Joe ligou o rádio e instantaneamente olhou para mim. Uma das melhores sensações do mundo é ser surpreendida quando uma de suas músicas favoritas começa a tocar de repente em algum lugar.Satisfaction dos Rolling Stones começava, e aquela batida tão inconfundível me obrigou a abrir os braços no ar e rir feito uma idiota. 
- Droga, eu amo essa música! - praticamente gritei, balançando a cabeça no ritmo. 
- Ah, nostalgia... - Joseph disse simplesmente, com os olhos perdidos em algo que não consegui enxergar. 
- Como pode sentir nostalgia se odiava sua adolescência? 
- Existiram momentos bons quando eu pegava esse carro, mandava tudo e todos para o inferno, acendia um cigarro e dirigia ouvindo esse tipo de música por horas. Ninguém por perto, ninguém para julgar minhas atitudes impróprias. - percebendo que a conversa estava prestes a alcançar um tom melancólico novamente, interrompi seu monólogo e disparei a cantar desafinado mesmo, pouco me importava. 
'Cause I try and I try and I try and I try... - balançando o tronco e ignorando suas risadas pelo meu jeito louco de cantar, apontei o dedo indicar em sua direção.
I can't get no, I can't get no... - ele começou desafinado, acabando completamente com o encanto que sua voz rouca e máscula possuía. Definitivamente, o mundo da música seria um lugar melhor sem Joseph Jonas. - When I'm watchin' my TV and that man comes on to tell me how white my shirts can be. But he can't be a man 'cause he doesn't smoke the same cigarettes as me!
I can't get no, oh, no, no, no!
Hey, hey, hey, that's what I say! - cantamos aquela parte juntos, estendendo nossas mãos e fazendo um high five desapropriado, parecia até que estávamos bêbados, mas ninguém ao redor parecia se importar. Enquanto a cidade dormia e se prepara para mais um longo dia, nós apenas demonstramos quanto estávamos agradecidos por continuar a respirar. 

(Coloque a quarta e última música para tocar!)
Meu marido, adorando a pose de rebelde que escolheu adotar naquela noite, vasculhou o porta-luvas e tirou dali uma caneta e um pedaço de papel, jogando ambos em meu colo. O olhei em duvida. 
- O que você quer que eu escreva? 
- Escreva previsões para o restante de sua vida. Escreva o que você mais almeja e o que mais teme. Eu já escrevi e estou apenas te esperando, Demi. - concordando, rapidamente escrevi, escondendo a folha durante as vezes em que ele tentava enxergar. Após isso, ele voltou a dirigir com os olhos atentos na estrada e estacionou próximo ao Hyde Park, onde tive que descer e acompanhá-lo em mais uma caminhada. Meus pés reclamavam loucamente. Joe segurou nossos dois papéis e se aproximou de uma gigantesca árvore. Em seu tronco grosso, percebi que algumas falhas na madeira possibilitavam que um pedaço se soltasse, revelando um pequeno compartimento. - Não acredito que ainda está aqui! - sorrindo, ele retirou dali de dentro um pedaço de papel amarelado e amassado e o entregou para mim. Mesmo tentada a abri-lo, esperei que ele escondesse nossos dois papéis ali dentro e voltasse a fechar a madeira. Afinal, o que ele pretendia? 
- Quantas vezes precisarei dizer que você é louco? 
- Apenas abra o papel, Demetria. 
E então eu o abri. Apenas uma palavra escrita. 
"Viver
- Viver? - indaguei, olhando-o nos olhos. 
- Quando era adolescente, as coisas eram tão difíceis que eu temia não conseguir ver o próximo sol nascer. Hoje me preocupo com tanto, faço questão de me lamentar só porque não consigo me sentir feliz todos os dias... Mas compare as coisas. Antigamente, tudo que eu queria era viver. Tudo que eu queria era sempre ter mais um dia. 
- E você conseguiu. 
- Mas viver também era o meu maior medo, porque nunca sabia muito bem do que seria capaz no momento seguinte. 
Saímos do parque e voltamos para o conversível, onde ele indicou o capô. Passei por Joseph e tomei impulso para me sentar sobre o mesmo, subindo um pouco a saia do vestido preto e o assistindo colocar seu corpo entre minhas pernas. Parecíamos dentro de uma cidade fantasma. O clima era uma mistura de frio com calor, a atmosfera era pesada... Mas mesmo assim proveitosa. Dava gosto respirar aquele ar, e eu nem sabia dizer o motivo. Recebendo um sorriso enviesado daquele homem que cada dia revelava ser mais misterioso e mais apaixonante, segurei os cabelos de sua nuca com uma das mãos e o puxei. Queria sentir seus lábios, seu gosto. Apenas isso. Nos beijamos por algum tempo, aproveitando e provocando um ao outro. Eu nunca me cansaria de beijá-lo. Meu homem, meu melhor amigo, pai dos meus filhos. Meu bad boy... Meu amor malvado e delicioso. 
- Sabe o que eu percebi hoje? - ele soprou perto de meus lábios que formigavam e ainda se acostumavam com a repentina falta dos seus. - Que tenho uma mulher maravilhosa demais ao meu lado para ficar remoendo porcarias antigas. Só pelo fato de você me permitir abraçar sua cintura, eu já deveria sorrir. - seus lábios beijaram um dos meus ombros descobertos. - Então, meu amor, estamos juntos. Estamos juntos em tudo que acontecer. - entrelacei os dedos de nossas mãos esquerdas e apreciei o brilho das alianças que refletiam juntas em meio àquela quase total escuridão. E essa falta de luz em abundância só deixava seus olhos mais perigosos e galanteadores. - Parceiros no amor, na cama, na vida e, caso necessário... No crime. - ri maliciosamente, mordendo meu lábio inferior e o deixando desconcertado com um simples olhar. O silêncio era a nossa trilha sonora. Naquele momento, sim, parecíamos dois personagens de um típico filme noir, só o que faltava mesmo era um cigarro pendurado em seus lábios, mas disso eu não fazia a mínima questão. Abraçando-o pelo ombro, aproximei minha boca de seu ouvido e soltei minha voz embargada por uma mistura de sentimentos variados. 
'Cuz history is made at night, so close the books, turn off the lights and listen. - acariciando os cabelos de sua nuca, senti quando eles se arrepiaram ao me ouvir cantar. Suas mãos enlaçaram minha cintura e seu corpo tomou impulso para trás. Obrigando-me a levantar e roçando a ponta de nossos narizes. Joseph soltou meu corpo exausto e segurou apenas minha mão, a erguendo e girando meu corpo, o tomando novamente em seus braços depois. - Let my heart be the teacher. No one here to disapprove as we review the lessons you've been missing. Let the moon be our only light, 'cuz history is made at night. Yes, our history was made at night
- Morri e estou no paraíso, minha dama? Porque é o que parece. - o homem a minha frente pareceu mesmo adotar uma pose de cavalheiro dos tempos antigos, e cada vez mais me sentia como se tivesse entrado em uma maquina do tempo e mergulhado nos anos dourados. Encenávamos os dois protagonistas de um romance épico. 
- Acho que a partir de agora vou cantar apenas para os meninos dormirem, e no seu ouvido. 
Um trovão repentino anunciou a tempestade que se aproximava. Olhamos juntos para o céu e depois um para o outro, levemente aborrecidos.
- Aquela banheira cheia de espuma e o vinho ainda estão disponíveis? 
- Siga-me, bom rapaz. 


Não sabia muito bem se preferia fingir que toda a noite anterior tinha sido apenas um sonho confuso e diferente, ou só aceitava que tudo realmente havia acontecido. Algo naquela manhã, apesar de ter dormido muito tarde, me obrigou a levantar cedo, junto com o sol. Sendo o único ser acordado na casa, caminhei como um fantasma até a cozinha, totalmente faminta. Vestia um largo e fechado suéter rosê de lã, que caia por um dos meus ombros e deixava a alcinha branca do sutiã aparecendo. Um shorts de tecido leve, branco e confortável que era quase coberto pelo suéter e meias brancas que iam até o meio de minhas coxas. Ou seja: parecia uma adolescente que não sabia escolher entre ser sexy ou fofa. Fiz omelete e café, enrolando na bancada enquanto comia, percebendo que a hora não passava. Torcendo para que pelo menos Matthew acordasse, para que eu tivesse algo mais proveitoso a fazer. 
De repente, assustando-me um pouco, identifiquei um som se aproximar aos poucos. Parecia o toque estridente e delicado da música que escapa por uma caixinha de música. Rapidamente virei o pescoço e aliviei a tensão nos ombros quando percebi que era minha mãe. Trocamos apenas um bom dia quase inaudível e ela se sentou ao meu lado, apenas pegando um pouco de café. Com o cotovelo apoiado na mesa e uma mão sustentando o peso de minha cabeça, fiquei encarando distraidamente a caixinha de música que ela colocou sobre a mesa. Bem que dizem que mães guardam quase tudo que pertenceu a seus filhos. Perguntei-me se faria o mesmo com as coisinhas de Matthew. 
Mamãe percebeu que meus olhos não se desgrudavam do objeto e o abriu novamente, dando corda, deixando que uma delicada e pequena bailarina mecânica colocasse seu corpo para fora e abrisse lentamente os braços, seu único propósito era rodopiar e rodopiar até que seu dono se cansasse daquela música. 
- Aos 14 anos, ou algo assim, você dizia ser essa bailarina. - minha mãe começou a dizer, atraindo minha atenção para seu rosto um pouco marcado pelas linhas do tempo. - Sempre com a mesma direção, cansada de não ver nada de novo e incrível acontecendo em sua vida. 
- Às vezes acho que eu era mais destemida com 14 anos do que sou agora. 
- Você é exatamente como imaginei que seria assim que te segurei em meus braços pela primeira vez. - sorri sem mostrar os dentes e ela colocou sua mão sobre a minha, que estava apoiada na bancada. Deveria contar a ela o que andava acontecendo? Mencionar os fatos relacionados com meu odiado pai faria alguma diferença? O que ela poderia fazer a não ser sentir raiva e não conseguir em paz por medo de algo acontecer comigo? Não, era errado falar. Mas parecia estritamente necessário. 
- Mãe... - a chamei bem baixinho, recolhendo minha mão e suspirando antes de continuar. - Ele vai tentar algo contra nós novamente. 
Em silêncio, ela não precisou de mais nada para entender do que eu falava. Seus dedos apertaram com raiva a xícara de café. 
- Não, ele não vai. - ela sussurrou, como se dissesse palavras proibidas a outros ouvidos que não fossem os meus. 
- Como sabe? 
- Porque está na hora de acabar com o falso poder que aquele miserável acredita ter. - seus olhos brilhavam intensamente. - Você provavelmente não sabe como, mas não se preocupe, querida. Eu sei. Estou guardando um segredo por anos, esperando esse momento chegar por anos! 
Ela parecia tão certa de suas palavras, que não tive forças para objeções. Sorrimos cúmplices e uma nova chama de esperança foi acessa. Esperança e vingança. 

¹ - Filme noir é um estilo de filme primariamente associado a filmes policiais, que retrata seus personagens principais num mundo cínico e antipático. O Film noir é derivado dos romances de suspense da época da Grande Depressão. Fonte: Wikipédia.



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