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quarta-feira, 1 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 10

Fato oculto
(Músicas do capítulo: Kiss Me do Ed Sheeran, You Don't Know Me do Michael Bublé e Only One do Alex Band. Se possível, deixe todas carregando e coloque uma a uma para tocar quando cada aviso surgir.)



As asas azuladas de uma borboleta foram cessando seus movimentos contínuos aos poucos, até que ela finalmente se acomodou em um dos cantos de uma extensa janela de vidro, ficando paralisada. Até parecia estar conseguindo enxergar os olhos claros e assustados que a fitavam curiosamente do lado de dentro. Olivia passou a desejar a liberdade que aquele lindo inseto não fazia muita questão de saborear. Sua mente fértil e inocente a fazia acreditar que talvez estivesse dentro de algum conto de fadas, sofrendo com os momentos agonizantes em que a princesa é raptada por um ou mais vilões. Mas, se ela bem se lembrava, em um momento ou outro essa tal princesa conseguia ser salva... Será que ela teria a mesma sorte? Será que salvações como aquela realmente acontecem dentro da realidade? 
A menina encolheu os ombros e desviou os olhos da borboleta, encostando seu frágil corpo mais uma vez em uma das paredes, permanecendo sentada em cima de uma cama de solteiro. Após alguns segundos, ela foi levantando sua cabeça com receio, descobrindo que uma mulher estava estática ao seu lado, lançando nada mais do que um olhar vago. O primeiro instinto que teve fora se aproximar minimamente e questioná-la sobre seu pai, mas assim que teve sua pergunta respondida apenas com um gesto negativo de cabeça, resolveu deixar para lá. Lembrava-se do que Julian lhe disse uma vez. "Nunca deixe que te vejam chorar, as lágrimas entregam suas fraquezas àqueles que querem apenas usá-las contra você.
Decorado apenas com a incerteza, aquele quarto era o lugar onde Olivia vinha sendo mantida desde o dia anterior. Durante várias vezes algumas pessoas estranhas adentravam e tentavam induzi-la a comer, mas a menina se negava, pois, mais uma vez pensando nos contos de fadas, acreditava que aquela comida poderia estar carregando algum veneno fatal. Quando a mulher se desencostou da parede e sentou-se ao seu lado na cama, passou a vasculhar um dos bolsos do casaco de couro que usava. Ao retirar dali algo embrulhado em um simples guardanapo branco, entregou para a mais nova e deixou que um sorriso insignificante surgisse no canto de seus lábios. Sem saída, Olivia pegou o embrulho e o abriu, encontrando alguns biscoitos do chocolate, que fizeram seu estômago dar uma volta completa. 
- Eu disse a eles que aqueles legumes não te convenceriam. Por sorte consegui sequestrar esses biscoitos, mas não diga nada para ninguém, ok? E mais tarde vou tentar trazer batatas fritas, só preciso de tempo para conseguir encontrá-las. Agora coma, suas bochechas não estão mais coradas do jeito que estavam quando você chegou aqui. - a mais velha disparou a falar, arrancando pela primeira vez um sorrisinho tímido de Olivia, que passou a analisar as feições delicadas da mulher enquanto comia um daqueles biscoitos doces. Ela tinha olhos castanhos, bochechas levemente avantajadas e cabelos loiros que se enrolavam minimamente nas pontas. Olivia não a temeu, pelo contrário... Sentiu-se protegida com ela por perto. 
- Como você sabe o que agrada crianças, já que não é uma? - a menina perguntou com sua voz de timbre calmo e fino. A mulher decidiu entrar na brincadeira e fingiu pensar um pouco antes de responder, olhando para as paredes de tom acinzentado. 
- Vou te contar um segredo, Olivia... - começou, de repente se permitindo ter certas lembranças. - Eu tive gêmeos há um tempo. Dois bebês que surgiram de forma inesperada... E durante a gravidez eu li muito sobre tudo isso, até mesmo sobre crianças maiores. Aprendi que em certos momentos você não pode obrigá-las a nada, pois assim elas nunca se sentirão confortáveis perto de você. Você deve ensiná-las a gostarem das coisas, esse é o caminho mais correto. 
Apesar de não entender metade das palavras ditas, Olivia terminou de mastigar outro biscoito e sorriu sem mostrar os dentes. 
- Qual é o seu nome? - perguntou curiosa. 
- Cas... 
Heather! - uma voz grave pronunciou aquele nome, fazendo a mulher fechar a boca e se levantar em um impulso. - O que está fazendo ai? Vamos, temos coisas mais importantes a fazer. Deixe a menina sozinha! - o homem de aparência rude saiu da porta, fazendo com que Heather olhasse para a menor mais uma vez, sumindo dali segundos depois. 
Olivia voltou a se sentir na escuridão, pedindo silenciosamente a alguém - que não precisasse ouvir sua voz para escutá-la - para conseguir ver seu pai novamente. Queria voltar para sua casa humilde com suas bonecas novamente. Queria apenas segurar a mão de Jamie novamente. 


Londres

Com passos vacilantes, Scarlett saiu de um táxi e tentou se equilibrar naqueles saltos. Ao dar um passo e quase tropeçar, ela xingou em alto e bom som e respirou fundo, apenas esperando que seunoivo desse a volta no veículo para ficar ao lado dela. Talvez não devesse estar com um vestido verde escuro de mangas cumpridas e justas, um sobretudo cinza por cima e saltos altos, mas quando recebeu o último telefonema do estranho ser que parecia espionar sua vida, ela enxergou que tudo estava prestes a mudar novamente. No dia em que Demetria fora visitá-la, quando Caleb finalmente conseguiu colocar um anel em seu dedo de maneira correta, Scarlett ouviu que precisaria se encontrar com aquele que seria o responsável por dar tudo que lhe fora tirado anos antes. É claro que, tendo noção de que poderia estar sendo vítima de uma armadilha, ela tratou de marcar um encontro em um lugar totalmente movimentado. E aproveitou o fato de ser noiva de um nerd para garantir que toda a conversa estivesse sendo gravada. Apesar de confiar em seus mais novos amigos, Demetria e Joseph, ela escolheu não avisá-los, pois era algo que precisava resolver com privacidade. 
- Você tem certeza de que quer mesmo fazer isso? - Caleb começou, entrelaçando os braços dos dois e olhando para o alto prédio de fachada espelhada que os esperava. O estranho que se encontraria com os dois recomendou um restaurante em um dos andares. - Porque, você sabe, estão prestes a me promover e talvez eu até deixe de trabalhar com computadores em casa... Scar, talvez eu realmente consiga algo grande nesse ramo de computação. Me mandaram um e-mail ontem que disse que eles realmente me querem dentro daquela empresa de segurança. - explicou pacientemente à ela, adentrando as portas giratórias e procurando pelo primeiro elevador que surgisse. Apesar de parecer aérea, Scarlett ouvia tudo com perfeição. - E se isso der certo você não vai precisar se submeter a certos perigos. - os dois se olharam por um instante, trocando um olhar repleto das mais cruéis incertezas. Compromissos da vida adulta nunca pareceram tão assustadores como naquele momento. Mas estava feito.
Scarlett respirou fundo e entrou no elevador, puxando Caleb pela mão. 
Naquele dia ela parecia diferente, como se fosse outra mulher. Ainda não tinha arriscado fazer nem mesmo uma simples piada desde que abriu os olhos pela primeira vez naquela manhã. Talvez a insegurança geral de sua vida estivesse começando a impulsioná-la a agir de forma mais coerente a certos momentos. Apesar de que sentiu uma vontade tremenda de rir quando saiu do elevador e fitou mulheres que mal conseguiam andar, tamanha a quantidade de jóias que tentavam usar ao mesmo tempo. 
Definitivamente, ela estava totalmente enferrujada naquela vida de valor tão alto. 
- Caleb, eu realmente fico feliz por você estar evoluindo tanto. Mas, gato, você acha mesmo que eu vou ignorar esse idiota que praticamente me ameaça todo santo dia? É claro que não! - gesticulava com as mãos, procurando o restaurante com os olhos. - E eu não vou ser hipócrita o suficiente para dizer que não faço questão de ter de volta tudo que me pertenceu. - os olhos de Scarlett adquiriram um brilho severamente malicioso, algo que quase foi capaz de assustar Caleb. Cada dia que se passava ela voltava a se parecer mais e mais com a mulher imponente que ele conheceu. A fraqueza começava a deixar seu corpo aos poucos. 
- Dinheiro é realmente tão importante assim? - ele questionou, cruzando os braços e ajeitando as mangas da camisa social branca e depois os cabelos penteados para trás. Como nunca os deixava daquele jeito, sentia-se estranho. 
- Não é o dinheiro... - o semblante da mulher se fechou. - As pessoas devem olhar para mim e pensar: veja só que bela babaca! Só fazendo essas brincadeiras infelizes e tentando bancar a toda poderosa... Mas, sabe, se eu não me permitir ser assim, só sobra aquela mulher que levou muitos golpes da vida. E eu não quero ser ela, não quero... Especialmente agora. - confessou mantendo a voz firme, sentando-se em uma das mesas vagas do restaurante parcialmente vazio. Ainda era cedo para alguém pensar em almoçar. - Especialmente agora, eu não posso me esconder das coisas que me cercam. E eu tenho a certeza de que, se tudo que aquele cara diz realmente é verdadeiro, eu finalmente vou conseguir deixar essa maldita divisão entre Karlie e Scarlett de lado. Continuarei a ser quem você conheceu, mas deixarei de fugir como ela fazia. 
- De acordo. - Caleb respondeu simples, sorrindo com uma cumplicidade que quase a deixou emocionada. 
Enquanto pediram apenas um café para aguardar, Scarlett semicerrou os olhos quando pensou ter enxergado um rosto tão familiar. Familiar em seu passado. Ela enrijeceu o corpo e inconscientemente acariciou a barriga, sentindo-se corajosa pela primeira vez enquanto a imagem de um bebê era pintada em sua mente. 
Ela tinha certeza. Aquele homem que se aproximava de pele morena, magro, cabelos ralos, terno elegante e uma maleta prateada nas mãos era mais do que conhecido. Era um dos melhores amigos de seu pai. E quando o mesmo também pareceu reconhecê-la, os dois trocaram olhares fundos até que a distância deixou de existir. 
- George! - ela praticamente gritou, levantando-se da cadeira e deixando Caleb perdido. - Você é a pessoa sem criatividade que tanto anda me ameaçando? Fala sério, se queria colocar medo, deveria ter usado um daqueles equipamentos que mudam a voz... - comentou convencida e rolando os olhos. O homem mais velho apenas riu e olhou dela para Caleb. 
- Vejo que não é mais a garota que mal sabia conversar de maneira correta, Karlie. 
E ao escutar aquele nome, ela deixou as pernas cederem e voltou a se sentar. Dito por Caleb não parecia tão... Errado e surreal. 
- Eu não sei como é possível que eu me lembre tão bem de você, mas... Uau, eu lembro! - então, ela pareceu se lembrar do noivo novamente. - Ah! Caleb, esse é George Collins. Um dos melhores amigos do meu pai, juntamente com o... 
- Oportunista do Bill, que agora deve estar totalmente insano dentro de uma cela. - George comentou presunçoso, feliz por poder dizer aquelas palavras. 
Scarlett analisou os fatos por um instante. O certo mesmo talvez fosse ser um pouco mais dura durante aquela conversa, pois ela nunca fora muito boa em confiar cegamente nas pessoas. Então, assim que apresentou seu noivo Caleb a George, uma conversa monótona e que a fazia bocejar e procurar por comida com os olhos de cinco em cinco minutos se iniciou. 
- Mas isso é seguro para ela? - saindo de um transe, Scarlett escutou a voz de Caleb e piscou os olhos com sono, voltando a prestar atenção na conversa. 
- Como dito anteriormente, todos os bens de Sebastian Russell foram congelados assim que o Bill retirou suas mãos repugnantes de todos eles e foi preso. Seu pai possuía um extenso e rigoroso testamento, e o seu nome está por toda a parte. Resumindo: se conseguirmos anular os papéis que comprovam a morte de Karlie Russell e provar que o homicídio cometido fora em legítima defesa... Meus parabéns, você é uma mulher milionária
Uma ideia nunca fora tão desprezível, tentadora e assustadora ao mesmo tempo. 
- Mas a grande questão é: por que você está se dispondo a fazer tudo isso? Poderia muito bem fingir que eu não existo e ficar com toda a grana, não é? - Scarlett uniu as sobrancelhas e torceu os lábios, como se dissesse algo óbvio demais. 
- Eu sei que é um choque, mas ainda existe uma pequena porcentagem de pessoas honestas no mundo. 
- E como essa ideia poderia se desenvolver? - a mulher perguntou enquanto segurava seu queixo com uma mão, apoiando o cotovelo na mesa. Tentava fingir que era alguém realmente inteligente na área de negócios como aqueles. Mascarava sua aflição com os olhos intensos e decididos que felizmente possuía desde que se conhecia por gente. 
- Você teria de me acompanhar até Nova York e mergulhar temporariamente na vida que teve até os 16 anos. - George explicou, deixando os lábios em linha reta e respirando fundo, como se soubesse que seria um trabalhoso desafio para ela. - Acha que consegue lidar com isso? 
Trocando um olhar confiante com Caleb, Scarlett soltou um risinho e ergueu o queixo, assim como uma sobrancelha. 
- Cara, se existir algo com que eu não seja capaz de lidar, pode me matar agora! - apoiando as duas mãos na mesa, ela se colocou de pé e obrigou o noivo a se levantar com um puxão na gola de sua camisa. - Venha, gato. E você... - apontou para George. - Bem, você tem o meu número. Diga o dia e a hora e estarei onde determinar. 


Demetria's P.O.V
(Coloque a primeira música para tocar!)

Settle down with me
Cover me up, cuddle me in
Lie down with me, yeah
And hold me in your arms

And your heart’s against my chest
Your lips pressed to my neck


Estática, eu encarava um ponto qualquer do jardim, com o corpo apoiado no batente da porta, sem forças para me mover e com preguiça até mesmo de piscar. Fiquei apenas pensando na vida. Talvez fosse completamente desnecessário ficar repetindo isso através de pensamentos, mas por vezes parecia que eu estava sonhando. Um sonho interminável que me deixava cada dia com os pés mais longe do chão. Tudo bem que muitos problemas estavam indo e vindo, mas deixando isso de lado... Ah, eu tinha motivos de sobra parar acreditar estar dentro de um universo que ganha vida apenas quando a cabeça é acomodada em algum lugar e as pálpebras se fecham. Kiss Me do Ed Sheeran que tocava bem baixinho em algum canto da casa - como trilha sonora para os meus pensamentos - só contribuía para que a atmosfera se tornasse ainda mais confortável. Confesso que o que eu mais estava ouvindo naqueles dias era o cd desse tal Ed, e não sabia muito bem o motivo disso. Poderia dizer apenas que as músicas dele afastavam pensamentos escuros que vez ou outra tentavam se aconchegar em minha mente. E as faixas que sempre acabavam repetindo-se mais de uma vez eram: The A TeamSmall BumpThe CityKiss Me e Give Me Love.

I’m falling for your eyes but they don’t know me yet
And with a feeling I’ll forget, I’m in love now


Deixando o assunto musical um pouco de lado, desencostei meu corpo do batente e fiquei andando pelos cômodos, pensando no que poderia agradar meu estômago que fazia questão de continuar a roncar. O clima do lado de fora era mediano, permitia que eu ficasse com as pernas de fora graças àquele simples vestido, mas não permitia que eu ficasse sem aquele casaquinho bordô de cashmere. E que pantufas extravagantes de pelúcia cobrissem meus pés doloridos. 
Quando quase podia notar uma lâmpada se acender acima de minha cabeça ao enxergar tomates grandes e bem vermelhos arrumados propositalmente sobre a bancada, senti duas mãos grandes e firmes segurarem minha cintura com força, quase arrancando um grito surpreso de minha garganta. Dois braços quentes me envolveram em um abraço e senti lábios ainda mais quentes de encontro ao meu pescoço tão vulnerável àquele toque. 

Kiss me like you wanna be loved
You wanna be loved, you wanna be loved
This feels like falling in love
Falling in love, falling in love.


Assim que fui solta, olhei atônita para Joseph, que piscou e se afastou de mim. Tinha acabado de chegar da empresa, apesar do relógio ainda não marcar nem meio dia. Felizmente ele havia reservado um pouco de seu tempo para ficar em casa, então apenas foi até seu local de trabalho para ajeitar pequenas coisas. Apesar de estar sem pijamas, cabelos penteados, higiene matinal feita e bem perfumado, seu rosto amassado não escondia o sono que ainda sentia. Ele retirou um suco qualquer de dentro da geladeira e olhou apenas para os meus pés, não escondendo um risinho. Coloquei as mãos na cintura e o olhei de forma mais séria que consegui. 
- Fácil rir quando não são os seus pés que estão doendo, não é? - repreendi Joseph, que deu de ombros e começou a tomar seu suco. 
- O que você andou aprontando para sentir dor nos pés, Demi? - ele perguntou se passando pelo mortal mais ingênuo da face da Terra. Puxou uma das cadeiras altas da bancada e se sentou ali, encarando o meu rosto de maneira que quase me deixava desconfortável. Ele tinha aquela mania de não desviar os olhos, e fazia totalmente de propósito. 
- Será que eu preciso te lembrar do tamanho do salto que estava usando ontem? - entortei os lábios, erguendo uma sobrancelha. Joseph voltou a rir. - Será que preciso te lembrar das circunstânciasem que permaneci com esse salto? - logo nós dois achávamos graça da situação. 
- Se faz tanta questão de me lembrar, fique à vontade. - Joe abriu um botão de sua camisa e me olhou brincalhão. 
- Mudando de assunto... - relaxei os ombros, me encostando perto de onde ele estava. - Algo que eu precise saber sobre a Empire? 
- Bom, tirando o fato de passei pelo estacionamento e fiquei rindo feito um idiota, nada de anormal aconteceu. - ele comentou sério, finalizando sua bebida e esfregando uma mão na outra, como se estivesse tendo uma ideia. - Matthew está dormindo? - concordei com a cabeça, ele sorriu abertamente. - Então venha, vamos até a varanda dos fundos e deitar um pouco naquela rede que quase nunca é usada. Eu quero fingir que você é minha namorada. 
- Mas eu sou sua namorada! - respondi pausadamente, como se tentasse colocar dentro de sua mente uma ideia que já deveria estar ali há muito tempo. 
Logo chegamos até a varanda, sentindo um vento agradável se misturar com o perfume de algumas flores dos fundos do jardim e um sol tímido que fazia questão de se esforçar para nos aquecer pelo menos um pouco. Joseph se aproximou da rede de tecido branco e resistente presa nas colunas da varanda e logo já estava totalmente aconchegado ali, estendendo a mão para que eu imitasse seus movimentos. Rindo, eu o obedeci e em instantes me ajeitei de qualquer jeito ao seu lado. Metade do meu corpo estava sobre o seu, minha cabeça apoiada em seu ombro e minha mão colocada sobre seu peito. 

Settle down with me
And I’ll be your safety, you’ll be my lady
I was made to keep your body warm
But I’m cold as the wind blows
So hold me in your arms.


- Sabe, eu não gosto de dias quentes. - ele comentou distraidamente, enquanto seus olhos verdes se perdiam em algo que não me dei ao trabalho de analisar. Enlacei minha perna na dele e continuei quieta, apreciando o silêncio. - Eu gosto do inverno, daquele inverno bem rigoroso. Porque não existe coisa melhor do que ficar o dia inteiro com você na cama quando está frio. Apenas te abraçando, te beijando e dizendo coisas que deixam suas bochechas coradas. 
Seu romantismo estava mais afiado do que nunca. 
- Essa foi a coisa mais melosa que você já me disse. - comentei fingindo indiferença e ele se mexeu desconfortável, brincando com as pontas do meu cabelo. 
- Então isso não te agrada? Tudo bem, vou pensar antes de dizer algo que não seja completamente malicioso e sexual. 
- Não seja tolo, diga o que quiser. Mas me lembro de ter escutado algo parecido uma vez... - como se realmente fosse possível, tentei me aproximar ainda mais de seu corpo e fechei os olhos, relembrando do dia em que ficamos horas e mais horas daquela mesma maneira na rede, apenas conversando através de pensamentos e olhando nos olhos um do outro. Aconteceu dois meses depois que descobri estar grávida de Matthew. 
- Sim, quando o Matt ainda se desenvolvia dentro de você. Eu me lembro, Demi. 
- Sente falta daquela época? 
- Sinto, mas agora é ainda melhor, pois ele já nasceu e podemos tê-lo em nossos braços quando quisermos. - ele percebeu que de repente fiquei silenciosa demais e tratou de investigar meu rosto. -Demetria, tem algo que você queira me contar? - e eu já sabia o que ele tentava insinuar. 
- Por que sempre que tocamos em assuntos como esse e depois fico pensativa, você acha que direi que estou grávida? - ri do jeito desanimado que ele fechou os olhos e voltou a largar o tronco totalmente na rede. 
Joseph não sabia do sonho que tive há algum tempo, o sonho que mais parecia o perfeito epílogo de minha vida. Nele nós tínhamos quatro filhos. Talvez fosse natural que eu me perguntasse se os dois que ainda faltavam chegariam de fato ou não. 
- Compartilhar pensamentos é bom, sabia? - ele aconselhou, agoniado com o meu momento pensativo que não cessava. 
- Quantos filhos você pretende ter comigo? - o questionei de supetão, quase parecendo uma desesperada. 
- Com você, eu não sei... Mas com... - Joseph mordeu a língua e começou a rir quando sentiu seu ombro receber um tapa. Eu sabia que ele estava brincando, mas precisava me fingir de ofendida. Coisa de casal. - Quantos você quiser ter. 
- Uau, e se eu quiser formar um time de futebol? 
- Então nós vamos formar, Demetria. 

Yeah I’ve been feeling everything
From hate to love, from love to lust, from lust to truth
I guess that’s how I know you
So hold you close to help you give it up.


E o tempo se estendeu. Eu poderia arriscar que quase uma hora se passou. A vontade de levantar dali era nula, mas sendo pega de surpresa, senti o corpo de meu marido se erguer e então ele segurou um dos meus ombros, me obrigando a levantar também. 
- Vem, estou faminto. - disse com os olhos bem vivos, mordendo seu lábio inferior com força. 
Franzi o cenho. Ele estava sugerindo um possível segundo round
- Com "faminto" você quis dizer... - tentei, mas Joe rolou os olhos antes que eu pensasse em terminar. 
- Faminto, Demetria! Com fome! - explicou inconformado, como se eu fosse a criatura mais pervertida que seus olhos já tiveram a oportunidade de enxergar. Mas ele era o responsável por escolher usar frases com duplo sentido, certo? E a malícia ainda circulava por nós depois de uma noite como aquela, quem é que poderia negar? - Vamos cozinhar. 
- Por que você quer cozinhar comigo? - fiz charme, escondendo um sorriso que explicitava o quanto eu ficava feliz quando ele sugeria momentos de um casal tão normais como aquele. Já mencionei ser apaixonada por simplicidade? Sim, provavelmente. Quando já estávamos de pé, Joseph se aproximou e depois passou reto por mim, deixando-me inundada no cheiro de seu perfume. O segui a passos apressados até dentro de casa novamente, indo até a cozinha. Ele parecia apenas me esperar e estendeu um dos dois aventais brancos que segurava para mim. Em seguida encostou-se à enorme pia e começou a lavar devidamente suas mãos. 
- Que super produção, hein? - brinquei, optando por colocar o avental por cima do resto de minhas roupas. Joseph voltou a chegar perto e apenas segurou minha mão, olhando-me nos olhos. 
- Quero cozinhar com você para mostrar que tudo isso vai muito além do carnal. - disse bem baixinho, sorrindo apenas por segundos antes de fechar o semblante novamente e focar-se no que aconteceria a seguir. 
- O que uma coisa tem a ver com a outra? - questionei enquanto o assistia mover-se de um lado para o outro da cozinha com agilidade, enquanto a bancada ia ficando cada vez mais cheia de alimentos, panelas, vasilhas e outras coisas essenciais naquele momento. 
- Você vai ver. Enquanto estivermos preparando esse macarrão, o salmão e as batatas... - ele apontava para esses alimentos já posicionados, prontos para uso. - Vamos rir como amigos, vamos conversar como os melhores confidentes e agir da forma mais natural o possível, Demi. Não que eu aguente ficar mais de dois dias sem ter o calor do seu corpo, mas não é apenas isso que quero de você. - piscando, ele novamente pareceu se esquecer de minha presença e voltou a dedicar toda a sua atenção ao nosso almoço. Por vezes as palavras daquele homem me deixavam confusa, mas a sensação era extremamente boa de se sentir. - Agora vamos brincar de casal prendado e colocar fogo nessa cozinha! No bom sentido, é claro... 
E então a coisa toda começou a acontecer. O clima entre nós era ótimo. Ríamos várias vezes, sustentávamos conversas despreocupadas e ajudávamos um ao outro a preparar tudo aquilo. Um momento simples, mas que você pode chamar de delicioso sem hesitar. Parecíamos dois chefs profissionais diante daquela bancada forrada com mais do que realmente usaríamos. Enquanto Joseph estava concentrado cortando tomates e ervas verdes, eu cuidava do tempero das postas de salmão e das batatas que ficariam bem coradas, jogando uma quantidade pequena de uma pimenta bem suave. 
- Ainda me sinto um pouco mal pelo que fiz com o vestido... - comentei distraída, enquanto jogava filetes de azeite pelas batatas antes de colocá-las no forno e me preparava para colocar as postas de salmão para grelhar. Joseph negou com a cabeça e se dirigiu até o fogão, onde mexeu um pouco em uma panela depois em outra. Era engraçado e ao mesmo tempo incrível vê-lo daquela maneira. E, sim, ele não fingia saber cozinhar. Ele realmente sabia o que estava fazendo. Após salgar o molho branco e mexê-lo até que adquirisse uma consistência mais espessa, o provou e checou se o macarrão tipo penne já estava no ponto. A combinação irresistível de aromas tomava conta de toda a cozinha. E Joe finalmente decidiu me responder. 
Demetria, é só um pedaço de pano. - quando notei, ele estava parado ao meu lado segurando uma colher de pau, dizendo com o olhar que queria que eu provasse a pequena quantidade de molho presente nela. E assim eu o fiz, dizendo com um gesto positivo de cabeça que estava incrível. - As coisas boas daquele dia ainda continuam aqui conosco. Estamos juntos, não estamos? - tive que concordar, finalizando os cuidados com o salmão e por fim o levando até o forno. Depois continuamos a jogar conversa fora e decidimos ir até a sala de jantar arrumar a mesa. 
Jamie estava quieto naquele dia, tinha levantado apenas para tomar seu café da manhã. E realmente comeu muito pouco. Depois alegou que queria voltar para o quarto e decidimos deixá-lo quieto. Meu outro menino, Matthew, se encontrava adormecido em seu cesto, sem se importar com o resto do mundo. E Nancy tinha ido fazer algumas compras para a casa, provavelmente chegaria a tempo para aproveitar daquele almoço também, é claro. 
Quando a mesa já estava pronta, talheres, louças e outras coisas mais em seus devidos lugares, nos vimos sem paciência para esperar os alimentos ficarem totalmente prontos, optando por tomar um ótimo vinho que Joe fez questão de escolher. Ele alegou que esse escolhido vinha de uma safra especial. No instante em que brindamos aos risos, o aviso sonoro de que o salmão estava pronto nos fez correr até a cozinha. Antes de arrumar toda aquela comida de aparência tão apetitosa na mesa, fizemos uma pequena pausa para provar tudo. 
- Isso está ótimo! - Joseph comentou totalmente extasiado. 
- Se um dia for necessário, podemos abrir um restaurante. O que acha? - completei, apreciando o que tínhamos feito. Meu estômago se manifestava totalmente feliz. 
- Nós somos bons cozinhando juntos, somos bons como amigos, como um casal e, conseqüentemente... - meu marido fez uma pausa estratégica, erguendo uma de suas sobrancelhas e depois estufando o peito em um gesto de superioridade. - Fazendo bebês! 
- Realmente, Joe, preciso concordar com você. Formamos um grande time de dois. 
Encarando a mesa já pronta, enquanto Joseph subiu para chamar Jamie, identifiquei o som da campainha. Corri até a porta, a abrindo rapidamente e não evitando de dar um grande sorriso. A mulher a minha frente retirou os óculos escuros e largou suas malas, as deixando depositadas no chão. 
- Pensou que seu presente seria entregue por mãos estranhas, não é, querida? - ela disse de um jeito esperto, negando com a cabeça logo depois. 
- Mãe! - não esperei mais para abraçá-la, tratando de matar logo toda a saudade que se acumulou em poucos meses. A última vez que eu a vi fora quando Matthew tinha apenas dois meses de vida e ela decidiu que ficaria por uns tempos me ajudando, já que cuidar de um ser humano tão pequeno e frágil está longe de ser uma tarefa fácil. - Por que não avisou que viria? Onde está o Peter? - perguntei empolgada, pedindo para que ela entrasse e a ajudando com suas malas. Depois de olhar bem para as minhas pantufas e rir, ela sentou-se no sofá para descansar. 
- Bom, achei que você gostaria dessa surpresa. E já que eu precisava mesmo vir para esses lados da Europa, como não aproveitar para visitar vocês, não é? Ah, e o Peter... Demi, você sabe como é. Faculdade, namorada... Agora ele passou dos 18 anos e está naquele momento de "Oi, eu sou um homem feito e vou seguir com a minha vida!" - ri do jeito que ela bufou ao finalizar aquela imitação. - E os meus netos, onde estão? 
- O Joe foi chamar o Jamie para almoçarmos e o Matt está dormindo. 
Joseph desceu as escadas e antes de mais nada sorriu ao notar que minha mãe estava conosco. 
- Sue, como vai? - ele a cumprimentou da maneira respeitosa de sempre. - Veio para ficar, não é? Fizemos comida o suficiente para passar o mês inteiro! 
- Acha mesmo que eu perderia isso, querido? 
Joe, o Jamie não vai descer? - estranhando a ausência de Jamie, perguntei preocupada. Algo estava acontecendo com aquele garoto. 
- Eu insisti para que ele viesse comer, mas ele disse que não está sentindo fome. Não se preocupe com isso, mais tarde ele desce correndo e vai comer mais do que todos nós juntos! - Joseph passou um braço pelo ombro, tentando amenizar o clima. 
- Crianças! - mamãe comentou de bom humor, nos seguindo. 
Tivemos um almoço calmo, repleto das mais diversas conversas. Depois fiquei apenas assistindo aos momentos de avó coruja de minha mãe com Matthew, e até mesmo com Jamie que resolveu se mostrar. Seu semblante tristonho continuava a me desafiar, eu precisava saber o que o andava atormentando tanto para não ser capaz de dar um de seus sorrisos lindos e inspiradores. 
Mas Joseph teve que surgir na minha frente naquele exato momento e acalmar minha preocupação mais uma vez, lançando apenas aquele olhar tão seguro, sereno e esperto que só ele tinha. 
E pensar que um dia fui capaz de duvidar de tudo que ele poderia ser. Duvidar de que seria um homem tão bom para mim. 

Flashback
Empire Hotel - Los Angeles, CA 

Nunca pensei que um minuto pudesse se transformar em uma hora. Nunca pensei que um dia pudesse se transformar em uma eternidade. Nunca pensei que paixão pudesse se transformar em medo. Ali, naquele gigantesco hotel em Los Angeles, todos os pesadelos que nunca pensei em temer se tornaram realidade. Pior do que estar presa por alguém que você repudia, é estar presa por alguém que faz seu coração bater mais forte. Joseph Jonas era um monstro, apenas um monstro com complexo de superioridade que só conseguia fazer com que meu estômago se revirasse e cada mísero pêlo de meu corpo se arrepiasse com os olhares insinuantes e perigosos que se divertia ao me lançar. Se existia um homem que nunca mereceria ser agraciado pelo amor, era ele. Com toda a certeza do mundo. E eu tinha todo o direito de desejar apenas desgraçadas em sua vida, pois ele estava tentando destruir a minha. Como ousava? Por vezes a vontade de sair gritando por aqueles corredores falava tão alto, chegava a doer dentro de mim. A vontade de acusá-lo de sequestro fazia meus olhos arderem em lágrimas que eu precisava segurar, pois não seria justo deixá-lo ver o quão fraca eu era. 
"So we'll just cry, cry on each other's shoulders. Cry until it's over. Can't it just be over.
A música era reproduzida em minha mente, algo que não poderia ser mais oportuno. 
Ouvindo o barulho do chuveiro daquela maldita suíte, tomei impulso ao levantar da cama bagunçada e passei a ter apenas uma direção. Sem me importar em calçar qualquer sapato, puxei a porta do banheiro - que eu sabia que ele não se preocupava por deixar destrancada - e me coloquei ali dentro, ignorando o vapor que deixava minha visão ruim, ignorando o aroma delicioso tão característico dele... E ele completamente nu a minha frente, me olhando como se estivesse prestes a me matar. E, bom, aparentemente, e de acordo com as palavras dele, não era algo tão difícil assim de acontecer. 
- O que você está fazendo aqui? - Joseph perguntou aflito, uma veia de irritação se formou no meio de sua testa. O ódio sustentava o meu corpo naquele momento. 
- Bem, você disse que, desde que eu não saísse das dependências do hotel, poderia transitar por onde quisesse. - comentei de qualquer jeito, andando de um lado para o outro do banheiro como se estivesse completamente certa em invadir seu banho daquela maneira. Mas ele invadiu a minha vida inteira, então eu tinha determinados direitos. 
Porém, me deixando decepcionada comigo mesma, ele voltou a se dedicar apenas a seu longo banho e fingiu que eu nem existia. Esse, com certeza, era o seu passatempo favorito. 
- Já se apaixonou por alguém? - meus ouvidos identificaram aquela pergunta absurda escapar como um sussurro pelos meus lábios. Onde eu estava com a cabeça? 
- Não. - ele respondeu secamente. 
- Por que não? - indaguei, sabendo que estava conseguindo irritá-lo. E talvez, apenas talvez, uma pequenina parte do meu ser sentia a necessidade de tirá-lo do sério. Coisas eram confessadas por aqueles lábios irresistíveis quando Jonas perdia a cabeça. 
- Porque não quero me tornar fraco por causa de uma mulher, Lovato. - seu jeito de pronunciar meu sobrenome sempre seria algo a ser levado em consideração. Era áspero e sedutor ao mesmo tempo. Cruzei os braços ao erguer uma sobrancelha, finalmente encontrando algo que pudesse usar contra ele. Me recusava a ficar chorando naquela cama o tempo todo, então retirar um pouco de proveito da desgraça é algo atrativo a se fazer. 
- Ah, mas se tornou fraco por causa de uma vingança. Interessante. - rebati, tentando imitar seu jeito seco. 
- Uma vingança motiva um homem a fazer coisas que ele nunca imaginou conseguir. Motiva um homem a correr atrás do poder que ele nunca imaginou ter... - Jonas desligou o chuveiro e enrolou uma toalha em sua cintura, passando despreocupadamente por mim. - E o amor, Lovato? O que essa porcaria faz? Ela motiva um homem a se afundar o máximo que pode em algo que nunca mais vai conseguir sair. Então, me desculpe, mas eu prefiro a vingança. - com uma mão apoiada no batente da porta, ele escolheu aquela combinação de palavras para me colocar no chão. Uma lágrima solitária se formou em meus olhos, mas eu não poderia permitir que ela seguisse seu curso. Não poderia permitir que nada daquilo seguisse seu curso. 

Não estava fazendo frio, mas eu não conseguir controlar minhas mãos trêmulas. O calor que emanava do corpo desacordado ao meu lado só contribuía para que a terrível sensação não fosse embora. Eu chorava de saudade; saudade de casa, saudade de uma vida simples e sem grandes proporções. Saudade de não sofrer daquela maneira. Ao virar meu corpo encolhido na cama, me permiti fitar o rosto que era apenas sereno enquanto seu dono dormia. Naquele momento ele era apenas um anjo, um lindo anjo. 
Será que um dia eu olharia para aquele homem e veria segurança ao invés de pavor? 
- Pare de chorar! - apenas seus lábios se abriram, e ele permaneceu imóvel. Assustada, voltei a virar o corpo e me encolher. Ele nunca, nunca havia tentado me forçar a nada de natureza sexual, mas naquele momento senti uma mistura de medo com asco, queria sair correndo daquela cama. - Porra, será que dá para você calar a boca, Lovato? Eu quero dormir! 
- E eu quero que você vá para o inferno, mas nós nunca conseguimos tudo que queremos. 
Sua resposta foi o simples silêncio, a dolorosa indiferença. 

(Coloque a segunda música para tocar!)
Meus olhos fitavam curiosos aquela extensa sala tão brilhante, limpa e iluminada. Era uma espécie de salão de festas, e estava totalmente vazia e silenciosa. Ali eu conseguiria finalmente o silêncio que tanto almejava. Ao fundo, tão solitário quanto eu, um piano impecável de cauda parecia estar apenas me esperando. Fazia tanto tempo que eu não tocava, mas a sensação de felicidade aqueceu o meu interior depois de longos dias turbulentos. Então, corri com vontade até alcançá-lo, desconfortável pelo barulho que meus saltos faziam de encontro ao chão branco e me sentei, deslizando meus dedos pelas teclas e fechando os olhos. 
E algum tempo se passou enquanto eu me distraia daquele jeito. Por um curto espaço de tempo consegui tirar Joseph de minha mente. Era um alivio, era como estar no paraíso. 
Mas passos arruinaram minha calmaria. O inferno retornara. 
- Desde quando minha secretária toca piano? - a voz masculina carregada de deboche ecoou por todo o salão, tornando meus ombros e dedos tensos. Instantaneamente parei de tocar e mordi o lábio inferior com raiva. - Pensei que ela entendesse de coisas limitadas... 
- Se você dedicasse uma mísera parcela do seu tempo para tentar me conhecer, veria que a única pessoa que é ignorante o suficiente para entender de pouquíssimas coisas aqui, é você! 
Não sei bem de onde a coragem para ofendê-lo daquela maneira surgiu, mas eu a agarrei com unhas e dentes. Ao sentir um corpo parado atrás de mim, abaixei a cabeça e esperei até sentir uma mão quente tocar meu ombro descoberto. 
- É uma pena que tenha que parar de tocar agora, realmente uma pena. E se não parar... - Joseph começou uma ameaça, depositando pressão no toque de seus dedos em minha pele trêmula. 
- Se eu não parar o quê? Você sempre me ameaça, mas nunca cumpre com a sua palavra de machão. - soltei um risinho, virando um pouco o pescoço para observá-lo. - Então comece a pensar em novas maneiras de me amedrontar, porque seu poder está acabando, Jonas. - e, pela primeira vez depois de um considerável tempo, seu semblante superior desmoronou. 
Mas apenas para que eu me encontrasse despreparada para o seu próximo ataque. 
Joseph me puxou, obrigando-me a levantar e girou meu corpo, fazendo com que um olhar de pânico e um de diversão se fitassem de maneira intensa. Arfei quando percebi seus dedos tocarem a região do meu pescoço e levemente descerem, até que repousaram sobre a área onde meu coração parecia prestes a querer escapar. 
- Se não tem medo, por que seu coração está assim? - ele desafiou, me fazendo sentir seu hálito tão delicioso. 
- Não é por medo. É pela proximidade. - confessei fechando os olhos com pesar, me sentindo absurdamente ingênua ao receber aqueles toques. Nunca fiz muita questão de esconder meus sentimentos por ele, e talvez essa tenha sido a minha assinatura naquele contrato de pura tortura. 
- Mesmo que eu te prendesse em um lugar escuro e apertado, totalmente sozinha comigo, sem ter o mínimo conhecimento possível das atrocidades que passam pela minha cabeça, seu estado continuaria assim apenas devido a proximidade? 
Eu não tinha forças para responder, não quando seus lábios pareciam atrair os meus. Seu corpo parecia atrair o meu de uma maneira magnética, como se nada pudesse impedi-lo de me ter em seu total domínio. 
Segundos depois, observando e apreciando meu estado catatônico, ele simplesmente me soltou e deu meia volta, deixando minha visão borrada enxergar apenas suas costas largas cobertas pela simples e maldita camisa branca. 
- Posso pedir uma coisa? - arrisquei em voz alta, com as mãos fechadas em punhos. Ele se virou e fingiu um sorriso. 
- O que quiser. - fez uma curta reverência, fingindo-se de cavalheiro. Tinha talento o suficiente para enganar até mesmo o mais inteligente dos seres. 
- Seja bom... Seja bom por um minuto Apenas um minuto. - Joseph fez um som negativo com a boca, olhando para cima de forma pensativa. E depois negou com a cabeça, afastando-se novamente. Eu quis provocá-lo. - Vejam só! Existe algo que Joseph Jonas não é capaz de fazer: ser bom. - ri de forma infeliz, conseguindo congelar seu corpo que em seguida se virou em uma velocidade absurda. 
Outra vez ele me tomou em seus braços, mas dessa vez segurou minha cintura com carinho e acariciou minha bochecha com seu dedo polegar. Permitiu que o azul de seus olhos acalmasse cada mínima parte tensa do meu corpo, um efeito devastador que ele poderia se vangloriar pelo resto dos tempos por possuir. Joseph me obrigou a iniciar uma dança lenta, tão lenta que eu sentia ser capaz de paralisar a qualquer momento. Um arrepio gelou meu interior assim que sua boca se aproximou de meu ouvido esquerdo. 
- Sabe por que eu sou tão cruel com você? Diga-me, Lovato, você sabe? - neguei com a cabeça, torcendo mentalmente e desesperadamente para aquele momento não acabar. Ou que eu morresse assim que acabasse. - Porque eu não quero demonstrar ser um fraco, eu não quero que você descubra as minhas reais intenções. Não quero que descubra o meu... Amor
Então, Joseph se mostrou uma pessoa boa por um minuto. Talvez não boa para o resto da humanidade, mas boa o suficiente para mim. Um minuto. Sessenta segundos. Tempo suficiente para mudar todo o curso de uma vida, mas não o suficiente para eu aproveitar o que estava diante dos meus olhos. Principalmente porque meu corpo pareceu respondeu aqueles toques carinhosos e despretensiosos que ele me fazia de maneira apavorada. 
Quando seus lábios avisavam que se chocariam apaixonadamente com os meus, quando meu coração parecia estar se acalmando, suas batidas voltaram a doer quando senti meu corpo ser segurado com força e girado, me deixando fitar o piano mais uma vez. Minhas costas se pressionavam contra o peitoral de Joseph enquanto ele me segurava com suas mãos que abraçavam de forma bruta a região abaixo de meu busto. E palavras voltaram a ser sussurradas ao pé de meu ouvido. 
Tempo esgotadoLovato. - com um risinho sacana, ele quebrou nosso contato, não exatamente me jogando para longe, mas obrigando meu corpo a se afastar bruscamente do seu. 
Se ele conseguia ser bom por aquele mísero tempo, qual era a grande dificuldade em tentar ser por uma vida inteira? Mesmo que o calor vá embora, um abraço confortável pode trazê-lo de volta. A linda primavera não dura o tempo que queremos, mas todos os anos ela está lá novamente. O sorriso de uma criança se desfaz para que um choro de desespero seja iniciado, mas segundos depois ela mal se lembra qual fora o motivo do seu pranto. E volta a sorrir. 
Talvez o Joseph com semblante de anjo tenha me deixado mais desconcertada do que sua versão obscura. 
E talvez um dia ele perceberia que confessou o que tanto tentava negar ao mencionar a palavra amor
Talvez um dia eu teria a chance de chamá-lo de meu. 

Fim do flashback.


No meio da tarde, por falta do que fazer, eu disse a Joe que deveríamos pensar em algum lugar para ir. Quem sabe aquele desânimo de Jamie fosse apenas tédio e um passeio simples poderia curá-lo. Então liguei para Scarlett e, após constatar que estava em casa, chamei ela e Caleb para ir a um clube de sócios à uma hora do centro de Londres conosco. Arrumei Matthew com uma roupa bem leve, mas que não deixava de protegê-lo do frio que poderia fazer e depois me vesti com um conjunto simples e vermelho. Eu sabia que ficaria apenas sentada observando as outras pessoas ulitizando as quadras e os outros privilégios, então não era necessária uma roupa tão esportiva. Coloquei também um par de tênis qualquer e permaneci com os cabelos soltos. 
Minha mãe havia saído uma hora antes, já que resolveu tirar aquele dia para visitar todas as suas antigas amigas que moravam aos arredores da cidade. E ela deixou bem claro que só chegaria à noite, pois tinha muita conversa para colocar em dia. Então, tranquilamente, após nos arrumarmos, entramos no carro de Joseph e partimos para a casa do outro casal. 

Em meio a salões internos para jogos, restaurantes parcialmente ocupados e quadras de futebol, tênis, entre outros esportes, nós analisávamos o que fazer naquele momento. Joseph foi com Caleb e Jamie investigar aquelas quadras e eu fiquei parada observando suas costas. Meu marido ficava atraente naquele seu conjunto esportivo azul e com os cabelos completamente livres e despenteados. Senti alguém tocar meu ombro e já fui virando esperando encontrar Scarlett prestes a fazer alguma reclamação, mas a mulher que meus olhos fitaram sorria docemente. Lexi. 
- Não acredito que encontrei vocês aqui também! - ela comentou animada e procurou por alguém ao redor. Eu não precisava pensar muito para saber que se tratava de seu namorado Cameron. E o dito cujo logo de aproximou, cumprimentando a mim e a Scarlett com uma naturalidade impressionante. Em um momento de descuido dos dois, me permiti trocar um olhar incerto com a ruiva, até que ela se tocou de que algo tenso poderia acontecer e resolveu abrir a boca. 
- Certo, o que vocês acham de irmos lá para fora? Eu não posso correr feito uma louca, mas posso observar vocês fazendo isso. E posso também rir loucamente quando alguém acabar levando um tombo. 
Quando estávamos prestes a sair, Joseph, Jamie e Caleb retornaram. O clima passou a ser tenso. Meu marido e Cameron trocaram um olhar incerto e depois desviaram. Joseph fingiu um sorriso para o casal a nossa frente e abraçou minha cintura com vigor. Seu lado possessivo sempre despertava quando ele se sentia ameaçado, mesmo quando ele sabia que não precisava agir daquela forma. 

Enquanto nós mulheres permanecíamos sentadas em uma mesa de um dos restaurantes ao ar livre, os outros se encontravam conversando perto de uma quadra. Jamie os deixou de lado e correu em nossa direção, puxando uma cadeira e sentando ali. Quieto. 
- Credo, Jamie, o que fizeram com a sua língua? - Scar perguntou com seu jeito bem humorado. 
- Ela está aqui, mas hoje não quero usar muito. - o garoto a respondeu de forma inteligente, trocando um olhar comigo. Deslizei meus dedos pelos seus cabelos e perguntei se ele queria sorvete ou qualquer outra coisa, mas a resposta que recebi fora negativa. 
- O que vocês andam fazendo? - Lexi perguntou distraída, enquanto tinha os olhos presos em um notebook. Ela digitava sem parar. 
- Eu andei engravidando. - Scarlett respondeu, dando de ombros, e eu tive que rir da forma largada que ela escolheu para utilizar. 
- Eu estou escrevendo um livro. - a morena respondeu, virando o notebook em nossa direção apenas para mostrar as milhares de palavras todas juntas na tela. - Ok, eu finjo que estou escrevendo um livro, mas não sei se isso vai dar certo. E você, Demetria, qual é a aventura da vez? 
- Eu sou casada e tenho dois filhos... Acho que isso é aventura o suficiente para uma pessoa, não? - respondi e elas concordaram. Desviei minha atenção daquela conversa monótona para procurarJoseph com os olhos. Ele caminhava sozinho por uma região bem próxima a uma quadra de futebol. Rapidamente pareceu dizer algo para Caleb e depois trocou um olhar com Cameron, parado um pouco a frente. Os três correram até nós sorridentes. 
- Alguém aí está interessada em torcer para nós? - Cam perguntou olhando exclusivamente para Lexi. Constatando que talvez não fosse uma boa ideia, pedi um instante e segurei a mão de Joe, o afastando um pouco. Trocamos um olhar incerto por segundos e depois e beijou minha testa. 
- O que foi, Demi? É só um jogo! - disse sereno, olhando para o lado e sorrindo de uma forma que julguei ser maldosa. Outros homens se aproximavam, parecia mesmo que um verdadeiro jogo de futebol seria iniciado. 
- Você sabe que não precisa ficar desse jeito por causa dele, não sabe? - apenas encostei nossos lábios e embrenhei meus dedos nos cabelos de sua nuca. O olhar competitivo que aqueles dois trocaram em seguida era uma coisa palpável. Senti algo dentro de mim responder de uma forma desconfortável. 
- Não se preocupe com isso, meu amor. É apenas um jogo saudável. - ele fez com que eu o soltasse, segurando minha mão, a beijando e depois sorrindo ao se preparar para correr. - Me deseje sorte! - gritou quando já estava longe, entrando animado no campo. Sorri em resposta e retornei para a mesa, recebendo olhares confusos. 

O jogo realmente parecia bem saudável. Joseph e Caleb estavam no mesmo time, e diversas vezes comemoravam quando um ou outra acabava sendo mesmo que indiretamente responsável por um gol. Cameron estava no outro time, e não parecia muito interessado em provar a alguém que sabia jogar bola. Mas Joe era completamente o oposto, ele adorava aquele esporte. Não se contentava em simplesmente gritar com a televisão enquanto assistia a alguma partida, precisava ser um jogador de uma delas também. Ele era, sem dúvidas, a criatura mais viva que corria loucamente por aquele campo. Mesmo de longe eu conseguia enxergar os cabelos grudados em sua testa, as mangas erguidas de seu casaco e os sorrisos presunçosos que ele distribuía sempre que conseguia roubar a bola e executava alguma jogada decisiva. É óbvio que eu analisava tudo aquilo sem entender nada, mas Scarlett parecia vibrar. 
- QUAL É O SEU PROBLEMA, IMBECIL? OLHA A BOLA! - ela gritou ao se levantar, arrancando uma cara feia de Jamie. Lexie apenas ria e continuava a digitar seu tal livro. - Eu me sinto como uma líder de torcida! - a ruiva exclamou ao comemorar um gol feito. - Garanto que se eu não estivesse grávida, ia lá dar uma surra nesses caras. Tão convencidos... Olhe só para o seu marido, Demetria, está se sentindo o rei da Inglaterra só porque é o que mais fez gols até agora. 
Pensei em sorrir e concordar, mesmo que o considerasse totalmente sexy dentro daquela quadra, mas o som de algo que julguei ser o início de uma briga seguido por um apito foi identificado pelos meus ouvidos e virei o rosto bruscamente. Joseph tinha acabado de derrubar Cameron, mas ergueu os braços rapidamente, alegando se tratar de um simples acidente. Assim que o outro se levantou, não demorou a ir para cima dele. Eu apenas piscava enquanto os outros presentes tentavam conter os dois, que já estavam com os peitorais estufados e começavam a empurrar um ao outro, trocando olhares que exalavam apenas ódio. Joseph, totalmente insado e impulsivo, empurrou - provavelmente dessa vez de propósito - o corpo de Cameron novamente, que acabou perdendo o equílibrio e quase caiu com a cabeça de encontra ao chão. Mas logo ele estava recuperado, erguendo-se com os músculos tensionados. Enxerguei os olhos verdes de Joseph brilharem em fúria, os dois estavam prestes a acertar um ao outro com seus punhos erguidos quantas vezes fosse necessário. Prestes a arrancar sangue um do outro até que não aguentassem permanecer de pés. 
Nós nos levantamos da mesa e corremos até a grade. 
A partida não poderia continuar daquele jeito, então os outros jogadores, após conseguirem separar os dois e amenizar o clima, decidiram considerar um empate e logo tomaram direções diferentes. Eu permanecia estática, olhando para Joseph com um olhar tão sério que poderia até assustá-lo. Logo ele veio correndo até mim, enxugando o suor da testa e tentando se explicar. Eu não estava brava com ele, mas sim com sua atitude tão infantil. Cameron passou rápido por nós e fez questão de esbarrar os ombros dos dois. 
- Depois eu sou quem faz as coisas de propósito, não é? - meu marido disse alto, disposto a retornar aquela discussão. Cam apenas parou de andar e virou o rosto para encará-lo com deboche. 
Joseph, o que deu em você? Não acredito que está perdendo seu tempo com isso. Olhe para mim! - segurei seu ombro, o puxando para longe do outro homem. - Já se divertiu o bastante? Podemos ir embora agora? 
Demetria... 
- Não, não diga nada. Deixaremos isso para lá. Mas, por favor, vem comigo e esqueça ele. 
Já prontos para ir, enquanto eu apenas procurava Lexi para me despedir, um celular tocou dentro de uma bolsa que repousava sobre a mesa. Ela o pegou e gritou pelo namorado, que tinha ido comprar algo. Ignorando os chamados de Joseph, virei as costas e acabei ouvindo o que não deveria. Aparentemente era uma ligação urgente, e eu tive que virar o pescoço apenas para enxergar a expressão desolada de Wolfe. 
Ao finalizar a chamada, ele jogou o aparelho com violência e passou reto por mim, caminhando na direção de Joseph novamente. Juntamente com Scarlett, corri até ambos, escutando tudo que começou a ser dito. Tudo que não queria escutar. 
- Espero que você esteja feliz agora, Jonas! - a voz de Cam era quase que desesperada. Joseph deixou de conversar com Caleb e o olhou com o queixo erguido, estreitando os olhos e dando um passo em sua direção. 
- Do que diabos você está falando, Wolfe? - sua voz era mais do que fria. 
- Simples... Acabei de saber que meu pai faleceu. - o clima era tão frio que parecia prestes a congelar. E, não, a temperatura ao ar livre não tinha nada a ver com aquilo. Era uma coisa que só quem conseguia enxergar o semblante dos dois poderia sentir. Aqueles inimigos de tanto tempo... - Não é incrível? O homem responsável por todo o "inferno"... - ele teve que pausar a fala para fazer aspas com os dedos de forma irônica. - Que sua brilhante vida se tornou não existe mais. Agora estamos quites, meu caro. Quites! 
E dizendo isso, ele apenas deu meia volta e se afastou. Joseph parecia ter perdido o chão e me olhou de uma maneira indecifrável depois. Ele sabia perfeitamente bem o que Cameron estava sentindo, tão bem que tudo que conseguiu fazer foi colocar óculos escuros para esconder seus olhos confusos e me chamou com um aceno de cabeça para enfim deixarmos aquele lugar. Consegui prever que ele teria algumas coisas a dizer. Previ que teríamos aquela longa conversa que ele tanto gostava, pois simplesmente dizia tudo que o incomodava e me tinha como sua melhor ouvinte. 
Aquele, definitivamente, foi o dia em que não deveríamos ter ousado sair de casa. 


Nova York

O líquido transparente jorrou para fora da ponta da agulha de uma seringa. 
Cinco pessoas - três homens e duas mulheres - permaneciam encostadas de forma dividida nas paredes que pareciam revestidas com aço. A iluminação do ambiente era azulada e um pouco escura. Os ar-condicionados ligados fora de época faziam com que a típica fumaça branca escapasse através dos lábios dos presentes. 
No centro do que parecia se tratar de uma reunião, um homem fitava severamente um corpo deitado sobre uma maca, que era coberto apenas da cintura para baixo. O semblante do ser desacordado era calmo, e muito, muito familiar. Arthur teve que respirar fundo antes de virar apenas o pescoço e ordenar com um aceno de cabeça que a mulher responsável por aquela seringa se aproximasse. Os outros cinco apenas continuavam em silêncio, assistindo com os globos oculares congelados como se aquele fosse o espetáculo do século. A mulher de cabelos loiros engoliu em seco e segurou com força o objeto que tinha em mãos, erguendo seu rosto e observando todas as fotos que cobriam a parede de frente para onde ela estava. A maioria era em preto e branco e estampavam diversos ângulos do corpo de uma mesma pessoa. Petrificada, Heather sentiu uma mão forte se fechar em seu ombro, como um estimulo para não desistir. Depois de encarar o rosto de um Julian desacordado novamente, ele sentiu uma lágrima correr por sua bochecha ao se lembrar daquela pequena garotinha que não fazia nada a não ser esperar pelo pai. 
Arthur bufou exasperado ao notar a falta de ânimo da mulher e rapidamente tomou a seringa de seus dedos trêmulos, não esperando muito antes de enfiá-la com gosto em uma das veias saltadas do pescoço de Julian. Aquela era apenas mais uma das diversas doses que o homem recebera naquele dia. Tratava-se de uma droga injetável. 
- Você não pode submetê-lo a isso... - Heather começou a falar, não conseguindo mais segurar o mar de lágrimas que a deixavam sem conseguir respirar direito. - Aquela garotinha... Ela não merece ver algo assim acontecendo com o próprio pai. Arthur, por favor... 
- Quando eu disse que você possuía o direito de dizer algo? - Arthur a cortou duramente, virando-se para encarar o rosto de seus outros agentes que rapidamente enrijeceram todos os músculos, ergueram os ombros e adotaram os olhos frios e vazios que ele tanto recomendava. - Aqui ninguém tem direito a palavra alguma. 
- Isso vai matá-lo, pode provocar uma overdose... 
- Não, não vai matá-lo. Isso vai apenas deixá-lo resistente a certas coisas. Vai alimentar um vício que ele não conseguirá controlar. - Arthur fitou uma das imagens na parede acima de si. - Uma fúria que irá impulsioná-lo a ser quem eu quero que ele seja. 
O braço esquerdo de Julian sofreu com um espasmo muscular, mexendo-se bruscamente e fazendo com que um grito apavorado escapasse pela garganta de Heather. Arthur deu uma gargalhada sinistra e afastou-se, dando a volta na maca e segurando o braço de Julian. Ao fitar a tatuagem de um rosto feminino, ele percebeu que aquilo seria mais fácil do que imaginou. Era algo que precisava ser feito. Ele não tinha mais forças para controlar a estranha sensação de poder que corria por suas veias. Ele precisava enxergar o que sua mente tanto implorava... Caso o contrário, os demônios controlados por ele seriam os responsáveis pela sua própria ruína. Todos eles se voltariam contra seu superior sem dó nem piedade. 
E existia algo que Arthur Sheppard temia mais do que a lembrança de uma noite de seu passado... A insanidade. 


Joseph's P.O.V

Londres

Batendo pela segunda vez na porta do quarto de Jamie e não obtendo resposta, decidi puxar a maçaneta e entrar. Assim que eu o fiz, avistei o garoto estirado na cama. Seus olhos estavam fechados com força e ele tentava fingir não estar chorando. Uma mão segurava com força a região de sua barriga. Em silêncio para não assustá-lo, me sentei na cama e estiquei a mão para colocá-la em sua testa. Talvez minha mão estivesse gelada demais, mas aquilo certamente era uma febre. 
- Jamie? - o chamei bem baixo, enxergando meu filho abrir os olhos e me olhar como se pedisse para que eu guardasse um segredo. Ele não estava se sentindo bem, e essa era a explicação para a maneira que se comportou durante todo o dia. Como é que não fomos capazes de perceber? Me senti frustrado comigo mesmo. - Ei, garoto, fale comigo. O que você está sentindo? - antes de pensar em chamar Demetria, voltei a colocar minha mão em sua testa e daquela vez pareceu estar ainda mais quente. Jamie tentava se fazer de forte, mas eu sabia que sua vontade era de chorar. 
- Minha barriga... - ele começou com a voz trêmula, assim como suas mãos. - Parece que tem algo querendo cortar ela! - quando ele finalmente conseguiu explicar o sintoma, sua testa se enrugou e ela desistiu de segurar o choro. Começando a ficar desesperado, praticamente gritei por Demetria, que segundos mais tarde já estava dentro do quarto. 
- Meu amor, o que está acontecendo? - com os olhos marejando naquele mesmo instante, ela passou por mim e largou seu corpo na cama, envolvendo o corpo de Jamie com seus braços. Eu a conhecia bem, ela nunca suportava ver alguém que amava com dor. Demetria vivia dizendo que isso fazia com que ela também se tornasse capaz de sentir essa dor. - Joseph, pelo amor de Deus, ele está queimando em febre! Vamos levá-lo até um hospital. - tentando acalmá-la, fiquei acariciando suas costas. Sue, sua mãe, provavelmente já dormia no quarto de hospedes, mas Demetria levantou-se rapidamente, pois achou mais plausível avisá-la. É claro que minha mulher só conseguiu se afastar do filho depois de beijar sua testa quente e apertar com força sua mão, dizendo que aquela dor passaria logo. 
- Papai, o que eu tenho? - Jamie me perguntou mais frágil do que nunca. Eu não sabia direito o que fazer, nunca tinha visto aquele garoto sem um sorriso nos lábios e um olhar inteligente. Ele sempre fora totalmente saudável e disposto. 
- Não posso te responder com clareza, mas acho que pode ser apendicite... - falei com a voz normal, para não assustá-lo ao ouvir aquele nome que deveria ser estranho aos seus conhecimentos limitados. Depois de pegar um casaco e tentar vesti-lo com ele sem que isso agravasse sua dor, tomei impulso e o peguei em meu colo. Mesmo sofrendo, ele sorriu minimamente. 
- Você parece um médico, sabia? - me permiti sorrir também, bem confiante. Mas por dentro eu estava desesperado. Aquela era a primeira urgência com um filho meu, e só naquele momento encontrei o homem fraco que conseguia me tornar quando o assunto era minha família. 

O único som que minha audição conseguia identificar era o do sapato de Demetria se chocando impacientemente contra o chão. Como ela poderia estar disposta a acalmar Matthew, se desconhecia completamente o significado da palavra calma? Os corredores do hospital eram vazios pelo fato de já ser bem tarde. Às vezes nós dois tínhamos apenas a capacidade de descansar a cabeça no ombro um do outro e trocar olhares de pânico. Naquele momento Jamie estava dentro de uma sala de operação e, por mais que o processo ao qual estava sendo submetido não colocasse sua vida em risco, era impossível manter a calma. Quando Demetria finalmente conseguiu fazer Matt dormir, ela apoiou a cabeça na parede e fechou os olhos. 
- Ei, vem aqui. - passei meu braço pelo seu ombro e beijei sua testa. Ela estava tremendo, provavelmente por frio e medo. Sem hesitar, retirei minha jaqueta e o passei pelos ombros dela, cobrindo um pouco do corpo de nosso filho também. Sue tinha ido comprar algo para tentarmos comer, por mais que nossos estômagos estivessem enjoados demais para aceitar alguma coisa. 
- Ele vai ficar bem, não vai? - apenas concordei com a cabeça enquanto sentia o cheiro do cabelo de Demetria. - Minha nossa... - ela se afastou um pouco e apertou mais o corpo de Matthew ao seu, para aquecê-lo. - Quando eu era mais nova e estava doente, ficava muito irritada, porque minha mãe não me deixava em paz. Mas agora eu entendo o que ela quis dizer com "Você será mãe um dia. Vai me entender, mocinha!". Eu não sei se começo a chorar, se saio correndo em busca de notícias do Jamie, ou... 
Demi, fique calma. Ele é um garoto muito forte, você realmente acha que isso vai ser o suficiente para acabar com essa força? Não, é claro que não. E o que houve com aquela mulher forte que eu conheci? - ela se segurou para não chorar. Tive que trazê-la para perto outra vez. A mulher enfrentava uma crise de fragilidade que só conseguia me deixar mais desconcertado. 
- Força, força, força... Pensa que conseguir ter isso todos os dias de uma vida é tarefa simples? - Demetria tentou rir. 
E então permanecemos naquele mesmo lugar esperando por notícias. Quando Demi estava quase adormecendo e eu apenas olhava entediado para aqueles corredores, ouvi passos e ignorei, mas bastou o responsável por eles se aproximar e tudo se tornou ainda mais complicado. Assim que me mexi desconfortável, Demetria notou e abriu os olhos, também passando a fitar o homem. Cameron. 
- O que estão fazendo aqui? - Wolfe perguntou amigável, como se não tivéssemos começado uma briga sem sentido naquele dia. Tudo que eu fiz foi virar o resto na direção contrária dele. Demetria rolou os olhos e se dispôs a explicar o que estava acontecendo. 
- Jamie está sendo operado devido a uma apendicite, mas e você, o que aconteceu? É algo com a Lexi? - tentei fingir que a conversa dos dois não me incomodava. 
- Não... É que o corpo do meu pai está aqui e eles precisam que eu assine alguns papéis. Grande dia, não é? - o tom irônico de sua voz quase me fez concordar. Pelo menos naquilo ele tinha razão. 
- Nós sentimos muito pelo seu pai. - Demi apertou minha a região próxima do meu joelho e deixou nossos olhares se encontrarem. Eu apenas respirei fundo e balancei a cabeça de forma positiva, quase imperceptivelmente. 
- Para continuar a viver da maneira que ele vivia, sinceramente... - Wolfe negou com a cabeça e se aproximou um pouco mais. - Me desculpe por hoje mais cedo, Jonas. Eu sei, falei como se você fosse o culpado pela morte do velho Ethan. Mas não posso ser injusto, dessa vez não foram planos seus. 
Meu sangue ferveu. 
- Certo, Cam, acho que talvez seja melhor que você vá atrás desses papéis para assinar. Agora. Boa noite! - Demetria rapidamente tratou de mudar o rumo da conversa e desviou sua atenção dele, voltando a se aproximar de mim. Até quando aquele idiota continuaria jogando tolices do passado na minha cara? Cameron me lançou um olhar arrependido e se despediu com um aceno de cabeça, abaixando-a e seguindo seu caminho. 

Finalmente nosso filho já se recuperava em um quarto. E nós ficaríamos o resto da noite ali com ele, é claro. Enquanto eu telefonava para Nancy, para avisar que tudo tinha corrido bem, escutei a voz de minha mulher e de meu filho, que parecia ter acabado de acordar. Virei o rosto para observar os dois e tive que segurar um riso abobalhado quando notei que Demi se segurava para não voltar a chorar. Ela deslizou seus dedos pelo rosto de um Jamie sonolento e beijou sua testa. 
- Cadê a Olivia? - foi a primeira coisa que o garoto quis saber. Demetria olhou incerta para mim e depois negou com a cabeça, não sabendo como explicar que não tinha notícia alguma da garota. - Eu vou morrer? - ele decidiu perguntar, sem nem mesmo conseguir abrir direito seus olhos. 
- Mas é claro que não, meu filho! Isso ainda vai demorar muito, muito, muito para acontecer, ok? Confie em mim. - o tom de voz dela era tão maternal. Se eu fosse Jamie, já teria até mesmo forças para me levantar e abraçá-la como merecia. 
- Só quando eu estiver velhinho
- Sim, só quando estiver velhinho. Bem velhinho. 
Sorrindo pela conversa dos dois, ouvi o celular tomar e disse com um olhar que iria atender pelo corredor, disse que voltaria logo. Enquanto eu caminhava sem rumo e sentia aquele cheiro tão característico de hospitais, percebi que a chamada nunca conseguia se completar. Com raiva, desisti do celular e fui até a porta de entrada do hospital, apenas observando a noite fria do lado de fora. Tive que estreitar os olhos quando um carro que eu acreditei já ter visto antes foi estacionado. E a surpresa me acertou com um sono no estômago quando percebi que a motorista era minha tia Karen. O que diabos aquela mulher fazia ali àquela hora da madrugada? 
Sem demonstrar-se preocupada com a minha recepção rude, ela correu até a entrada, me olhando com olhos aflitos e curiosos. 
- Como o Jamie está? Eu liguei para a sua casa mais cedo e sua empregada me disse que ele não estava bem. - então ela queria mesmo bancar a mulher preocupada? Infelizmente eu já sabia que tudo aquilo não passava de uma mentira miserável. 
- E você se importa? Saiu da cama a essa hora para saber como está o garoto que não tem o mesmo sangue daqueles que chama de pais? Que comovente, Karen! - usei das palavras que ela mesma tinha usado uma vez. Que usou quando disse a Demetria que ela nunca seria capaz de tratar Jamie e Matthew da mesma maneira, pois um era sangue de seu sangue e o outro não. 
- Eu precisava conversar com você, não podia esperar. Isso está me atormentando! E quem se importa com a hora? Você pode me ceder um pouco do seu tempo? 
- Agora? - perguntei incrédulo. - Eu estou esperando a recuperação do meu filho e você surge para discutir sobre negócios? E em um hospital? 
- Não são negócios, Joseph, é sobre a nossa família. Seus pais
Ela deveria saber que não tinha permissão alguma para tocar naquele assunto. Por que me fazer lembrar de coisas como aquelas? Meus pais. Sim, eu tinha conseguido deixar todo aquele passado para trás, consegui seguir em frente mais do que um dia pensei ser possível. Mas bastava apenas escutar alguém tocar naquele assunto, e eu sentia estar prestes a desmoronar novamente. Quem eu poderia tentar enganar? Ainda insistia em acreditar que minha mãe ou até mesmo meu pai ainda estavam vivos por aí, e que logo eu poderia vê-los. Mas não, os dois estavam mortos. 
Sem saída, pedi a Karen que fôssemos para um lugar mais reservado do hospital. Eu ainda não queria que Demetria soubesse que minha tia estava ali. Ela já tinha preocupações demais na cabeça, não parecia certo e justo atormentá-la com mais, com as minhas. 
- Diga logo o que tem para dizer, assim podemos ficar livres um do outro mais rápido. - alertei secamente, observando que algum paciente em estado grave entrava com a ajuda de médicos e enfermeiros pela porta de emergências. Karen respirou fundo e me olhou de uma maneira que fazia lembrar uma mãe olhando para seu filho. 
- Bem, serei direta. Você cresceu pensando que sua mãe simplesmente deixou seu pai para trás e fugiu com outro, mas não foi bem isso que aconteceu... 
- Espere! Antes que você diga qualquer porcaria, por que decidiu dizer só agora, tantos anos depois? 
- Porque eu estou aprendendo a seguir em frente e você também precisa disso. - Karen me olhou nos olhos e eu tentava fingir que suas palavras não começavam a funcionar como malditos socos pelo corpo. Poderia muito bem levantar dali e ir ao encontro de minha família novamente, mas algo me forçava a permaneceu estagnado e apreensivo, totalmente dependente das palavras seguintes daquela mulher. 
- Continuo ouvindo e continuo frustrado porque você não diz logo o que interessa. 
- Tudo bem, Joseph, se você não quer digerir aos poucos, não posso fazer mais nada. - ela apoiou as duas mãos na superfície da pequena mesa e engoliu em seco antes de continuar. - Sua mãe, Elizabeth, só fez tudo que fez porque seu pai a enganou cruelmente. Ela nunca foi a vilã da história, ela sempre tentou enxergar o que seria melhor para a família. Elizabeth aguentou meses de humilhação, já que sabia que estava sendo traída por Joseph. Na verdade, ela me contou uma vez, o real problema não era estar sendo traída de fato, o problema era ser tratada como ela vinha sendo... Como se fosse a responsável por tudo aquilo. Você sabe que seu pai passou por um tortuoso período em que se afundou no alcoolismo, certo? - concordei com a cabeça, sem coragem para erguer o rosto. Aos poucos eu sentia estar afundando juntamente com toda aquela desgraça que era contada. - Foi exatamente nessa época. Querido, sua mãe só te deixou porque seu pai a ameaçou. Ela só correu para os braços de Ethan Wolfe depois que percebeu que estava farta. Ela nunca traiu o seu pai... Joseph não fez nada daquelas atrocidades do passado graças aos erros dela. Eu sinto muito que ele tenha te enganado e mudado completamente o sentido dessa história, mas é a verdade... 

Flashback
(Narrado em terceira pessoa!)

Era apenas uma festa rotineira, uma festa que Elizabeth não aguentava mais fazer parte. Sabia que os negócios de seu marido exigiam que muito tempo fosse perdido com confraternizações como aquela, mas ela simplesmente sentia-se sufocada. Por fora, mesmo que tivesse toda aquela jovem beleza para exibir, sentia-se como uma velha sem capacidade de mudar o rumo de sua vida. Não que estivesse arrependida por ter se casado tão jovem com aquele homem importante, mas ao olhar ao seu redor, ela desejou poder fugir dali como uma adolescente entediada e louca. Principalmente porque seu marido parecia ter evaporado. 
Então, bebericando de seu champagne, ela continuou a olhar de cima toda aquela festa, com o corpo debruçado sobre o parapeito de uma sacada sustentada por pilastras. Sua beleza tão natural e ao mesmo tempo desconcertante atraia a diversos olhares. O vestido simples, longo e preto que moldava seu corpo parecia realçar ainda mais os olhos verdes tão intensos que seu primogênito herdara. E ao pensar nele, ela virou o corpo bruscamente, sentiu sua taça de champagne se chocar com algo e em seguida derrubar todo o resto do conteúdo no paletó cinza de um homem que não se importava, apenas sorria para ela. Ethan Wolfe, alto, de cabelos levemente claros, ombros largor e um bonito sorriso.
- Oh, Ethan, me desculpe. Eu estava destinada a procurar por Joseph e você surgiu no meu caminho... 
- Tudo bem, Eliz, não sou eu quem te impedirá de cumprir seu destino. - o homem disse ainda sorridente, dando espaço para que ela passasse. Mas ao conseguir avistar seu filho passar correndo por entre aquelas inúmeras pessoas, respirou aliviada e voltou a apoiar o corpo na sacada, olhando de um jeito vago para Ethan. 
- Ei, Joe, pare de correr! Você vai se machucar! - Elizabeth alertou quando o pequeno Joseph passou como um furacão juntamente com outro garoto. 
- Ele está com o Cameron... - Ethan apontou para o outro, o filho que criou sem a ajuda de sua falecida esposa. - Os dois ficarão bem, te garanto. 
A mulher de cabelos soltos e brilhantes apenas concordou com a cabeça e voltou a demonstrar inquietação através dos olhos e das mãos que apertavam aos dedos uma das outra, em um gesto claro de nervosismo. Queria saber por que seu marido ainda não tinha aparecido, não existia explicação alguma para toda aquela demora. 
Careless Whisper de George Michael começou a tocar e isso fez uma calma estranha envolver todo o seu peito. 
- Você sabe o que está acontecendo com o Joseph? - perguntou interessada, sentindo o braço de Ethan se encostar acidentalmente no seu. - Ele nunca esteve tão estranho. 
- Problemas no trabalho, Eliz, você sabe que isso é capaz de enlouquecer qualquer homem. - apesar de ouvir tudo aquilo, ela não quis dar muita atenção. Joseph sempre fora focado em suas obrigações, mas nunca deixou sua família de lado. Principalmente ela, que já ouvira muitas vezes ser simplesmente a mulher da vida dele. 
- Pessoas dizem que amar é sofrer, mas ao mesmo tempo dizem também que o amor é a salvação de qualquer alma. Você consegue pensar em algo mais contraditório do que isso, Ethan? - Elizabeth comentou com um risinho desesperado, torcendo mentalmente para que o homem ao seu lado tivesse uma resposta que aliviaria as duvidas de sua alma. Sempre o viu como um bom amigo. 
- Não sei o que dizer sobre isso, mas estou vendo o Joseph. - Ethan apontou para uma região ao longe e abaixo deles, onde um homem totalmente bem vestido e de aparência charmosa acabava de adentrar o recinto de braço dado com outra mulher, como se não ligasse nem um pouco para o fato de que sua esposa estava ali dentro. Os dois rapidamente se esconderam da multidão e sumiram novamente através de uma porta. O coração de Elizabeth acelerou. 
- Com licença, Ethan. - pedindo desculpas por sair correndo daquela maneira, ela desceu as escadas correndo e tomando cuidado para não cair com seus saltos. Após encontrar espaço para transitar no meio de tanta gente, puxou a maçaneta da porta que seu marido tinha puxado minutos antes e se deparou com um extenso corredor com pouca iluminação. Ela começou a diminuir a freqüência de seus passos, pois ouvia constantes risos e conversas secretas. Não queria chorar, mas a vontade era insuportável. Onde todo o amor tinha ido parar? 
Ao segurar a maçaneta de outra porta, já sabendo o que encontraria do outro lado, ela fechou os olhos com força e pensou em seu filho Joseph. Se Joseph não tinha consideração alguma por ela, poderia pelo menos ter pelo melhor presente que já recebera em sua vida: o garoto. 
Elizabeth puxou a maçaneta de supetão e deixou a imagem a sua frente cobrir seu ser com uma nuvem escura. A nuvem da mágoa, incerteza, descrença e todos aqueles sentimentos desprezíveis. Aquele não era o homem que roubou seu coração, não era o homem que acreditou ser o que viveria com ela até o último dia de sua vida. Era apenas um estranho. 
E então ela sentiu, sentiu que a partir daquele momento tudo seria diferente

Fim do flashback.

Quando percebi, já tinha socado a mesa, sentindo minha mão latejar. Ódio. 
- E como eu vou saber que tudo isso realmente é verdadeiro? Honestamente, eu prefiro considerar que nenhum de vocês gosta muito da verdade. 
- Por que eu mentiria para você tantos anos depois? A memória de sua mãe merece ser limpa. Ela se afastou de você apenas para te proteger. 
- Eu sei disso. - afirmei sem convicção, relembrando das vezes em minha mãe lutava em afirmar que só me largou como lixo porque, caso tentasse ficar por perto, sofreria com consequências desumanas. Tive que fechar os olhos com força e tentar controlar meus pensamentos por um momento. Tive que engolir aquela estúpida vontade de chorar para que ela não soubesse o quanto suas palavras tinham conseguido me deixar desnorteado. 
Mais da metade da minha vida foi baseada em uma vingança. Uma vingança devido a algo que nunca aconteceu. 
Se o que ela dizia era realmente verídico, Ethan Wolfe nunca foi o responsável pela minha ruína. Seu filho Cameron Wolfe nada foi a não ser uma pessoa qualquer que surgiu na hora errada, surgiu quando eu queria culpar até mesmo qualquer inocente. Eu quase perdi a mulher que mais amava no mundo por uma vingança que nunca deveria ter existido. Uma vingança nula, algo que quase acabou destruindo completamente a minha existência. Vivi tantos anos preso naquele rancor, mergulhado naquela sede de justiça para, então, anos depois, descobrir que a única pessoa que merecia desfrutar do meu ódio era meu próprio pai.
Voltei a socar a mesa, assustando Karen. Com a vista borrada, apenas me levantei e procurei me afastar. Não queria ouvir mais nada, estava acabado. 
- Obrigado por tentar melhorar a minha maneira de enxergar o que um dia foi uma família, mas infelizmente você só conseguiu piorá-la. 
- Escute-me, eu tenho mais uma coisa a dizer... 
- Vá embora, eu não quero ouvir mais nada. Apenas quero que o resto da sua família vá para o inferno! 
Depois de dizer aquilo, tomei meu rumo. A única coisa que queria era Demetria perto de mim, só ela saberia como levar a dor que eu estava sentindo embora. Só ela. Só ela diria que remoer lembranças ruins era perda de tempo. Diria que me amava, diria que eu era, sim, um homem forte que não precisava mais se atormentar com o que fora trancada a sete chaves em um lugar desconhecido no passado. 
(Coloque a quarta e última música para tocar!)

My eyes are painted red
The canvas of my soul
Slowly breaking down, again
Today I heard the news
The stories getting old
When will we see the end?
Of the days, we bleed for what we need
To forgive, forget, move on
Cause we've got...


Demetria soltou um suspiro surpreso quando a primeira coisa que fiz foi puxá-la para os meus braços. Acariciei seu cabelo e escondi meu rosto na curva de seu pescoço, tentando não permitir que aquelas lágrimas saíssem, mas com ela eu não tinha do que me envergonhar. Rapidamente senti seus dedos quentes e macios tocarem o meu rosto e tive que olhá-la nos olhos. Desesperando-se com as lágrimas que conseguia enxergar, Demi colocou minhas mãos em sua cintura e me puxou para o lado de fora do quarto. Sua mãe estava distraída com Matthew no colo e Jamie já tinha voltado a dormir. Eu não queria atrapalhá-los, então nós começamos a caminhar sem rumo pelos corredores do hospital. A todo o momento ela olhava para o meu rosto e apertava seus dedos contra os meus. Sabia que o meu silêncio era um sinal de que algo estava errado, mas não tentou quebrá-lo. Fui eu quem o quebrou. 

One life to live
One love to give
One chance to keep from falling
One heart to break
One soul to take us
Not for sake us
Only one
Only one.


- Eu quase matei o filho de um homem que tudo que fez foi ajudar minha mãe como ninguém mais. É como se tivesse vivido em vão durante um pedaço da minha vida... - soltei as palavras e ela arregalou os olhos, surpresa com a minha revelação. Demos a volta em outro corredor e Demetria só distribuía mais força no contato entre nossas mãos entrelaçadas. Ela teria paciência para me esperar dizer tudo. E talvez demorasse um pouco. - Segui todo esse tempo com uma memória, sendo que deveria ter outra completamente diferente. - desordenadamente, expliquei tudo a ela. Tudo. Usei exatamente as palavras que Karen usou. - Minha mãe... Demetria, minha mãe nunca tentou me ferir, ela só... Agiu da forma que achou ser correta, tudo que ela fez foi me proteger daquele monstro. - eu estava chorando, chorando como um menino assustado em seus braços. Não era forte o suficiente para resistir mais. 

The writting's on the wall
Those who came before
Left pictures frozen still, in time
You say you want it all
But whose side you fighting for?
I sit and wonder why
There are nights, we sleep, while others they weep
With regret, repent, be strong
Cause we've got...

One life to live
One love to give
One chance to keep from falling
One heart to break
One soul to take us
Not for sake us
Only One
Only One.


Minha mulher limpou uma lágrima que escorria pelo meu rosto e juntou nossos lábios, deixando que eu sentisse todo o calor de seu corpo. Por mais que tristeza fosse o meu sobrenome naquele momento, uma parte de mim estava feliz, pois tinha alguém como ela por perto. E sempre teria. Fiquei feliz por ela ter me perdoado, por aceitar que eu era um homem que não sabia como parar de cometer um erro atrás do outro. Mas Demetria sabia lidar com isso, sabia lidar tão bem que, assim que nosso contato foi rompido, como se ela carregasse algum antídoto único, não me senti mais tão fora de rumo e vazio. 
Ela virou o rosto para o lado e sorriu abertamente, pedindo com um gesto de cabeça para que eu seguisse sua visão. Estávamos diante de um berçário. Conseguíamos enxergar perfeitamente todos os pequenos seres que ainda se acostumavam com aquele mundo. 

Just you and I
Under one sky.


- Sabe o que você tem em comum com todos esses bebês? - indagou sutilmente, se aproximando e encostando a mão no vidro, olhando pacientemente para um daqueles rostos inocentes. Eu nada respondi, apenas esperei que ela mesma desse uma resposta para sua própria pergunta. - Eles estão confusos, mas tem pessoas por perto para mostrar que tudo vai dar certo. Eles não sabem o que será de suas vidas, mas mesmo assim estão prontos para vivê-las. Joseph, eles tem muito, muito pela frente. Assim como você... Portanto, deixe a memória de seus pais em paz. Por favor, meu amor, não se remoa com isso. Eles cometeram erros, você também, eu também, todos... Mas, olhe para mim! - ordenou, mas não falava tão alto para não assustar os pequenos. - Estamos vivos e podemos começar de novo. Todos esses bebês também terão a chance de começar de novo algum dia. - quando percebi, já estava parado ao seu lado, analisando todas aquelas pessoas recém-nascidas. Não fiz questão de procurar um jeito de retribuir tudo que ela me disse, mas sabia que não seria necessário. Demetria conseguiu curar mais uma ferida. 
- O que acha que aquele ali vai ser quando crescer? 
- O de cabelos arrepiados? - ela riu docemente e tornou-se pensativa. - Ele será um bad boy que vai se apaixonar por uma inocente garota e assistir toda a sua vida mudar em um piscar de olhos! 
- E quem será essa garota inocente? - Demi procurou por entre os bebês até achar sua vítima.
- Aquela ali! - apontou para o que vestia algo rosa. Ela olhava maravilhada para eles, sem deixar nenhum de lado, como se fosse a mãe de todos. Ainda comentávamos sobre o que cada um seria ao atingir a nossa idade, e durante aquele momento Demetria voltou a segurar minha mão e olhou fundo em meus olhos, mordendo o lábio inferior. - Quando será que Jamie e Matt estarão prontos para outro irmãozinho? 
- Talvez logo, não é? Se continuarmos naquele ritmo do estacionamento... - arrisquei relembrar aquele momento e felizmente ela se divertiu, passando os braços pelo meu ombro. 
- Nossa, eu observo situações como essa e... Não sei, consigo me sentir tão forte. - as mudanças de humor de Demetria eram uma incógnita, mas ao mesmo tempo algo totalmente bom de se acompanhar. Ela passou a exalar uma coragem que nem deveria ter conhecimento de onde surgiu. Seus olhos pareciam mais vivos do que nunca, e ela me olhava como se estivesse pronta paraqualquer coisa que a esperasse no futuro. - Sinto que sou capaz de qualquer coisa por vocês, minha família e meus amigos. - seu sorriso se desmanchou e seus olhos pareceram escuros, quase como se ela soubesse que suas palavras guardavam um fundo de verdade. Um aviso de algo que se aproximava. - Acredite no que eu lhe digo, Joseph, se eu tivesse que agir como... - Demi procurou por palavras, talvez com medo de usá-las. - Como o Carter, por exemplo, com todo aquele jeito insano e destemido, só para garantir que tudo ficasse bem... Eu agiria. Eu seria como o Carter para proteger quem eu amo! 
- Cuidado, desse jeito você me assusta, senhora Jonas... - fingi estar apavorado com sua revelação e ela torceu os lábios, soltando um riso e colocando os cabelos para trás de forma sedutora. Pelo menos para mim. 
- Não se preocupe, bonitinho, eu sei quem merece o meu melhor e o meu pior. - e antes que eu pudesse responder, ela me puxou pela gola da blusa e uniu nossas bocas de um jeito quase selvagem.
Tristeza era algo que não permanecia por muito tempo no mundo de quem convivia com aquela mulher. 


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