Image Map

sábado, 21 de junho de 2014

Secretary II - Capítulo 20


Decisões e consequências



Flashback
Manhattan, 11 de setembro de 2001

- Karlie! Até que enfim você chegou! - a escadaria do melhor colégio de Nova York estava completamente movimentada. Moças e rapazes trajavam o típico uniforme com perfeição. Miranda e Courtney desceram alguns degraus ao perceberem que sua amiga estava se aproximando. Karlie Russell segurou apaixonadamente a mão de seu namorado Evan e sorriu para os outros alunos que a notaram no mesmo instante. Ela era a garota popular, a garota que sempre acrescentava algum acessório junto ao seu uniforme. E é claro que as outras alunas copiavam isso, inclusive suas duas amigas. Karlie usava as meias brancas na altura dos joelhos e, diferente da maioria das outras alunas, seus sapatos eram de salto alto. A saia vermelha de pregas ficava quase a altura de sua cintura, revelando melhor suas pernas. A gravata raramente era usada, e o casaco sempre estava com algum diferencial. Uma tiara vermelha estava colocada em seu cabelo castanho e longo. As curvas femininas e perfeitamente em ordem dela atraiam a atenção dos seres do sexo masculino que estavam por perto. Mas ela só tinha olhos para Evan. Ah, Evan, seu namorado desde sempre. O garoto que cresceu com ela, que a pediu em namoro quando ainda eram duas crianças inocentes. O homem com quem se casaria, o homem com quem seria feliz pelo resto da vida. Ele tinha cabelos curtos e loiros, porém cacheados, exatamente como os de um anjo. 
Karlie soltou a mão de Evan por um instante para cumprimentar suas amigas e as três riam sem parar, antenadas nas novidades e fofocas que sentiam saudade de compartilhar. 
- Estou feliz hoje. - ela disse, mandando um beijo no ar para Evan e revirando os olhos ao notar as alunas normais que passavam por ela e admiravam o que era capaz de fazer com um uniforme. - Finalmente meu pai arrumou tempo livre em sua agenda, e nós vamos passar a tarde juntos! - Karlie disse animada, juntando as duas mãos e não escondendo de suas amigas o brilho que estava em seus olhos. 
Logo estavam dentro do colégio, mas com as mentes presas em qualquer coisa que não fossem os estudos. O dinheiro dos pais bancaria tudo, então não precisam se preocupar com conhecimento. Os típicos adolescentes superficiais e burros
A primeira hora passou arrastada e Karlie tamborilava os dedos em sua mesa, olhando para o namorado e recebendo uma piscadela. Talvez as coisas começassem a dar certo para ela, talvez seu pai começasse a lhe dar mais atenção, e não apenas a bolsa ou o sapato mais caro do ano. Olhou para o relógio: 08:40. Respirou fundo e continuou a fingir prestar atenção na breve explicação do professor bonitão. 08:44, bufou e começou a enrolar as pontas dos cabelos nos dedos, só precisava aguentar mais um pouco. 
08:46
Nada parecia diferente, a não ser seu cabelo que tinha se livrado da tiara e estava preso em um coque frouxo. Vozes surgiram do lado de fora, assim como buzinas frenéticas e uma estranha agitação. Ela ignorou, tentando focar seus pensamentos na tarde maravilhosa que teria. Minutos se passaram. Os vozes do lado de fora se tornaram mais altas, algumas até desesperadas. Alguns alunos ignoraram o professor e correram até as enormes janelas de vidro para descobrir o que estava acontecendo. De repente, a porta da sala de aula se abriu e a inspertora parecia preocupada. 
- Tem algo errado! - ela disse para o professor. - Peça para que os alunos saiam com calma, por favor. Tem algo realmente errado acontecendo lá fora, e eu temo que seja grave. 
Antes que o professor pudesse abrir a boca para responder, os alunos já pegavam suas coisas e saiam correndo da sala. Karlie olhou aflita para o namorado e arrumou suas coisas rapidamente na bolsa, seguindo as amigas. Seus pés doíam, porque jamais ela se permitiri correr de saltos, mas não se importou. Passaram pela saída da escola e desceram as escadas junto com os outros alunos. Atravessaram os portões e pareciam estar diante do começo de um caos
- Meu Deus, o que diabos está acontecendo? Fujam, jovens, fujam! - um senhor passou correndo por eles na calçada, os obrigando a ir para o meio da rua e encarar algo mais a frente. Os olhos de Karlie se arregalaram e suas mãos começaram a tremer. 
World Trade Center estava lá, no mesmo lugar de sempre. Mas algo estava errado. A parte superior da torre norte estava em chamas. Parecia surreal demais, era como estar presa em um pesadelo. Ela mal conseguia acreditar. 
Memórias frescas vieram até sua mente, e nelas ela estava com seu pai. Era aquele mesmo dia, só que mais cedo. Ele havia dito que passaria a tarde com ela e os dois começariam a recuperar o tempo perdido. 
O cheiro insuportável de fogo já começa a entrar por suas narinas e a fumaça negra que escapava pelas chamas começava a se alastrar. Karlie sentiu sua mão ser puxada na direção oposta daquele desastre e olhou para o rosto de Evan. Ele limpou brevemente uma lágrima que escorria do rosto de sua namorada e a tirou dali, disparando a correr. 
Logo aquele lugar estava tomado pela fumaça negra, os gritos de socorro estavam por todos os lados. A tragédia que marcara o mundo colocou fim à sonhos de muitas pessoas, inclusive aos de Karlie. Seu pai estava morto, sua vida nunca mais seria a mesma. 


A escuridão lhe parecia confortável naquele momento. Karlie estava encolhida em um canto de seu quarto, abraçando suas pernas e com a cabeça sobre os joelhos. Já estava cansada de chorar, era como se estivesse seca por dentro. A cabeça latejava e ela só conseguia se perguntar se tudo aquilo ainda era parte do enorme pesadelo que pensava estar tendo. A homenagem as vítimas da tragédia fora cinzenta, melancólica. Todos os conhecidos de seu pai a olhavam com pena, mas por sorte uma das empregadas da casa era como uma mãe. Ela tentou fazer com que Karlie comesse alguma coisa quando chegaram em casa, mas a garota se recusou e subiu correndo para o quarto. Estava tão assustada... Nunca tinha sentido naquela daquele jeito, nunca achou que sofrer tanto fosse possível. Não para ela... Ela tinha tudo
Pensou em se levantar e tomar um banho, mas escutou um barulho estranho vindo do nadar de baixo e chamou o nome da empregada, não obtendo resposta. Se colocou de pé e caminhou até a porta, ajeitando a saia amassada de seu vestido preto. Quando encostou a mão na maçaneta para sair, a mesma foi girada e a porta se abriu com violência, obrigando Karlie a dar um passo brusco para trás. 
- Bill? O que faz aqui? - ela com disse com a voz chorosa, enquanto o homem a olhava sem emoção. Bill era o pai de seu namorado e melhor amigo de seu falecido pai. A amizade dos dois era grandiosa, era sabia muito bem disso. Mas, naquele momento, aquela amizade não parecia significar nada para o homem. 
- Pobre Karlie... É órfã agora. - ele soltou as palavras com frieza, desviando o olhar do quarto da garota e olhando para o corredor, dando um aceno de cabeça. Karlie ouviu alguns passos e logo Evan, seu namorado, apareceu. Estava totalmente sério. 
- Evan? Meu Deus! - Karlie correu para os braços dele, não sendo correspondida. Ao perceber que os braços do namorado não a envolveram, ela se afastou dele e sentiu novas lágrimas surgirem. O que estava acontecendo? 
Sentiu alguém puxá-la pelo braço e duas mãos se colocaram sobre seus ombros. Bill a olhou nos olhos e não mediu suas palavras. 
- Isso é o melhor para você, prometo que vai ficar bem. 
- Do que está falando? - Karlie disse apreensiva, então percebeu que Evan se aproximou e, junto com Bill, eles a seguraram e a colocaram para fora do quarto. A garota tentou se soltar, mas desistiu quando sentiu a força depositada pelo seu namorado em seu braço, na tentativa de mantê-la presa. - Me soltem, por favor! - ela implorou, sendo obrigada a descer as escadas. - Evan, o que está acontecendo? Por que faz isso comigo? - Evan a soltou e a olhou nos olhos, deixando que um sorriso sacana surgisse em seus lábios. 
- Eu nunca senti nada por você, Karlie... Só pelo seu dinheiro. - e então ele riu. Karlie não teve tempo de processar aquelas palavras soltas com tom de deboche, porque assim que se deu conta, já estava sendo arrastada para fora de sua casa. Um carro estava do lado de fora e, de dentro dele, saíram dois homens vestidos de preto. Bill a soltou e a deixou nas mãos daqueles homens, que praticamente a obrigaram a entrar no carro. Pelo vidro da janela, ela olhou para Evan mais uma vez, deixando que a raiva queimasse por dentro. 
- Vocês vão me pagar! - ela disse alto, na esperança de que ele pudesse ouvir. Tudo tinha sido uma mentira. Evan não a amava, Bill não era uma boa pessoa. Karlie estava perdida. 
Logo o carro estava longe, revelando a nova realidade de uma garota rica que estava começando a aprender com os golpes da vida. 


Meses se passaram, e o gosto amargo daquela vida deplorável só fazia com que Karlie se tornasse uma pessoa vazia por dentro. A pior parte não era estar trancada dentro de um reformatório, mas sim perceber que tudo em que acreditou durante sua vida inteira não passava de uma mentira. Amor? Ela achava que sabia o que era, mas seu coração parecia ter sido arrancado da forma mais cruel o possível. Família? Ela mal se lembrava o significado daquela palavra. Esperança? Talvez com vingança, talvez quando tivesse a certeza de que aqueles dois estavam pagando. Naquele momento, a enorme fortuna de seu falecido pai não fazia mais diferente, Karlie não se importava mais com dinheiro. 
Sua aparência sofreu uma trágica mudança com o passar do tempo. As roupas de grife deram lugar àquele uniforme largo de um cinza desbotado. Os cabelos, antes compridos e bonitos, estavam na altura de seu queixo, totalmente desgrenhados e rebeldes. A raiva era tanta, que ela descontava no próprio corpo. Primeiro acabou com seu cabelo, depois se viu com cicatrizes pelos braços e pernas, resultados de ferimentos que ela mesma lhe causava. As pessoas que cuidavam dos internos não se importava, ninguém se importava. 


O sol pareceu brilhar pela primeira vez em dois anos. E ele realmente estava brilhando, Karlie conseguia ver o sol brilhar. Seus dezoito anos foram completados e ela se viu livre. Uma calça jeans surrada e uma blusa larga com capuz cobriam seu corpo magro. Não tinha bagagem nas mãos, não tinha nada. Assim que o enorme portão se fechou atrás dela, Karlie caminhou sem rumo por algum tempo, apenas sentindo os raios solares lhe oferecem um pouco de conforto e calor. 
A noite chegou fria e infeliz. Karlie estava com frio e com fome, mas suas pernas estavam fracas demais para que ela conseguisse se levantar daquele meio fio e fosse atrás de alguma esmola. Quem diria, a garota que no passado poderia se banhar com dinheiro estava passando fome! 
Ela abraçou os próprios braços e se encolheu quando alguns moradores de rua passaram por perto. Seus olhos se estreitaram e ela conseguiu enxergar um letreiro vermelho piscar de um jeito forte. 
Aquilo era humilhante, vergonhoso... Sujo. Mas ela tinha escolha? 
Obrigou suas pernas fracas a colocarem ela de pé e caminhou com rapidez na direção da luz. Depois de quase ser atropelada, Karlie chegou ao outro lado de rua e, depois de mais alguns poucos passos, estava diante do que lhe parecia ser uma boate. Pensou em recuar e procurar um lugar quentinho para dormir, mas seu estômago roncou de novo e ela se viu agindo por instinto. 
Mas antes que pudesse pensar em um modo de entrar, um voz alta e grave a surpreendeu. 
- O que você quer, pirralha? - Karlie sentiu um arrepio ruim correr por todo o seu corpo e se virou. Um homem de cabelos grisalhos e barriga grande a encarava. O bigode que ele tinha lhe causou náuseas, mas respirou fundo e se preparou para pedir o que jamais imaginou. 
- Um trabalho. Eu preciso comer... - sussurrou as palavras, se escorando na parede ao sentir uma leve tontura. O homem riu e se aproximou mais, colocando o dedo indicador no queixo de Karlie e levantando seu rosto. Depois de fazer uma curta análise, ele olhou para a blusa que ela usava e levantou uma sobrancelha. 
- Tire a blusa, garota. - os olhos dela se arregalaram e, de um jeito assustador, ela percebeu que estava encrencada. Não tento saída, ela puxou a barra de sua blusa de frio para cima e se livrou da mesma, ficando apenas com uma fina e desgastada regata branca. Outra vez o homem se pôs a fitá-la com atenção, demorando um pouco o olhar na direção de seu busto. 
- P-posso colocar de novo? E-estou com frio. - Karlie perguntou, imóvel, se segurando para não deixar que ele notasse seu corpo trêmulo. 
- Não posso negar que você até que tem um belo material, mas será que sabe dançar? 
- Dançar? Não! Eu posso fazer qualquer coisa, até limpar banheiros.. Mas não sei dançar. 
- Nessa vida tudo se aprende, não é? Vamos, entre! Vou lhe dar algo para comer e depois você me mostra o que sabe fazer em cima de um palco. - o corpo de Karlie foi empurrado para dentro do local e ela sentiu como se pudesse ficar cega a qualquer momento. As luzes eram um mix de vermelho e verde e o ambiente estava cheio de homens. O cheiro forte de cigarro e álcool irritou seu nariz, até que seus olhos avistaram um palco no centro, onde vários mulheres semi-nuas dançavam de um jeito promíscuo. 
Depois que foi tirada dali, Karlie recebeu um pedaço de pão e um copo com leite puro. Comeu como se fosse a última vez, com tanta vontade que mal mastigava direito antes de engolir. O homem observou o estado da jovem garota e balançou a cabeça negativamente. Não pensava em fazer nada de ruim para ela, mas não poderiaa se responsabilizar pelos homens de diversos tipos e classes que frequentavam aquele Strip Club. 
- Qual é o seu nome? - ela colocou o copo vazio em uma mesa que estava próxima e olhou para baixo, se perguntando se alguém deveria saber seu nome. Karlie Russell... Não era mais o nome de alguém importante, era só um nome miserável no meio de tantos outros. 
- Karlie. 
- Ok, Karlie. Vou te levar ali no fundo e algumas mulheres vão lhe dizer o que fazer. Entendo que é nova por aqui, mas, se realmente quer dinheiro, vai precisar convencer os homens lá fora de que você é boa, me entendeu? - ela levantou o rosto e o encarou com medo. - Eu poderia te colocar para limpar banheiros ou lavar copos, mas vejo algo em você... Não sei, só vá até lá e me surpreenda. - quem aquele nojento pensava que era para falar com ela usando aquelas palavras? Ela não era nenhuma prostituta ou algo tipo. Na verdade, Karlie ainda era virgem. 
Ela teve medo de contrariar as ordens do homem, então se levantou vagarosamente e seguiu na direção em que ele indicou. Passou por uma cortina vermelha e uma porta foi aberta. Uma mulher loira e de peitos grandes surgiu em sua frente, sorrindo amigável e fazendo um gesto com a cabeça, pedindo para Karlie entrar. O cheiro de perfume barato irritou suas narinas, ela sempre era elogiada pelos perfumes de ótima qualidade que usava. Se sentisse aquele cheiro doce quando ainda era rica, com certeza desmaiaria. 
- Ora, ora, o que temos aqui? - uma mulher morena de cabelos curtos olhou para ela, chamando a atenção das outras duas dançarinas que estavam dentro da pequena sala. Um espelho grande, maquiagens e cabides com roupas estavam ao redor. - Qual é o seu nome garota? 
- Karlie... Um homem me disse para vir até aqui e pedir instruções do que fazer. - as outras se entreolharam e sorriram com deboche, uma delas riu. 
- Você? A nova Stripper? Corta essa! 
- A garota nem tem peitos! - Karlie sentia suas bochechas queimarem toda vez que escutava comentários maldosos sobre sua aparência. Queria poder calar a boca de todas aquelas vadias, mas como? 
Ela olhou para o lado e avistou um sobretudo vermelho. Talvez devesse tomar uma atitude, talvez ser a órfã ingênua e sofrida não lhe ajudaria em nada. Karlie de um passo receoso e se aproximou do sobretudo vermelho, estendendo a mão para pegá-lo. Olhou para as mulheres que esperavam por atitudes da garota e sorriu levemente. Voltou a atenção para as roupas e escolheu mais algumas, se sentindo suja em alguns momentos. Mas ninguém precisava saber. 
Depois de escolher um par de botas, ela se trancou dentro de um banheiro próximo e jogou as roupas no chão, deixando que as lágrimas caíssem. Mas jurou a si mesma: aquela seria a última vez que choraria e que seria fraca. Aquele maldito emprego seria só o começo, porque em breve ele faria sua vida dar um giro. A qualquer custo, não importavam com consequências. Os cabelos na altura dos ombros foram penteados para o lado, e ela se perguntou onde estava o brilho intenso que costumavam ter. Deu de ombros e passou um produto qualquer em seu cabelo castanho, satisfeita com o resultado. Depois de dar uma ajeitada em seu corpo, ela vestiu a roupa que tinha escolhido e colocou o sobretudo por cima. Calçou as botas e procurou por alguma maquiagem. Será que Karlie Russell ainda sabia usar um delineador? 
Teve que sair do lugar para procurar maquiagem, então logo estava na mesma sala de antes. Uma das mulheres arregalou os olhos ao vê-la e outra pareceu sorrir orgulhosa. Karlie se maquiou de um jeito impecável, deixando para trás a garota faminta e abandonada que era minutos antes. Pintou os olhos, deixando-os extremamente marcados; os lábios adquiriram um tom rubro sedutor. 
Por dentro, a vergonha era tanta que seu corpo chegava a doer, mas por fora ela estava forte. Engoliu em seco, levando os medos junto. O mesmo homem de antes voltou a entrar na salinha e se surpreendeu ao ver a garota. Ela olhou friamente para ele e esperou ser chamada para sua primeira performance
Tinha feito aulas de balé quando pequena, será que lhe seria útil? 

(n/a: Coloque Milk do Garbage para tocar!)

Karlie subiu os pequenos degraus que a separavam das feras que a aguardavam. Respirou fundo e se perguntou mais uma vez por que diabos tudo aquilo estava acontecenco com ela. Deveria estar vivendo sua vida luxuosa, deveria estar em sua universidade dos sonhos. 
Deveria estar com Evan. 
Ao se lembrar daquele nome, a raiva borbulhou dentro de seu corpo. Mandou o bom senso para o inferno e subiu os degraus, se deparando com uma cortina vermelha que estava prestes a se abrir. Ela se preparou e tudo escurou. Uma leve fumaça surgiu atrás de seu corpo e estranhos jogos de luzes começaram. Uma música lenta tocava, ela se perguntou como conseguiria dançar com algo daquele tipo. Os homens que estavam ao redor a receberam com aplausos, palavras de baixo calão e assovios, mas ela preferia fingir que não estava ouvindo nada. 
Ainda parada, ela olhou para os fundos do lugar e percebeu que um jovem homem a olhava com interesse. Sentiu algo engraçado em seu estômago e de repente se sentiu motivada a mover o corpo. Fechou os olhos e deixou a melodia guiá-la. Balançou os quadris e hesitou antes de se aproximar do fino poste que estava no centro do palco. Se sentindo mais solta, ela começou a brincar com o poste, se roçando a ele e movimentando o corpo de um jeito que julgava ser sensual. Segurou o poste com as duas mãos e deslizou o corpo para baixo, ficando de joelhos. Apoiou uma das mãos no chão do palco e em seguida e outra, engatinhando para mais perto da beirada. Seus olhos avistaram três notas de dinheiro sendo jogadas ao lado, e então ela percebeu que eles queriam que ela continuasse. Karlie precisava de dinheiro, Karlie precisava dar um jeito em sua vida. 
Ela olhou para os fundos de novo e o sujeito de olhos claros - ela pôde perceber devido às luzes que passavam por ele - continuava a fitá-la do mesmo jeito intenso de antes. Karlie sorriu brevemente e fingiu que todos aqueles homens não estavam ali, apenas ela e o estranho de olhos verdes. Ergueu o corpo e ficou de joelhos mais uma vez, puxando os botões de seu sobretudo, revelando parte de seu sutiã preto e uma curtíssima saia jeans. Após aquele feito, mais notas foram sendo jogadas aos poucos. Karlie se jogou no chão de madeira, levantando um pouco os quadris e deixando sua cabeça ficar suspença na beirada do palco. Observou seus espectadores de cabeça para baixo. Ainda naquela posição, ela percebeu que o homem dos fundos estava mais perto, queria vê-la melhor. Então ela se levantou e continou com sua dança por mais alguns instantes, até que todas as luzes se apagaram. Com medo de que aquilo pudesse não durar muito, ela se adiantou a recolher as notas de dinheiro pelo chão e correu para os fundos, tropeçando nos próprios pés. 
Sua respiração estava falha, ela mal conseguia acreditar no que tinha feito. 

Mais tarde naquela noite, depois de receber uma pequena porcentagem do dinheiro que tinha conseguido, ela vestiu sua roupa de antes e foi para o bar do Strip Club. Estava com vontade de beber. Beberia algo extremamente forte, pela primeira vez em sua vida. Em dúvida do que pedir ao barman, ela deixou seu olhar se perder no palco, onde outra stripper se apresentava. Próximo a ela, o cara dos olhos verdes estava sentado em um sofá, com o olhar perdido. Ficou esperando um tempo, na tentativa débil de que ele a notasse. Mas com aquela roupa era quase impossível. 
Porém, quando estava prestes a voltar sua atenção para o bar, o homem se levantou e pareceu notá-la. Ela sentiu seu coração bater mais rápido quando ele caminhou em sua direção e rapidamente rompeu a distância entre ambos. Como quem não queria nada, ele se sentou ao lado dela no bar e pediu um Black Russian. Karlie levantou as sobrancelhas e se perguntou se o que ele tinha pedido era bom. 
- Por que não pede um para você também? - a voz dele a pegou de surpresa. A garota se endireitou em seu banco alto de madeira e respirou fundo antes de olhar diretamente para o homem. Quando o fez, sentiu seu corpo inteirinho estremecer. Os olhos de um verde insanamente intenso estavam mais próximos, e algo extremamente perigoso parecia brilhar neles. Os cabelos eram castanhos, quase loiros, e estavam arrepiados. Vestia uma camiseta preta de alguma banda desconhecida. Tatuagens eram visíveis em seus braços. Karlie o achou totalmente estiloso e lindo... Aquele era o tipo de cara que ela passaria longe se ainda estivesse vivendo sua antiga vida. 
Mas não estava mais. 
- É tão bom ao ponto de você me recomendar? - Karlie tentou deixar sua voz sedutora, mas acabou fazendo com que ela soasse rouca demais. O homem soltou um risinho e pegou sua bebida, dando um longo gole. 
- Melhor ainda. - ele disse com um forte sotaque britânico, olhando Karlie diretamente nos olhos. O que diabos estava acontecendo? 
Ela se deu por vencida e pediu a mesma bebida. Depois de alguns minutos e algumas caretas pelo sabor forte da mesma, a conversa com o estranho pareceu tomar rumo. 
- Qual é o seu nome? - perguntou, já se sentindo um pouco mais solta. 
- Diga o seu primeiro, sweetheart. - Karlie sentiu vontade de sorrir ao ser chamada daquele jeito, mas apenas mordeu o lábio. 
- Meu nome é Karlie. 
Carter. - ele disse, virando um pouco o corpo e prendendo os olhos em uma dançarina. Karlie bufou sem que ele pudesse perceber e se xingou mentalmente por estar com aquele maldito moleton. Tendo uma atitude ousada, ela puxou a barra de sua blusa para cima - pela segunda vez na noite -, ficando apenas com a regata branca, que mostrava um pedaço do sutiã preto. Carter desviou o olhar do palco e contemplou os movimentos graciosos e ao mesmo tempo desajeitados da garota. Ela estava no lugar errado. 
- Sabe, Karlie... Não é que eu esteja falando mal de sua dança, mas foi a primeira vez que fez aquilo, certo? 
- Foi tão óbvio assim? 
- Sim, foi. - ele disse, sorrindo sacana. - Mas não tem problema... - se aproximou um pouco para poder falar no ouvido dela. - Acho falta de experiência uma coisa interessante. Você pode aprender muito, se quiser. - Karlie sentiu suas bochechas corarem novamente com aquelas palavras e percebeu o quanto idiota estava sendo. Aquele cara não podia pensar que ela era uma virgem assustada! Ela tinha que começar a agir de outro jeito. 
- Ah, eu já aprendi muitas coisas, se quer saber... 
- Me diga uma, então. - Carter falou, com seu tom de vez sedutor em excesso. 
- Eu aprendi... - ela olhou para o balcão de madeira desbotada e mordeu ingenuamente o lábio inferior. Aquele gesto atraiu novamente a atenção de Carter. - Aprendi balé! 
Ele riu. Depois sorriu maliciosamente. 
- Balé? Eu já tive uma namorada que era bailarina... É algo bem flexível
Karlie engoliu em seco e sorriu, entrando naquele jogo. Não estava se reconhecendo. 
- Sim, bem flexível. 
- E por que você foi tão recatada ali naquele palco, Karlie? 
- Porque certas coisas nem todos merecem ver. - ela mal sabia, mas aquelas palavras que saiam de sua boca estavam começando a fazer o corpo de Carter responder de um jeito... Perigoso. De fato ele pensava que ela era como qualquer outra vadia que dançava naquele lugar, e ela até poderia ter se sentido ofendida com aquilo, mas não. Era interessante ser uma nova pessoa, agir do jeito que dava na telha. Mesmo que em circunstâncias como aquelas. 
- Ouça, minha querida Karlie... - ela encostou sutilmente seus dedos nos cabelos dela, descendo e indo parar em seu queixo. - Eu tenho uma moto lá fora, talvez você queira sair daqui. - ela olhou nos olhos dele e deixou que um risinho escapasse de seus lábios. Carter estava tentando seduzi-lá. 
- Carter, eu não sou uma prostituta. - ela disse confiante, pegando o copo dele e dando o último gole na bebida. 
- Ótimo, afinal, eu não estou pretendendo lhe pagar. - os dois riram. Mas será que aquilo tinha sido uma brincadeira? - Vem comigo ou não? 
- Depende. Para onde você vai me levar? - ela nem se deixou pensar duas vezes se deveria ir ou não. Não tinha mais nada a perder. 
- Isso é surpresa. 
- Só se você me prometer que não vão achar meu corpo esquartejado em um quarto de motel barato. - Carter se divertiu com o jeito que Karlie disse tudo aquilo e balançou a cabeça de forma negativa, se levantando e estendendo sua mão, para que Karlie pudesse segurá-la. 
- Confiar em um estranho às vezes pode não ser algo fatal, sabia? 
- Então me convença disso, Carter. - ela deixou que uma sedução ainda fresca e desajustada tomasse seu tom de voz ao dizer o nome dele. Segurou sua mão e se deixou guiar para o lado de fora. Logo estava na moto de Carter, e só Deus sabia para onde ele a levaria. 

Uma semana se passou. A semana mais movimentada e estranha da vida de Karlie. 
Ela ainda não sabia ao certo se ter aceitado sair do Strip Club com Carter tinha sido algo bom ou ruim... Coisas aconteceram. 
Porém, antes de tais fatos, eles tiveram uma longa conversa. Ele contou a ela que morava em Londres, na Inglaterra, mas estava nos Estados Unidos para resolver algumas coisas. Se surpreendeu quando Carter lhe disse que tinha apenas 18 anos, assim como ela. A conversa foi perdendo o rumo e o contato corporal entrou em evidência, até que não foi mais possível evitar. 
Karlie perdeu sua virgindade com Carter. 
Estranho era a palavra que ela gostava de usar para definir aquela experiência. Em tempos passados, gostava de imaginar que a perda da virgindade era algo romântico e mágico, mas quando a hora realmente chegou, ela percebeu que criou expectativas demais. Não que tivesse sido ruim, muito pelo contrário... Fora a dor, realmente conseguiu sentir certo prazer. Carter era bom no que fazia. Mas não conseguia espantar a sensação estranha que surgia em seu corpo toda vez que se lembrava do que tinha acontecido. Naquela semana, se encontrou com Carter Stone todos as noites, após terminar suas apresentações - o homem até determinou que ela poderia dormir no apartamento onde ele estava morando temporariamente. 
Com o tempo, seus movimentos no palco ficaram mais soltos, mais confiantes. Estava conseguindo mais dinheiro. 
Karlie achava que o fato de não ser mais virgem estava contribuindo para tudo aquilo. Achava que seu corpo estava mais flexível, menos travado. 
Ela balançou a cabeça negativamente para se livrar daqueles pensamentos e caminhou para os fundos do clube, na intenção de trocar de roupa. Carter chegaria logo. 
Entrou na salinha de sempre e fechou a porta, respirando aliviada ao perceber que estava sozinha. Após se trocar e se livrar de toda aquela maquiagem, ajeitou o que vestia antes no cabide e se preparou para sair. Seria aquela outra noite de sexo com o sedutor e misterioso Carter? 
Mas antes que pudesse pensar direito nele, a porta rapidamente se abriu e um homem de meia idade entrou, a trancando e deixando Karlie sem saída. A expressão no rosto dele era de pura satisfação ao observar o corpo dela. Karlie tentou se esquivar para o lado, mas o homem a puxou pelos braços e tentou beijá-la. Lutou contra ele com todas as suas forças, até que acabou caindo no chão. Ele a puxou por uma das pernas e tentou beijá-la novamente, mas Karlie o empurrou pela peito e tentou pegar algo para se defender. Começando a ficar furioso, ele foi até ela e a puxou com mais força, jogando seu corpo no chão com violência. Karlie soltou um grito, mas ninguém poderia ouvi-la. O homem tentou se colocar no meio das pernas da jovem, sedento por aquele corpo que lhe parecia perfeito. Ela ergueu uma das pernas e tentou impedi-lo de se aproximar. Ainda estava usando seu sapato de salto agulha. 
Ele segurou sua perna com força, arrancando um grunhido de sua garganta. Karlie empurrou a perna na direção do rosto dele de novo, porém sentiu que o salto de seu sapato estava pressionado contra a jugular do homem. Não poderia permitir que aquele ser asqueroso fizesse algo com ela, não poderia! 
Ele tentou puxá-la para perto de novo... 
Karlie fez força com o pé, sentindo que seu salto tinha penetrado alguma coisa. Quando virou seu rosto na direção do velho, ele estava com os olhos vidrados e ela avistou sangue. 
O salto de seu sapato havia perfurado o pescoço do homem. Como aquilo era possível?
Ela tapou a boca para conter um grito e sentiu seu corpo inteiro tremer, se levantando e encarando toda aquela cena com os olhos arregalados. Aquilo não era real... Ela não teria sido capaz de matar uma pessoa, não teria! Sua vida já estava mergulhada demais em desgraça para que algo como aquilo pudesse acontecer. 
Ela precisava fugir. 
Pensando em escapar pelos fundos, ela abriu a porta e olhou ao redor, tendo a certeza de que ninguém estava por perto. Deu meia volta e começou a corredor na direção da porta dos fundos. 
Mas uma voz a impediu de continuar. 
Com medo, ela virou o corpo e encarou outro homem parado ao lado da porta em que ela estava antes. Tinha se esquecido de fechar a mesma, então a cena do suposto crime estava em evidência. Karlie pensou em correr e não dar satisfações ao homem, mas a culpa estava corroendo suas veias. As lágrimas já saiam desempedidas de seus olhos. Aquele era seu fim. 
- Eu não queria... - seu corpo escorregou na parede. - Eu juro que eu não queria... 
O homem não parecia surpreendido e muito menos assustado com o que estava vendo. Na verdade, ele olhava Karlie de um jeito interessado. Não sexualmente, mas sim de outro jeito. 
- Levante-se, garota. - ele disse simplesmente, e sua voz firme fez com que Karlie não pensasse duas vezes antes de obedecer. - Tem ideia de quem você acabou de matar? - ela fez que não com a cabeça, deixando que mais lágrimas caíssem. - É só questão de tempo até que os "capangas" dele te encontrem. Você está perdida! 
- Por favor... - ela começou, se aproximando dele. - Me ajude, por favor! 
Ele olhou o corpo do homem dentro da sala mais uma vez e respirou fundo. 
- Só tem um jeito... Me diga seu nome. 
- K-karlie. - ela gaguejou, limpando as lágrimas com as costas das mãos. 
- Eu posso tirá-la daqui, Karlie, mas você vai ter que pagar um preço alto por isso. 
- Eu faço qualquer coisa. - o tom de voz da garota era desesperado. 
- Você precisa esquecer quem é... E se tornar uma nova pessoa. 
- Como eu poderia fazer isso? 
- Venha comigo. 
No instante seguinte, ela já estava pulando a grade dos fundos do lugar e entrando em um carro desconhecido. Não pensou no homem que tinha matado acidentalmente, muito menos em Carter... Ela só conseguia pensar na própria sobrevivência. Na própria liberdade. Na própria vida. 
Vida que estava arruinada... Mas ela estava prestes a começar uma nova. 


Seus olhos se abriram lentamente e a pouca luz do ambiente a obrigou a fechá-los de novo. Sua cabeça latejava de um jeito insuportável e seus músculos doíam como nunca. Ela levantou o tronco com certa dificuldade e tentou identificar o lugar onde estava. Não se lembrava daquela cama... E muito menos da câmera - que registrava cada movimento seu - bem no centro do quarto. Ela jogou a coberta que envolvia seu corpo para longe e se levantou, percebendo que ainda estava com a mesma roupa da noite anterior. Não queria lembrar da noite anterior. 
Se aproximou da porta, prestes a abri-la, mas a maçaneta girou e ela recuou um passo, dando de cara com o homem que tinha surgido no Strip Club e salvado sua vida
- Bom dia. Como se sente? - ele perguntou casualmente. 
- Isso é algum tipo de piada? - Karlie se sentiu revoltada de repente. - Eu matei uma pessoa, e você vem me perguntar como eu me sinto? 
- Não, você não matou uma pessoa. Karlie matou. - ela o olhou com uma expressão incrédula no rosto. Aquele homem extremamente alto só podia estar brincando com a sua cara. 
- Ok, eu vou fingir que não ouvi isso. - Karlie tentou andar para longe dele e voltar para a cama, pelo menos estava mais confortável. Antes que pudesse completar o percurso, o homem a puxou pelo pulso e imobilizou seus braços. Ela soltou um gemido de dor. 
- Acha que é algum tipo de piada agora? Eu falo sério. Karlie matou um homem, Karlie está morta! 
- O quê? - ele a soltou e a garota caiu sentada no chão, segurando o pulso. Seu rosto estampava dor. 
- Eu disse que você se tornaria uma nova pessoa... Não se preocupe, cuidamos de tudo. Karlie Russell está morta, terá até um túmulo. 
A garota arregalou os olhos e se levantou rapidamente. 
- Você está falando sério? Como isso é possível? 
- Venha fazer uma caminhada comigo. - ele puxou a porta e fez um gesto com a mão, indicando a Karlie para ir primeiro. Ela o obedeceu e cruzou a porta, olhando para trás diversas vezes, com medo de que ele fosse prender seus braços daquele jeito de novo. O lugar onde estava era coberto por tons de cinza metálico. Parecia pertencer a um futuro distante. Eles caminharam até um elevador e Karlie se sentiu enjoada com a velocidade que o mesmo subiu. 
- Vai dizer o que diabos está acontecendo comigo ou não? - as portas do elevador se abriram. 
- Entre naquela porta - ele apontou seu dedo indicador em uma direção. - E você vai descobrir. 
- Qual é o seu nome? - ele bufou e se deu por vencido. Mesmo com a vida arruinada, a garota parecia observadora e curiosa demais. 
- Meu nome é Arthur. De agora em diante, eu sou o seu chefe. Não faça com que eu me arrependa por ter lhe dado uma nova vida. 
Karlie se viu sozinha diante daquele lugar gigante e assustador, assistindo o elevador descer. Virou o corpo e deu uma batida sem jeito na porta que fora indicada. Esperou pacientemente até que alguém surgisse para recebê-la. Durante a espera, notou um grupo de cinco pessoas que passaram por ela. Três homens e duas mulheres. Ambos pareciam jovens, assim como ela. Eles a encararam por um tempo e acenaram com a cabeça. Karlie sentiu liberdade para fazer o mesmo. 
Em seguida, a porta metálica se abriu, fazendo um barulho agudo. Karlie observou a mulher que se materializou em sua frente. Tinha cabelos loiros presos em um coque firme. Um saia vermelha de corte impecável e um brazer vermelho cobriam seu corpo; nos pés, um sapato de salto extremamente alto. A mulher loira a olhou de cima a baixo e sorriu, pedindo a Karlie que entrasse na sala. 
- Você deve ser a gatora nova do Arthur, certo? 
- Não sou a garota de ninguém. - ela disse simplesmente, cruzando os braços e pensando em Carter por um instante. Levantou o rosto e observou os lustres de cristais no teto e os manequins ao redor do lugar. Parecia uma mistura de salão de beleza com atelier de costura. 
- Ok, garota-que-não-pertence-a-ninguém - a mulher disse pausadamente, zombando de Karlie. - Meu nome é Laurie e recomendo que, antes de tudo, você tome um bom banho de banheira. - ela se aproximou e segurou uma mecha do cabelo da garota. - Seu cabelo está oleoso! - Karlie tirou a mão da mulher de seu cabelo e deu um passo para trás, com cara de poucos amigos. 
- Essa é a minha nova vida? Receber um tratamento de princesa? 
- Não, meu doce. Esse é só o começo, essa é a parte fácil. - Laurie ajeitou com carinho a saia de um dos vestidos que estava no manequin. 
- Será que você pode me explicar o que é tudo isso, por favor? 
- Claro! Primeiro de tudo: seja eternamente grata a Arthur Sheppard. Ele não costuma ajudar muitos jovens perdidos como você. Segundo: você está dentro de uma organização secreta
- Uma o quê? 
- Trabalhamos para o governo. Já assistiu filmes de agentes secretos? É mais ou menos a mesma coisa, mas tire um pouco do glamour do cinema. Terceiro: você terá missões, várias delas! Em algumas, provavelmente vai ter que ferir ou até matar alguém, mas não se preocupe, coração... Garanto que nenhuma dessas pessoas vai fazer falta no mundo. Quarto: você é realmente uma garota bonita, vai aprender a trabalhar bem com isso. Beleza, feminilidade e fragilidade são suas maiores armas. Abuse delas. 
- Eu não sou frágil! 
- Como quiser. 
- Ok, ok... - Karlie colocou as duas mãos na cabeça, como se quisesse processar todas aquelas informações com mais rapizes. - Eu sou uma agente secreta que trabalha para o governo? 
- Não, você ainda é uma recruta em processo de aprendizagem. Mas com o tempo... Você será uma agente secreta. 
- Por que tinha uma câmera no quarto em que eu dormi? - Karlie se esqueceu por um segundo do que estava prestes a se tornar, e questionou Laurie sobre o objeto que capturaria cada movimento seu enquanto estivesse dentro daquele quarto. 
- Não se preocupe, a câmera some daqui há um mês. É só no começo, você até sente falta quando se livra dela... 
- Isso é louco demais para a minha cabeça, sério. - Laurie riu, uma risada que soava doce. 
- Acha que isso é louco? Vai se apavorar quando ver o que lhe espera nas salas de treinamento, e, pior ainda... Nas ruas. Em todo o caso, não se preocupe com isso agora. Mas, antes que eu possa dar um jeito em seu cabelo e vesti-la com algo digno, você precisa de um nome. 
- Meu nome é Karlie. - ela ergueu uma sobrancelha. 
- Arthur não te contou que Karlie está morta? Esqueça ela, querida. Você é uma nova pessoa, ou seja, tem que ter um novo nome. 
- Eu... - a garota pensou por um instante. Que nome gostaria de ter? Poucas pessoas teriam a chance de escolher seu próprio nome... - Eu não faço a minima ideia! - ela bufou e Laurie se aproximou, segurando o queixo da garota. Levantou o rosto jovem e com sinais de uma maquiagem mal tirada. 
- Quer que eu escolha um nome para você? Vejamos... - Laurie analisou minuciosamente seu rosto e vários nomes surgiram na mente. - Amber, Chantal, Scarlett, Meredith... Hm, que tal Scarlett Meredith? - a loira sorriu de orelha a orelha, orgulhosa com o nome que tinha escolhido. 
- Se eu concordar, vou poder tomar um banho de banheira? 
- Vai! 
- Ótimo, novo nome escolhido! 
- Então me siga, Scarlett. - Laurie caminhou graciosamente com seus saltos super altos até outra porta, sendo acompanhada pela mais nova habitante de toda aquela loucura: Scarlett Meredith. 


A mulher que caminhava por aquele corredor não era mais um ser assustado e fraco. Os olhos não eram mais desfocados, ela tinha uma direção. Manteu o olhar fixos no corredor metálico que passava por seus olhos e segurou a arma com vontade, cruzando um corredor e chegando até seu destino. A sala de treinamento. 
Arthur tinha decidido que treinaria aquela equipe, queria acompanhar o desempenho daqueles cinco jovens. 
Scarlett apontou a arma na direção do alvo e ajeitou os óculos protetores, assim como os fones de ouvido. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo longo e seu rosto já era menos abatido, as olheiras quase não apareciam. 
Arthur ordenou que eles atirassem duas vezes no alvo, com cuidado. Ao fazer isso, ela sentiu seu corpo vibrar quando a bala fora disparada. Suas duas tentativas foram um sucesso e ela sorriu por dentro. Arthur já começava a se sentir orgulhoso. 


Dentro de outra sala, ela encarava seu adversário. Arthur estava no meio dos dois e lhes dava instruções. Ela olhou nos olhos do outro recruta e ele sorriu, apontando para ela e dando um soco de brincadeira no próprio rosto. 
- O objetivo aqui é simples: lutar e se manter vivo. Você só pode parar quando seu oponente estiver caído no chão. Caso contrário, continue a lutar, use tudo o que aprendeu. Lá fora, as coisas não vão ser fáceis como são aqui. Lá fora, eu não vou surgir e impedir que um mate o outro. Estamos entendidos? 
Scarlett focou seus pensamentos em apenas uma coisa: vencer. Já estava tendo aulas e aprendendo a transformar seu corpo em uma arma. Já tinha conhecimento sobre vários golpes e maneiras de defesa. O outro recruta se aproximou, na intenção de distrai-la e golpea-la, mas a mulher foi mais rápida e o deixou sem saída. Segurou um de seus braços e se esquivou, abaixando o corpo e o derrubando. Arthur estimulou os dois a continuarem com aquele treinamento com cada vez mais intensidade. O suor já estava presente em ambos os corpos e o homem que tentava a todo curto derrubar Scarlett parecia estar perdendo a paciência. Ele voou nela e derrubou ambos os corpos no chão, prendendo as pernas dela com as suas. Scarlett fez força e se soltou, praticamente jogando o corpo dele para o lado. Respirou fundo e subiu em cima dele - que estava com o corpo deitado - imobilizando sua cabeça, colocando as duas pernas ao redor de seus ombros. 
- Isso vai doer um pouco, Josh. - ela alertou, sorrindo convencida. 
- Estamos todos aqui por uma única causa, não? Não enrola, garota! Faça isso de uma v... - antes que Josh pudesse terminar sua frase, já tinha sido acertado em cheio com um soco. Arthur sorriu de um jeito imperceptível e assistiu sua recruta se levantar, alongando os braços e ajeitando o cabelo. É, tinha tomado a decisão certa. 


As coisas realmente se mostraram mais complicadas. No começo, ela apenas aprendeu a atirar e a lutar de todos os jeitos possíveis. Mas naquele instante, se viu sob um sol escaldante em um deserto agonizante. A sua frente, um caminhão vinha desgovernado. Ela olhou para a granada que segurava e se lembrou das instruções de Arthur: olhe, mire, atire. Sem culpa, sem sentimentos. Esse é o seu trabalho. Isso é você. 
Ela ignorou o calor que estava sentindo dentro daquela roupa de couro e correu para mais perto do caminhão, tendo em mente que aquele era o mais intenso de seus treinamentos. 
Assim que a granada fora jogada, ela se escondeu atrás de outro caminhão e tampou os ouvidos, ainda sendo capaz de ouvir os estrondos. Cinco minutos se passaram. 
- Belo trabalho, Scar! - o motorista do caminhão surgiu ao seu lado, dizendo as palavras em um tom alto. Ela arregalou os olhos e limpou o suor da testa. 
- Como diabos você continua vivo? Eu joguei a granada e tudo explodiu! 
- Ainda não te ensinaram a parte de agilidade, ou você tem dificuldade para aprender, gata? - ela se levantou e o olhou nos olhos. 
- Dificuldade? Eu desconheço essa palavra, gato
E então saiu andando, deixando o homem para atrás. 


- Eu não posso fazer isso, eu não posso mais fazer isso! NÃO POSSO! - Scarlett berrou, cedendo e deixando o corpo cair no chão. Suas forças estavam acabadas, só conseguia deixar que as lágrimas caíssem. Tudo estava ficando complicado demais, pesado demais, insuportável demais. Arthur caminhou até ela e puxou seu corpo para cima, o chocando contra a parede. Se aproximou um pouco e olhou fundo nos olhos dela, mostrando decepção. 
- Não era vingança que você disse que queria? Vai mesmo ser tão fraca ao ponto de desistir agora? Foi para essa mulher fraca que eu dei uma segunda chance? Que vergonha! 
- Pare de falar assim comigo... - ela fechou os olhos com força, sentindo seus músculos responderem a força com que Arthur a prensava contra a parede. O homem se viu sendo empurrado para longe, orgulhoso da força que a recruta tinha. - Eu não sou fraca, eu não vou desistir. E eu vou me vingar, você pode ter certeza. 
- Então levante seu rosto e lute! 
Naquela noite, ela não conseguiu dormir. Ficou acordada pensando em tudo que estava acontecendo. Se sentia forte, segura de si. Teve um pequeno deslize durante o treinamento da tarde, mas tinha a certeza de que jamais desistiria. Estava ali com muitos propósitos. Era tarde demais para voltar atrás. 
Tudo que aconteceu na vida de Karlie Russel não lhe pertencia mais. Daquele momento em diante, as memórias da garota rica estavam mortas, assim como ela. Os lugares onde Karlie esteve, as pessoas que Karlie conheceu, as atitudes que Karlie teve... Não faziam mais diferença. Fingiu deletar de sua memória para sempre. 
Scarlett olhou para um pequeno relógio de parede e fechou os olhos, os abrindo e dizendo para si mesma: minha vida começa agora. 
Então, ela transformou a tristeza em força. Transformou a vulnerabilidade na arma mais poderosa que poderia ter. Não seria mais a vítima, ela faria vítimas. Não exatamente vítimas, porque nenhum dos desgraçados que - com certeza - derrubaria pelo caminho teriam feito algo de bom em vida. Apostava que também não fariam no inferno. 
Com o tempo, foi adquirindo mais força, mais habilidade. Adquiriu irônia, uma boa dose de sarcasmo e um bom humor inconveniente. Seus colegas quase não a reconheciam mais. Não chorava, não reclamava. Via sempre as vantagens em cada situação. A recruta mais motivada e, aparentemente, feliz. 


1 ano depois...
Los Angeles

Outra missão. 
Há meses ela tinha deixado de ser apenas uma recruta e se tornou a melhor aposta da organização. Os olhos brilhantes e o sorriso angelical serviram de isca para diversos criminosos que ela conseguiu capturar com eficiência. Também se saui extremamente bem quando teve que conseguir informações importantes ou simplesmente passar recados. Na maior parte do tempo, estava com sua conhecida jaqueta de couro e seus óculos escuros. Não queria dar intimidade as pessoas, por isso não permitia que vissem seus olhos. 
Scarlett apagou seu cigarro no cinzeiro de prata que estava ao lado da cama onde seu corpo estava jogado. Era um luxuoso quarto de hotel. Aquela missão tinha regalias como aquelas. Sabia que seu trabalho deveria ser silencioso e direto, porque o dono do hotel tinha conhecimento do que estava prestes a acontecer e não permitiria escandalos em seu patrimônio. Ela o viu rapidamente, apenas para saber de quem se tratava. O nome dele? Joseph Jonas
Ela se levantou da enorme cama e caminhou até onde tinha deixado um pequeno saco de cor marrom. O abriu e tirou de lá um cupcake e uma pequena vela de cor rosa. Tirou seu isqueiro do bolso com agilidade e acendeu a vela, a afundando na superfície fofa do cupcake. Olhou por alguns segundos na direção do que supostamente deveria ser um bolo de aniversário e respirou fundo. 
Feliz aniversário, Karlie. - Scarlett abaixou um pouco o tronco, fechando os olhos e assoprando a vela com força. Quando a mesma se apagou, ela abriu os olhos e sentiu aquele cheiro característico. Tinha prometido a si mesma que o passado ficaria no passado, mas não conseguiu evitar. Sentiu a necessidade de trazer Karlie de volta a vida por alguns poucos minutos. 

(n/a: Coloque Tainted Love do Marilyn Manson para tocar!)

Deixando de lado o momento sentimental, ela prendeu a arma na calça, pegando dois pedaços de pano branco e um pequeno frasco com clorofórmio. Tendo em mente as instruções de Arthur, ela caminhou decidida até a porta, saindo do quarto. Suas sobrancelhas se levantaram e ela assoviou ao reparar melhor em toda a decoração do corredor daquele hotel. Escondeu os objetos que segurava dentro do bolso interno da jaqueta e pegou um elevador, fingindo que era apenas uma hospede qualquer. Se esforçou para lembrar o andar onde suas vítimas estavam, e então se lembrou de que tinha ajuda no andar de baixo. Caso o plano não desse certo, ela poderia pedir reforços. 
As portas do elevador se abriram e Scarlett deu de cara com a porta que escondia dois criminosos. 
Com calma, ela bateu na porta, sorrindo amigável para uma senhora que passava por perto. Esfregou as mãos e procurou pelo seu melhor sorriso. E o mesmo surgiu de maneira involuntária em seus lábios assim que viu aquele homem. Talvez homem não fosse a definição correta, porque ele ainda tinha o mesmo rosto de menino. E como ela sentia vontade de quebrar todo aquele lindo rosto... Os cabelos ainda lembravam os de um anjo, os lábios finos e bem desenhos se abriram lentamente e ele parecia procurar palavras. 
Scarlett não disse nada, continuou em silêncio. Tudo que fez foi dar um passo a frente. 
- Karlie... O que diabos... 
- Karlie? Quem é Karlie? - ela se apoiou no batente da porta e olhou para os lados, como se procurasse por alguma Karlie. Voltou a olhar para Evan e sorriu diabólicamente. Ele sentiu que a situação se complicaria, então puxou a porta, a fim de fechá-la. 
Scarlett foi mais rápida. 
Com força, ela empurrou a mesma e entrou no quarto, obrigando Evan e recuar, mas ele acabou caindo no chão. Scarlett soltou uma risada debochada e se ajoelhou frente a ele, o puxando pela nuca. Depois de brincar um pouco com os cabelos de anjo, ela olhou firmemente em seus olhos e aproximou bem o rosto. 
- A própria namorada, Evan? Você matou sua namorada por causa do dinheiro dela? Por que não tentou pedir uns trocados com jeitinho, sei lá... - ela fez um bico com os lábios e ele parecia desesperado. - O que foi, meu anjo? Com medo de mim? 
- Eu pensei que você estava morta, e... 
- E se eu estiver? - ela sabia que seu olhar era dos mais sombrios. Se divertia insanamente por dentro. - Nunca ouviu falar em espíritos vingadores? 
- K-karlie... Por favor, não faça nada comigo. Lembre-se de tudo que nós tivemos, Karlie... - ela respirou fundo e puxou o cabelo dele com agressividade, arrancando um gemido de dor do homem. Aproximou a boca de seu ouvido e sussurrou: 
- Se me chamar de Karlie mais uma vez, vai ir fazer companhia à ela! 
Scarlett retirou rapidamente o frasco e o pedaço de pano de dentro de sua jaqueta e derramou um pouco do líquido no tecido, o segurando com firmeza e aproximando do rosto de Evan. Ele tentou se esquivar e a empurrou para o lado, se levantando e correndo até o banheiro. Bateu a porta e Scarlett riu. 
- Que marica! - assim que disse aquilo, percebeu que não estava mais sozinha no quarto. Ah, as coisas estavam melhorando. 
- Karlie? 
Ela não respondeu, apenas levantou um dos cantos dos lábios e correu na direção de Bill, o pegando de surpresa e chocando o tecido contra o rosto do homem. Logo seu corpo cedeu e caiu no chão, provocando um barulho alto. Ela escutou alguém chorar dentro do banheiro. 
Sem hesitar, Scarlett pegou sua arma e atirou na maçaneta, estourando a mesma e fazendo com que a porta se abrisse. Evan correu para o canto e se encolheu. 
- Por que perder meu tempo indo ao cinema ver um filme de comédia, se eu posso ver você desse jeito? - logo Evan também tinha sido apagado. Ela empurrou seu corpo para fora do banheiro e chamou seu companheiro de missão. Bastaram minutos para que pai e filho fossem algemados e levados para a delegacia. 
Scarlett achava que nunca mais veria aqueles dois rostos do passado, mas o bem estar que sentiu ao vê-los pagando por seus atos foi imensurável. 


Mesmo com a sensação de que a justiça tinha sido feita, ela estava presa demais àquela nova realidade. Na verdade, não queria voltar atrás, era boa no que fazia. Arthur tinha lhe alertado que aquele era um caminho sem volta. Uma vez que se envolveu com segredos de estado, criminosos implacáveis e todos os perigos constantes daquele trabalho, ela estaria presa para sempre. 
Eliminou todas as chances possíveis de ter uma futura vida normal. 
Um dia qualquer, aproveitando a pequena folga, se viu dentro de um estúdio de tatuagem. A escolha foi rápida e objetiva: tatuou a palavra Freedom na lateral de seu corpo, próximo a região das costelas. 
Liberdade. Era o que ela mais presava, o que mais queria ter. E, talvez um dia, conseguiria. 


Londres

Definitivamente, Scarlett detestava sentir frio. Não podia negar que aquela cidade era muito bonita, mas o clima? Horrível. 
Acostumou-se com o calor da Califórnia - onde passava a maior parte do tempo. Estava escurecendo, e só o casaco de couro que usava não era o suficiente para se esquentar. Ela retirou do rosto os fios de cabelo que o vento insistia em bagunçar e avistou um letreiro mais a frente. Ótimo, um pub. Pelo menos poderia beber antes de coletar informações sobre um suposto desfalque de grandes proporções. 
Puxou a porta, fazendo com que um sininho balançasse e anunciasse sua chegada. Deu de ombros e foi até o balcão, fitando as pessoas que estavam ao redor. Ingleses e suas expressões de frieza e poucos amigos. Mas, mesmo assim, bonitos. A maioria com olhos ou cabelos claros, pena que beleza não se colocava à mesa. Pelo menos era daquele jeito que ela pensava. 
Franziu o cenho e piscou os olhos duas vezes, pensando estar tendo alucinações. Não era possível. 
Carter Stone - o cara que tirou sua virgindade -, estava naquele bar! 
Que situação mais previsível, ela pensou. 
Ela se lembrava perfeitamente dele e de seus olhos hipnotizantes. Se lembrava de seu jeito ardiloso e de que ele havia dito uma vez que morava naquela cidade. Será que se lembrava dela? 
O barman se aproximou e Scarlett pensou no que pediria para esquentar um pouco sua noite. Teve lembranças que se condenou por ter, mas já era tarde... E seria útil. 
- Um Black Russian, cara. Por favor! - disse em alto e bom, atraindo a atenção de Carter. Ele se virou no lugar onde estava sentado e olhou na direção em que Scarlett estava. Ela fingiu que não reparava nele e esperou por sua bebida. Olhou de soslaio e perceber que Carter caminhava lentamente em sua direção. 
- Karlie? - ele disse, se deixando impressionar. Ela se virou no banco e apenas o olhou por alguns segundos. Como era possível aquele cara estar mais bonito do que ela se lembrava? Os olhos pareciam mais verdes, o rosto mais másculo e... Ah, o sorriso apareceu. - Não acredito nisso! 
- Não sou a Karlie, tente de novo. - ela se virou novamente e pegou sua bebida. 
- Ah, então quem é você? A gêmea malvada? - ele cruzou os braços, mordendo o lábio inferior. 
- Não finja que se importa, gato. 
- Exatamente, eu não me importo. Mas, devo confessar que me importei há um ano, quando minha namorada desapareceu. - ela olhou para ele e soltou um risinho. 
- Karlie não era sua namorada, aquilo foi só sexo, Stone. 
- Eu fui o primeiro homem da sua vida, Karlie. - Scarlett olhou para baixo e de um jeito discreto chutou o joelho de Carter. 
- Já disse que esse não é meu o nome! - ela se irritou. - E não fique se vangloriando por ter rompido a droga de um hímen, pouco me importo com isso. 
- Outch, eu gosto do que vejo! - ele sorriu abertamente. - Posso saber o seu nome, então? - ela colocou o copo no balcão e se levantou, dando uma volta ao redor de Carter. Aproximou-se do rosto dele e roçou seus lábios na orelha do homem. 
- Me chame de Scarlett. E, um aviso: você não me conhece... - ela tentou se afastar, mas Carter a segurou pelo braço e a trouxe para mais perto. 
- Mas eu quero conhecer. 
Ambos trocaram um olhar malicioso e praticamente colidiram seus corpos, juntando os lábios com furor. 
De todas as coisas de seu passado, talvez uma não precisasse ser esquecida. 

Fim do flashback.


(...)

Scarlett se viu novamente dentro do carro de Arthur, depois de uma verdadeira viagem por seu passado. Fazia mal lembrar de tudo aquilo, então por que ela lembrou? Será que Carter tinha conseguido abrir a maldita ferida de novo? Há anos não pensava em seu pai, nem em nada do que aconteceu. Ela se livrou da leve tontura por ficar tanto tempo com a cabeça baixa e olhou para Arthur, percebendo que já estava em frente a casa onde passava as noites. Devolveram Joseph a sua cruel realidade temporária e disseram a ele que logo estaria livre de vez. Mesmo que levasse algum tempoo... 
Scarlett ajeitou seu vestido e se preparou para sair do carro, mas Arthur começou a falar: 
- Eu vou procurá-la amanhã... Sei que, mesmo sem me conhecer, Demetria me odeia, mas eu preciso tentar. - ela o ouviu paciente e balançou a cabeça positivamente. 
- Boa sorte com o assunto "pai e filha". - Scarlett fez aspas com os dedos e abriu a porta do carro. 
- Scarlett! 
- Diga, chefe. - seu tom de voz era cansado. 
- Não deixe que as palavras daquele maluco atormentem você, ok? Você é bem mais forte que isso. 
- Qual é, Arthur? - ela fechou a porta e se encostou na janela, o vidro estava aberto. - Se eu não fraquejei nos primeiros anos, não é agora que isso vai acontecer. Boa noite! 
Ela se dirigiu até a porta da casa e esperou que Arthur fosse embora. Respirou fundo e entrou, batendo a porta e jogando a chave longe. Jogou também seu revolver no sofá e já foi abrindo o zíper do vestido, sentindo-se desconfortável. Quando estava apenas de calcinha, caminhou até o espelho de corpo inteiro - que estava por perto - e ficou de lado, observando a tatuagem na lateral de seu corpo. Passou levemente os dedos pelo local e deixou sua mente se perder em pensamentos que não lhe interessavam mais. 
Percebeu que aquilo era um grande erro e revirou sua mala a procura de algo para vestir. Tirou de lá um blusão preto do AC/DC e o vestiu. Se jogou na cama e não pensou em mais nada, queria apenas dormir. 


Demetria's P.O.V

Pela segunda vez na vida, acordei naquela casa. Mas, diferente da primeira vez, não foi Cam que pediu para que eu passasse a noite ali. Depois que a festa de Elizabeth acabou, ela percebeu o estado de seu enteado - que estava dormindo no jardim - e praticamente implorou para que eu ficasse e dormisse por lá. Não tive como negar, eu estava com medo de voltar sozinha para a minha casa. Carter estava a solta. 
Envolvida nas cobertas do quarto de hóspedes, me deixei sorrir por um instante. Lembrei do momento perfeito que havia tido com Joseph na noite anterior. Vê-lo de novo me acalmou tanto... E perceber que ele estava esperançoso me deixou exageradamente feliz. 
Levantei da cama e encarei a camisola que estava vestindo. Elizabeth tinha me oferecido algumas mudas de roupas novas, coisas que acabaria nem usando. Por sorte, elas serviram perfeitamente em meu corpo. Caminhei pelo quarto e senti uma leve vergonha ao pensar em sair dali. Eu não fazia parte daquela família, era uma intrusa dentro daquela casa. Não me fazia bem ficar ali, as memórias dos acontecimentos desconfortáveis com Cameron ainda eram frescas. Eu não sabia se queria encará-lo depois de todas as revelações que ele fez na noite anterior. Ele me disse para fingir que não havia dito nada, então eu fingiria. 
Fiz uma higiene matinal rápida e vesti a roupa que repousava dobrada sobre um chaise. Saí do quarto e desci as escadas, torcendo para que Cameron ainda estivesse dormindo. Passei pela entrada principal e me senti perdida. O que eu faria? 
Meu estômago roncou, e então Elizabeth apareceu com um leve sorriso. 
- Bom dia, Demetria. 
- Bom dia, Elizabeth! Eu acho que posso ir embora agora... Não se preocupe, pego um táxi ou algo assim. 
- Não, fique para o café! Eu preciso conversar um instante com você. - eu sempre me sentia estranha quando as pessoas me falavam aquilo. Nunca era algo realmente bom, nunca. 
Estranhando Cam e seu pai ainda não terem descido para o café, acompanhei Elizabeth até a mesa que já estava pronta. De repente, perdi a fome. Estava mais interessada no que ela tinha para me falar. Fiquei brincando com o copo, deslizando o dedo pelas bordas. Quando levantei meu rosto, ela estava me olhando. 
- Você realmente faz o Joseph feliz. - disse simplesmente. Soltei o copo e a olhei também. 
- Faço? - questionei, reprimindo um sorriso orgulhoso. 
- Observei como as coisas aconteceram ontem, Demetria. Joseph chegou com uma expressão e foi embora com outra completamente diferente. É mais do que óbvio que o que provocou essa mudança foi você. 
- Nós conversamos. - sorri levemente. 
- Obrigada. - seu tom de voz sereno era algo realmente agradável. Sempre tão calma e sofisticada, não parecia o tipo de pessoa que se exaltava fácil. E a semelhança com Joseph, sob a luz do dia, se tornava mais real. 
- Não sei por que está me agradecendo. 
- Por não desistir do meu filho, é claro. Outra já teria dado um jeito de pegar o dinheiro dele e ir embora! 
- Eu nunca faria isso, Elizabeth. 
- Sei que não. E ele vai sair dessa, eu tenho certeza. Meu filho não matou ninguém, e eu não preciso conviver com ele para saber disso. - de um jeito ou de outro, ela sabia exatamente o que estava dizendo. A típica intuição de mãe, talvez. Ela acreditava no filho, assim como eu. 
A empregada veio até a mesa, olhando para Elizabeth e depois para mim. 
- Tem um homem lá fora, ele não disse o nome, apenas disse que quer falar com a Sra. Demetria. - Carter foi o primeiro nome que veio em minha mente, mas ele não viria me procurar de maneira tão civilizada. Pedi licença e saí da mesa, caminhando até a entrada da casa. Na porta, não tinha ninguém. Fui para o lado de fora e procurei com os olhos, avistando apenas um carro. O carro em queJoseph tinha entrado na noite anterior, junto com Scarlett e o homem que me lembrou Peter. 
- Olá, Demetria. - me assustei quando percebi que um homem estava praticamente do meu lado, encostado em uma das pilastras da entrada. 
- Quem é você? Como sabe o meu nome? 
- Não se lembra de ter me visto ontem? 
- Lembro, lembro sim. Joseph entrou no seu carro junto com uma tal de Scarlett... 
- Exato. - sua postura era dura e seu semblante era sério, mas consegui perceber que ele parecia um pouco feliz. 
- Mas isso não responde nenhuma das minhas perguntas. - o homem respirou fundo e se aproximou um pouco mais, me olhando com cautéla. 
- Quer mesmo saber quem eu sou? Posso ir embora e fingir que nada disso aconteceu. 
- Já que está aqui, fale de uma vez. - ele concordou com a cabeça. 
- Eu sou o homem que engravidou sua mãe. - eu poderia ter arregalado os olhos, corrido para longe dele ou simplesmente ter começado a chorar, mas tudo que consegui fazer foi rir. Não era possível, ele não era meu pai. Meu pai mal se lembrava de minha existência. - Duas vezes. - foi então que o estranho aperto no peito surgiu. Lembrei-me de minha mãe contando o que tinha acontecido quando conheceu um misterioso homem, que fez questão de marcar sua vida duas vezes. Eu sentia imensa raiva quando ouvia aquela história, só conseguia ter a certeza que eu nunca iria querer ver aquele ser. Para mim ele estava morto. 
- Boa escolha de palavras. - minha voz saiu carregada de irônia. 
- Eu não tenho o direito de me intitular de pai, então acho que foram as palavras certas. 
- Eu não acredito em você! 
- Você tem os meus olhos. - ele afirmou, me obrigando a olhá-lo nos olhos. Custava admitir, mas era verdade. E eu não poderia me esquecer da tremenda semelhança entre ele e Peter. - Meu nome é Arthur. 
- Seu nome não me interessa. Não sei por que decidiu aparecer agora, mas eu não me importo. - eu gesticulava com as mãos enquanto falava, já estava completamente nervosa. Não era justo... - Não pense que eu o aceitaria de braços abertos, não pense nem por um segundo que eu faço questão de ouvir o que você tem a me dizer. 
Demetria... 
- Você é um desgraçado! - eu disse alto, me afastando dele. - Como teve coragem de fazer o que fez com a minha mãe? Uma vez, eu até poderia tentar entender... Mas como foi covarde o suficiente para abandoná-la grávida duas vezes? Se realmente é quem diz ser, eu sinto nojo de você! 
Eu ainda não tinha conseguido juntar todos os fatos de maneira carreta. Ainda não sabia o motivo daquele homem estar ajudando Joseph, mas eu não me importei. Naquele momento, eu só queria dizer todas aquelas palavras duras, só queria que ele sentisse um pouco da dor que minha mãe sentiu. 
Mas seu rosto não se alterou, ele continuou do mesmo jeito. 
- Sim, você está certa. Eu sou um desgraçado e não quero perdão algum... Só quero que escute a minha história. 
- Para o inferno com sua história! - dei as costas para ele e me preparei para entrar na casa. 
- Me ouça, Demetria! Pelo Joseph... 
Como ele tinha coragem de envolver o nome de Joseph no meio da merda que fez? Eu não conseguia acreditar, estava perplexa demais para continuar a caminhar. Me virei e o encarei de novo, sentindo meu corpo tremer de nervosismo. 
- Não envolva o Joseph nisso. 
- Eu posso salvar seu marido, ele só conseguiu sair da prisão ontem por minha causa. Acho que você não tem nada a perder se apenas me ouvir. 
Talvez eu pudesse simplesmente ouvi-lo e continuar a ignorar sua existência. 
- Então vamos, diga porque foi um ser tão desprezível. 
- Não posso mentir, eu abandonei sua mãe pela primeira vez por vontade própria. - o sentimento de revolta borbulhava dentro de mim. - Era um erro estar com alguém, era um erro ter um filho... O que eu fazia, ou melhor, o que eu faço, não me permite ter uma vida normal. 
- Ou seja, eu fui um erro. Não deveria estar aqui... 
- Me deixe continuar, Demetria! - me calei. - Eu deixei Sue e segui em frente, tentando me esquecer dela. Alguns anos se passaram e eu estava em Londres de novo, para cumprir uma missão. Não imaginava que a encontraria de novo, mas eu encontrei... - ele fez uma pausa para me olhar. - Já sentiu que poderia largar tudo por alguém? Foi exatamente desse jeito que eu me senti. Quando eu a vi, quando percebi que você já estava crescendo... Eu quis largar tudo. E eu realmente larguei, eu fui até Sue. No começo, ela não aceitou e me mandou embora, mas eu era persistente e a conquistei de novo. Talvez você não se lembre de mim, mas eu estive presente em sua vida por um curto período de tempo. 
- E então você se cansou de brincar de felizes para sempre e a abandonou de novo? - indaguei, não me deixando comover por nenhuma das palavras que saíam de sua boca. 
- E então eu senti medo pela primeira vez na minha vida. - ele disse baixo, encarando o chão. - Do mesmo jeito que você largaria tudo por alguém que ama, você também faria tudo por alguém que ama. Eu fugi do meu trabalho, Demetria, eu tentei mudar minha identidade, mas eles me encontraram. É uma profissão letal, você só consegue se livrar dela depois de morto. - ele mesmo parecia aborrecido ao dizer aquilo. - O aviso foi claro: volte a fazer seu trabalho ou sua família morre. E agora, eu lhe pergunto: o que você acha que eu fiz? Eu não mereço o seu perdão, eu não quero que você, Peter e muito menos sua mãe me perdoem, mas acho que precisam saber a verdade. Eu teria continuado com Sue, eu teria sido o pai que você e seu irmão mereciam ter... Se não fosse o medo de ver minha família ser morta diante dos meus olhos. Se você está aqui hoje, viva, é por causa do sacrifício que eu fiz. 
- Como você sabia onde eu estava? Como sabe o nome do meu irmão? Eu não consigo entender! 
- Meu trabalho permite que eu encontre pessoas, descubra coisas sobre elas... Eu vi Peter ano passado, um dos meus agentes conseguiu localizá-lo na Suíça, mas não consegui me aproximar. Na verdade, eu não iria me aproximar de você também. Até que fiquei sabendo pelo que estava passando... Demetria, eu posso te ajudar! Scarlett tem algo que pode provar a inocência do seu marido... Tudo bem se não confiar em mim, mas pelo menos confie nela! - após dizer todas aquelas palavras, ele caminhou para longe de mim, virando apenas o rosto em um momento. - Obrigado por me ouvir. 
- Espera! - sem que eu pudesse evitar, já tinha feito com que ele parasse de andar. - Como eu posso me comunicar com a Scarlett? - se ele estava pensando que eu o chamaria para dizer que tinha entendido seu erro do passado, estava completamente enganado. Mesmo depois de ouvir toda aquela história - que eu nem sabia se era real -, nada dentro de mim mudou. Ele fez minha família sofrer, eu não precisava dele por perto. Não o tive antes, não precisava ter depois de tanto tempo. 
- Ela entra em contato com você, pode esperar. 
Ele entrou em seu carro e foi embora, deixando minhas emoções abaladas mais uma vez. 

/Demetria's P.O.V


Cameron's P.O.V

Ressaca.
Ignorei a sensação de uma faca entrando na minha cabeça e continuei com os olhos presos ao quadro a minha frente. Eu achava que aquela pintura estava concluída, mas percebi que faltava uma parte, uma parte que eu tentava fingir não existir. Eu me negava a aceitar que aquela parte deveria estar ali... Mas talvez no fundo eu sempre soube que terminaria daquele jeito. 
Não queria sair do quarto, não queria ter que ver Demetria. Ao contrário do esperado, eu me lembrava de tudo que tinha dito a ela na noite anterior. Eu não queria me fazer de coitado, muito menos provocar uma cena. No entanto, uma língua bêbada é uma língua sincera. 
Peguei o pincel e comecei a dar algumas pinceladas pela tela, sendo obrigado a imaginar aquele rosto. 
A verdade? Eu estava cansado. Eu não sabia por que tinha ficado tão desesperado para ter aquela chance com ela... Sabia que no final as coisas continuariam as mesmas. Eu não poderia culpá-la, jamais. Ninguém tem o direito de escolher quem ama, ninguém pode ser tão egoísta a ponto de querer ter alguém sem pensar nas vontades dessa pessoa. 
Eu disse a ela que lutaria, disse que não desistiria... Mas por que lutar por algo que nunca será meu? De repente, naquela manhã, não fazia mais sentido. Não para mim. 
Larguei o pincel e respirei fundo, jogando meu corpo na cama. Minha chance tinha passado, não fui homem o suficiente para aproveitar quando realmente foi a minha vez. Eu merecia passar por tudo. Sofrer por amor era o meu carma. Mas, assim como superei a morte de minha mãe e tantas outras coisas, eu também superaria Demetria. Eu a amava, sim, demais. E aquele era exatamente o motivo que me obrigaria a deixá-la em paz. Amar alguém é se sacrificar, é pensar em primeiro lugar em uma felicidade que não lhe pertence. 
Voltei a pegar o pincel e decidi que só sairia daquele quarto quando a imagem estivesse pronta. Eu daria um jeito na minha vida, correria atrás do que era meu.. E não dos outros. Demetria? 
Nunca pensei que me sentiria daquele jeito por uma mulher, nunca pensei que faria aquilo em toda a minha vida, mas... Eu desisti.

/Cameron's P.O.V


I've been trying to figure out exactly what it is I mean... - Scarlett cantou animadamente, batucando no volante e esperando o sinal ficar verde. - Called up to listen to the voice of reason, and got the answering machine! - seus olhos cobertos pelos óculos escuros correram na direção de um café do outro lado da rua, e ela sorriu instantaneamente quando percebeu quem entrava no local. Assim que o sinal abriu, ela mudou de direção e em instantes já estava estacionando em frente ao lugar onde tinha visto ele entrar. 
Dobrou a perna e encostou o pequeno salto de sua bota em uma parede próxima, cruzando os braços e fingindo estar apenas encarando a vista. Não demorou para que ela ouvisse o barulho da porta se fechando. Ela se desencostou da parede e praticamente pulou na frente de Caleb. Antes que um de seus copos caísse no chão, Scarlett o pegou. 
- Hey... Obrigada! - ela disse com bom humor, tirando a tampinha e dando um gole genoroso no café. 
- Ok, eu ando consumindo cafeína demais esses dias. - ele sorriu e ambos começaram a andar na mesma direção. - Achei que não te veria mais por aqui, Scarlett. - ela notou que algo nele estava diferente... Tinha cortado o cabelo e pontos de barba estavam por seu rosto. Mesmo com o corpo um pouco magro, continuava a chamar sua atenção. 
- Parece que alguém não ficou tão feliz ao me ver... - ela fingiu uma expressão de tristeza. 
- Não, não é nada disso. 
- E aí, sua vida ainda continua bagunçada? - Caleb parou de andar e a olhou. 
- Bom, minha irmã se mudou para outra cidade, porque vai começar a faculdade. Meu pai, provavelmente vai ser condenado... Eu estou sozinho, me virando. - deu de ombros. 
- Grande garoto! - Scarlett aproveitou que ele estava parado próximo a um carro e se aproximando. Caleb deu um passo para trás, estranhando a atitude da mulher. Ela cruzou os braços e fitou os óculos que ele usava - desde que se lembrava estar no planeta terra - e ergueu as mãos, encostando os dedos na armação. - Esses óculos... Você realmente precisa deles? - ela torceu para que a resposta fosse a esperada. Se ele dissesse que era míope ou algo do gênero, Scarlett ficaria muito sem graça. 
- Ahn... Na verdade, há um ano eu não preciso deles, mas se tornou um hábito, sei lá... - ele se assustou um pouco quando percebeu que os dedos de Scarlett já puxavam rapidamente os óculos e os afastavam de seu rosto. Ele piscou duas vezes e, enxergando ela completamente bem, riu. 
- Não precisa mais disso, gato. - ela caminhou graciosamente até uma lixeira que estava próxima e jogou os óculos dentro, voltando para perto de Caleb. - Agora pense em um jeito de me agradecer. 
- Não, espera aí... Você roubou meu café, estamos quites! - Scarlett percebeu como ele ficava diferente sem os óculos. Percebeu como o castanho dos olhos dele era intenso e bonito. Lembrava chocolate. Quando percebeu, já tinha se aproximado de novo, segurando o rosto dele com as duas mãos. Caleb ficou imóvel e se perguntou porque ela estava fazendo tudo aquilo. Ele se sentiu nervoso, não era todo dia que uma mulher bonita como ela agia daquele jeito... 
- Seus olhos são bonitos. - ela disse convicta, permitindo a ele sentir seu hálito de café. - Eu diria até que eles tem algo de muito sexual... - Caleb levantou um sobrancelha e, por reflexo, suas duas mãos foram parar na cintura dela, coberta pelo couro da jaqueta. 
- Ah... Eu...
- Shhh! Não estrague o momento, Caleb, pense em algo para dizer depois do beijo. 
- Beijo? Que beij... - ele bem que tentou dizer, mas na mesma hora sentiu os lábios quentes dela se juntarem aos seus. 
Imediatamente Caleb fechou os olhos e, não tendo saída, se deixou envolver pelo contato. Os dedos de Scarlett rapidamente agarraram seus cabelos e a língua esperta dela parecia controlar a dele. As mãos de Caleb depositaram mais força na cintura da mulher. E então, se surpreendo com a própria atitude, ele a puxou com certo furor para mais perto, arrancando um gemido seguido por um risinho de sua boca. Ambos deram um passo para trás e Caleb sentiu quando seu corpo encostou em alguma coisa. O beijo até poderia ter continuado, se não fosse pelo alarme do carro que disparou... 
- Droga! - ela o soltou e olhou ao redor, para se certificar de que ninguém estava vendo. Segurou a mão de Caleb com força e o puxou para longe. Eles correram e foram parar em outra esquina, rindo do que tinha acabado de acontecer. Seus olhos se encontraram e a lembrança do beijo veio. Caleb ainda não acreditava que ela tinha feito aquilo... Scarlett sentiu uma tristeza estranha no peito. 
- Eu preciso ir... - ela disse receosa, pensando em um jeito de se afastar. Ele balançou a cabeça negativamente e foi para mais perto, segurando seu braço. 
- Não! Você não vai fugir de novo desse jeito. Sempre faz isso, Scarlett. Se vai se afastar, me diga o por quê. - ela quase arregalou os olhos com a forma decidida que ele estava agindo. 
Scarlett se lembrou do que deveria estar fazendo. Deveria procurar por Demetria e contar tudo que sabia, as coisas que poderiam ajudar Joseph. Mas quando viu Caleb tão perto, não conseguiu se segurar e precisou se aproximar. Ela pensou por um instante e decidiu que tinha que contar tudo que estava acontecendo para alguém. Sim, era errado, mas talvez acabasse até que sendo útil. 
Depois que cantou para Caleb o que fazia e o que tinha descobrido sobre o caso de Erin Fields, ele pareceu animado para ajudá-la. Pensar que seu pai estava envolvido naquele crime foi o fator principal que o fez tomar uma decisão. 
- Eu vou ajudar! - ele disse. 
- Eu não sei se você realmente pode ajudar, mas pode ir comigo falar com a Demetria. 
- Faz tempo que eu não a vejo... Muitas coisas devem ter acontecido, não é? 
- É, aparentemente, sim. Eu notei algumas coisas esses dias e acho não vou conseguir pegar a prova sozinha, vou precisar da ajuda dela. 
- Você sabe onde ela está? 
- Arthur me disse que ela estava em um lugar, mas prefiro que ela venha me encontrar, sabe? - Scarlett sacou seu celular e discou os números que já tinha decorado. Não demorou para que Demetria atendesse. - Hey, Demetria, é a Scarlett, babá do seu marido! - Caleb revirou os olhos e ela se desculpou, dizendo que sempre procurava manter o bom humor. - Acredito que Arthur falou que eu posso ajudar, certo? Pode me encontrar em um endereço? - do outro lado da linha, Demetria parecia pensar para responder, mas chegou a conclusão de que era o melhor a fazer. - Ok... - Scarlett passou o endereço da casa onde estava morando. - Nos encontramos lá às três da tarde, vá sozinha. - e então desligou, olhando para Caleb. - Eu sempre quis dizer "Vá sozinha/o" para alguém! - ele riu do tom de voz empolgado dela e os dois foram para a casa de Scarlett. Todo aquele plano contava com um novo membro, mas será que as coisas funcionariam corretamente? Sem surpresas ruins?


Demetria's P.O.V

Quando cheguei ao endereço que me foi passado, hesitei um pouco antes de tocar a compainha. Olhei para o outro lado da rua, agradecendo mentalmente por nada de errado ter acontecido durante o caminhou e a mulher que estava com Joseph na festa de Elizabeth apareceu na porta, mostrando-se satisfeita por me ver. Mas percebi que alguém tinha esquecido de me contar uma parte do plano... O que Caleb estava fazendo ali com ela? 
- Oi, Demetria. Quanto tempo! - ele disse animado e Scarlett pediu para que eu entrasse, olhando ao redor antes de fechar a porta. 
- O que você faz aqui, Caleb? 
- Digamos que Caleb sabe tudo que está acontecendo. - Scarlett respondeu por ele. 
- Meu pai enterrou o corpo da garota, eu não posso ficar fora disso. Scarlett me contou algumas coisas, estou disposto a ajudar vocês. - nós três fomos até o que parecia ser uma sala e nos sentamos cada um em um sofá. Apenas uma mesinha de vidro nos separada. Nos encaramos sérios e Scarlett se preparou para começar a falar. 
- É o seguinte, Demetria... Eu conheço o Carter há um bom tempo. Certo dia, enquanto nós... - ela parou de falar e olhou para Caleb, que mordeu o lábio e fingiu estar distraído. Levantei um dos cantos dos meus lábios ao perceber o que estava acontecendo ao meu redor. - Enquanto eu estava na casa dele, Carter me mostrou uma coisa. Um vídeo. Tinha uma câmera pré-histórica e estava gravado em uma fita. A princípio, eu não sabia direito o que aquilo queria dizer, mas depois eu conversei com o Caleb e posso afirmar: era Erin Fields na filmagem. 
- Você tem certeza? - perguntei, surpresa. - Mas o que aconteceu no vídeo? 
- Esse é o problema! Eu não vi tudo... Mas pelo que eu vi, acho que nós devemos tentar pegar essa fita. Pode ser uma prova a favor da inocência do Joseph. 
- Mas você já pensou em como vai pegar essa fita? - Caleb perguntou, interessado. Ela olhou dele para mim e bufou. 
- Não, eu duvido que o Carter me receberia em sua casa de novo. Não posso ir lá... Temos que pensar em outro jeito. - pensei na conversa que tive com Carter na festa de Elizabeth, e me lembrei de como ele parecia interessado em mim de um jeito sombrio. Eu não sabia o que ele queria comigo, tinha até medo de pensar... Mas talvez fosse o único jeito. - Demetria... - Scarlett me acordou de pensamentos. - Você tem algum tipo de relação com o Carter? Eu vi vocês na festa, escutei quando ele disse que ainda não tinham terminado seja lá o que estava acontecendo. 
- Eu... - comecei, pensando em Joe. Ele precisava da minha ajuda. Eu faria qualquer coisa para salvá-lo, mesmo que fosse extremamente fatal. - Eu sei como nós podemos pegar a fita. 

If you wanna run away, I can give you a ride
I'm a one way ticket to the darker side
So come with me, baby, lets lose some sleep
But don't mistake me for a dream.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sem comentario, sem fic ;-)